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Controlando o Protesto: Repertório, Estratégias e Aprendizagem no Policiamento do Ciclo de Protestos de 2013-2014

Contrôler la Protestation : Répertore, Stratégies et Apprentissage dans le Maintien de l’Ordre lors du Cycle de Protestations de 2013-2014

Controlando las Protestas: Repertorio, Estrategias y Aprendizajes en la Vigilancia del Ciclo de Protestas de 2013-2014

Resumo

Entre 2013 e 2014, com o ápice em junho de 2013, Porto Alegre foi palco de um conjunto de protestos, caracterizados pela heterogeneidade de reivindicações, de grupos mobilizados e de interações táticas entre policiais e manifestantes. O objetivo deste artigo é analisar, com base nesse caso, como o repertório e as estratégias de policiamento de protestos mantêm-se ou transformam-se durante um ciclo de protestos. A investigação foi realizada por meio da análise de eventos de protesto em jornais e de entrevistas com agentes policiais. Sob a perspectiva relacional da teoria do confronto político, foram identificados quatro mecanismos que conformam o processo de aprendizagem vivenciado pelas forças policiais durante o ciclo: problematização do repertório de policiamento; identificação de alternativas; experimentação tática; incorporação das mudanças. As transformações resultaram na ampliação do uso de táticas policiais de monitoramento, combinada à estratégia de antecipação à ação dos manifestantes.

confronto político; policiamento; ciclo de protestos; aprendizagem policial

Résumé

Entre 2013 et 2014, avec un pic en juin 2013, Porto Alegre a été le théâtre d’une série de protestations, caractérisées par l’hétérogénéité des revendications, des groupes mobilisés et des interactions tactiques entre policiers et manifestants. L’objectif de cet article est d’analyser, sur la base de ce cas, comment le répertoire et les stratégies de maintien de l’ordre lors des protestations se maintiennent ou se transforment au cours d’un cycle de protestations. L’enquête a été menée à travers l’analyse des événements de protestation dans les journaux et des entretiens avec des agents de police. Dans la perspective relationnelle de la théorie du conflit politique, quatre mécanismes ont été identifiés qui façonnent le processus d’apprentissage vécu par les forces de police tout au long du cycle : problématisation du répertoire de maintien de l’ordre ; identification d’alternatives ; expérimentation tactique ; incorporation des changements. Ces transformations ont abouti à une augmentation de l’utilisation de tactiques de surveillance policière, combinée à la stratégie d’anticipation des actions des manifestants.

conflit politique; maintien de l’ordre; cycle de protestations; apprentissage policier

Resumen

Entre 2013 y 2014, teniendo como punto álgido junio de 2013, Porto Alegre fue escenario de un conjunto de protestas, caracterizadas por la heterogeneidad de las reivindicaciones de grupos movilizados y de interacciones tácticas entre la policía y los manifestantes. El objetivo de este artículo es analizar, a partir de ese caso, de qué forma el repertorio y las estrategias de vigilancia de las protestas se mantuvieron o transformaron durante el ciclo de protestas. La investigación fue realizada por medio del análisis de eventos de protesta en revistas y entrevistas con agentes policiales. A partir de la perspectiva relacional de la teoría de la confrontación política, se identificaron cuatro mecanismos que conforman el proceso de aprendizaje vivido por las fuerzas policiales durante el ciclo: problematización del repertorio de vigilancia; identificación de alternativas; experimentación táctica; incorporación de los cambios. Las transformaciones resultaron en la ampliación del uso de tácticas policiales y de seguimiento, combinado a la estrategia de anticipación a la acción de los manifestantes.

confrontación política; vigilancia; ciclo de protestas; aprendizaje policial

Abstract

Between 2013 and 2014, peaking in June 2013, Porto Alegre was the stage for a set of protests characterized by heterogeneous claims, groups, and tactical interactions between police and protesters. Based on this case, this paper aims to analyze the way repertoire and strategies for policing demonstrations are maintained or transformed during a cycle of protests. Through an analysis of protest events on newspapers and interviews with police officers, we used the the relational perspective of contentious politics theory to identify four mechanisms that shaped the learning process of police forces during the cycle: the problematization of policing repertoire; the identification of alternatives; tactical experimentation; the incorporation of changes. These transformations resulted in the expansion of the use of police monitoring tactics, allied to the strategy of anticipating protesters’ actions.

