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Conflitos, ação coletiva e políticas públicas: Conteúdos sociais das origens e consolidação de áreas de proteção ambiental no Espírito Santo

Conflicts, Collective Action, and Public Policies: Social Contents of the Origins and Consolidation of Environmental Protection Areas in Espírito Santo

RESUMO

Este artigo apresenta dados sobre o surgimento e a consolidação da política pública de criação de áreas protegidas entre 1940 e 2000 no território do estado do Espírito Santo. Metodologicamente, trata-se de um estudo de caso. Buscou-se analisar processos envolvendo estratégias de ação coletiva sob a ótica dos conflitos sociais. O texto apresenta considerações sobre a participação da sociedade civil na transição entre um modelo pessoalizado - mais suscetível às vontades individuais (ações de governos) - e outro pautado nos debates públicos, ou seja, institucionalizado (política de Estado).

Palavras-chave:
conflitos sociais; unidades de conservação; ação social; política ambiental; resistência social

ABSTRACT

Conflicts, Collective Action, and Public Policies: Social Contents of the Origins and Consolidation of Environmental Protection Areas in Espírito Santo presents data about the emergence and consolidation of the public policy creation of protected areas between 1940 and 2000 in the territory of the state of Espírito Santo. Methodologically, this is a case study. It aimed to analyze processes involving collective action strategies from the perspective of social conflicts. The paper presents considerations about the civil society participation in the transition between a personalized model - more susceptible to individual wills (government actions) - and another based on public debates, institutionalized (state policy).

Keywords:
social conflicts; conservation units; social action; environmental policy; social resistance

Introdução

A questão ambiental vem influenciando decisões nos planos individual e coletivo, empresarial e público, com cada vez mais vigor, se analisadas escalas temporais que extrapolam as décadas. Se ainda temos níveis exponenciais de degradação ambiental em alguns indicadores, é possível ver também cada vez mais exemplos de populações que, ao menos no nível do discurso, projetam críticas a modelos de crescimento ecologicamente inviáveis. É bem verdade que o tema é complexo e ambíguo, quando analisada a escala geográfica planetária. Se nações europeias limitam cada vez mais o uso de intensivos agrícolas, desde 2008 o Brasil assumiu o primeiro lugar mundial em utilização de pesticidas, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca), da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)1 1 “Somos, desde 2010, os campeões mundiais no uso de agrotóxicos, com uma média de mais de 5 kg para cada brasileiro por ano” (AUGUSTO et al., 06/2012, p. 35). . Algumas análises apontam que esse posto foi alcançado graças à forte atuação da bancada ruralista, que flexibilizou regras ao longo dos últimos anos - e continua flexibilizando, a exemplo das pressões relacionadas a terras indígenas e unidades de conservação -, obedecendo à lógica capitalista de expansão econômica em detrimento do tempo ambiental.

Diante desse cenário, observa-se diversas estratégias de ação na sociedade, variando desde a opção por produtos orgânicos - quando a composição socioeconômica familiar permite essa alternativa - até o apoio, manifestado de diversas formas, a organizações que promovem a agricultura orgânica ou a agricultura de menor escala - geralmente menos intensiva no uso de fertilizantes e pesticidas químicos. Da mesma maneira, essas e outras estratégias de ação são implementadas por muitos grupos sociais em outras frentes de defesa dos interesses ambientais. No governo Temer (2016-2018), no contexto dos debates em torno da redução de áreas protegidas na Amazônia (VEJA, 14/07/2017), a pressão social exercida fez com que o governo federal recuasse em sua proposta.

Essa dimensão da ação social diante das ações de governo é muitas vezes invisibilizada pela mídia de massa no Brasil. Não raro, os recuos em propostas e projetos de lei são apresentados a partir de uma narrativa que extrai completamente o componente da pressão social em face das ações de governo, apesar de ser fruto dela. Vejamos a notícia a seguir, do jornal O Globo, intitulada “Governo publica norma que suspende efeitos de extinção de reserva na Amazônia: Após polêmica, Ministério recuou e disse que vai abrir ‘amplo debate’ com a sociedade’” (VENTURA, 05/09/2017VENTURA, Manoel. “Governo publica norma que suspende efeitos de extinção de reserva na Amazônia: Após polêmica, Ministério recuou e disse que vai abrir ‘amplo debate’ com a sociedade’”. O Globo, Economia, 5 set. 2017. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/governo-publica-norma-que-suspende-efeitos-de-extincao-de-reserva-na-amazonia-21786299
https://oglobo.globo.com/economia/govern...
):

O governo federal publicou, nesta terça-feira, no Diário Oficial da União, uma portaria que paralisa todos os procedimentos relativos à atividade de mineradoras na região na Amazônia conhecida como Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), alvo de uma polêmica após decreto do presidente Michel Temer autorizar a mineração na região. O Ministério de Minas e Energia também vai abrir uma consulta pública para debater as alternativas para a proteção da região, depois da reação negativa causada pela extinção da reserva.

Após a forte repercussão negativa pela decisão do presidente Michel Temer de extinguir, por decreto, a Renca, liberando uma área de 47 mil quilômetros quadrados entre o Pará e o Amapá para exploração mineral, o governo recuou. Na última quinta-feira, o Ministério de Minas energia informou que decidiu suspender os efeitos do decreto para realizar “um amplo debate com a sociedade”, diante das críticas de que decidiu acabar com a reserva mineral sem discutir com a população.

A notícia apresenta como contexto uma “forte repercussão negativa”, utilizando uma frase sem sujeito, um uso típico do processo de invisibilização da sociedade diante de rumos políticos. Essa configuração, que visa à anulação de componentes coletivos nas decisões de governo, não é uma novidade. Segundo Lopes (2004LOPES, José Sérgio Leite (coord); ANTONAZ, Diana; PRADO, Rosane; SOLVA, Gláucia (orgs). A ambientalização dos conflitos sociais: Participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Nuap-UFRJ), 2004.), contudo, temos um contexto de ambientalização de conflitos sociais em que as disputas envolvendo o meio ambiente podem ganhar repercussão nacional e internacional, abrindo espaços para novas formas de atuação - a ambientalização dos conflitos sociais implica transformações no Estado e nos comportamentos das pessoas.

A leitura do tempo e do espaço pela perspectiva dos conflitos sociais, sejam eles ambientais ou não, nos permite desnudar as relações de contradição presentes em um dado momento. Esse movimento em torno das contradições é central para as ciências humanas e sociais, principalmente aquelas afeitas à investigação de ações coletivas e movimentos sociais; é fundamento teórico (explicativo) e empírico (justificativa e insumo para a ação). A metodologia de interpretação dessas contradições, contudo, está longe de atravessar a pacificação, variando dos adeptos do materialismo histórico-dialético aos postulantes da condição histórica pós-moderna. No primeiro caso, a leitura das ações coletivas e dos movimentos sociais inevitavelmente passa pelo Estado, em suas lutas políticas; no segundo caso, por sua vez, é possível fazer interpretações para além das institucionalizações tradicionais.

No contexto das apropriações teóricas, Alonso e Botelho (2012ALONSO, Angela; BOTELHO, André. “Repertórios de ação coletiva e confrontos políticos: Entrevista com Sidney Tarrow”. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, pp. 11-19, 2012.) destacam o conjunto de conceitos e investigações liderados por Charles Tilly e Sidney Tarrow, que fornecem elementos para redesenhar

os estudos das dinâmicas de mobilização, negociação e confronto das ações coletivas, assim como vêm contribuindo decisivamente para revigorar umas das áreas mais tradicionais das ciências sociais, a sociologia política, forçando inclusive redefinições de algumas das suas categorias aparentemente mais estáveis, caso do conceito de conflito social (Ibid., p. 11).

