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A Difusão das Comissões de Heteroidentificação nas Universidades Públicas: Instituições e Mudança Organizacional* * Agradecemos os comentários de Vinícius Wohnrath, Tianna Paschel, Eduardo Bonilla-Silva e participantes do Race Workshop 2022/2023 na Duke University, assim como dos avaliadores anônimos da DADOS que muito contribuíram para a versão final do artigo. Agradecemos também o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (Proc. No. 2019/09919-3). A responsabilidade pelo produto final é apenas nossa.

La Diffusion des Commissions de Hétéro-identification dans les Universités Publiques : Institutions et Changement Organisationnel

La Difusión de las Comisiones de Heteroidentificación en las Universidades Públicas: Instituciones y Cambio Organizacional

Resumo

Esse artigo mobiliza a literatura sobre isomorfismo institucional e movimentos sociais para explicar a difusão no Brasil de procedimentos de validação das autodeclarações dos candidatos à admissão em universidades federais por meio de cotas raciais. A difusão desses procedimentos transformou o modo como o direito às ações afirmativas é compreendido e produziu mudanças organizacionais. Por meio da análise de documentos e entrevistas, o artigo identifica os mecanismos coercivos, miméticos e normativos em jogo e examina sua gênese. Ele mostra que esses derivaram das interações entre estudantes universitários, funcionários técnico-administrativos e docentes das universidades, assim como organizações do movimento negro e de agências do estado, engajados no objetivo de proteger as ações afirmativas. Implicações para estudar mudança no ensino superior e nas relações raciais no Brasil são discutidas.

comissões de heteroidentificação; ações afirmativas; cotas raciais; universidades públicas; mudança organizacional

Résumé

Cet article mobilise la littérature sur l’isomorphisme institutionel et les mouvements sociaux pour expliquer la diffusion au Brésil des procédures de validation des autodéclarations des candidats à l’admission dans les universités fédérales par le biais de quotas raciaux. La diffusion de ces procédures a transformé la manière dont le droit aux actions affirmatives est compris et a produit des changements organisationnels. En analysant des documents et des entretiens, l’article identifie les mécanismes coercitifs, mimétiques et normatifs en jeu et examine leur genèse. Il montre que ceux-ci ont découlé des interactions entre les étudiants universitaires, le personnel technique-administratif et les enseignants des universités, ainsi que des organisations du mouvement noir et des agences de l’État, engagés dans l’objectif de protéger les actions affirmatives. Les implications pour l’étude du changement dans l’enseignement supérieur et des relations raciales au Brésil sont discutées.

commissions d’hétéro-identification; actions affirmatives; quotas raciaux; universités publiques; changement organisationnel

Resumen

Este artículo utiliza la literatura sobre isomorfismo institucional y movimientos sociales para explicar la difusión de procedimientos de validación de las autodeclaraciones de los candidatos a admisión en universidades federales en Brasil por medio de cuotas raciales. La difusión de esos procedimientos transformó el modo en que el derecho a las acciones afirmativas es comprendido y produjo cambios organizacionales. Por medio del análisis de documentos y entrevistas, el artículo identifica los mecanismos coercitivos, miméticos y normativos en juego y examina su génesis. Se muestra que estos mecanismos se derivaban de las interacciones entre estudiantes universitarios, funcionarios técnico-administrativos y docentes de las universidades, así como organizaciones del movimiento negro y de agencias del estado, comprometidos con el objetivo de proteger las acciones afirmativas. Se discuten las implicaciones para estudiar el cambio en la enseñanza superior y las relaciones raciales en Brasil.

comisiones de heteroidentificación; acciones afirmativas; cuotas raciales; universidades públicas; cambio organizacional

Abstract

This article draws insights from the literature on institutional isomorphism and social movements theory to explain the diffusion in Brazil of procedures for validating the self-identification of candidates for admission to federal universities through racial quotas. The diffusion of these procedures has transformed how the right to affirmative action is understood and how it has led to organizational challenges. By analyzing documents and interviews, this article identifies the coercive, mimetic, and normative mechanisms at play. It shows that they derived from interactions among Black university students, staff, faculty members, and organizations of the black movement and state agencies, all engaged in protecting racial affirmative action. Implications for studying change in Brazil’s higher education and race relations are also discussed. Higher education and race relations in Brazil are also discussed.

racial validation panels; heteroidentification commissions; affirmative action; racial quotas; public universities; organizational change

Introdução

A difusão das ações afirmativas de cunho social e racial para ingresso em universidades públicas ao longo dos anos 2000 aconteceu simultaneamente e em meio a intenso debate. Entretanto, as ações afirmativas de cunho racial enfrentaram uma oposição específica sob o argumento da elegibilidade. Alguns argumentavam que, num país fortemente miscigenado, seria impossível definir com clareza a quem essas vagas se destinavam sem instaurar medidas de controle racial que viam como deletérias para o futuro das relações raciais no Brasil (Fry et al. 2007Fry, Peter et al. (org.). (2007), Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.; Maio, Santos, 2005).

Essa oposição não impediu o avanço das ações afirmativas (Brandão, 2007Brandão, André Augusto (org.). (2007), Cotas raciais no Brasil: a primeira avaliação. Rio de Janeiro, DP&A.; Daflon, Feres Jr., Campos, 2013Campos, Luiz Augusto. (2013), “O pardo como dilema político”. Insight Inteligência, n. 62, pp. 81-91.; Feres Júnior et al., 2018; Lima, 2010Lima, Márcia. (2010), “Desigualdades raciais e políticas públicas: ações afirmativas no governo Lula”. Novos estudos CEBRAP, n. 87, pp 77-95. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0101-33002010000200005.
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). O ativismo do movimento negro organizado (Alberti, Pereira, 2006; Gomes, 2017Gomes, Nilma. (2017), O Movimento Negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação. Petrópolis, RJ: Vozes.) levou (i) as universidades públicas a desenvolver ações afirmativas de cunho racial ao longo dos anos 2000; (b) o Supremo Tribunal Federal (STF) a reconhecer a constitucionalidade das mesmas em 2012 (STF, 2012STF (Supremo Tribunal Federal). (2012), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186. 26 de abril de 2012. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342750/arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-adpf-186-df-stf.
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) e (c) o parlamento a aprovar, no mesmo ano, a Lei 12.711 (Brasil, 2012Brasil. (2012), Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm.
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), conhecida como Lei de Cotas, que orientou as universidades federais a preencher metade das vagas de primeiro ano com egressos do ensino médio público e, entre esses, estudantes negros, na mesma proporção da população do estado sede da universidade. Esse avanço tem sido reafirmado mais recentemente pela implementação de ações afirmativas de cunho racial em programas de pós-graduação em todo o país (Venturini, Feres Júnior, 2020).

Nos anos 2000, o direito a essas ações afirmativas acabou sendo definido com base na autodeclaração racial dos candidatos pela maioria das universidades públicas. Entretanto, ativistas vinculados a organizações do movimento negro observavam que definir o direito apenas com base nas autodeclarações raciais comprometeria seus resultados, argumentando que o alto valor social da educação superior pública no Brasil incentivaria fraude. Estudantes poderiam apresentar declarações falsas para se beneficiar dessas iniciativas e não ser responsabilizados. Ainda que demandas por adoção de procedimentos para validação da autodeclaração racial dos estudantes tenham sido encaminhadas a algumas universidades (Alberti, Pereira, 2006; Carvalho, J., 2005:243), apenas cinco das universidades federais implementaram algum procedimento desse tipo nesse período (Daflon, Feres Júnior, Campos, 2013Campos, Luiz Augusto. (2013), “O pardo como dilema político”. Insight Inteligência, n. 62, pp. 81-91.:312; Silva, Duarte, Bertulho, 2007:164).

Uma mudança ocorreu a partir de 2015, quando um número cada vez maior de universidades públicas passou a requerer que os candidatos a ingresso por cotas se submetessem a procedimentos especialmente desenvolvidos para validar suas autodeclarações raciais. Conhecidos como “comissões de heteroidentificação”, embora raramente denominados oficialmente como tal, eles se espalharam pelo país. Em dezembro de 2021, na ausência de qualquer lei que regulamentasse a questão, 64 dentre as 68 universidades federais haviam implementado algum tipo de procedimento rotineiro para isso, alterando, portanto, a forma como o direito às vagas reservadas passou a ser definido.

Implementar esses procedimentos é uma operação de fôlego. Nossa pesquisa mostrou que as universidades tiveram que alocar recursos, criar órgãos e cargos, definir e reorientar protocolos de matrícula. Isso exigiu que os professores e funcionários envolvidos desenvolvessem competências específicas e que se engajassem no processo.

Como explicar sua adoção pelas universidades federais, sua rápida difusão pelo país e sua relativa homogeneização, sobretudo após 2018? Para responder a essas perguntas, examinamos documentos oficiais, estudamos matérias de jornais e televisão, realizamos entrevistas e revisamos estudos de caso realizados por outros. Como se trata de uma mudança que foi anunciada e experimentada como algo necessário para garantir o cumprimento dos objetivos das ações afirmativas de cunho racial, assegurando que estudantes negros, até então excluídos pela maior parte da universidade pública, pudessem ter acesso a ela, evitamos uma abordagem baseada exclusivamente no papel da escola na reprodução social e examinamos as condições que permitem a ocorrência de mudanças que beneficiam grupos até então excluídos ou sub-representados nesse nível de ensino. O artigo contribui para a literatura sobre mudança organizacional ao mobilizar o novo institucionalismo sociológico, combinado em parte com teorias dos movimentos sociais, para estudar essa difusão.

Universidades em Transformação

Tratamos aqui de mudanças ocorridas no núcleo duro das universidades reservadas para a produção (e reprodução) dos grupos de elite no Brasil, as universidades públicas. Não faltam evidências de que essas universidades foram historicamente constituídas como um espaço branco, racialmente segregado (Carvalho, 2016) por meio das práticas de recrutamento de estudantes e da contratação de professores e funcionários, mas também pela forma de organizar o currículo, as relações de autoridade, símbolos e crenças. Sustentadas por uma definição particular de competência escolar, essas práticas ignoravam – ou tratavam como algo que não dizia respeito às universidades e a seus processos seletivos – o quanto essa definição devia às desigualdades estruturantes do sistema de ensino nacional.