contentious politics; policing; protest cycle; police learning

Introdução

Em 04 de outubro de 2012, no Largo Glênio Peres, localizado na região central de Porto Alegre, o boneco inflável Fuleco, tatu-bola representativo da Copa do Mundo de Futebol FIFA 2014, foi o estopim para uma situação de confronto entre forças policiais e manifestantes. Na ocasião, era realizado o Defesa Pública da Alegria, protesto que reuniu centenas de manifestantes, em frente à Prefeitura, contra a privatização dos espaços públicos da cidade. Embora o protesto tenha adotado um formato festivo, com apresentações artísticas, guardas municipais faziam a proteção do prédio da Prefeitura enquanto cerca de vinte policiais militares posicionavam-se nas proximidades da mascote da Copa. Ao fim do evento, alguns manifestantes dirigiram-se ao boneco e foram reprimidos fisicamente com cassetetes e armamentos menos letais (bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha) por policiais militares, resultando em ferimentos a cerca de vinte manifestantes, três repórteres e um policial, além da prisão de seis pessoas. A ação da Brigada Militar (BM)1 1 . Brigada Militar (BM) é a forma como a Polícia Militar é denominada no Rio Grande do Sul. foi fortemente criticada pelos manifestantes (Oliveira et al., 2012Oliveira, Samir; Natusch, Igor; Furquim, Ramiro; Prestes, Felipe. (2012), Manifestação Termina em Batalha Campal no Centro de Porto Alegre. Sul21, 05 out. 2012. Disponível em < https://www.sul21.com.br/noticias/2012/10/manifestacao-termina-em-batalha-campal-no-centro-de-porto-alegre.
https://www.sul21.com.br/noticias/2012/1...
).

Em 12 de junho de 2014, quase dois anos depois do “episódio do tatu-bola”, um novo evento de protesto protagonizado pelo Bloco de Lutas pelo Transporte Público reuniu, no Centro de Porto Alegre, de quinhentos a mil manifestantes contrários à realização da Copa do Mundo. Um helicóptero da BM sobrevoou todo o percurso da passeata, gravando-a com um equipamento denominado “imageador aéreo”. Em determinado momento, manifestantes tentaram marchar até a Fan Fest, evento festivo promovido pela FIFA e por patrocinadores, mas foram impedidos por barreiras policiais. Para evitar a aproximação dos manifestantes, policiais militares utilizaram armamento menos letal e dispersaram o ato. Em função da depredação a patrimônios, entre seis e 15 manifestantes foram detidos após serem detectados pelas filmagens do imageador aéreo. Sobre as táticas policiais utilizadas durante o protesto, o então subcomandante geral da Brigada Militar afirmou para o jornal Zero Hora:

Nossa linha é de acompanhar a manifestação, tentar evitar depredações, mas, se acontecem, monitoramos quem está depredando, dentro daquela linha de não atacar toda a manifestação. Tem presos que foram monitorados, filmados e depois, na dispersão, a gente fez a prisão. [...] Estamos adotando o mesmo procedimento de 2013. [...] A linha que adotamos é manter a integridade física dos manifestantes e das pessoas que não estão na manifestação (Copa nas ruas, 2014, grifo nosso).

Destacamos algumas diferenças entre as cenas: enquanto no evento do tatu-bola a BM fez o uso relativamente generalizado de repressão física, o protesto de 2014 contra a Copa evidencia a utilização de táticas de monitoramento e coleta de informações por meio de novas tecnologias, além de um discurso oficial que resgata a memória de 2013, defendendo a seletividade na prisão dos manifestantes e a defesa da integridade física das pessoas. As duas cenas acima descritas fazem parte de um processo temporal mais amplo – um ciclo de protestos2 2 . Apesar de utilizarem na sua análise a mesma delimitação temporal utilizada no presente artigo (2013-2014), Maciel e Machado (2021,) argumentam que o ciclo de protestos iniciado em 2013 se estendeu até a conclusão do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016. , conforme argumentado abaixo – que perpassa um conjunto de mobilizações e eventos de protestos, incluindo as chamadas “Jornadas de Junho” de 20133 3 . Para uma análise aprofundada do ciclo de protestos de 2013 em Porto Alegre, ver: Fernandes, 2016; Muhale, 2014; Silva, 2016. . Durante todo esse período, o estado do Rio Grande do Sul era governado por Tarso Genro, do Partido dos Trabalhadores (PT), e a presença de um partido progressista no governo tendia a aumentar as tensões (e críticas) em torno das decisões tomadas no policiamento de protestos4 4 . Em 2013, o governador Tarso Genro foi criticado por manifestantes que questionavam a atuação repressiva da BM (Fleck, 2018). .

Argumentamos que o conjunto de atos ocorridos entre 2013 e 2014 configura um ciclo de protestos, ou seja, “uma fase de conflito acentuado que atravessa um sistema social, com uma rápida difusão da ação coletiva de setores mais mobilizados para outros menos mobilizados” (Tarrow, 2009Tarrow, Sidney. (2009), Poder em Movimento: Movimentos Sociais e Confronto Político. Petrópolis, Vozes.). Os atos em Porto Alegre tiveram protagonismo do Bloco de Lutas pelo Transporte Público, coletivo heterogêneo composto por estudantes, pela juventude de partidos políticos e por grupos anarquistas (Muhale, 2014Muhale, Miguel J. (2014), Lutar, Criar Poder Popular: uma Perspectiva Etnográfica do Bloco de Lutas pelo Transporte Público em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.) – embora, em junho de 2013, outros conjuntos de atores tenham se somado aos protestos. Com base na literatura, argumentamos também que esse ciclo, cujo ápice se situa em junho de 2013, apresenta diversas inovações no repertório de confronto performado nas manifestações (Alonso e Mische, 2016Alonso, Angela; Mische, Ann. (2016), “Changing Repertoires and Partisan Ambivalence in the New Brazilian Protests”. Bulletin of Latin American Research, v. 36, n. 2, pp. 144-159.; Fernandes, 2016Fernandes, Eduardo. (2016), Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Silva, 2016Silva, Camila F. da. (2016), Inovações nos Repertórios de Contestação: o Confronto em Torno do Transporte Público em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.). Neste artigo, a partir da perspectiva do confronto político (contentious politics) (McAdam, Tarrow e Tilly, 2001), o foco de análise centra-se sobre as mudanças no repertório de ação e nas estratégias das forças policiais.