Alonso (2012ALONSO, Angela; BOTELHO, André. “Repertórios de ação coletiva e confrontos políticos: Entrevista com Sidney Tarrow”. Sociologia e Antropologia, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, pp. 11-19, 2012., p. 22) ainda destaca que “Tilly construiu sua teoria da mobilização política rechaçando explicações economicistas, deterministas e psicossociais da ação coletiva”. Gohn (2009, p. 31) ressalta que o autor apresenta componentes da ação coletiva e dos movimentos sociais para os definir, em que “os interesses, a organização, a mobilização, as oportunidades e as ações coletivas propriamente ditas” devem ser analisados no contexto da criatividade dos indivíduos e das limitações estruturais que criam obstáculos às possibilidades de ações. Esse campo do possível põe em relação dialética indivíduo e estrutura, escolhas individuais e pressões sociais, nas definições de quais ações serão desenvolvidas. Carlos (2019), em estudo acerca de populações atingidas pelo rompimento da barragem de Mariana, em Minas Gerais e no Espírito Santo, fundamenta suas pesquisas e descreve que

Em sua formulação mais recente, Tilly define “repertórios de contenção” como “as matrizes de performances de reivindicação limitadas, familiares, historicamente criadas que , na maioria das circunstâncias, circunscrevem imensamente os meios pelos quais as pessoas se envolvem em políticas controversas” (Tilly 2006, p. vii). Esse conceito de repertório como um conjunto de performances valoriza tanto a continuidade quanto a inovação em suas escolhas e transformações ao longo do tempo. Escolha, interpretação, significado, improvisação, aprendizado, tradição e adaptação abrangem repertórios e performances de atores coletivos (Ibid., p. 4, tradução nossa).

Os repertórios de contenção se fundamentam e são limitados historicamente. A esse respeito, Bringel (2012BRINGEL, Breno. “Com, contra e para além de Charles Tilly: Mudanças teóricas no estudo das ações coletivas e dos movimentos sociais”. Sociologia e Antropologia, vol. 2, n. 3, pp. 43-67, 2012., p. 46) destaca que “embora existam diferentes formas de greves, petições e outras formas de articular demandas e reivindicações, o repertório de ações coletivas disponíveis para a população é bastante limitado”. Essas variações nas formas como as demandas são expostas, a partir das ações coletivas e dos movimentos sociais, colocam em curso processos internos e externos aos grupos que se interrelacionam com mudanças sociais - sejam elas desejadas ou indesejadas, afinal, não há possiblidade de controle total desses experimentos sociais.

Nas palavras do próprio Tilly (2012TILLY, Charles. “Movimentos sociais como política”. Revista Brasileira de Ciência Política, n. 3, pp. 133-160, 2012., p. 136), os movimentos sociais são

uma forma específica de política contenciosa - contenciosa, no sentido de que os movimentos sociais envolvem a elaboração coletiva de reivindicações que, alcançando sucesso, conflitariam com os interesses de outrem; política, no sentido de que governos, de um ou outro tipo, figuram de alguma forma nesse processo, seja como demandantes, alvos das reivindicações, aliados desses alvos, ou monitores da contenda.

Não temos aqui o objetivo de analisar os repertórios confrontacionais destacados pelo autor. Buscamos, em vez disso, considerar os conflitos sociais como ferramentas utilizadas em ações coletivas, que podem ser mobilizadas variavelmente como elementos de repertórios - as ações coletivas nãos se circunscrevem apenas aos conflitos sociais, mas estabelecem outras relações, como a cooperação. Para tal entendimento, partimos da hipótese levantada por Santos (2014SANTOS, Leonardo Bis dos. “O conflito social como ferramenta teórica para interpretação histórica e sociológica”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: Ciências Humanas, vol. 9, n. 2, pp. 541-553, 2014.), segundo a qual os conflitos sociais são uma ferramenta analítica para interpretar a relação entre agenda pública - capaz de mobilizar setores da sociedade - e agenda política - capaz de pressionar decisões de Estado.

Quadro 2
Níveis de conflitos associados às agendas social e política

Essa categorização teve como base a teoria do reconhecimento desenvolvida por Axel Honneth (2003HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais. São Paulo: 34, 2003.) e a literatura acerca de conflitos ambientais de Acselrad (2004ACSELRAD, Henri (org). Conflito social e meio ambiente no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Fase, 2004.) e Zhouri (2005ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice Barros (orgs). A insustentável leveza da política ambiental: Desenvolvimento e conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.). Buscou-se a interpretação de fontes que permitiram opor vertentes diversas sobre o objeto aqui analisado, qualificando as diversas manifestações dos conflitos relacionados às agendas pública e política. Dessa forma, a análise privilegia a contradição, de modo a fornecer mais instrumentos para a superação hegemônica na análise da ação social.

Amparado nessa hipótese teórica, este artigo apresenta dados referentes ao período de 1940 a 2000 sobre as origens e a consolidação da política pública de criação de áreas ambientalmente protegidas. Com esse recorte temporal, foi possível analisar a composição social desde o surgimento da política pública no Brasil (o primeiro parque natural federal foi criado em 1937) até o processo de reabertura democrática, passando pelas configurações e reconfigurações de inibição violenta da participação da sociedade nas decisões públicas. Para tanto, realizamos um recorte geográfico em uma unidade da federação, o Espírito Santo, buscamos documentação em arquivos do governo estadual, de instituições públicas ligadas à questão ambiental no período e da Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) e consultamos fontes bibliográficas não oficiais, como jornais e livros.

Antes de avançarmos, merece destaque a perspectiva desenvolvimentista que caracteriza, em grande medida, a história do Espírito Santo. O estado é limitado por grandes potências políticas e econômicas; localiza-se entre ex-capitais, Salvador (1549-1763) e Rio de Janeiro (1763-1960), e está inserido no Sudeste, a região mais industrializada do país - composta também pelos estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Ademais, vem manifestando, a partir de suas elites, um ideal de progresso marcado pela truculência física e simbólica em face da atuação de grupos e movimentos sociais contra-hegemônicos.

Corroborando esse argumento, documentos apresentados na tese defendida por René Dreifuss em 1980, e publicada no Brasil em 1981, apresentam uma série de ligações entre empresários e órgãos públicos e privados durante a década de 1960 com interface na política econômica do Brasil, com rebatimentos diretos no Espírito Santo (DREIFUSS, 1981DREIFUSS, René Armand. 1964: A conquista do Estado - A ação política, poder e golpe de classe. Petrópolis: Vozes, 1981.). Um exemplo é a implantação da então Aracruz Celulose S/A (atual Fibria S/A); a construção dessa planta industrial destituiu terras indígenas, quilombolas e de pequenos agricultores, tendo severas consequências socioculturais (SANTOS, 2016SANTOS, Leonardo Bis dos. “Redes de interesse empresariais e ditaduras políticas: o caso da expansão da silvicultura no estado do Espírito Santo/Brasil”. CEM Cultura, Espaço e Memória, vol. 1, n. 7, pp. 181-192, 2016.). Esse caso, que será discutido adiante neste artigo, é um entre os muitos que ilustram como o ideal de progresso exerce forte influência no Espírito Santo, sobretudo relacionado aos projetos concentrados nas áreas litorâneas, disputadas por atividades portuárias2 2 Para maior detalhamento, ver Santos e Ribeiro (2013). , pela monocultura de eucalipto e pela indústria petrolífera.

Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é analisar a composição social no Espírito Santo, em seu aspecto mais conjuntural em termos nacionais, diante das decisões que inicialmente caracterizamos como ações de governo - mais pontuais - e sua passagem para políticas de Estado, em que a participação da sociedade civil é mais visível e confere mais estabilidade às decisões públicas. É possível observar alguns movimentos sociais em que as ações se tornam mais visíveis e se mostram mais perenes, com mais potencial de aglutinar novos sujeitos às estratégias de defesa de interesses sociais, alterando, a partir da resistência e da ação coletiva, os níveis de categorização apresentados.

Conclui-se que essa passagem entre os níveis indicados não é automática e carece de uma série de variáveis, como aderência cultural a grupos amplos, inserção do debate na agenda pública, capacidade de mobilização, eficácia na comunicação com as massas e possibilidades de legitimação de discursos, sempre requerendo quantidade significativa de energia social para pressionar os círculos decisórios na busca pela efetivação das demandas sociais.

Áreas de proteção ambiental e conflitos sociais: uma relação estreita na interpretação da ação social

As referências históricas ao manejo dos bens naturais associadas a áreas de reserva não são recentes. Relatos de práticas na busca de um condicionamento da apropriação material da natureza são bem antigos. Segundo Dourojeanni e Pádua (2001DOUROJEANNI, Marc J.; PÁDUA, Maria Tereza Jorge. Biodiversidade: A hora decisiva. Curitiba: Editora da UFPR, 2001.), a utilização de mecanismos políticos de defesa dos bens ambientais remonta à pré-história cristã, tendo exemplos também na Idade Média. Bensusan (2006BENSUSAN, Nurit. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: FGV, 2006.) volta ainda mais longe no tempo e destaca que “reservas reais de caça já aparecem nos registros históricos assírios de 700 a.C.” (p. 12). Entretanto, tais relatos sobre reservas de proteção da natureza faziam parte do conjunto de exceções à regra da utilização desenfreada dos recursos. Eles expressavam a preocupação com a natureza apenas sob o prisma de sua utilidade segundo as necessidades humanas; não se tratava, portanto, de uma preocupação com a riqueza genética da natureza para além da apropriação humana imediata.

Apesar de existirem, os exemplos relacionados à criação de reservas florestais ou de caça e pesca não foram sistematizados segundo um conjunto mais ou menos organizado de práticas comuns nas sociedades da antiguidade ou medievas. Havia sistemas sociais de rodízio da utilização dos solos para plantio, ou ações culturais semelhantes, mas ainda bastante distintos do conceito atual. É só na modernidade que surge a categoria, hoje amplamente conhecida, de áreas ambientalmente protegidas ou unidades de conservação. Mesmo assim, em sua origem, elas tinham uma parca sistematização administrativa, em termos de territórios nacionais, que garantisse minimamente a perenidade no processo de criação, implementação e gestão dessas áreas.

Somente a partir de 1872, com a constituição do Parque Nacional de Yellowstone, nos EUA, se consolidaria no mundo o modelo de política pública de criação de áreas protegidas nos moldes que conhecemos hoje. A criação desses espaços, contudo, sempre esteve permeada de conflitos sociais - cada vez mais visíveis, dadas as denúncias a partir de movimentos sociais organizados e de trabalhos científicos divulgados. Ao colocar os interesses da sociedade industrial à frente daqueles dos ocupantes históricos, estes criam estratégias de ação no sentido de resistir e buscar a manutenção de estilos de vida característicos.

No caso de Yellowstone, sabia-se da existência de indígenas Crow, Blackfeet e Shoshone-Bannock na área do parque (BENSUSAN, 2006BENSUSAN, Nurit. Conservação da biodiversidade em áreas protegidas. Rio de Janeiro: FGV, 2006.; DIEGUES, 2004DIEGUES, Antônio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec/Nupaub/Usp, 2004.). Contudo, com sua criação, foi determinada a proibição da ocupação humana em seu interior. Afinal, mesmo que os indígenas fossem habitantes históricos daquela região, em última análise aquele paraíso existia antes mesmo do próprio ser humano e haveria de permanecer sem sua interferência para fins de contemplação por grupos sociais urbano-industriais. Colchester (apud BENSUSAN, 2006) declara que na implementação do Parque Nacional de Yellowstone os conflitos envolvendo o governo americano e os indígenas locais atingiram um nível extremo:

A criação do Parque Nacional de Yellostone desalojou povos indígenas, como os crow, blackfeet e shoshone-bannock. Essa resposta simples, entretanto, revelou rapidamente sua face complexa: cinco anos depois da criação de Yellowstone, 1877, os shoshone entraram em conflito com as autoridades do parque, resultando em um saldo de 300 mortos. Nove anos depois, a administração do Parque Nacional de Yellowstone passou para as mãos do Exército americano (Ibid., p. 113).

Vale ressaltar que, em termos empíricos, é impossível dissociar a criação de unidades de conservação da ideia de conflitos. Toda e qualquer unidade de conservação vai necessariamente nascer de um ou mais conflitos e, geralmente, vai gerar outras ordens de disputas. Seja pela luta de preservação de uma espécie ou do conjunto genético encontrado em uma determinada área, seja para garantir a preservação de um espaço de beleza cênica ou historiográfica relevante, sempre, em todos os casos em que há riscos iminentes de sua perda, grupos sociais entrarão em choque a partir de estratégias de ação social ou de movimentos sociais mais ou menos consolidados. As apropriações culturais diversas, basicamente em contradição com a apropriação em larga escala desses recursos, fazem com que haja uma ação de proteção que aglutina doses variáveis de disputas - mas estas, contudo, estão sempre presentes.

Analisar as unidades de conservação pela perspectiva dos conflitos sociais tem se mostrado bastante comum nos círculos científicos no Brasil. Essa proposta teórico/metodológica se ampara em diversos estudos (LOPES et al., 2004LOPES, José Sérgio Leite (coord); ANTONAZ, Diana; PRADO, Rosane; SOLVA, Gláucia (orgs). A ambientalização dos conflitos sociais: Participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Nuap-UFRJ), 2004.; ACSELRAD, 2004ACSELRAD, Henri (org). Conflito social e meio ambiente no Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Fase, 2004.; ZHOURI e OLIVEIRA, 2005ZHOURI, Andréa; LASCHEFSKI, Klemens; PEREIRA, Doralice Barros (orgs). A insustentável leveza da política ambiental: Desenvolvimento e conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.). Segundo Simmel (1977SIMMEL, Georg. “La lucha”. In: Sociología: Estudios sobre las formas de socialización. Madrid: Biblioteca de la Revista do Occidente, 1977[1908], pp. 265-355.), a própria relação de conflito é uma forma de interação e, já que nos interessa um tipo bastante específico de conflito, o de cunho social, necessariamente uma infinidade de redes é composta, ora para apoiar, ora para refutar determinados projetos. Essas estratégias de ação são fundamentais para entendermos como os movimentos sociais e os grupos alijados do poder hegemônico do capital se articulam em defesa de seus interesses, e como o Estado se comporta, a partir de suas legislações específicas nesse contexto.