Como extensivamente documentado, a desigualdade racial no sistema de ensino brasileiro é extremamente alta (Soares, Alves, 2003; Osório, 2009; Artes, Ricoldi, 2015; Ernica, Rodrigues, 2020). A articulação entre um sistema de ensino muito desigual e discriminação racial faz com que sejam grandes os obstáculos enfrentados pela população negra para construir os percursos escolares de longa duração que preparam para os exames de seleção para ingresso na graduação (Carvalho M., 2005; Lima, Prates, 2015; Ribeiro, 2006Ribeiro, Carlos Antonio Costa. (2006), “Classe, raça e mobilidade social no Brasil”. DADOS, v. 49, n. 4, pp. 833-873. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0011-52582006000400006.
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), para os concursos para as funções técnico-administrativas ou para acumular o capital escolar necessário para aceder à pós-graduação, credencial fundamental para os concursos docentes (Pinto, 2007Pinto, Giselle. (2007), “Desigualdades de participação na pós-graduação da UFF: aliando gênero e raça”. Revista Gênero, v. 8, n. 1, pp. 121-142. Disponível em: https://periodicos.uff.br/revistagenero/article/view/30962.
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; Arboleya, 2019Arboleya, Arilda. (2019), “Educação, mérito e raça: trajetórias de docentes negros no ensino superior brasileiro”. Olhares: Revista do Departamento de Educação da Unifesp, v. 7, n.1, pp. 95-113. https://doi.org/10.34024/olhares.2019.v7.854 .
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; Venturini, 2017Venturini, Anna Carolina. (2017), “Formulação e implementação da ação afirmativa para pós-graduação do Museu Nacional”. Cadernos de Pesquisa, v. 47, n. 166, pp. 1292-1313. Disponível em: https://doi.org/10.1590/198053144438.
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; Soares, Silva, 2019). Profundamente entranhados no modo de organização das escolas e universidades, esses obstáculos são sustentados por discursos e sistemas de crença, veiculando uma definição de mérito que, por sua vez, contribui para garantir a permanência no tempo da vantagem dos brancos na escolarização brasileira, assim como sua naturalização.

Associar o racismo a instituições tem sido objeto de um intenso esforço teórico que teve como um dos seus marcos a publicação do livro de Ture e Hamilton (1992)Ture, Kwame; Hamilton, Charles. (1992), Politics of liberation in America. New York, Vintage Books., Black Power, the Politics of Liberation in America, em 1967, e do livro de Jones (1972)Jones, James. (1972), Prejudice and racism. Reading: Addison-Wesley.Prejudice and Racism, em 1972, recebendo, no Brasil, a atenção de autores como Silvio de Almeida (2018)Almeida, Silvio de. (2018), O que é racismo estrutural? Belo Horizonte, Letramento. . A noção de racismo institucional supõe que as organizações contribuem para manter a hierarquização racial de maneira pouco evidente, naturalizada em normas, processos e protocolos que orientam sua operação, sem estar explicitamente orientadas por políticas raciais (Bonilla-Silva, 2020Bonilla-Silva, Eduardo. (2020), Racismo sem racistas: o racismo da cegueira de cor e a persistência da desigualdade na América. São Paulo, Perspectiva.). Como argumentam esses trabalhos, pode-se considerar uma organização como racista sempre que ela contribua para excluir um grupo particular do acesso a benefícios que ela controla em função de sua raça, mesmo que a raça não seja mobilizada formalmente como princípio de exclusão e mesmo que os indivíduos envolvidos não pensem em termos raciais quando produzem e operam normas, processos e protocolos que operam exclusão de base racial. O fato de que esses dispositivos de poder estejam sob o controle de um grupo racialmente identificado e que o resultado de sua operacionalização seja a exclusão de outro grupo, também racialmente identificado, do acesso a benefícios coletivamente produzidos é evidência de que estamos diante de práticas racistas.

Nesse contexto, a difusão de ações afirmativas na política, nas universidades e no serviço público que teve início nos anos 2000, assim como sua garantia constitucional por uma decisão da Suprema Corte em 2012, sinaliza uma mudança significativa no modo como as relações raciais são percebidas e vividas no Brasil. A difusão de procedimentos para validar as autodeclarações raciais dos candidatos pode ser considerada parte e extensão desses processos. Isso dito, nós argumentamos que eles não são um desenvolvimento natural da difusão das ações afirmativas. Merecem, assim, uma análise específica.

Para compreender esse processo, examinamos as dinâmicas que concretamente levaram à implementação dos procedimentos de validação das autodeclarações raciais nas universidades públicas, explorando as hipóteses avançadas pelo novo institucionalismo aplicado ao estudo de organizações (Meyer, Rowan, 1977; DiMaggio, Powell, 1983; Powell, DiMaggio, 1991; Scott, 1983; Zucker, 1977Zucker, Lynne. (1977), “The role of institutionalization in cultural persistence”. American Sociological Review, v. 42, n. 5, pp. 726 -743.). Essa abordagem atribui um estatuto analítico ao ambiente mais amplo, o campo, definido como “uma arena – um sistema de atores, ações e relações – cujos participantes levam uns aos outros em consideração enquanto desenvolvem atividades que são interrelacionadas” (McAdam, Scott, 2005:11). Por meio de processos de coerção, imitação e normatização, sistemas de crença que dão sentido a procedimentos, normas e discursos, se difundem pelo campo organizacional, gerando forte similaridade entre as organizações, o que DiMaggio e Powell (1983)DiMaggio, Paul.; Powell, Walter. (1983), “The Iron Cage Revisited: Institutional Isomorphism and Collective Rationality in Organizational Fields”. American Sociological Review, v. 48, n. 2, pp. 147-160. denominam isomorfismo institucional.

Coerção decorre de pressões formais e informais advindas de organizações ou da sociedade mais ampla das quais a organização em análise depende. Como é razoavelmente comum que pressões desse tipo tenham origem no Estado, procuramos por evidências de que as universidades que implementaram procedimentos para validação das autodeclarações raciais tenham feito isso para acatar alguma obrigação legal, emanada de leis, regulamentos ou mesmo de decisões judiciais.

Coerção não é, no entanto, o único mecanismo de isomorfismo. Em situações de incerteza, a organização pode se ver diante da necessidade de resolver um problema e não contar com imposição ou orientação clara sobre como proceder. Nesses casos, ela pode optar por práticas, procedimentos e protocolos já adotados por outras, entendidos como soluções viáveis e atraentes para o problema que precisa resolver (DiMaggio, Powell, 1983). Isso nos levou a examinar a comunicação entre organizações, identificando mecanismos e espaços que permitiram trocas e aprendizados.

Além disso, indagamos se a difusão foi impulsionada também por processos de normatização, examinando a força homogeneizadora exercida por administradores ou outros profissionais com base nos conhecimentos específicos que dominam (DiMaggio, Powell, 1983). A formação profissional permite aos especialistas se apropriar de uma “caixa de ferramentas” comum, homogeneizando discursos e práticas e os autorizando a um certo “monopólio da cultura institucional legítima” que valida seus argumentos em favor ou contra a ação proposta (Lagroye, Offerlé, 2011:118). Embora as universidades públicas brasileiras não disponham de gestão profissionalizada, dedicamos uma atenção especial àqueles que participaram do processo como especialistas e à mobilização do seu conhecimento especializado.

Por fim, as organizações estão sujeitas à influência de ativistas atuando no seu interior e de movimentos sociais mais amplos (Davis et al., 2005Davis, Gerald F. et al. (2005), Social movements and organization theory. Cambridge: Cambridge University Press.), assim como de outros grupos interessados. Estudos de caso mostraram que o ativismo negro foi importante para a adoção de procedimentos de validação das autodeclarações raciais (Batista, Figueiredo, 2020; Dias, Tavares Júnior, 2018; Guimarães, Rios, Sotero, 2020; Leite, 2020Leite, Lucas. (2020), Ações afirmativas para negros na universidade pública na contemporaneidade: debates sobre identidades raciais a partir das denúncias de fraude nas cotas. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.; Marques, 2019Marques, Eugenia (2019), “Dossiê Temático ‘A importância das Comissões de Heteroidentificação para a garantia das Ações Afirmativas destinadas aos Negros e Negras nas Universidades Públicas Brasileiras’”. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v. 11, n. 29, pp. 4-7.; Oliveira, 2019Oliveira, Fabiana. (2019), O Ingresso de negros/as nos cursos de graduação nas universidades federais do Brasil: análise da implantação das comissões de heteroidentificação. Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, Brasil., Silva et at., 2020). Para compreender como isso aconteceu, procuramos identificar os canais pelos quais as demandas formuladas por movimentos sociais chegaram aos formuladores das políticas (Lavalle et al., 2018; Rios, 2018) e ao judiciário, e os resultados disso. Organizações de mídia também são mencionadas como atores relevantes desses processos. Já que elas podem contribuir para amplificar e mesmo atribuir sentidos à ação coletiva (Andrews, Biggs, 2006; Koopmans, 1993Koopmans, Ruud. (1993), “The dynamics of protest waves: West Germany, 1965 to 1989”. American Sociological Review, v. 58, n. 5, pp. 637-658.; Oberschall, 1989Oberschall, Anthony. (1989), “The 1960’s sit-ins: Protest diffusion and movement takeoff”. Research in Social Movements, Conflict and Change, v. 11, n. 1, pp. 31-53.), examinamos como foram envolvidas e como lidaram com a situação.