A literatura nacional tem se debruçado sobre o policiamento dos eventos de protesto de 2013 e 2014. Um conjunto de pesquisas investiga a identidade e o repertório de manifestantes que mobilizam ações diretas e disruptivas – principalmente grupos que usam táticas black bloc (Araújo, 2015Araújo, Etyelle. (2015), “Não Tá Acontecendo Nada e Eles Passam Pra Tocar Um Terror”: Repressão Policial e Construções Identitárias em Narrativas de Manifestantes de Junho de 2013. Dissertação (Mestrado em Letras), Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Grote, 2018Grote, Florian. (2018), “Violento é o Estado!”: Violência Política nas Práticas Anarquistas Contemporâneas. Dissertação (Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais), Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa.; Oliva, 2017Oliva, Diago C. (2017), “Se Eu Grito e o Governo Não Escuta... Vamos Quebrar”: a Instrumentalização Política da Violência a Partir da Atuação da Tática Black Bloc no Brasil Pós Junho de 2013. Tese (Doutorado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná, Curitiba.; Pinheiro Jr., 2016). Outras pesquisas focam as formas legais e/ou jurídicas de controle do protesto, referindo-se à “criminalização” dos movimentos sociais (Almeida, 2020b; Amaral et al., 2017Amaral, Augusto; Fiedler, Cássia; Pilau, Lucas; Medina, Roberta. (2017), “As Forças Policiais nas ‘Jornadas de Junho’ de 2013: Um Estudo sobre a Criminalização das Manifestações em Porto Alegre/RS”. InSURgÊncia: Revista de Direitos e Movimentos Sociais, v. 3, n. 2, pp. 208-237. DOI: < https://doi.org/10.26512/insurgncia.v3i2.19724.
https://doi.org/10.26512/insurgncia.v3i2...
; Freitas, 2017Freitas, Veronica. (2017), Quem São os Terroristas no Brasil? A Lei Antiterror e a Produção Política de um “Inimigo Público”. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Ainda, um conjunto de pesquisas investiga o repertório das forças policiais nas ruas durante eventos de protesto (Fernandes e Câmara, 2018Fernandes, Eduardo; Câmara, Gabriel. (2018), “Policiamento a Eventos de Protesto no Brasil: Repertórios e Modelos Policiais no Ciclo de Protestos de Junho de 2013 na Cidade de Porto Alegre”. Política & Sociedade, v. 17, n. 39, pp. 368-395.; Luz, 2016Luz, Tiago. (2016), Não Vai Ter Copa ou Não Vai Ter Protesto? Estudo Acerca de Dois Protestos Distintos contra a Copa do Mundo em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais), Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Silva Jr., 2015). Por fim, há pesquisas que analisam o monitoramento e o vigilantismo sobre manifestantes e eventos de protestos (Albuquerque, 2016; Fernandes, 2020a; Fonseca, 2017Fonseca, Bruno. (2017), Ordem e Protesto: Publicações sobre Manifestações e Ação Policial no #Vemprarua do Instagram. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social), Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.).

Ainda assim, o estudo do policiamento de protestos é uma agenda em construção no cenário acadêmico brasileiro (Almeida, 2020a). Identificamos especificamente uma lacuna na literatura nacional quanto a análises longitudinais, que abordem continuidades e transformações do repertório de policiamento de protestos5 5 . Devem ser destacados, no entanto, os artigos de Maciel e Machado (2021) e de Machado, Maciel e Souza (2021). O primeiro analisa as mudanças da atuação policial a partir de um estudo de caso em São Paulo no mesmo período abordado por nossa pesquisa (2013-2014). O segundo estuda a relação entre megaeventos esportivos (incluindo a Copa de 2014) e o repertório de policiamento de protestos. As autoras identificam mudanças relativamente similares àquelas observadas em Porto Alegre. . Para apontar caminhos no enfrentamento dessa lacuna, o objetivo central do artigo é, com base no caso de Porto Alegre (2013-2014), responder a seguinte pergunta de pesquisa: como o repertório e as estratégias policiais mantêm-se ou se transformam durante um ciclo de protestos?