Nacionalmente, a história de luta pela conservação da natureza associada ao estilo de vida de seringueiros tradicionais chegou a níveis extremos; o fato mais marcante foi o assassinato de Francisco Alves Mendes Filho, mais conhecido como Chico Mendes, em 1988, no Acre. No Espírito Santo, observa-se o caso do ambientalista Paulo César Vinha, assassinado em 1993 por lutar contra a extração ilegal de areia em área de restinga. Esses dois casos demonstram como os conflitos ambientais podem chegar a ameaçar a integridade física e a vida dos envolvidos. Entretanto, há que se considerar alguns elementos: houve números bastante elevados de mortes associadas à defesa ambiental3 3 Segundo dados da ONG Global Witness, em 2014 o Brasil liderou a lista de assassinatos de ativistas ambientais em todo o globo: “O ano passado terminou com 21 vítimas a mais do que 2013, e o Brasil continua liderando o ranking mundial desse tipo de violência ambiental que permanece impune em 25% das mortes [foram 29 assassinatos no Brasil]. Em seguida vêm Colômbia (25), Filipinas (15) e Honduras (12) em uma lista de 17 países. América Latina registrou 87 dos casos. Honduras, considerado o país mais violento do mundo segundo a ONU, também mantém sua posição pelo quinto ano consecutivo como o lugar com mais assassinatos de ativistas per capita” (MARTÍN, 20/05/2015). Esse dado também foi repercutido no Brasil pela revista Carta Capital (22/04/2015). , em dados de relatórios atuais e subnotificações, bem como invisibilidade social de indígenas, quilombolas e populações tradicionais coletoras. Diegues (2004DIEGUES, Antônio Carlos Sant’Ana. O mito moderno da natureza intocada. São Paulo: Hucitec/Nupaub/Usp, 2004.) é categórico ao afirmar que, antes do assassinato de Chico Mendes, outros seringueiros já haviam sido assassinados no contexto de luta pela manutenção do estilo de vida e modelo de reprodução material.

Os conflitos sociais envolvendo a criação de unidades de conservação, contudo, podem envolver doses menos dramáticas, do ponto de vista da integridade física, mas não menos emblemáticas do ponto de vista sociopolítico. Histórica e conceitualmente, o conflito social está no seio da ideia de criação de áreas protegidas. Desse modo, as propostas de criação de unidades de conservação nascem de um conflito, às vezes latente, outras vezes explícito, ou mesmo, nos casos já citados, de conflitos extremos (SANTOS, 2014SANTOS, Leonardo Bis dos. “O conflito social como ferramenta teórica para interpretação histórica e sociológica”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: Ciências Humanas, vol. 9, n. 2, pp. 541-553, 2014.). As evidências dessa hipótese são variadas. Para Vivacqua e Vieira (2005VIVACQUA, Melissa; VIEIRA, Paulo Freire. “Conflitos socioambientais em unidades de conservação”. Política & Sociedade, Florianópolis, vol. 4, n. 7, pp. 139-162, 2005., p. 151):

Historicamente, a criação de áreas protegidas tem dado margem a um longo processo de formação e disseminação de situações de conflito, seja pela exclusão do acesso aos bens e serviços ambientais nela contidos, ou seja pela expulsão das populações residentes após o decreto de instituição das áreas.

Oliveira (2004), ao estudar a Estação Ecológica Juréia-Itatins, em São Paulo, revela que a constituição dessa unidade de conservação remonta à década de 1950 e que em sua origem encontra-se uma disputa fundiária entre populações assentadas e indígenas Guarani. Os interesses econômicos nos ativos ambientais acirraram ainda mais o contexto.

Já em Minas Gerais, extraímos como exemplo a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Sul, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ao estudar a história da constituição daquela APA, Camargos (2004CAMARGOS, Regina. “Nascimento da APA Sul-RMBH: poder da polêmica. In: ACSELRAD, Henri (org). Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará/Fundação Heinrich Böll, 2004, pp. 131-146.) destacou as forças sociais envolvidas e o caráter simbólico das disputas, realçadas nas diferentes apreensões sociais do meio ambiente. Dada sua proximidade com Belo Horizonte, além dos interesses dos moradores locais e de especuladores econômicos, adicionou-se pressões citadinas por bens ambientais. Segundo a autora, “as diferentes representações de natureza evocadas e a gradual metamorfose dessas mesmas representações são indicativas do papel fundamental do aspecto simbólico do conflito” (Ibid., p. 135), envolvido na mobilização de esforços na criação da área. As disputas concentraram-se entre grupos de moradores, empresários do setor imobiliário e empresários do setor minerador.

No Ceará, a criação da APA da Serra do Baturité teve como principal elemento de conflito a erradicação dos cafezais, ainda na década de 1970, o que, segundo Durán (1998DURÁN, Tulio A. “Área de Proteção Ambiental: O maciço de Baturité”. In: LOPES, Ignez Vidigal (orgs). Gestão ambiental no Brasil: Experiência e sucesso. Rio de Janeiro: FGV, 1998, pp. 215-238.), acelerou o processo de desmatamento e degradação dos solos. Esse cenário expôs com vigor o dilema da sobrevivência dos habitantes locais, além de ter influenciado um ecossistema estratégico para o abastecimento de água para a capital cearense, distante cerca de 100km em relação à APA.

O agravamento do quadro ambiental da serra de Baturité na década de 70, após a falência do programa de erradicação do café sombreado promovido pelo IBC [Instituto Brasileiro do Café] e seguido por significativo número de produtores da região, provocou a reação de um segmento dos proprietários de terras da serra. O embrião do grupo de pressão que iniciou o movimento para a criação da APA foi formado por veranistas de alta renda e produtores de café que não seguiram o programa de erradicação. Preocupados com a deterioração do meio ambiente da serra, o movimento para a criação da APA foi iniciado em meados da década de 80. Na época, realizaram-se reuniões para definição de um plano de ação. (...) Esse movimento espontâneo acabou resultando na criação da APA do maciço de Baturité, através do Decreto nº. 20.956, de 18-9-1990. A APA cobre uma área de 30.690ha (Ibid., p. 221).

No Espírito Santo, em recente pesquisa divulgada, foram apresentados os níveis e as formas de conflitos ambientais na proposição de unidades de conservação marinhas. Ao apresentar o processo de criação da APA Costa das Algas e Reserva de Vida Silvestre de Santa Cruz, foram evidenciados os vários interesses díspares, frutos dos vários projetos de desenvolvimento e das diversas formas de apreensão do meio ambiente. Na ocasião, estavam em questão os interesses quilombolas, indígenas, de pescadores locais e de grandes corporações, como a extinta Aracruz Celulose S/A e a Petrobras S/A (SANTOS, 2014SANTOS, Leonardo Bis dos. “O conflito social como ferramenta teórica para interpretação histórica e sociológica”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: Ciências Humanas, vol. 9, n. 2, pp. 541-553, 2014.).