Por fim, cabe observar que o novo institucionalismo não investiu significativamente em produzir conexões com teorias das relações raciais (Bonilla-Silva, 2015Bonilla-Silva, Eduardo. (2015), “More than prejudice: restatement, reflections, and new directions in critical race theory”. Sociology of Race and Ethnicity, v. 1, n. 1, pp. 73-87. Disponível em: https://doi.org/10.1177/2332649214557042.
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; Rojas, 2017Rojas, Fabio. (2017), “Race and institutionalism”, in R. Meyer; R. Greenwood; T. Lawrence (eds.), The SAGE Handbook of Organizational Institutionalism. London: SAGE Publications Ltd, pp. 786-807.; Ray, 2019Ray, Victor. (2019), “A theory of racialized organizations”. American Sociological Review, v. 84, n.1, pp. 26-53. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0003122418822335.
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) e raramente percebe a homogeneidade racial das organizações como resultado de um processo mais amplo e abstrato de legitimação de uma ordem racial (Bonilla-Silva, Peoples, 2022). No entanto, estudos recentes têm perseguido a ideia de que as organizações estão embebidas em um campo racial institucionalizado (Ray, 2019Ray, Victor. (2019), “A theory of racialized organizations”. American Sociological Review, v. 84, n.1, pp. 26-53. Disponível em: https://doi.org/10.1177/0003122418822335.
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; Bonilla-Silva, 2015Bonilla-Silva, Eduardo. (2015), “More than prejudice: restatement, reflections, and new directions in critical race theory”. Sociology of Race and Ethnicity, v. 1, n. 1, pp. 73-87. Disponível em: https://doi.org/10.1177/2332649214557042.
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, Emirbayer, Desmond, 2015; Jung, 2015Jung, Moon-Kie. (2015), Beneath the surface of white supremacy: Denaturalizing U.S. racisms past and present. Stanford, CA: Stanford University Press., Wooten, 2015Wooten, Melissa. (2015). In the face of inequality: How Black Colleges adapt. Albany, NY: SUNY Press.; Wooten, Coloute, 2017) que afeta seu funcionamento. As mudanças no campo universitário que examinamos nesse artigo são, portanto, pensadas como um caso revelador das transformações nas relações raciais em curso no Brasil contemporâneo e do lugar que as universidades públicas têm ocupado nesse processo.

O estudo

Foram examinados os casos de universidades federais que adotaram procedimentos para análise da autodeclaração dos candidatos entre 2015 e dezembro de 2021 (64 das 68 universidades federais). A análise de um conjunto de documentos oficiais, composto por resoluções de conselhos superiores dessas universidades, atas de comissões, entre outros, permitiu produzir uma série histórica (Dantas, 2022Dantas, Adriana S. R. (2022), “Expansão das Comissões de Heteroidentificação nas universidades federais (2015-2021)”. Repositório de Dados de Pesquisa da Unicamp. Campinas, SP. Disponível em: https://doi.org/10.25824/redu/XXZWFH.
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) e uma descrição de cada procedimento.

Outro conjunto, composto por documentos produzidos por coletivos estudantis e instâncias do judiciário, matérias de jornal e informações obtidas em estudos de caso publicados como dissertações ou artigos, permitiram reconstruir os processos que levaram à implementação de procedimentos em sete universidades federais. Entrevistas com estudantes (n=24), professores (n=14), funcionários (n=9), pró-reitor (n=1), defensor público (n=1), membros de organizações da sociedade civil (n=7) realizadas entre 2019 e 2022 nos permitiram compreender melhor as percepções e motivações que orientaram sua participação nesses sete casos, dois dos quais são apresentados mais à frente. Por fim, nós acompanhamos a implementação de procedimentos de validação das autodeclarações em uma universidade pública da Região Sudeste ocorrida entre 2019 e 2022. Embora os dados dessa experiência não sejam mobilizados diretamente nesse artigo, eles forneceram chaves analíticas para compreender melhor os outros processos.

Nas seções seguintes, exploramos esse material à luz das hipóteses acima, procurando indicar como as interações entre indivíduos e grupos atuando dentro e fora das universidades contribuíram para a formulação, implantação e difusão dos procedimentos de análise das autodeclarações.

Produzindo Coerção: Demandas Estudantis, Movimentos Sociais, Órgãos do Estado

A partir de 2015, várias universidades federais rapidamente adotaram procedimentos rotineiros para validação das autodeclarações raciais dos candidatos a ingresso por meio de cotas raciais. Os mapas apresentados a seguir mostram que as universidades da Região Sul foram as primeiras, um ponto que discutimos na próxima seção. O Mapa 2 mostra que a difusão se acelerou em 2018, quando 22 universidades federais implementaram esses procedimentos, a maioria na Região Sudeste, seguidas pelas do Sul e Nordeste e as primeiras das regiões Centro-Oeste e Norte. Em 2019, praticamente todas as universidades nas regiões Sul e Sudeste tinham implementado procedimentos rotineiros de validação – 25 delas o fizeram nesse mesmo ano. O Mapa 4 mostra que, em dezembro de 2021, praticamente todas as universidades federais tinham feito a mesma coisa. Entre as quatro exceções, a Universidade de Brasília decidiu que validaria a autodeclaração racial de estudantes apenas quando recebesse alguma denúncia formal. Outra já tinha instalado um grupo de trabalho para estudar a questão e desenvolver seu procedimento.

Figura 1
: Universidades que adotaram procedimentos de validação da autodeclaração racial de candidatos a ingresso na graduação antes da matrícula (2015-2021)

O período em que ocorreu a difusão massiva dos procedimentos de validação das autodeclarações indica sua conexão direta com o desfecho do julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 e a promulgação da Lei de Cotas, ambos em 2012. As ações afirmativas, especialmente as de cunho racial, eram, até então, vistas como medidas controversas. Sua difusão entre as universidades públicas durante os anos 2000 foi acompanhada por contestações, desencorajando demandas mais incisivas por maior controle sobre a política. O acórdão da Suprema Corte considerou que elas não feriam a Constituição e que medidas para validar as autodeclarações eram legalmente aceitáveis. A Lei de Cotas garantiu as políticas já em vigor nas universidades federais. Juntos, o acórdão e a lei mudaram a regra do jogo. No novo contexto que criaram, ao menos parte da energia dirigida para garantir a existência e a permanência das ações afirmativas pôde ser desviada para garantir que elas não falhassem em beneficiar os estudantes negros.

Além disso, a Lei de Cotas instituiu uma série de dispositivos para assegurar o direito às vagas reservadas para todos os grupos envolvidos, exceto para os estudantes negros. No caso das chamadas cotas sociais, a garantia do direito se dá pela apresentação do certificado de conclusão do ensino médio em escola pública e por comprovantes de renda familiar. No caso das vagas reservadas aos estudantes indígenas, utiliza-se o Registro Administrativo de Nascimento Indígena (RANI) e/ou uma declaração de vínculo com uma comunidade indígena assinada por lideranças do povo ao qual o estudante afirma pertencer. No caso das vagas reservadas a pessoas com deficiência, cuja legislação é mais recente, exige-se um laudo médico. A falta de referência a documento específico que pudesse ser utilizado para apoiar a autodeclaração dos candidatos pretos e pardos que buscam ingressar pelas vagas reservadas tem sido vista como um elemento dissonante, que fragiliza a política de ações afirmativas, deixando-a vulnerável a estratégias de “indivíduos oportunistas que, mediante fraude ou abuso, pretendem ter acesso privilegiado ao ensino público superior”, como mencionado no próprio voto do ministro Luiz Fux à ADPF 186 (STF, 2012STF (Supremo Tribunal Federal). (2012), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186. 26 de abril de 2012. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342750/arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-adpf-186-df-stf.
https://stf.jusbrasil.com.br/jurispruden...
:119). De fato, esse tem sido um dos argumentos para defesa da instauração de procedimentos de averiguação da autodeclaração apresentados tanto por juristas (Becker, 2017; Vaz, 2018Vaz, Lívia Maria. (2018), “As comissões de verificação e o direito à (dever de) proteção contra a falsidade de autodeclarações raciais”, in G. R. Dias; P. R. Tavares Júnior (orgs.), Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos. Canoas, RS: IFRS campus Canoas, pp. 176-192.), quanto por pesquisadores e ativistas (Dias, Tavares Jr., 2018; Jesus, 2021Jesus, Rodrigo Ednilson. (2021), Quem quer (pode) ser negro no Brasil? O procedimento de heteroidentificação racial na UFMG e os impactos nos modos de pensar identidade e identificação racial no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica.; Marques, 2019Marques, Eugenia (2019), “Dossiê Temático ‘A importância das Comissões de Heteroidentificação para a garantia das Ações Afirmativas destinadas aos Negros e Negras nas Universidades Públicas Brasileiras’”. Revista da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v. 11, n. 29, pp. 4-7.; Santos, Ferreira, 2020).

Os documentos consultados e as entrevistas realizadas no quadro da nossa pesquisa mostraram que os procedimentos de averiguação das autodeclarações dos candidatos adotados após a Lei de Cotas foram implementados sobretudo em resposta a denúncias de fraude. Eles mostram também que parte importante das mesmas contou com a participação de estudantes negros reunidos em coletivos estudantis1 1 . Os coletivos não eram exatamente uma novidade nesse período. José Carvalho (2005:243) relata que o coletivo estudantil EnegreSER foi fundamental para legitimação do procedimento de validação da autodeclaração adotado pela UnB em 2003. No entanto, é evidente o aumento no seu número e a intensificação de seu ativismo nas universidades. Para entender esses coletivos, o contexto de surgimento e as formas de atuação, ver Guimarães, Rios e Sotero (2020). Em três dos casos estudados por nós, Universidade Federal de Viçosa (UFV), UFSC e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), a demanda partiu de servidores técnico-administrativos e docentes não negros que se mobilizaram para implantar algum tipo de fiscalização diante do que consideravam casos flagrantes de fraude. . Além das mudanças no contexto geral mencionadas acima, sua multiplicação por diferentes regiões do país sem coordenação aparente foi uma novidade que pode ser atribuída, pelo menos em parte, à mudança demográfica ocorrida no interior das universidades em decorrência das próprias ações afirmativas de cunho racial adotadas desde o início dos anos 2000 em todo o país. As universidades passaram a receber um número significativo de estudantes negros que havia crescido num país em que a população negra se consolida como sujeito de direitos (Paschel, 2016Paschel, Tianna. (2016), Becoming black political subjects: movements and ethno-racial rights in Colombia and Brazil. Princeton, NJ: Princeton University Press.) e em que o combate às desigualdades raciais finalmente se tornara objeto de políticas públicas. Eles viam as cotas como um direito e não como um objeto contestado, o que impulsionou suas ações e permitiu a comunicação com coletivos de outras universidades, facilitada pelas redes sociais.