Em diálogo com a literatura e sob uma perspectiva relacional, argumentamos que ciclos de protesto são propícios à emergência de um processo de aprendizagem policial (Otten, Boin e Torre, 2001). Nesse sentido, compartilhamos a perspectiva sintetizada por Maciel e Machado (2021Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241.:229):

ciclos de confronto são conjunturas críticas que exacerbam as ameaças percebidas pelas elites políticas e sociais e aceleram os processos políticos por meio de intensas respostas estatais ao protesto. A forte interação entre manifestantes e autoridades gera aprendizado e mudanças interativas nos repertórios contenciosos e institucionais.

Segundo estudos prévios, a aprendizagem policial tende a centrar-se em torno da resolução dos problemas (Waddington, 1998Waddington, Peter. (1998), “Controlling Protest in Contemporary Historical and Comparative Perspective”, in Della Porta, Donatella; Reiter, Herbert (eds.), Policing protest: the Control of Mass Demonstrations in Western Democracies. Minneapolis, University of Minnesota Press.; 1999; 2003; Waddington e King, 2005) que ocorrem na interação tática entre forças policiais e manifestantes nas arenas políticas (della Porta e Tarrow, 2012). As inovações decorrentes dessa aprendizagem podem ser incorporadas ao conhecimento policial sobre como controlar protestos, impactando tomadas decisões em eventos posteriores (de Fazio, 2007De Fazio, Gianluca. (2007), “Police Knowledge Revised: Insights from the Policing of the Civil Rights Movement in Northern Ireland”. Research in Social Movements, Conflict and Change, v. 27, pp. 63-87.; della Porta e Reiter, 1998). No caso analisado, identificamos que os eventos do ciclo de protestos operaram como uma espécie de “laboratório de experimentação” policial, culminando em um processo de aprendizagem e na incorporação das mudanças táticas verificadas nos eventos de 2014. Uma das contribuições centrais deste artigo à literatura é explicitar e analisar os mecanismos que conformam o processo de aprendizagem policial durante os ciclos de protesto.

Para desenvolver essa argumentação, subdividimos o artigo nas seguintes seções: na primeira, sintetizamos um modelo relacional para estudo do policiamento de protestos; na segunda seção, apresentamos a abordagem metodológica construída e aplicada; na terceira, desenvolvemos a análise do caso empírico; nas considerações finais, sintetizamos os principais achados e as contribuições deste artigo.

Uma perspectiva relacional do policiamento de protestos

A literatura internacional que se debruça sobre o policiamento de protestos é um subcampo acadêmico consolidado, produzindo há cerca de quarenta anos pesquisas sobre as interações entre os agentes promotores de eventos de protestos (organizações de movimentos sociais e ativistas) e os agentes responsáveis por controlar os protestos (centralmente, as forças policiais) (Earl, 2003Earl, Jennifer. (2003), “Tanks, Tear Gas, and Taxes: Toward a Theory of Movement Repression”. Sociological Theory, v. 21, n. 1, pp. 44-68.; 2011). Embora parcela considerável dessa literatura tenha inicialmente adotado uma perspectiva macrossociológica, relacionando o policiamento à estrutura de oportunidades políticas e às características do regime político nos contextos analisados (della Porta e Reiter, 1998), recentemente – seguindo tendências do campo dos movimentos sociais (McAdam, Tarrow e Tilly; 2001) –, tem ganhado centralidade uma perspectiva relacional, interessada em explicar como as relações entre forças policiais e ativistas mutuamente transformam práticas, identidades e processos organizativos de agentes e instituições envolvidos nessas disputas.

Nesse sentido, della Porta e Reiter (1998:10) desenvolvem um modelo analítico para explicar o policiamento de protestos. O modelo incorpora tanto as variáveis relativamente estáveis (cultura policial e configuração das organizações e do poder policial) quanto, em um nível menos estável, as interações dos policiais com a opinião pública, o governo local e os ativistas, além do conhecimento policial (police knowledge) sobre essas dimensões. As autoras enfatizam que a história da relação com manifestantes, ativistas e organizações de movimentos sociais tende a modelar a ação policial no presente, o que depende da percepção policial sobre os grupos políticos que protagonizam os protestos. Estudos empíricos argumentam que grupos vistos como mais vulneráveis (Wisler e Giugni, 1999Wisler, Dominique; Giugni, Marco. (1999), “Under the Spotlight: The Impact of Media Attention on Protest Policing”. Mobilization, v. 4, pp. 171-187.) ou mais desafiadores às elites políticas (Soule e Davenport, 2009Soule, Sarah; Davenport, Christian. (2009), “Velvet Glove, Iron Fist, or Even Hand? Protest Policing in the United States, 1960-1990”. Mobilization, v. 14, n. 1, pp. 1-22.) tendem a ser alvos preferenciais de táticas policiais mais duras. Outro fator relevante é como os grupos agem: táticas disruptivas tendem a ser respondidas com menor tolerância, enquanto formas de ação inovadoras podem surpreender as forças policiais e ser respondidas com adaptações táticas para a retomada do controle sobre a ação coletiva (della Porta e Atak, 2015Della Porta, Donatella; Atak, Kivanç. (2015), “The Police”, in Duyvendak, Jan; Jasper, James (eds.), Breaking Down the State. Amsterdam, Amsterdam University Press.; della Porta e Tarrow, 2012; Ellefsen, 2016Ellefsen, Rune. (2016), “Relational Dynamics of Protest and Protest Policing: Strategic Interaction and the Coevolution of Targeting Strategies”. Policing and Society, v. 28, n. 7, pp. 751-767.; Wahlström, 2007Wahlström, Mattias. (2007), “Forestalling Violence: Police Knowledge of Interaction with Political Activists”. Mobilization, v. 12, pp. 389-402.).