A exposição de dados contribui para a entrada dos conflitos nas discussões científicas e políticas (FERREIRA, 2004FERREIRA, Lúcia da Costa. “Dimensões humanas da biodiversidade: Mudanças sociais e conflitos em torno de áreas protegidas no Vale do Ribeira, SP, Brasil”. Ambiente & Sociedade, Campinas, vol. VII, n. 3, pp. 47-68, 2004.), favorecendo substantivamente a criação e o fortalecimento de redes sociais em torno da questão e tornando visíveis as estratégias de ação de pressão para alcançar políticas públicas. Abarcados de formas distintas e com conteúdo variados, a partir de combinações e recombinações por meio de polos, esses conflitos envolvem a contestação do status quo ou sua manutenção em um dado contexto. A posição das redes sociais alinhadas ao ponto de vista conservador tende a desqualificar os argumentos de populações com alta dependência dos ciclos ambientais - ou, em contextos urbanos, de populações que contestam posições hegemônicas - e rotula os conflitos socioambientais como obstáculos à gestão e à geração de emprego e renda. Outros conteúdos programáticos, entretanto, consideram as demandas socioculturais e os projetos políticos contidos na manifestação dos interesses em jogo como uma arena de disputas. A explicitação dos conflitos, assim, tem aparecido como estratégia de ação e obtenção de objetivos. Quiçá, de sobrevivência de estilos de vida e manutenção cultural

Níveis de conflitos e os decretos e leis de criação de unidades de conservação: análises dos dados de pesquisa

Dadas as condições sociopolíticas do Brasil entre 1940 e 2000, período atravessado pelo regime militar de 1964 a 1985, em que houve cerceamento severo das liberdades políticas e cidadãs, as condições de participação da sociedade civil foram sensivelmente distintas em relação aos períodos democráticos. A exposição de conflitos a partir de ações coletivas e movimentos sociais foi diretamente afetada pelas condições democráticas - ou antidemocráticas. Houve, então, variabilidade considerável na visibilidade de pautas como questões raciais, de gênero, luta pela habitação, distribuição social de terras improdutivas e a questão ambiental. E essa variação tem relação direta com as condições de exposição do debate público, uma vez que essas demandas são históricas em nosso país - já existiam há muitas décadas. Em outras palavras, talvez transvestidos a partir de outras terminologias, esses temas já apareciam em círculos de debates na virada para o século XX, sem contar que populações diretamente ligadas às questões já implementavam ações de resistência junto às elites políticas e econômicas.

As leis de criação de áreas protegidas no Espírito Santo e sua dimensão social

O Espírito Santo foi uma das primeiras unidades da federação a propor a criação de espaços especialmente dedicados à preservação e conservação da natureza no Brasil. Na década de 1940, quando a delimitação de áreas protegidas ainda não era tema predominante em todo o território nacional4 4 No início da década de 1940, no Brasil, havia apenas três parques federais criados no território nacional (PÁDUA e COIMBRA FILHO, 1979), além de algumas raras exceções nos estados, como em São Paulo e no Rio de Janeiro. , lá já apareciam os primeiros decretos estaduais nesse sentido. Em 30 de setembro de 1941, a partir do decreto-lei no 12.958, foram criadas as duas primeiras reservas florestais do estado, instituindo áreas de preservação de floresta da Mata Atlântica. Naquele momento, os locais escolhidos se situavam no norte do Espírito Santo, em uma área que figurava como a nova fronteira de expansão, explorada por madeireiros que haviam conquistado autorizações do governo estadual para a derrubada das matas. Ressalta-se que toda a região norte do estado teve um incremento na povoação, graças à transposição do então caudaloso rio Doce, com a inauguração da ponte Florentino Avidos, em 1928, no município de Colatina.

A criação de áreas protegidas nesse contexto significava uma ação de governo concreta no sentido de criar impeditivos a esse modelo de povoamento. Afinal, por força de lei (mas nem sempre de fato), as florestas protegidas não poderiam ser alvo da estratégia de enriquecimento com base na derrubada de árvores em larga escala. As reações não tardaram a surgir e um dos dois primeiros parques sequer foi delimitado, tornando-se letra morta ao longo da história.

Em 1948, o governo do Espírito Santo publicaria outro decreto de criação de áreas de protegidas. O decreto no 55, de 20 de setembro de 1948, criara, de uma só vez, sete reservas florestais espalhadas por várias regiões do estado5 5 O decreto no 55/1948 foi transcrito no Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão, série proteção da natureza, nº 2, publicado em 1949. . Algumas dessas áreas só viriam a se configurar de fato como unidades de conservação décadas depois, como no caso do Parque Nacional do Caparaó - onde se situa o Pico da Bandeira (terceiro cume mais elevado do país), na divisa do Espírito Santo com Minas Gerais -, oficialmente criado em 1961, mas que já havia sido indicado no decreto estadual de 1948.

Assim como ocorreu no primeiro decreto, algumas das áreas protegidas não foram demarcadas e jamais foram implementadas. Das sete áreas indicadas, duas nunca saíram do papel. Contudo, cumpre ressaltar os avanços conquistados na década. O primeiro e mais relevante foi a própria iniciativa de criar as primeiras áreas. Tratando-se de um contexto em que forças econômicas no estado pressionavam para que as florestas fossem apropriadas apenas pelo prisma financeiro, merece atenção a decisão do governo local. Em segundo lugar, chama atenção o fato de, após o primeiro movimento político, o governo do Espírito Santo lançar outro decreto com outras sete áreas para serem preservadas.

Os documentos apontam que os defensores da política de defesa da natureza tiveram que lidar com restrições orçamentárias severas, enfrentamentos armados com madeireiros, falta de apoio de outros setores do governo e embates políticos com o modelo de povoamento traçado na época. A Secretaria de Agricultura, Terras e Obras era ao mesmo tempo responsável pela então nova política de defesa da natureza e designada pela outorga de exploração de madeira e pelo povoamento do território. Também há de se considerar que não havia movimentos sociais voltados para essa questão que estimulassem o debate público em torno dela6 6 O primeiro movimento social de defesa da natureza no Espírito Santo surge em 1960, com a Sociedade Amigos das Pedreiras, que teve papel atuante pelo menos até fins da década de 1980, quando surgem outros movimentos sociais com a mesma pauta reivindicatória. . Como explicar então a existência desses instrumentos jurídicos, em um campo de debates ainda novo no Brasil na década de 1940, em um estado periférico em termos políticos e econômicos como o Espírito Santo?

Se, por um lado, não havia mobilização social em torno da causa ambiental, por outro, observava-se agentes dotados de capital social com relações pessoais próximas daqueles que detinham o poder político. Aliado a isso, o norte do estado, que havia ficado isolado, reunia condições ideais para a conservação da natureza, cujas discussões já eram nutridas por movimentos internacionais. Esses pioneiros foram fundamentais na origem das primeiras áreas protegidas. E da relação entre conflitos - no processo de colonização do Espírito Santo e pela apropriação da madeira no norte do estado - e redes sociais - relações interpessoais7 7 Carlos Lindenberg havia sido secretário de Agricultura, Terras e Obras e secretário de Finanças no governo João Punaro Bley — que editou o decreto-lei no 12.958/1941. Depois, viria a ser governador do Espírito Santo, quando foi publicado o decreto no 55/1948. Lindenberg era compadre do cientista Cândido Firmino Mello Leitão, que defendia interesses ligados à preservação da natureza e que o influenciou nas decisões em torno da preservação da natureza no governo do estado. Foi Lindenberg que apresentou o então jovem Augusto Ruschi a Mello Leitão, que por sua vez o indicou a Heloísa Alberto Torres, então diretora do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. A carreira acadêmica de Ruschi foi profundamente marcada pela relação com Mello Leitão, que atualmente dá nome ao Museu de Biologia no Espírito Santo. -, servidores públicos estaduais e federais, bem como cientistas do Espírito Santo8 8 O caso mais ilustre é o de Augusto Ruschi (1915-1986), um ambientalista capixaba que militou intensamente pela preservação da natureza. Teve destaque nacional e internacional na catalogação e defesa de orquídeas e beija-flores. No Espírito Santo, foi figura central na criação de unidades de conservação. Após sua morte foi declarado patrono da ecologia no Brasil — a partir da lei federal no 8.917, de 13 de julho de 1994. e do Rio de Janeiro fundamentaram a proposta inicial.