Via de regra, as denúncias surgiram em decorrência do contato mais ou menos acidental de estudantes negros veteranos com colegas que sabiam ter ingressado na universidade pelas vagas reservadas, mas que não apresentavam os traços fenotípicos que consideravam adequados2 2 . Casos desse tipo também foram relatados em matérias jornalísticas, a saber: coletivos negros NegreX da UFRB; Coletivo Negrada da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (Leme, Caetano, 2016); Setorial de Negros e Negras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) (Scirea, 2016) e Balanta - Coletivos Negros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) (Melo, 2017). . Na maioria dos casos, os estudantes negros já estavam reunidos em coletivos ativistas quando apresentaram a denúncia; em outros, criaram seus próprios coletivos ou se associaram a coletivos já existentes ao longo do processo.

As entrevistas mostraram que não foi fácil levar adiante as denúncias. Em alguns casos, os estudantes não conheciam os canais institucionais, em outros não foram levados a sério. No entanto, sempre encontraram aliados que os ajudaram a desenvolver estratégias que, ao final, se mostraram eficazes. Alguns buscaram apoio junto a coletivos estudantis negros já estabelecidos, outros junto a ativistas negros ligados à própria universidade (professores ou funcionários) ou atuando fora dela, ou ainda junto a Conselhos Regionais de Direitos Humanos, à Ordem dos Advogados do Brasil, a sindicatos. Em todos os casos, esses contatos levaram à articulação mais significativa dos estudantes com organizações do movimento negro que não hesitaram em apoiá-los por meio de iniciativas de vários tipos. Esse apoio foi fundamental para levar o caso à justiça ou para construir uma ameaça crível de levá-lo à justiça, criando assim um mecanismo de coerção que forçou as universidades a avançarem na adoção dos procedimentos de validação das autodeclarações dos candidatos.

Esse desfecho foi especialmente acelerado nos casos em que os coletivos conseguiram atrair a atenção da mídia, seja por meio de contatos viabilizados por organizações do movimento negro, seja por atuação nas redes sociais, ou mesmo pela mediação de órgão do judiciário, como no caso da Universidade Federal da Bahia (UFBA) apresentado à frente. O uso estratégico da mídia que, invariavelmente, demonstrou um apetite significativo para ecoar as denúncias, sempre apresentadas como acusações de fraude, foi instrumental para criar ou ameaçar criar um “escândalo”. Matérias produzidas por pequenos jornais locais ou postagens em redes sociais foram apropriadas com bastante rapidez por veículos de maior alcance. As condições em que isso aconteceu, os veículos e serviços envolvidos não serão tratados aqui, mas pode ser uma porta de entrada produtiva para estudos interessados em compreender como a mídia dominante interage com o espaço político no Brasil.

Um dos resultados dessas sucessivas articulações foi a mudança na forma como a demanda passou a ser apresentada. Quando ela chegava ao judiciário, já não buscava a apuração do caso específico que estava na sua origem, passível de ser pensado como um caso isolado ou um desvio pontual. Ela havia se tornado uma demanda pela adoção de procedimentos rotineiros de validação das autodeclarações raciais, apresentadas como uma garantia para a política de cotas. Nesse ponto, o caso passava a ser apresentado como uma prova de quão difundidas seriam as fraudes e do quanto essas seriam uma tendência estrutural que ameaçaria a integridade da política, requerendo, portanto, que um dispositivo permanente para lidar com elas fosse integrado ao arcabouço organizacional das universidades. Além dos casos estudados por nós, isso foi observado também nos casos da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) (Leite, 2020Leite, Lucas. (2020), Ações afirmativas para negros na universidade pública na contemporaneidade: debates sobre identidades raciais a partir das denúncias de fraude nas cotas. Dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.), Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Universidade Federal do Paraná (UFPR), UFPel (Oliveira, 2019Oliveira, Fabiana. (2019), O Ingresso de negros/as nos cursos de graduação nas universidades federais do Brasil: análise da implantação das comissões de heteroidentificação. Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade Federal da Grande Dourados, Dourados, MS, Brasil.) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (Jesus, 2021Jesus, Rodrigo Ednilson. (2021), Quem quer (pode) ser negro no Brasil? O procedimento de heteroidentificação racial na UFMG e os impactos nos modos de pensar identidade e identificação racial no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica.).

O Caso do Bacharelado Interdisciplinar da UFBA3 Apesar de a UFBA ter implementado protocolos para validação das autodeclarações raciais dos estudantes que se candidataram a ingresso nos cursos oferecidos pelo Sistema de Seleção Unificada (SISU), os mesmos não se aplicavam aos concluintes dos Bacharelados Interdisciplinares (BI) que se candidatavam aos cursos regulares tradicionais. A universidade introduziu procedimentos de validação nesse processo de seleção em 2021, depois de um escândalo de cotas e ampla mobilização estudantil. Joana, uma das protagonistas, foi entrevistada para esta pesquisa. Ela relatou ter sido vítima de fraude quando se candidatou a uma das vagas reservadas no curso de Medicina para estudantes negros provenientes de escola pública e de baixa renda. Apenas duas vagas haviam sido oferecidas e Joana ficou em terceiro lugar. Ela ficou muito desapontada e diz ter se sentido ainda pior quando identificou as duas estudantes que haviam conseguido ingressar no curso, pois, segundo ela, ambas eram brancas. Indignada, mas sem saber o que fazer, Joana entrou em contato com conhecidos de sua irmã no movimento negro. Seguindo sua orientação, ela apresentou uma queixa formal à Ouvidoria da UFBA e, simultaneamente, buscou ajuda junto à Secretaria de Promoção de Igualdade Racial do Estado da Bahia (Sepromi). Na Sepromi, ela foi colocada em contato com uma advogada do Coletivo de Advogados Negros e Negras da Bahia (Canneba), que a ajudou a redigir um recurso à universidade, demandando a instalação de uma “comissão de validação racial” para todos os candidatos, o que Joana considerava como o caminho legítimo e mais seguro para assegurar a vaga para cotistas. Em seguida, ela foi colocada em contato com um jornalista do jornal Correio da Bahia, a quem concedeu uma entrevista. Dois dias depois, foi publicada a primeira reportagem sobre o caso intitulada “UFBA abre investigação para apurar suspeita de fraude em sistema de cotas”. A repercussão na comunidade universitária foi imediata. Joana recebeu mensagens acusatórias por parte das pessoas que haviam sido denunciadas. Contudo, isso também serviu para ampliar o movimento, pois outros estudantes se mobilizaram para investigar a admissão de egressos dos BI para outros cursos, como Direito, Engenharia, etc., o que levou à constituição de um dossiê contendo outras alegações de fraude que foi encaminhado à Defensoria Pública (DP), conforme aconselhado pelos advogados da Canneba. Nesse ponto, a mobilização estudantil já tinha como propósito iniciar uma ação coletiva. Indo além do caso de Joana e das ocorrências daquele ano, o objetivo passou a ser obter da universidade um compromisso com a instalação de procedimentos rotineiros de validação da autodeclaração dos candidatos para aquele processo específico. Pouco depois disso, a DP entrou com uma ação coletiva contra a UFBA no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª região. A assessoria de imprensa da DP divulgou a ação em seus canais na internet e foi procurada por jornalistas da principal rede de televisão do estado, interessados em entrevistar as estudantes. No dia seguinte, o jornal local da rede apresentou uma reportagem sobre o caso. Ao mesmo tempo, a ação coletiva foi transformada em ação civil pública. Dois dias depois, o pró-reitor de graduação respondeu ao recurso de Joana protocolado na Ouvidoria, afirmando que “a UFBA realizará a aferição étnico-racial antes da matrícula dos aprovados na transição BI. De fato, menos de um mês depois da primeira denúncia realizada por Joana, a UFBA convocou os candidatos classificados no processo seletivo de egressos do BI em 2020 a se submeter a um procedimento de aferição da autodeclaração. Após o processo, Joana conseguiu se matricular no curso de Medicina, pois as duas estudantes que tinham ficado à sua frente tiveram suas autodeclarações indeferidas. A partir daí, foi instituído um procedimento rotineiro de validação das autodeclarações.

A denúncia de fraude e a suspeita de que não se trata de episódios isolados, mas indício de ameaça estrutural ao direito coletivo, permite, portanto, a intervenção da justiça num outro patamar. Além disso, ela torna o problema mais facilmente reconhecível e compreensível para ampla parte da população, justificando o interesse que a mídia demonstrou pelos casos. Isso se torna elemento crucial da negociação com as autoridades universitárias, em especial porque enfraquece a posição das universidades enquanto fortalece a interferência do Ministério Público Federal ou de órgãos do sistema judiciário, como a Defensoria Pública da União, produzindo, portanto, um mecanismo real de coerção sobre elas.