De acordo com essa abordagem teórica, as percepções e ações das forças policiais são mediadas pela categoria “conhecimento policial”. Della Porta e Reiter (1998:22) definem conhecimento policial como “a percepção dos policiais sobre seu papel e a realidade externa”. O conhecimento policial é uma espécie de incorporação das demais dimensões no agente policial, operando como uma variável que conecta estrutura e ação. Ademais, o conhecimento policial não se trata de uma variável estática, envolvendo uma adaptação recíproca aos encontros prévios com manifestantes, no sentido de que situações de confronto podem ter como consequência “lições aprendidas” pelas forças policiais (Otten, Boin e Torre, 2001).

Policiais agem de acordo com estereótipos construídos acerca dos grupos ativistas, como por meio da distinção entre “bons” versus “maus” manifestantes, “profissionais” versus “genuínos”, “contidos” versus “transgressores” (della Porta e Atak, 2015Della Porta, Donatella; Atak, Kivanç. (2015), “The Police”, in Duyvendak, Jan; Jasper, James (eds.), Breaking Down the State. Amsterdam, Amsterdam University Press.; de Fazio, 2007De Fazio, Gianluca. (2007), “Police Knowledge Revised: Insights from the Policing of the Civil Rights Movement in Northern Ireland”. Research in Social Movements, Conflict and Change, v. 27, pp. 63-87.). Enquadramentos policiais sobre multidões também são relevantes: Atak (2015)Atak, Kivanç. (2015), “Encouraging Coercive Control: Militarization and Classical Crowd Theory in Turkish Protest Policing”. Policing and Society, v. 27, n. 7, pp. 693-711. e Hoggett e Stott (2010)Hoggett, James; Stott, Clifford. (2010), “The Role of Crowd Theory in Determining the Use of Force in Public Order Policing”. Policing and Society, v. 20, n. 2, pp. 223-236. demonstram, por exemplo, que quando a percepção policial é de que multidões são massas perigosas e irracionais as respostas à mobilização tendem a ser confrontacionais. Outro elemento constitutivo do conhecimento policial é a percepção sobre o papel das próprias forças policiais, ou seja, a “autoimagem” ou “filosofia” policial (Winter, 1998Winter, Martin. (1998), “Police Philosophy and Protest Policing in the Federal Republic of Germany (1960-1990)”, in Della Porta, Donatella; Reiter, Herbert (eds.), Policing Protest: the Control of Mass Demonstrations in Western Democracies. Minneapolis, University of Minnesota Press, pp. 188-212.). Winter (1998)Winter, Martin. (1998), “Police Philosophy and Protest Policing in the Federal Republic of Germany (1960-1990)”, in Della Porta, Donatella; Reiter, Herbert (eds.), Policing Protest: the Control of Mass Demonstrations in Western Democracies. Minneapolis, University of Minnesota Press, pp. 188-212. diferencia dois tipos ideais: a Staatspolizei (forças policiais que servem primordialmente ao interesse do Estado) e a Bürgerpolizei (forças policiais que se centram primariamente na defesa dos interesses dos cidadãos). O primeiro tipo tende a adotar táticas mais duras e restritivas de direitos.

Apesar de ser o ponto de partida teórico da presente análise, a proposta de della Porta e Reiter (1998) não se aprofunda na proposição de um modelo que explicite os mecanismos por meio dos quais a aprendizagem policial ocorre. Reconhecendo que agentes policiais atuam como “burocratas de nível de rua” (Lipsky, 1980Lipsky, Michael. (1980), Street-level Bureaucracy: Dilemmas of the Individual in Public Services. Nova York, Russel Sage Foundation.), consideramos importantes as contribuições de Waddington (1999Waddington, Peter. (1999), Policing Citizens. London, UCL Press.; 2003), o qual afirma que as estratégias policiais no controle da ordem pública geralmente levam em consideração dois tipos de problema: problemas no trabalho (on the job troubles) e problemas relacionados ao trabalho (in the job troubles). Os primeiros referem-se a problemas cotidianos e operacionais, como evitar que pessoas desafiem a autoridade policial, prender uma pessoa suspeita, prevenir ferimentos em operações etc.; os segundos referem-se à relação dos agentes policiais com a burocracia das instituições policiais (por exemplo, órgãos de fiscalização) e com outros atores e instituições das arenas políticas (mídias, governos, entre outros). Nos problemas relacionados ao trabalho entram em questão a própria legitimidade/competência das instituições policiais na sociedade, o que pode gerar ações “defensivas” voltadas à proteção da “imagem” da instituição (Waddington, 1999Waddington, Peter. (1999), Policing Citizens. London, UCL Press., p. 130).