Atravessados por uma rede pouco visível para a época, os primeiros decretos editados tinham influência de pessoas que lutavam em prol da defesa da natureza diante do modelo de expansão do povoamento. A análise das biografias, em triangulação com as fontes documentais e a bibliografia produzida na época, nos permite concluir, a partir da leitura dos conflitos e de sua (in)visibilidade social, que as estratégias de ação se voltaram para a constituição de redes pessoais. Esse modelo mais pessoalizado - cujas ações de governo se balizaram em forças sociais em curso - também esteve presente nas décadas posteriores: 1950, 1960 e 19709 9 Na década de 1950, especificamente em 1953, foi criada uma área protegida, o Parque Biológico da Região Leste na Ilha de Comboios. Na década de 1960, foram criadas duas novas áreas e recriadas outras duas: a Reserva Florestal Pedra Azul (criada em 1960) e a Reserva Florestal Duas Bocas (criada em 1965), ambas novas áreas, e a Reserva Florestal Forno Grande (criada em 1960) e o Parque Nacional do Caparaó (criado pelo governo federal em 1961), recriadas a partir do decreto no 55/1948, que já defina essas áreas como alvo de preservação, apesar de elas não terem sido demarcadas. Por fim, na década de 1970, a única área protegida criada no interstício da ditadura militar foi a Reserva Biológica Estadual Mestre Álvaro e a Reserva Florestal, em 1976. . Contudo, a velocidade na edição de decretos de criação de áreas protegidas não seria a mesma dos anos 1940. Apesar de setores sociais de defesa da natureza se tornarem cada vez mais atuantes, a reação de elites agrárias e industriais, apoiadas fortemente pelos militares a partir de 1964, tornaria as ações coletivas cada vez complexas.

A ambiguidade foi notável: ao mesmo tempo que a pauta ambiental agregava cada vez mais agentes sociais em torno de sua defesa, foram observadas manobras políticas - a partir de decisões de gabinete influenciadas por elites industriais e empresariais em torno das respectivas federações (da indústria e da agricultura, principalmente) - que descartavam qualquer participação social com pensamentos contra-hegemônicos.

A invisibilização de comunidades inteiras em nome do progresso encontrava na intensificação das relações capitalistas um pilar. Assim, não havia reconhecimento das estratégias de resistência social, seja das elites intelectuais e acadêmicas em defesa da natureza seja das populações quilombolas, indígenas e proprietários de pequenas porções de terras agricultáveis. A sociedade em geral desconhecia, em grande medida, as demandas dessas populações invisibilizadas. Os conflitos sociais eram mantidos na condição latente de forma artificial pelas elites políticas que também dominavam os meios de comunicação10 10 A significativa ambiguidade e complexidade do contexto pode ser exemplificada a partir do fato de que o mesmo ex-governador Lindenberg que influenciou o decreto-lei no 12.958/1941 (na condição de secretário de Agricultura, Terras e Obras e secretário da Fazenda no período predecessor ao decreto-lei) e publicou o decreto no 55/1948 (como governador do estado) foi um dos fundadores da Rede Gazeta de Comunicações, ainda hoje a única detentora dos direitos de transmissão da Rede Globo no Espírito Santo. Além disso, ele e sua família foram, e ainda são, proprietários de grandes fazendas no norte do estado, onde houve intenso desmatamento, ressaltando ainda mais a relevância das redes sociais, capitaneadas por Augusto Ruschi e Mello Leitão, em suas decisões de governo na criação de áreas protegidas. .

Apesar do cunho pessoal e marcadamente de governos - em oposição a políticas de Estado, mais perenes e sistematizadas - nas primeiras décadas de criação de áreas de proteção no Brasil, e particularmente no Espírito Santo, sem dúvida o período de ditadura atingiu limites marcantes nessas decisões ditas “públicas”. O capital político se concentrou nos gabinetes militares, que por sua vez recebiam influências diretas de organizações empresariais - expressões do poder econômico em detrimento do interesse público.

A conjuntura em que se processou a política de incentivo à silvicultura é um exemplo contumaz de um período em que se privilegiou a expansão industrial em larga escala, centrada no mercado internacional de commodities, e se promoveu interferências diretas na criação de novas áreas protegidas no Espírito Santo. A então Aracruz Celulose S/A (atual Fibria S/A) foi a grande beneficiada por uma política fiscal que incentivava a monocultura.

A partir da lei no 5.106, de 2 de setembro de 1966, um modelo pouco ortodoxo para os dias atuais foi adotado para o reflorestamento no Brasil com impacto direto no Espírito Santo. No âmbito do que era entendido como florestamento e reflorestamento, várias experiências, desde plantações de café e eucalipto até plantações de caju no Ceará, no Nordeste, foram incentivadas financeiramente pelo governo militar. Os projetos poderiam receber incentivos da ordem de até 50% do total devido a título de Imposto de Renda, um dos principais tributos pagos pelos brasileiros. O artigo 1o da lei já designava a essência de seu conteúdo:

Artigo 1.º § 3.º As pessoas jurídicas poderão descontar do impôsto de renda que devam pagar, até 50% (cinqüenta por cento) do valor do impôsto, as importâncias comprovadamente aplicadas em florestamento ou reflorestamento, que poderá ser feito com essências florestais, árvores frutíferas, árvores de grande porte e relativas ao ano-base do exercício financeiro em que o impôsto fôr devido (BRASIL, 1966).

Passadas três décadas dessa política, Paulo Nogueira Neto declarou, em entrevista publicada em 1998, que:

Houve, de fato, muita corrupção [no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, o IBDF], desperdício de recursos, mas houve também dinheiro muito bem empregado. As fábricas brasileiras de celulose usaram os recursos corretamente e criaram grandes parques de produção de pinos, eucaliptos etc. E, por outro lado, se o Brasil produz maçã, hoje, é porque - por uma interpretação bastante curiosa, porque maçã não é uma árvore florestal - o IBDF permitiu que as macieiras fossem usadas para reflorestamento. O Ceará fez a mesma coisa com o caju, e deu certo. Hoje, o Ceará depende em grande parte, para o seu sustento, seu desenvolvimento, das indústrias que beneficiam o caju, produzem castanhas e sucos (URBAN, 1998URBAN, Teresa. Saudade do matão: relembrando a história da conservação da natureza no Brasil. Curitiba: Editora da UFPR/Fundação O Boticário de Proteção à Natureza/Fundação MacArthur, 1998., pp. 255-256).