O caso da Universidade Federal de Sergipe4 A demanda por validação da autodeclaração apresentadas por candidatos às vagas reservadas para estudantes pretos e pardos para ingresso na graduação na Universidade Federal de Sergipe (UFS) foi iniciada pelo Coletivo Negro Beatriz Nascimento da UFS (CNBN–UFS). Criado em 2018, o coletivo passou a organizar ações para acolhimento de ingressantes negros nesse mesmo ano. Segundo as entrevistadas, ao preparar o primeiro evento, os estudantes ficaram surpresos com o pequeno número de ingressantes que poderia ser reconhecido como negros, levando-os, segundo elas, a duvidar da eficiência do “controle de entrada dos cotistas”. Entre o final de 2018 e início de 2019, o coletivo propôs à UFS o que chamou de “conversas institucionais” para tratar dessas preocupações. Na primeira conversa, que contou com a participação da vice-reitora e de pró-reitores, os estudantes sugeriram que a universidade implementasse procedimentos para validação da autodeclaração dos candidatos antes da matrícula. As autoridades universitárias concordaram, mas, depois de meses sem que alguma iniciativa fosse anunciada, a administração comunicou ao coletivo que seria impossível implementar os procedimentos, uma vez que a UFS cumpria a Lei de Cotas que previa apenas a autodeclaração. Diante disso, após consultar alguns professores, o coletivo decidiu encaminhar uma denúncia ao Ministério Público Federal. Ao fazer isso, descobriu que o MPF já havia aberto um inquérito para investigar a questão. A denúncia do coletivo foi, então, anexada ao mesmo. Pouco tempo depois, representantes do órgão entraram em contato com o coletivo para discutir o caso e este, por sua vez, convidou outras entidades do movimento negro para participar das conversas. Essas organizações apoiavam a criação de protocolos de validação das autodeclarações e as reuniões tinham como objetivo juntar forças e formular argumentos para pressionar a universidade a adotá-los5. Em janeiro de 2020, foi firmado um Termo de Ajustamento de Conduta entre o Ministério Público e a universidade, assumindo esta o compromisso de implementar protocolos para validação das autodeclarações em todos os processos de ingresso por cotas, tanto na graduação, quanto na pós-graduação. Apesar disso, em maio de 2020 o protocolo ainda não havia sido implantado, em parte devido à crise sanitária que havia tido início em março. Nessa época, um perfil criado no Twitter passou a denunciar nominalmente estudantes supostamente fraudadores, o que rapidamente encontrou eco na mídia. A partir daí, o debate sobre as fraudes saiu dos muros da universidade, criando um “escândalo social’’, nas palavras de Célia, uma das estudantes entrevistadas, o que fez a universidade retomar o assunto. Foi criado, então, um novo Grupo de Trabalho (GT) coordenado por um professor associado ao Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi). Em 3/2/2021, o Conselho Universitário publicou a Resolução no 5 criando e regulamentando a Comissão de Heteroidentificação complementar, procedimento que passava, assim, a se tornar rotineiro para ingressantes.

O Ministério Público (MP) foi, assim, outra fonte de coerção, derivada do papel a ele atribuído pela Constituição Federal de 1988 de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127) (Arantes, 1999Arantes, Rogério. (1999), “Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 39, pp. 83-102. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0102-69091999000100005.
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; 2012; Britto, 1992Britto, Carlos Ayres. (1992), “Distinção entre ‘controle social do poder’ e ‘participação popular’”. Revista de Direito Administrativo, v. 189, pp. 114-122. Disponível em: https://doi.org/10.12660/rda.v189.1992.45286.
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). Em 2016, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) recomendou que os diferentes ramos do MP assumissem “a cobrança, junto aos órgãos que realizam os vestibulares e concursos públicos, da previsão, nos respectivos editais, de mecanismos de fiscalização e controle” (CNMP, 2016:5). A Ata da Audiência Pública sobre Fraudes nos sistemas de cotas e mecanismos de fiscalização – o papel do Ministério Público, que havia sido promovida pelo próprio CNMP no ano anterior, mostra que a validação das autodeclarações estava sendo considerada como uma solução para combater fraudes, e que o MP deveria fazer cumprir sua adoção (CNMP, 2015)6 6 . Nesse período, algumas investigações do MPF atingiram dirigentes universitários. Mais estudos são necessários para compreender a relação entre esses desenvolvimentos e o que se passou com relação às denúncias de fraude discutidos aqui. Mais estudos são também necessários para identificar os instrumentos jurídicos que o MPF usou para levar adiante essas investigações e como isso foi influenciado pelo modo como os procuradores definiram seu papel específico na estrutura de Estado (Arantes, 1999; 2012; Britto, 1992). .

Desenvolvimentos anteriores ajudam a compreender porque a proteção das ações afirmativas havia se tornado um campo de ação para o CNMP. Em 2012, o conselho havia criado várias comissões temáticas compostas por procuradores de carreira para apoiar as diferentes frentes de atuação do MPF, entre elas a Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais, da qual passou a fazer parte o Grupo de Trabalho Enfrentamento ao Racismo e Respeito à Diversidade Étnica e Cultural. Além de evidenciar o interesse do CNMP no tema, esse grupo serviu como espaço para aglutinação de profissionais, alguns deles negros, que já acumulavam experiência no assunto em outros ramos do MP, em outros órgãos do judiciário e mesmo especialistas que não atuavam no Direito.

No que diz respeito aos sistemas de cota raciais, a intenção era garantir que todas as universidades respeitassem a orientação emanada do julgamento da Suprema Corte em 2012. O acórdão havia estabelecido que a validação das autodeclarações era essencial para garantir que as ações afirmativas de cunho racial não falhassem em garantir os objetivos que justificavam sua existência. Além disso, ele afirmava que as universidades deveriam assumir esta tarefa e que o Ministério Público deveria “zelar pela defesa da lei” (STF, 2012STF (Supremo Tribunal Federal). (2012), Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 186. 26 de abril de 2012. Disponível em: https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25342750/arguicao-de-descumprimento-de-preceito-fundamental-adpf-186-df-stf.
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:119).

A partir daí, ficou estabelecido que validar as autodeclarações é um procedimento necessário para evitar desvio de finalidade das ações afirmativas de cunho racial, o que sustenta a cobrança do MP às universidades. Como explica a promotora de justiça Lívia Vaz (2018Vaz, Lívia Maria. (2018), “As comissões de verificação e o direito à (dever de) proteção contra a falsidade de autodeclarações raciais”, in G. R. Dias; P. R. Tavares Júnior (orgs.), Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos. Canoas, RS: IFRS campus Canoas, pp. 176-192.:44), ela própria membro do GT mencionado acima, “é nesse sentido que o Ministério Público e os tribunais brasileiros têm decidido que a autodeclaração – embora seja o critério prevalente de atribuição racial dos indivíduos – não se reveste de caráter absoluto, podendo ser submetida à verificação”.

O caso da UFS ilustra bem as ações que têm sido iniciadas pelo MP. Na justificativa para o inquérito já em andamento que o coletivo de estudantes descobriu existir, não há menção a denúncias encaminhadas à universidade ou ao próprio Ministério Público, apenas a essa recomendação de 2016.

Em suma, não são poucos os indícios de que a difusão da instalação de procedimentos de verificação das autodeclarações deve muito à agência dos estudantes negros, reunidos ou não em coletivos, assim como ao apoio de organizações do movimento negro, notando-se, em particular sua capacidade de mobilizar órgãos do Estado, como a Defensoria Pública e o Ministério Público, assim como instituições da sociedade civil, como a OAB, por exemplo. Esses indícios sustentam também a relevância do papel desempenhado pelo Ministério Público que, agindo em defesa de direitos coletivos, criou instâncias de mediação entre as demandas do movimento social e as instâncias decisórias das universidades7 7 . A noção de encaixe, tal como proposta por Lavalle et al. (2018) e desenvolvida por Rios (2018) é útil para se compreender esse processo. . O enquadramento dos procedimentos de análise das autodeclarações como uma defesa perante a ameaça da fraude foi certamente um elemento importante para conectar essas diferentes esferas de ação social, permitindo produzir dinâmicas de coerção substantivas dirigidas às universidades.

Nossa pesquisa mostrou que, além desses elementos, é preciso levar em conta também as ações desenvolvidas pela comunidade universitária, servidores docentes e técnico-administrativos, negros pela maior parte. Articulados em rede, eles produziram modelos de procedimentos e os disseminaram em seminários, congressos e publicações. Uma vez implementados em algumas universidades pioneiras, esses serviram de modelo para as outras que se viam premidas pela urgência em resolver o problema gerado pelas denúncias de fraude, oferecendo um bom exemplo dos processos de mimetismo que estimulam isomorfismo, mas também das pressões normativas pela adoção de um modelo particular de procedimento que também contribuem para isso. Trataremos dessa dimensão do processo a seguir.

Mimetismo e Normatização - Redes de Ativistas, Redes Profissionais e a Homogeneização dos Protocolos

Como foi visto, a necessidade de responder à obrigação de implementar procedimentos rotineiros de validação das autodeclarações em regime de urgência fez com que as autoridades universitárias se vissem diante da necessidade de agir rápido. Em muitos casos, essa tarefa foi delegada para os servidores, docentes e técnico-administrativos, negros em sua maioria, que assumiram o ônus de produzir um novo território burocrático em suas organizações. Além de criar protocolos e cargos para os que assumiriam a tarefa, eles lidaram com as disputas por recursos e também, em muitos casos, por reconhecimento da própria iniciativa e de sua autoridade para implementá-la. Acima de tudo, eles tinham que rapidamente se apropriar dos conhecimentos necessários para tornar possível a iniciativa e protegê-la de eventuais ações na justiça, críticas e resistências.

Eles não precisariam, a princípio, inventar procedimentos de análise das autodeclarações, já que esses já haviam sido implementados por pelo menos cinco universidades federais assim que adotaram cotas raciais para ingresso na graduação, entre 2003 e 2008: Universidade de Brasília (UnB), UFPR, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA). No entanto, cada uma dessas universidades havia desenvolvido um modelo diferente. Por exemplo, embora todos tivessem estabelecido uma comissão especial para validar as autodeclarações, a composição variava. Algumas eram formadas apenas por servidores da universidade, outras incluíam estudantes e representantes da sociedade civil. Havia também diferença quanto aos critérios levados em conta na análise. Algumas levavam em conta apenas o fenótipo dos candidatos, enquanto outras consideravam, além do fenótipo, aspectos relacionados a suas histórias de vida, em especial a exposição prévia ao racismo, ou à linhagem familiar dos mesmos. Os procedimentos se diferenciavam também em relação à definição de quem deveria ser submetido a eles, se todos os candidatos às vagas reservadas chamados para matrícula, se uma parte deles ou se apenas os que fossem denunciados. Além disso, alguns baseavam-se na análise de fotografias enviadas pelos próprios estudantes, enquanto outros em entrevistas presenciais e análises de textos preparados por eles. Todos esses aspectos são importantes quando se pretende construir confiança no processo de validação ou, mais precisamente, quando se pretende construir sua legitimidade. Por isso, cada decisão tem efeitos, inclusive jurídicos, que é preciso considerar, fazendo com que a escolha do modelo seja um aspecto sensível do processo.