Propomos, assim, que uma perspectiva relacional, no nível da interação entre agentes policiais e ativistas, deve conectar o modelo de della Porta e Reiter (1998) às contribuições de Waddington (1999Waddington, Peter. (1999), Policing Citizens. London, UCL Press.; 2003) para a identificação e análise dos mecanismos que conformam o processo de aprendizagem policial durante ciclos de protestos. O modelo proposto é assim sintetizado:

Figura 1
: Modelo de análise

A partir da análise desenvolvida com base nesse modelo, esperamos que o artigo contribua em duas frentes principais. Primeiramente, pretendemos contribuir com a estruturação do incipiente campo de pesquisa nacional sobre policiamento de protestos (Maciel e Machado, 2021Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241.; Machado, Maciel e Souza, 2021), a partir de um estudo que se foca sobre a análise das transformações do repertório policial durante um ciclo de protestos. Em segundo lugar, buscamos contribuir com a construção de uma teoria que avance na análise dos mecanismos de aprendizagem mobilizados no policiamento de protestos. Destaca-se, aqui, a especificidade de conjunturas críticas produzidas em ciclos de protesto para o processo de aprendizagem policial.

Dados e métodos

O objetivo geral deste artigo é explicar, com base no caso de Porto Alegre (2013-2014), como o repertório e as estratégias policiais mantêm-se ou se transformam durante um ciclo de protestos. Para atingir o objetivo geral do artigo foram estabelecidos dois objetivos específicos: a) mapear as táticas policiais adotadas durante o ciclo de protestos e como elas variaram no tempo; b) identificar e analisar quais mecanismos causais explicam as continuidades e/ou transformações no repertório e nas estratégias policiais.

A opção por Porto Alegre é decorrente de dois fatores centrais. Por um lado, a cidade foi um caso paradigmático do ciclo de protestos de 2013: em Porto Alegre protestos contra o aumento do valor das tarifas de ônibus ocorreram desde janeiro daquele ano, com a revogação do aumento das passagens em abril (Liminar..., 2013) e a emergência de protestos massivos em junho6 6 . A revogação ocorrida em abril, em Porto Alegre, inspirou manifestantes em outros protestos no Brasil. Em protesto ocorrido na cidade de São Pulo, em 07 de junho de 2013, por exemplo, manifestantes portavam o cartaz “Vamos repetir Porto Alegre!” (Scirea, 2013). . Por outro lado, o debate sobre as ações policiais em eventos de protestos foi central em Porto Alegre entre 2013 e 2014, principalmente em função de violências cometidas por agentes policiais nos protestos de junho de 2013 e da aquisição de novas tecnologias de policiamento para a Copa de 2014. É importante pontuar que, dado que o nosso objetivo é construir uma teoria sobre os mecanismos causais do processo de aprendizagem que possibilite explicar as continuidades e/ou transformações no repertório policial, o caso de Porto Alegre é adotado como base empírica para tal construção. Possibilidades de generalização para outros casos deverão, necessariamente, ser testadas em estudos comparativos no futuro7 7 . Um dos limites à generalização dos resultados para casos de outros estados deve-se ao fato de que as polícias brasileiras se estruturam em âmbito estadual, apresentando assim potenciais diferenças em termos de trajetória, organização, cultura institucional, entre outros aspectos. A identificação de similaridades e diferenças exige, assim, um desenho de pesquisa comparativo. .

O período de dois anos (2013-2014) escolhido também possui implicações: por um lado, constitui um limite para a análise de processos de mudança de maior escala; porém, a literatura internacional indica que um ciclo de protestos é propício para a ocorrência de mudanças nos repertórios de confronto e de policiamento com relativa rapidez (Maciel; Machado, 2021Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241.; Otten; Boin; Torre, 2001; Tarrow, 2009Tarrow, Sidney. (2009), Poder em Movimento: Movimentos Sociais e Confronto Político. Petrópolis, Vozes.). A análise sobre o quanto tais mudanças adquirem permanência também é uma questão que demanda novas pesquisas.