Essa citação é bastante significativa do modelo de expansão industrial da época - “dinheiro muito bem empregado” e “as fábricas brasileiras de celulose usaram os recursos corretamente” -, tanto pelo teor do discurso quanto pelo que representa o seu interlocutor. Paulo Nogueira Neto foi secretário da Secretaria Especial de Meio Ambiente (Sema), órgão que deu origem ao Ministério do Meio Ambiente e ao qual o mencionado Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) estava subordinado entre 1973 (ano de criação da Sema) e 1985. A partir do trecho da entrevista, percebe-se como o governo central se relacionava com a natureza (SANTOS, 2016SANTOS, Leonardo Bis dos. “Redes de interesse empresariais e ditaduras políticas: o caso da expansão da silvicultura no estado do Espírito Santo/Brasil”. CEM Cultura, Espaço e Memória, vol. 1, n. 7, pp. 181-192, 2016.).

Esse incentivo para a plantação de monoculturas foi fundamental para a instalação da Aracruz Florestal S/A, subsidiária da Aracruz Celulose S/A, que viria a se tornar uma das principais fabricantes de celulose do planeta. Coincidentemente, a Aracruz Florestal foi criada seis meses após a publicação da lei no 5.106/1966, e a criação de áreas protegidas em florestas no Espírito Santo só voltaria à cena depois da década de 1980, no contexto da redemocratização política.

A ausência e/ou invisibilidade de debates sociais sobre a temática promovia o ensurdecimento dos dirigentes políticos nacionais e estaduais diante das demandas diretas pela preservação e conservação da natureza. As demandas científicas, que foram o alicerce dos primeiros decretos de criação de áreas protegidas, perderam espaço no período pós-1964. Em termos tanto qualitativos como quantitativos, o período de administração militar apresentou um grande retrocesso para a política de criação de áreas protegidas no estado. Essa afirmação se torna ainda mais evidente se considerarmos as então novas necessidades de ordenamento e preservação ambiental advindas da fase econômica iniciada com as grandes plantas industriais de siderurgia e celulose na década de 1970 no Espírito Santo.

Em um processo em que o envolvimento social foi comprometido pela violência física e simbólica, como eram tratadas as ações coletivas e os movimentos sociais contra-hegemônicos, a forma de governar na ditadura brasileira inverteu em grande medida as demandas sociais no Brasil. Enquanto em outros países pautas como pacifismo e questões de gênero, étnico-raciais e ambientais eram debatidas socialmente, aqui as principais demandas giravam em torno das liberdades civis. Todo esse contexto criava condições para encobrir as demandas ambientais, apesar da existência de luta notável de grupos sociais em várias partes do país. Os conflitos sociais em torno da proteção da natureza só passariam à condição de conflitos explícitos à medida que a ordem militar se enfraquecia e se aproximava a redemocratização.

Assim, o governo militar perdeu sua legitimidade (se é que tinha alguma) em pouco mais de uma década. É bem verdade que setores da sociedade brasileira, desde o primeiro momento, não se furtaram de resistir, inclusive com armas em punho, contra o arroubo de poder empreendido em março de 1964. A mobilização social de grandes proporções, contudo, só viria a acontecer na década de 1980, expondo as mazelas do modelo centralizador e violento do regime. A consolidação de uma política de Estado para defesa ambiental só se efetivaria a partir desse momento.

Os anos 1980 marcam, assim, a transição teórica entre a natureza - mais estática - e o meio ambiente - admitindo a presença humana como componente da paisagem. Do ponto de vista das áreas protegidas, surge o termo “unidades de conservação” como substituto direto. Observa-se a emergência de movimentos ambientalistas; no Espírito Santo, em 1979, surge a Associação Capixaba de Proteção ao Meio Ambiente (Acapema). Já do ponto de vista político-partidário, temos o surgimento do Partido Verde (PV). Considerando a esfera legal, temos a promulgação da Constituição Federal em 1988 e da Estadual em 1989, que definiu uma série de ações ambientais. Novas áreas protegidas foram textualmente incorporadas à legislação máxima do Espírito Santo e novos agentes entraram em cena na proposição de unidades de conservação. Isso não significa que os desafios dessa política pública se tornaram menos intensos - muito pelo contrário -, mas foi a expressão de um conjunto de forças sociais em um cenário de abertura democrática.

Os efeitos, em termos quantitativos e qualitativos, na criação de novas áreas foram sensíveis. Se os primeiros parques e reservas foram criados a partir de decretos - ação unilateral do Poder Executivo -, paulatinamente a sociedade foi sendo envolvida nas discussões. Pela legislação em vigor, são necessárias consultas públicas e leis aprovadas pelo Poder Legislativo competente. As oportunidades de explicitação de conflitos socioambientais a partir de estratégias de ação coletivas de resistência são significativamente maiores, apesar de ainda serem considerados inúmeros casos de insucessos, se analisarmos tão somente a criação de unidades de conservação per si11 11 Castro (2020), ao utilizar a hipótese dos níveis de conflito para analisar os movimentos sociais em torno da proteção da Praia do Pecado no Rio de Janeiro, defende que, mesmo depois de mais de três décadas de resistência, a área ainda não foi definida como unidade de conservação. .

Considerando a quantidade de novas áreas criadas ou com seu processo de criação iniciado entre 1980 e 1999 no Espírito Santo, chega-se a 15 novas áreas, um número maior que a soma de todas as unidades implementadas entre 1940 e 1979. A demanda reprimida pela situação política do país, aliada ao processo de maior intensidade e visibilidade da participação social, deu sustentação ao novo ciclo, transformando a ação de governos em política de Estado.

Considerações finais

As novas tecnologias e a influência da mídia de massa têm colocado novas questões acerca da efetividade da ação coletiva em torno de objetivos comuns. Se as primeiras aumentam as dúvidas sobre o que pode ser considerado participação - a manifestação conjunta a partir de redes sociais basta para configurar uma ação coletiva? -, é relevante questionar como a mídia de massa adquire força retórica, apesar das redes sociais, para continuar esvaziando e/ou deturpando os conteúdos sociais das ações coletivas. A gramática social construída com narrativas sem sujeitos tem sido uma constante e cumpre o objetivo de invisibilizar agentes da história comprometidos com o discurso contra-hegemônico de resistência. Aliado ao processo político pelo qual passa o país atualmente, há cada vez mais sucesso na desmobilização de movimentos sociais críticos.

Do ponto de vista teórico, interpretações estruturalistas vulgares acabam por submeter a ação social às condições estruturais/materiais, subtraindo toda e qualquer possibilidade de consideração de componentes morais. Nesse sentido, a economia moral descrita por Thompson (2011THOMPSON, E. P. Costumes em comum: Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.) nos apresenta uma alternativa bastante plausível. Aliada a essa perspectiva, o conflito entre as dimensões macro e microssocial, entre estrutura e sujeito, entre mundo material e consciência, a partir da dialética, nos possibilita análises que extrapolam a simples aparência. O conflito, mesmo que não socialmente visível, apresenta dimensões para a interpretação da realidade que fogem ao que se apresenta diretamente aos olhos; ele aparece como ferramenta teórica de interpretação (SANTOS, 2014SANTOS, Leonardo Bis dos. “O conflito social como ferramenta teórica para interpretação histórica e sociológica”. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi: Ciências Humanas, vol. 9, n. 2, pp. 541-553, 2014.) e conteúdo político para instrumentalizar a resistência social.

Realizar a leitura dos dados e a interpretação das informações tendo como substrato a hipótese teórica descrita, a partir da investigação empírica questão ambiental, mostrou-se um caminho frutífero para o entendimento sócio histórico e político, de uma situação delimitada espacial e temporalmente: a criação de áreas protegidas no Espírito Santo, entre 1940 e 2000.