Até onde pudemos verificar, todos os modelos foram resultado de discussões internas às universidades, foram implementadas por docentes, funcionários e estudantes, alguns deles ativistas, com maior ou menor participação das organizações do movimento negro. Cada uma das cinco universidades havia criado seu procedimento independentemente das outras. Além disso, elas os abandonaram logo depois da entrada em vigor da Lei de Cotas, por ter entendido que não havia apoio legal para sua existência, uma vez que não eram mencionados na lei. Portanto, nenhum modelo estava disponível quando as universidades foram confrontadas com a necessidade de responder rapidamente e eficientemente às denúncias dos estudantes, à exposição da mídia e à pressão do judiciário. Os que se responsabilizaram por resolver o problema tiveram que começar outra vez. À medida que a mídia trazia mais e mais casos à atenção pública e que o Ministério Público intensificou a pressão sobre as universidades, começaram a circular informações e trocar experiências fora de seus campi. Gradualmente, organizaram fóruns e seminários especialmente dedicados ao tópico, envolvendo diferentes universidades.

Servidores docentes e técnico-administrativos de universidades da Região Sul foram os primeiros a organizar essas trocas mais estruturadas. Não por acaso, foi nessa região que emergiram as primeiras iniciativas para validar autodeclarações após a Lei de Cotas. O Fórum das Ações Afirmativas da Região Sul teve lugar em 2014 e ainda se reúne anualmente, produzindo uma carta orientadora ao final de cada encontro (Nunes, 2018Nunes, Georgina. (2018), “Autodeclarações e comissões: responsabilidade procedimental dos/as gestores/as de ações afirmativas”, in G. R. Dias; P. R. Tavares Júnior (orgs.), Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos. Canoas, RS: IFRS, pp. 11-30.). Em 2016, duas universidades dessa região e a Associação Nacional de Pesquisadores Negros organizaram o I Seminário Nacional de Gestão de Ações Afirmativas.

Em 2018, os encontros passaram a se difundir para outras regiões, com o 1o Seminário Nacional de Políticas de Ações Afirmativas nas Universidades Brasileiras e a Atuação das Bancas Verificadoras de Autodeclaração na Graduação, na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, primeiro a ocorrer fora da Região Sul8 8 . Nesse encontro foi produzida a “Carta de Campo Grande” (Anped, 2018) reunindo diversas recomendações, sugestões e orientações derivadas da experiência de diferentes universidades públicas cujos representantes estavam presentes no seminário. .

Esses espaços de trocas de experiências e de aprendizado coletivo foram instrumentais para construir convergências. Segundo participantes entrevistados, eles estavam interessados em participar dos encontros porque precisavam de um modelo que daria “segurança jurídica” às universidades diante das contestações judiciais encaminhadas por candidatos cujas autodeclarações não haviam sido aceitas. Alguns desses candidatos haviam apresentado recursos a juízes de primeira instância que não estavam envolvidos com a discussão mais ampla sobre ações afirmativas e estavam sendo bem-sucedidos até certo ponto. Como esses resultados poderiam minar o processo, ameaçando sua legitimidade, tanto no interior da própria universidade, quanto diante da sociedade mais ampla, os fóruns tornaram-se o espaço para discussão de modelos de procedimento e estratégias para alcançar algum tipo de normatização legal.

A participação de advogados, promotores, procuradores nesses encontros é, portanto, compreensível, assim como o é a participação de dirigentes e representantes de organizações do movimento negro. Alguns desses profissionais e algumas dessas organizações já havia marcado presença no julgamento da ADPF 186 na Suprema Corte. Eles tinham também participado das orientações que emanaram do Conselho Nacional do Ministério Público em 2015CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). (2015), Edital no. 8 - Convocação de Audiência Pública sobre Fraudes no Sistema de Cotas e Mecanismos de Fiscalização - o papel do Ministério Público. Disponível em https://www.cnmp.mp.br/portaldatransparencia/atividade-fim/audiencias-publicas-realizadas-res-92-cnmp/157-fraudes-nos-sistemas-de-cotas-e-mecanismos-de-fiscalizacao-o-papel-do-ministerio-publico.
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(CNMP, 2015CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). (2015), Edital no. 8 - Convocação de Audiência Pública sobre Fraudes no Sistema de Cotas e Mecanismos de Fiscalização - o papel do Ministério Público. Disponível em https://www.cnmp.mp.br/portaldatransparencia/atividade-fim/audiencias-publicas-realizadas-res-92-cnmp/157-fraudes-nos-sistemas-de-cotas-e-mecanismos-de-fiscalizacao-o-papel-do-ministerio-publico.
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). Circulando por diferentes espaços, eles contribuíram para construir um certo consenso sobre o formato desejado para esses procedimentos.

A publicação da Orientação Normativa no 3 em 2016 e, em especial, da Portaria Normativa no 4 do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão em 2018MPDG (Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão). (2018), Portaria Normativa Nº 4, de 6 de abril de 2018. [10/11/2020]. Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/Min_Div/MPOG_PortNorm_04_18.html.
http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/...
(MPDG, 2018MPDG (Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão). (2018), Portaria Normativa Nº 4, de 6 de abril de 2018. [10/11/2020]. Disponível em: http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/ORGAOS/Min_Div/MPOG_PortNorm_04_18.html.
http://www.trtsp.jus.br/geral/tribunal2/...
) foi expressão desse consenso relativo. O segundo documento, produzido para regulamentar “o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais”, definia que, embora houvesse uma presunção relativa de veracidade quanto à autodeclaração dos candidatos (Art. 3o), esta deveria ser “confirmada mediante procedimento de heteroidentificação” (Art. 3o, § 1o). Além disso, recomendava que uma “comissão de heteroidentificação” deveria se encarregar do processo, indicava como ela deveria ser composta (Art. 6o), definia o critério fenotípico como o único admissível (Art. 9o) e o modo como deveria se desenrolar o processo (Arts. 10o, 11o e 12o).

Embora essas recomendações se referissem ao recrutamento de servidores públicos federais por meio de cotas raciais, as universidades as adotaram, ilustrando os mecanismos de mimetismo e as pressões por normatização em jogo. Intensa comunicação entre os formuladores da portaria e os professores e funcionários engajados em desenvolver os protocolos para suas universidades resultaram na transferência de modelos e experiências entre diferentes campos organizacionais.

A portaria foi produto das recomendações de um Grupo de Trabalho Interministerial instituído no final de 2016 estimulado pelo Ministério Público (Brasil, 2016Brasil. (2016), Lei 13.409 de 28 de dezembro de 2016. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13409.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
). Esse Grupo de Trabalho ouviu e acatou sugestões vindas de um conjunto de indivíduos já bastante envolvidos nas discussões que ocorriam nas universidades. Proeminentes participantes eram representantes da Defensoria Pública, do Ministério Público e de pelo menos uma organização do movimento negro, a Educafro9 9 . A Educafro foi fundada, como ONG, em 1997, porém ela é resultado de uma mobilização anterior desde a década de 1990 para “inclusão de negros, em especial, e pobres em geral, nas universidades públicas, prioritariamente, ou em uma universidade particular com bolsa de estudos, com a finalidade de possibilitar empoderamento e mobilidade social para população pobre e afro-brasileira”. Ela esteve presente nas audiências públicas, seminários e GTs criados em torno da adoção de cotas nas universidades. Participou também como amici curae no julgamento da ADPF 186 e nas discussões da CNMP sobre os procedimentos de heteroidentificação. Seu fundador, frei David dos Santos, e seus representantes são presenças constantes nos fóruns sobre ação afirmativa. Frei David prefaciou o primeiro livro que difundiu diretrizes para implementação de procedimentos de validação de autodeclarações, organizado por Dias e Tavares (2018). (Enap, 2021Enap (Escola Nacional De Administração Pública). (2021), “Relatório de Pesquisa e Avaliação sobre Políticas Públicas – Entrevistas”, in Enap, Pesquisa de avaliação da política de cotas no serviço público e elaboração de metodologia para avaliação da lei de cotas raciais e sociais nas Universidades e Institutos Federais. [online] Relatório 3. Disponível em: http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/6672.
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:30). Esse GT preparou a minuta da Portaria Normativa no 4/2018, adotando o modelo que já vinha sendo implantado por algumas universidades, especialmente da Região Sul, desde 2015.

A seu turno, apoiada na legitimidade específica de que gozam as normas federais, essa portaria passou a ser tomada como referência nas discussões entre os encarregados de implementar os procedimentos de averiguação das autodeclarações no campo das universidades, que não contava e ainda hoje não conta com uma norma específica como esta. Dessa maneira, o ciclo de trocas e empréstimos entre campos organizacionais se fechava, contribuindo para apaziguar as pressões por normatização nas universidades.

De acordo com esse modelo, uma comissão especialmente designada para esse fim fica encarregada de organizar o processo, requerendo que os estudantes se encontrem com uma banca, que irá decidir se seu fenótipo os torna elegível para a matrícula por meio de ação afirmativa de cunho racial. Várias bancas trabalham simultaneamente para atender o grande número de estudantes envolvidos, geralmente mais de mil em cada universidade, num curto período de tempo entre a chamada para a matrícula e o dia da matrícula propriamente dito. Cada banca deve ser composta por cinco membros e deve ser diversa em termos de raça, gênero e, se possível, local de nascimento. Os membros devem ser treinados previamente. Eles devem adquirir um conhecimento básico sobre relações raciais no Brasil, sobre os objetivos da ação afirmativa de cunho racial e seu significado histórico. Cada membro deve ser capaz de aplicar sua compreensão sobre o racismo brasileiro quando estiver manifestando sua opinião sobre se o fenótipo do estudante o torna elegível para ingresso na universidade por ação afirmativa de cunho racial. As bancas baseiam-se em maioria simples para decidir. Em caso de dúvida, a autodeclaração deve prevalecer.

Todo o processo, desde o treinamento dos membros das bancas até à comunicação da decisão, é cuidadosamente planejado. O objetivo é usar todas as oportunidades para educar a comunidade, os estudantes e suas famílias. Ao tratar o processo como uma das manifestações do ativismo em que se encontram engajados contra a desigualdade racial, os organizadores sublinham a importância da chegada dos jovens estudantes negros às universidades públicas e, ao mesmo tempo, celebram a negritude. Dessa maneira, eles tentam reverter o sentido negativo que alguns autores brasileiros atribuíram aos procedimentos de validação das autodeclarações quando os trataram como “tribunais raciais” no início dos anos 2000 (Maio, Santos, 2005).