Para se atingir o primeiro objetivo específico, foi feita uma análise de eventos de protesto (AEP) (Koopmans e Rucht, 2002Koopmans, Ruud; Rucht, Dieter. (2002), “Protest Event Analysis”, in Klandermans, Bert; Staggenborg, Suzanne (eds.), Methods of Social Movements Research. Minneapolis, University of Minnesota Press, pp. 231-259.; Olzak, 1989Olzak, Susan. (1989), “Analysis of Events in the Study of Collective Action”. Annual Review of Sociology, v. 15, pp. 119-141.) de todos os eventos protagonizados pelo Bloco de Lutas entre 2013 e 2014. A coleta de dados foi baseada em material jornalístico a partir das notícias publicadas nos jornais Zero Hora e Sul21. A coleta nos jornais foi feita a partir da busca pela expressão “Bloco de Luta” e similares. A escolha por dois jornais (cada um com públicos-alvo distintos) buscou controlar os vieses jornalísticos de seleção dos eventos noticiados e de cobertura aos eventos – um procedimento central para conferir credibilidade à base de dados quando a fonte é jornalística (Earl et al., 2004Earl, Jennifer; Martin, Andrew; McCarthy, John; Soule, Sarah. (2004), “The Use of Newspaper Data in the Study of Collective Action”. Annual Review of Sociology, v. 30, pp. 65-80.). A busca resultou em 130 publicações (93 de Zero Hora e 37 do Sul21), abrangendo a cobertura a 37 eventos de protesto (26 em 2013 e 11 em 2014). Na seleção das notícias, “protestos” foram entendidos como eventos realizados por atores coletivos para expressão de reivindicações e busca de persuasão de autoridades e/ou da opinião pública sobre a legitimidade dessas reivindicações (della Porta e Diani, 2006; Taylor e Van Dyke, 2004Taylor, Verta; Van Dyke, Nella. (2004), “Get up, stand up: Tactical repertoires of social movements”, in Snow, David; Soule, Sarah; Kriesi, Hanspeter (eds.), The Blackwell companion to social movements. Malden, Blackwell Publishing.).

As notícias foram categorizadas quanto às táticas policiais, as quais são as unidades de ação das forças policiais (ex.: uso de bombas de gás lacrimogêneo, detenções etc.). O conjunto de táticas disponíveis e efetivamente mobilizadas pela força policial diante de eventos de protesto constitui o repertório policial. A combinação de táticas para um determinado fim (ex.: dispersão, antecipação, estigmatização) é aquilo que denominamos estratégia policial. O uso recorrente e sistemático de determinadas estratégias constitui um modelo de policiamento (ex.: forças em escalada – della Porta e Reiter, 1998) (Fernandes, 2020b). É importante salientar que, enquanto o desenho desta pesquisa permite a identificação de táticas, do repertório e das estratégias policiais no caso estudado, não pretendemos analisar a conformação ou modificação de modelos de policiamento (uma vez que tal análise demandaria a abrangência de um lapso temporal mais amplo de protestos).

Quadro 1
: Conceitos e definições de tática, repertório, estratégia e modelo de policiamento de protestos

Com vistas a cumprir o segundo objetivo específico, buscou-se analisar, a partir de entrevistas com agentes vinculados a instituições de segurança pública, os problemas (Waddington, 1999Waddington, Peter. (1999), Policing Citizens. London, UCL Press.; 2003) enfrentados pelas polícias durante o ciclo de protestos, bem como o conhecimento policial (della Porta e Reiter, 1998) construído sobre as interações com os ativistas. As entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado e foram divididas em três blocos de perguntas, abordando: questões sobre a trajetória dos entrevistados; questões sobre a estrutura institucional e os recursos da instituição do entrevistado; questões sobre estratégias e táticas de controle e repressão à ação coletiva, especificamente quanto às táticas adotadas nos protestos de 2013 e 2014.

A busca pelos informantes seguiu a técnica “bola de neve”. Foram realizadas, entre 2013 e 2016, entrevistas com 13 agentes, abrangendo-se uma ampla diversidade de vínculos institucionais: Polícia Militar do Rio Grande do Sul (PMRS) (quatro entrevistados), Polícia Civil do Rio Grande do Sul (PCRS) (quatro entrevistados), Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSPRS) (três entrevistados), Guarda Municipal de Porto Alegre (um entrevistado) e Secretaria Municipal de Segurança de Porto Alegre (SMSEG) (um entrevistado). Os resultados aqui apresentados se centram sobre as entrevistas realizadas com os policiais militares, dado que, no Brasil, é das Polícias Militares a prerrogativa para o controle ostensivo da ordem nas ruas, cabendo à PM parcela considerável das ações diante de eventos de protesto (Almeida, 2020a). Ressalta-se que a combinação entre técnicas quantitativas (AEP) e qualitativas (entrevistas) permite mapear as práticas dos atores (táticas e repertório), bem como complementar esses dados com informações de percepção e interpretação dos atores (estratégias e mecanismos de aprendizagem).

As continuidades ou mudanças do repertório policial durante o ciclo foram articuladas à análise do conteúdo das entrevistas (Bardin, 2010Bardin, Laurence (2010). Análise de Conteúdo. Lisboa, Edições 70.) buscando-se identificar os mecanismos causais que explicam as configurações do repertório policial. Os mecanismos causais são o resultado da decomposição de processos em conjuntos menores de acontecimentos (Machamer, Darden e Craver, 2000). Ao mapear um processo (process-tracing), a análise de mecanismos causais significa, de modo dinâmico, identificar e analisar os agentes (entidades) e, especialmente, suas ações (atividades), as quais, relacionalmente, produzem o processo, fenômeno ou resultado em estudo (Bennett e Checkel, 2015Bennett, Andrew; Checkel, Jeffrey. (2015), Process Tracing: from Metaphor to Analytic Tool. Cambridge, Cambridge University Press.). Neste artigo, o processo é a aprendizagem policial ocorrida entre 2013 e 2014, enquanto os mecanismos causais são as ações realizadas pelos agentes que conformam esse processo. Na próxima seção são desenvolvidos os resultados da análise.