Em termos de relação entre sociedade e meio ambiente, o ideal é que não precisássemos mais de unidades de conservação e que todos no planeta estabelecessem interações conservacionistas junto aos recursos ambientais. Enquanto isso não acontece, precisamos de leis e regulamentos para frear o ímpeto da expansão econômica e seus signatários. E as áreas protegidas ainda são um dos mais significativos meios de estabelecer tais critérios de sociabilidade ambiental. A participação da sociedade civil, a partir das várias estratégias de resistência contra o sistema hegemônico de dominação, se mostrou um diferencial diante das formas de administração dos recursos comuns e necessários à vida.

Os dados mostraram que a não participação confere aos mandatários o imperativo de suas opiniões pessoais - como aconteceu nas décadas de 1950, 1960 e 1970. A coletividade, por outro lado, expressa a pluralidade e diversidade próprias da sociedade, dando sustentação às políticas de Estado na luta contra a expansão do capital financeiro.

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Fontes da imprensa

  • 1
    “Somos, desde 2010, os campeões mundiais no uso de agrotóxicos, com uma média de mais de 5 kg para cada brasileiro por ano” (AUGUSTO et al., 06/2012AUGUSTO, Lia Giraldo da Silva et al. Dossiê Abrasco: Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Rio de Janeiro: Abrasco, 2012., p. 35).
  • 2
    Para maior detalhamento, ver Santos e Ribeiro (2013SANTOS, Leonardo Bis dos; RIBEIRO, Luiz Cláudio Moisés. “Disputas pelo mar: Desenvolvimento e conflitos no litoral e espaço oceânico da costa capixaba”. In: SANTOS JÚNIOR, Jorge Luiz dos; SANTOS, Wander Luiz Pereira dos (orgs). Desafios do desenvolvimento capixaba no século XXI. Curitiba: CRV, 2013, pp. 73-89.).
  • 3
    Segundo dados da ONG Global Witness, em 2014 o Brasil liderou a lista de assassinatos de ativistas ambientais em todo o globo: “O ano passado terminou com 21 vítimas a mais do que 2013, e o Brasil continua liderando o ranking mundial desse tipo de violência ambiental que permanece impune em 25% das mortes [foram 29 assassinatos no Brasil]. Em seguida vêm Colômbia (25), Filipinas (15) e Honduras (12) em uma lista de 17 países. América Latina registrou 87 dos casos. Honduras, considerado o país mais violento do mundo segundo a ONU, também mantém sua posição pelo quinto ano consecutivo como o lugar com mais assassinatos de ativistas per capita” (MARTÍN, 20/05/2015MARTÍN, María. “Brasil continua liderando as mortes de ativistas ambientais: O informe da Global Witness de 2014 alerta sobre os 116 assassinatos em consequência da defesa do meio ambiente”. El País, Brasil, 20 abr. 2015. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/17/politica/1429286071_007327.html
    https://brasil.elpais.com/brasil/2015/04...
    ). Esse dado também foi repercutido no Brasil pela revista Carta Capital (22/04/2015).
  • 4
    No início da década de 1940, no Brasil, havia apenas três parques federais criados no território nacional (PÁDUA e COIMBRA FILHO, 1979PÁDUA, Maria Tereza Jorge; COIMBRA FILHO, Adelmar F. Os parques nacionais do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1979.), além de algumas raras exceções nos estados, como em São Paulo e no Rio de Janeiro.
  • 5
    O decreto no 55/1948 foi transcrito no Boletim do Museu de Biologia Mello Leitão, série proteção da natureza, nº 2, publicado em 1949.
  • 6
    O primeiro movimento social de defesa da natureza no Espírito Santo surge em 1960, com a Sociedade Amigos das Pedreiras, que teve papel atuante pelo menos até fins da década de 1980, quando surgem outros movimentos sociais com a mesma pauta reivindicatória.
  • 7
    Carlos Lindenberg havia sido secretário de Agricultura, Terras e Obras e secretário de Finanças no governo João Punaro Bley — que editou o decreto-lei no 12.958/1941. Depois, viria a ser governador do Espírito Santo, quando foi publicado o decreto no 55/1948. Lindenberg era compadre do cientista Cândido Firmino Mello Leitão, que defendia interesses ligados à preservação da natureza e que o influenciou nas decisões em torno da preservação da natureza no governo do estado. Foi Lindenberg que apresentou o então jovem Augusto Ruschi a Mello Leitão, que por sua vez o indicou a Heloísa Alberto Torres, então diretora do Museu Nacional, no Rio de Janeiro. A carreira acadêmica de Ruschi foi profundamente marcada pela relação com Mello Leitão, que atualmente dá nome ao Museu de Biologia no Espírito Santo.
  • 8
    O caso mais ilustre é o de Augusto Ruschi (1915-1986), um ambientalista capixaba que militou intensamente pela preservação da natureza. Teve destaque nacional e internacional na catalogação e defesa de orquídeas e beija-flores. No Espírito Santo, foi figura central na criação de unidades de conservação. Após sua morte foi declarado patrono da ecologia no Brasil — a partir da lei federal no 8.917, de 13 de julho de 1994.
  • 9
    Na década de 1950, especificamente em 1953, foi criada uma área protegida, o Parque Biológico da Região Leste na Ilha de Comboios. Na década de 1960, foram criadas duas novas áreas e recriadas outras duas: a Reserva Florestal Pedra Azul (criada em 1960) e a Reserva Florestal Duas Bocas (criada em 1965), ambas novas áreas, e a Reserva Florestal Forno Grande (criada em 1960) e o Parque Nacional do Caparaó (criado pelo governo federal em 1961), recriadas a partir do decreto no 55/1948, que já defina essas áreas como alvo de preservação, apesar de elas não terem sido demarcadas. Por fim, na década de 1970, a única área protegida criada no interstício da ditadura militar foi a Reserva Biológica Estadual Mestre Álvaro e a Reserva Florestal, em 1976.
  • 10
    A significativa ambiguidade e complexidade do contexto pode ser exemplificada a partir do fato de que o mesmo ex-governador Lindenberg que influenciou o decreto-lei no 12.958/1941 (na condição de secretário de Agricultura, Terras e Obras e secretário da Fazenda no período predecessor ao decreto-lei) e publicou o decreto no 55/1948 (como governador do estado) foi um dos fundadores da Rede Gazeta de Comunicações, ainda hoje a única detentora dos direitos de transmissão da Rede Globo no Espírito Santo. Além disso, ele e sua família foram, e ainda são, proprietários de grandes fazendas no norte do estado, onde houve intenso desmatamento, ressaltando ainda mais a relevância das redes sociais, capitaneadas por Augusto Ruschi e Mello Leitão, em suas decisões de governo na criação de áreas protegidas.
  • 11
    Castro (2020CASTRO, Astrea Gomes. Conservação do Pecado: Trajetória e conflitos de uma Praia e sua restinga em Macaé - RJ. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais e Conservação) -Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2020.), ao utilizar a hipótese dos níveis de conflito para analisar os movimentos sociais em torno da proteção da Praia do Pecado no Rio de Janeiro, defende que, mesmo depois de mais de três décadas de resistência, a área ainda não foi definida como unidade de conservação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Maio 2020
  • Aceito
    24 Nov 2020
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