Conclusão

A difusão das ações afirmativas é um dos fenômenos mais notáveis da história recente das universidades públicas brasileiras. Ela sinaliza uma mudança na compreensão sobre qual seria sua missão para incluir a participação ativa na luta contra as desigualdades sociais e étnico-raciais em complemento à produção de conhecimento e à formação de quadros especializados. Ela sinaliza também que as universidades brasileiras passaram a ser mais claramente percebidas como espaços racializados (Carvalho, 2006Carvalho, José Jorge. (2006), “O confinamento racial do mundo acadêmico brasileiro”. Revista USP, n. 68, pp. 88-103.; Figueiredo, Grosfoguel, 2010; Rosa, Fachini, 2022), com uma “história, demografia, currículo, clima e um conjunto de símbolos e tradições que encarnam e reproduzem a branquitude e sua supremacia” (Bonilla-Silva, Peoples, 2022:1491). A difusão das ações afirmativas pode ser entendida, assim, como uma estratégia particularmente importante – e eficaz – na luta por igualdade racial.

Nessa perspectiva, compreende-se porque estudantes negros, docentes e funcionários técnico-administrativos, organizações do movimento negro, advogados e procuradores engajaram-se tão decididamente na defesa da implantação dos procedimentos de validação das autodeclarações raciais dos candidatos à admissão por cota, tomando-os como medida necessária para garantir o direito constitucional e, logo, como um ganho na luta pela igualdade racial.

A agência dos estudantes negros pode ser associada à mudança demográfica que ocorreu nas universidades públicas. Os estudantes envolvidos nos processos descritos acima beneficiaram-se das ações afirmativas e encontravam-se presentes em número significativamente maior nas universidades públicas, de onde eram até muito recentemente excluídos, quando ocorreram os episódios. Além disso, haviam crescido num país onde a desigualdade racial havia gradualmente substituído a democracia racial como o modo primário de enquadrar a compreensão das relações raciais. Por fim, sabiam que medidas para remediar tais desigualdades já tinham sido institucionalizadas em algumas áreas. Esses estudantes exibiam, como Guimarães, Rios e Sotero (2020) também notaram, as disposições necessárias para se indignar com a falta de controle sobre o uso da autodeclaração como um critério aceitável de elegibilidade às vagas reservadas e para tomar a questão em suas próprias mãos. Eles compreenderam que precisavam adquirir o conhecimento necessário não apenas para lutar por seus direitos perante as autoridades universitárias, mas também para iniciar diálogo e estabelecer alianças com ativistas e profissionais que poderiam ajudá-los. Enquadrar suas queixas como parte de uma luta contra fraude estrutural permitiu aos ativistas atribuir a elas um sentido que pôde ser amplamente compartilhado por seus apoiadores e por aqueles cujo apoio poderia ser conquistado (Benford, Snow, 2000).

Os estudantes não lutaram sozinhos. Organizações do movimento negro puderam orientá-los quanto aos instrumentos jurídicos passíveis de serem utilizados, os conectaram a órgãos do Estado, em especial com o Ministério Público, o judiciário e organizações de mídia. Isso não se deu por acaso nem pôde ser improvisado. Como mostrou Flávia Rios (2018:362-363), a trajetória do movimento negro no período posterior à transição democrática foi marcada pela “formalização, racionalização e profissionalização das organizações civis e a abertura e criação de espaços de mediação e de controle no interior do Estado”. Esse contexto ajuda a explicar porque a demanda dos estudantes encontrou e tem encontrado interlocutores preparados para apoiá-la em diferentes regiões do Brasil.

O Ministério Público pôde exercer uma pressão eficaz sobre as universidades por causa dos instrumentos legais criados pela Constituição de 1988 e também porque alguns procuradores estavam engajados em avançar as ações afirmativas de cunho racial. Quando começou a receber denúncias de fraude relacionadas às ações afirmativas de cunho racial, o MP já tinha se estabelecido como um defensor dos direitos coletivos e difusos (Arantes, 1999Arantes, Rogério. (1999), “Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 39, pp. 83-102. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0102-69091999000100005.
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). Além disso, ele já tinha trabalhado para integrar conhecimentos sobre desigualdades raciais em suas argumentações recorrendo a especialistas e criando grupos de estudo, em parte impulsionado pelo movimento negro organizado.

A pressão sobre as universidades também veio das organizações de mídia, que puderam transformar as denúncias dos estudantes em escândalos potencialmente capazes de gerar danos significativos à legitimidade das universidades. Mais estudos são necessários para identificar o amplo leque de interesses que levou a mídia a intervir de forma tão homogênea e previsível nesses casos.

Por sua vez, mecanismos de imitação e pressões normativas ajudam a explicar a difusão dos procedimentos observada. Diante da necessidade de apresentar soluções viáveis para fazer frente a demandas urgentes de grupos diversos, nem sempre é possível testar ideias novas, que normalmente precisam de tempo para serem avaliadas. Nesses casos, soluções já experimentadas e que já contam com a aprovação de outros, sobretudo dos grupos demandantes, tornam-se especialmente atraentes e podem servir de modelos a quem ainda não desenvolveu a sua própria. Num cenário de aguçamento dos contenciosos na arena jurídica, a adoção, com adaptações, de soluções já implementadas em outras universidades tornou-se, assim, o modus operandi geral. A adoção precoce de soluções já validadas por outros ramos do serviço público foi outra estratégia usada nesse caso. Ambos demonstram a influência dos procuradores e advogados envolvidos.

A participação ativa de professores e funcionários técnico-administrativos das universidades, a quem coube a tarefa de conceber e implementar, sob forte escrutínio público, procedimentos que deveriam ser considerados como aceitáveis por um conjunto heterogêneo de interessados foi instrumental para a difusão dos procedimentos de validação das autodeclarações.

Operadores do direito, em particular advogados e procuradores, atuaram como consultores, supervisionando a elaboração de procedimentos que pudessem resistir a potenciais contenciosos legais. O foco no judiciário gerou pressões normativas que se espalharam por todas as universidades devido à intensa comunicação em workshops e seminários organizados para facilitar a interação entre os envovidos.

Especialistas podem, portanto, ser agentes de mudanças institucionais, especialmente quando trazem para a organização conhecimentos que se tornam a base de novas formas de justificação. Da mesma forma, como notaram Jepperson e Meyer (1991Jepperson, Ronald; Meyer, John. (1991), “The public order and the construction of formal organizations”, in W. Powell; P. DiMaggio (eds.), The new institutionalism in organizational analysis. Chicago: University of Chicago Press, pp. 204-231.:226), “atores sociais comuns” podem também transmitir “mudanças institucionais exógenas” para as organizações em que operam, como argumentamos ter sido o caso aqui, quando uma nova visão dos direitos da população negra no Brasil foi introduzida nas universidades por estudantes, docentes e funcionários interessados. Por fim, é por meio das redes profissionais que práticas se transformam em normas, são difundidas e se tornam passíveis de serem apropriadas por outras organizações.

O aprofundamento da experiência com ações afirmativas de cunho racial evidencia uma mudança na maneira de compreender a desigualdade social brasileira, que passa a incorporar o componente racial de forma explícita, gerando políticas específicas para combatê-la, concretizadas em regras e procedimentos que passam a fazer parte da rotina das universidades. Estudamos aqui, portanto, uma etapa do processo de institucionalização de uma visão sobre o papel das universidades públicas que incorpora elementos de justiça racial que não estavam presentes em sua origem nem em grande parte de sua história.

Ao destacarmos o protagonismo de estudantes, assim como de organizações do movimento negro, profissionais do direito e membros do judiciário nesses processos, procuramos realçar também a dimensão contenciosa desses desenvolvimentos. Se a adoção de ações afirmativas e de procedimentos para garantia da eficácia dessas ações sinalizam uma mudança na maneira de conceber a missão das universidades públicas, a descrição dos processos que levaram à difusão dos procedimentos de análise das autodeclarações mostrou que esse não é, pelo menos ainda, um terreno pacificado. As universidades são melhor compreendidas quando pensadas como espaços de luta, inclusive em torno da definição de qual deve ser sua missão. Demandar ação decisiva para proteção das ações afirmativas de cunho racial pode ser visto, assim, como uma das dimensões da luta pela afirmação da legitimidade das iniciativas voltadas para combater a desigualdade racial.

A difusão dos procedimentos de análise das autodeclarações dos candidatos é também um indicador das transformações nas relações raciais ocorridas na história recente do Brasil. Seus efeitos não podem ser tratados diretamente neste artigo. No entanto, dois pontos merecem consideração. Primeiro, nossa pesquisa indica que, como outros têm mostrado, a percepção do Brasil como uma sociedade em que a raça é princípio de hierarquização e dominação per se está progressivamente ganhando a consciência nacional, deslocando a visão até muito recentemente dominante da primazia da democracia racial e apoiando demandas por justiça racial. Segundo, essa sociedade racializada está mais uma vez reinterpretando a miscigenação (Calvo-Gonzaléz, Santos, 2018) num contexto em que o fenótipo ganhou quase que absoluta proeminência para definir pertencimento racial. Essa proeminência sustenta a relevância do “preconceito de marca”, por oposição ao “preconceito de origem”, para entender racismo no Brasil, tal como proposto por Oracy Nogueira (2007)Nogueira, Oracy. (2007), “Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestão de um quadro de referência para a interpretação do material sobre relações raciais no Brasil”. Tempo Social [online], v. 19, n. 1, pp. 287-308. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0103-20702007000100015.
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, de resto citado no julgamento da Suprema Corte que considerou legal as medidas de validação das autodeclarações raciais.

Isso ecoa o argumento já avançado pela literatura feminista (Beasley, Bacchi, 2000; Lister, 2002Lister, Ruth. (2002), “Sexual Citizenship”. in E. Isin; B. Turner Handbook of citizenship studies. London: Sage, pp. 191-207., entre outras) e pela sociologia médica (Mol, 2002Mol, Annemarie. (2002). The body multiple: ontology in medical practice. Durham: Duke University Press.) de que não há cidadania sem corpos. No treinamento prévio por que passam, os membros das bancas de validação racial são encorajados a considerar raça como objetivamente inscrita no corpo dos candidatos, justificando assim que ele seja colocado no centro das políticas para garantir justiça racial (Lempp, 2019Lempp, Sarah. (2019), “With the eyes of society? Doing race in affirmative action practices in Brazil”. Citizenship Studies, v. 23, n. 7. pp. 703-719. Disponível em: https://doi.org/10.1080/13621025.2019.1651090.
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). O trabalho das bancas gira, portanto, em torno da necessidade de decidir “quem pode ser [considerado] negro” para se beneficiar das ações afirmativas (Munanga, 2006Munanga, Kabengele. (2006), “Algumas considerações sobre ‘raça’, ação afirmativa e identidade negra no Brasil: fundamentos antropológicos”. Revista USP, n. 68, pp. 46-57. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i68p46-57 .
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; Jesus, 2021Jesus, Rodrigo Ednilson. (2021), Quem quer (pode) ser negro no Brasil? O procedimento de heteroidentificação racial na UFMG e os impactos nos modos de pensar identidade e identificação racial no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica.). Com base em Oracy Nogueira, as bancas avaliam as chances de cada estudante ter sido ou vir a ser submetido a racismo na sua vida cotidiana no Brasil. Ao mesmo tempo, com base no impulso dos ativistas para mudar as universidades públicas, tradicionalmente dedicadas à reprodução dos grupos dominantes (primariamente brancos), essa é uma oportunidade de tornar a universidade “mais preta”. Ambas as posições levam os membros a tratar as autodeclarações dos estudantes cujo fenótipo exibe mais traços negros como menos problemáticas. Ora, isso desafia diretamente a construção da categoria negro como a soma dos que se autodeclaram pretos e pardos, que está na origem da compreensão contemporânea da desigualdade racial no Brasil (Hasenbalg, 2005Hasenbalg, Carlos (2005) [1979], Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG.) e da constituição das pessoas negras como sujeito político (Paschel, 2016Paschel, Tianna. (2016), Becoming black political subjects: movements and ethno-racial rights in Colombia and Brazil. Princeton, NJ: Princeton University Press.; Daflon, Silva, Giraut, 2022). Mais pesquisa é, portanto, necessária para compreender o lugar atribuído àqueles percebidos como pardos nessa sociedade na qual raça está se tornando um princípio mais explícito de organização das relações sociais (Campos, 2013Campos, Luiz Augusto. (2013), “O pardo como dilema político”. Insight Inteligência, n. 62, pp. 81-91.).

Mais estudos sobre a mudança nas universidades são também necessários. Um foco sobre indivíduos e grupos envolvidos nas mudanças que examinamos aqui pode levar a uma melhor compreensão da gênese do seu engajamento. Estudos comparativos podem ajudar a compreender melhor oposição e resistência. Finalmente, uma visão de longo prazo nesses processos pode ajudar a identificar os resultados obtidos em termos de inclusão.

*Agradecemos os comentários de Vinícius Wohnrath, Tianna Paschel, Eduardo Bonilla-Silva e participantes do Race Workshop 2022/2023 na Duke University, assim como dos avaliadores anônimos da DADOS que muito contribuíram para a versão final do artigo. Agradecemos também o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (Proc. No. 2019/09919-3). A responsabilidade pelo produto final é apenas nossa.

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Notas

  • 1
    . Os coletivos não eram exatamente uma novidade nesse período. José Carvalho (2005Carvalho, José Jorge. (2005), “Usos e abusos da antropologia em um contexto de tensão racial: o caso das cotas para Negros na UNB”. Horizontes Antropológicos, v. 11, n. 23, pp. 237-246. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0104-71832005000100018.
    https://doi.org/10.1590/S0104-7183200500...
    :243) relata que o coletivo estudantil EnegreSER foi fundamental para legitimação do procedimento de validação da autodeclaração adotado pela UnB em 2003. No entanto, é evidente o aumento no seu número e a intensificação de seu ativismo nas universidades. Para entender esses coletivos, o contexto de surgimento e as formas de atuação, ver Guimarães, Rios e Sotero (2020). Em três dos casos estudados por nós, Universidade Federal de Viçosa (UFV), UFSC e Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), a demanda partiu de servidores técnico-administrativos e docentes não negros que se mobilizaram para implantar algum tipo de fiscalização diante do que consideravam casos flagrantes de fraude.
  • 2
    . Casos desse tipo também foram relatados em matérias jornalísticas, a saber: coletivos negros NegreX da UFRB; Coletivo Negrada da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) (Leme, Caetano, 2016); Setorial de Negros e Negras da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) (Scirea, 2016Scirea, Bruna. (2016), “UFPel desliga 24 estudantes de Medicina denunciados por fraude no sistema de cotas”. Gazeta Educação e Trabalho. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2016/12/ufpel-desliga-24-estudantes-de-medicina-denunciados-por-fraude-no-sistema-de-cotas-8996897.html.
    https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao...
    ) e Balanta - Coletivos Negros da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) (Melo, 2017Melo, Itamar. (2017), “UFRGS chama para verificação 334 suspeitos de fraudar cotas raciais”. Gaúcha-ZH. Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao-e-emprego/noticia/2017/11/ufrgs-chama-para-verificacao-334-suspeitos-de-fraudar-cotas-raciais-cja2sau9t052901msr8so8kc9.html.
    https://gauchazh.clicrbs.com.br/educacao...
    ).
  • 3
    . Esse caso foi reconstruído a partir de entrevistas com duas estudantes que encaminharam as primeiras denúncias (em 16/9/2020 e 17/11/2021), com o defensor público do caso (em 6/12/2021) e uma pró-reitora (em 10/12/2021), consulta à documentação do arquivo pessoal das entrevistadas e matérias de jornais. Os trechos entre aspas são transcrições das entrevistas. Os nomes são fictícios.
  • 4
    . Esse caso foi reconstruído a partir de entrevistas com um docente membro do Grupo de Trabalho instituído para definir o procedimento (em 14/12/2020) e com duas estudantes (em 16/12/2020 e 11/01/2021); consulta ao processo e a matérias publicadas nos sites da universidade, do Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação da UFS e do MP. Os trechos entre aspas são transcrição das entrevistas. Os nomes são fictícios.
  • 5
    . Além do Coletivo Negro Beatriz Nascimento, os documentos fazem referência ao Movimento Negro Unificado de Sergipe, Coletivo Quilombo; Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas da UFS; Diretório Central de Estudantes; Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica da Rede Oficial do Estado de Sergipe; Instituto Braços (Centro de Defesa de Direitos Humanos); à Comissão de Direitos Humanos da OAB-SE, Associação Nacional da Advocacia Negra, Liga Acadêmica de Saúde da População Negra, União de Negros pela Igualdade.
  • 6
    . Nesse período, algumas investigações do MPF atingiram dirigentes universitários. Mais estudos são necessários para compreender a relação entre esses desenvolvimentos e o que se passou com relação às denúncias de fraude discutidos aqui. Mais estudos são também necessários para identificar os instrumentos jurídicos que o MPF usou para levar adiante essas investigações e como isso foi influenciado pelo modo como os procuradores definiram seu papel específico na estrutura de Estado (Arantes, 1999Arantes, Rogério. (1999), “Direito e política: o Ministério Público e a defesa dos direitos coletivos”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 14, n. 39, pp. 83-102. Disponível em https://doi.org/10.1590/S0102-69091999000100005.
    https://doi.org/10.1590/S0102-6909199900...
    ; 2012; Britto, 1992Britto, Carlos Ayres. (1992), “Distinção entre ‘controle social do poder’ e ‘participação popular’”. Revista de Direito Administrativo, v. 189, pp. 114-122. Disponível em: https://doi.org/10.12660/rda.v189.1992.45286.
    https://doi.org/10.12660/rda.v189.1992.4...
    ).
  • 7
    . A noção de encaixe, tal como proposta por Lavalle et al. (2018) e desenvolvida por Rios (2018) é útil para se compreender esse processo.
  • 8
    . Nesse encontro foi produzida a “Carta de Campo Grande” (Anped, 2018Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação). (2018), “Carta de Campo Grande - MS”. GT 21 Educação e Relações Étnico-raciais.) reunindo diversas recomendações, sugestões e orientações derivadas da experiência de diferentes universidades públicas cujos representantes estavam presentes no seminário.
  • 9
    . A Educafro foi fundada, como ONG, em 1997, porém ela é resultado de uma mobilização anterior desde a década de 1990 para “inclusão de negros, em especial, e pobres em geral, nas universidades públicas, prioritariamente, ou em uma universidade particular com bolsa de estudos, com a finalidade de possibilitar empoderamento e mobilidade social para população pobre e afro-brasileira”. Ela esteve presente nas audiências públicas, seminários e GTs criados em torno da adoção de cotas nas universidades. Participou também como amici curae no julgamento da ADPF 186 e nas discussões da CNMP sobre os procedimentos de heteroidentificação. Seu fundador, frei David dos Santos, e seus representantes são presenças constantes nos fóruns sobre ação afirmativa. Frei David prefaciou o primeiro livro que difundiu diretrizes para implementação de procedimentos de validação de autodeclarações, organizado por Dias e Tavares (2018)Dias, Gleidson Renato; Tavares Junior, Paulo Roberto (orgs.). (2018), Heteroidentificação e cotas raciais: dúvidas, metodologias e procedimentos. Canoas, RS: IFRS..
  • *
    Agradecemos os comentários de Vinícius Wohnrath, Tianna Paschel, Eduardo Bonilla-Silva e participantes do Race Workshop 2022/2023 na Duke University, assim como dos avaliadores anônimos da DADOS que muito contribuíram para a versão final do artigo. Agradecemos também o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (Proc. No. 2019/09919-3). A responsabilidade pelo produto final é apenas nossa.

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2022
  • Revisado
    11 Set 2022
  • Aceito
    31 Jan 2023
Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) R. da Matriz, 82, Botafogo, 22260-100 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel. (55 21) 2266-8300, Fax: (55 21) 2266-8345 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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