Aprendizagem policial no ciclo repressivo de 2013-2014

Os protestos de 2013 e 2014 realizados pelo Bloco de Lutas geralmente tiveram o formato de passeatas na região central de Porto Alegre. Durante o ciclo, ocorreram variações quanto aos grupos presentes, às reivindicações e ao número de manifestantes. A identificação dessas variações permitiu a divisão do ciclo em quatro períodos: janeiro a maio de 2013 (T1); junho de 2013 (T2); julho a dezembro de 2013 (T3); e janeiro a junho de 2014 (T4).

Entre janeiro e maio de 2013 (T1), os protestos tiveram um número relativamente baixo de manifestantes (menos de mil por evento), com protagonismo do Bloco de Lutas, tendo como reivindicação central a redução no valor da tarifa de transporte público, culminando na revogação do aumento do preço da passagem em abril (Liminar..., 2013). Em junho de 2013 (T2), houve um aumento considerável do número de manifestantes nas ruas – entre 10 e 20 mil manifestantes por evento –, com a heterogeneização dos grupos. Além do Bloco de Lutas, grupos de distintos matizes ideológicos (inclusive conservadores) fizeram-se presentes, multiplicando-se também as reivindicações: a desmilitarização das polícias, o combate à corrupção, a oposição à PEC 37, entre outras. De julho a dezembro de 2013 (T3), houve a diminuição do número de manifestantes às ruas e a retomada do protagonismo do Bloco de Lutas, bem como o retorno da centralidade da pauta relativa ao transporte público. Entre janeiro e junho de 2014 (T4), o Bloco seguiu protagonizando eventos de protesto contra o aumento da passagem, novamente com um número reduzido de manifestantes, mas prevaleceu a pauta de oposição à realização da Copa do Mundo.

Enquanto pesquisas anteriores já demonstraram a inovação no repertório de confronto de ativistas no período (Fernandes, 2016Fernandes, Eduardo. (2016), Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Silva, 2016Silva, Camila F. da. (2016), Inovações nos Repertórios de Contestação: o Confronto em Torno do Transporte Público em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.), o foco deste artigo recai sobre a identificação e a variação das táticas policiais, ou seja, as ações das forças policiais para adaptar-se às – e controlar as – ações dos manifestantes:

As ações policiais entre 2013 e 2014 podem ser categorizadas em três conjuntos principais: táticas de gestão e acompanhamento dos protestos (cinza); táticas de coleta de informações e controle espacial (variações de azul e roxo); táticas de repressão física (variações de vermelho, laranja e amarelo). Os dados do Gráfico 1 demonstram a presença frequente, entre janeiro e maio de 2013 (T1), de táticas policiais de gestão e acompanhamento e de táticas de controle espacial (barreiras policiais). Táticas de repressão física foram identificadas em apenas um protesto específico. Em junho de 2013 (T2), os dados indicam uma importante mudança na direção de táticas de repressão física. O uso de bombas de gás lacrimogêneo e as detenções foram identificados em todos os protestos de junho de 2013 – do total de 163 detenções noticiadas no banco de eventos de protesto, 147 (mais de 90%) ocorreram nos cinco eventos de junho de 2013 – além da alta frequência no uso de agressões, cerco e perseguições a manifestantes.

Gráfico 1
: Táticas da ação policial por período

Entre julho e dezembro de 2013 (T3), táticas de gestão e acompanhamento tornaram-se novamente predominantes. Todas as táticas de repressão física sofreram um decréscimo em seu uso, além de ter ocorrido um decréscimo considerável nas táticas de controle espacial. No período de janeiro a junho de 2014 (T4), manteve-se alta a frequência de táticas de gestão e acompanhamento. Ainda assim, houve ocorrências relevantes de táticas de repressão física – o uso de bomba de gás lacrimogêneo, por exemplo, foi identificado em 30% dos protestos do período. Esse período é marcado pela retomada de táticas de controle espacial e pelo considerável aumento na frequência de táticas de coleta de informações – câmeras de vigilância, imageamento aéreo, uso de helicóptero.

Analisando-se todo o período, a frequência das táticas de gestão e acompanhamento, com exceção do período de junho de 2013, tendeu a se manter estável. Articula-se a essa constatação o fato de que junho de 2013 é o período de maior repressão física, quando todos os protestos foram reprimidos. Além da variação na frequência da repressão, a principal mudança de repertório ocorreu quanto às táticas de coleta de informações, as quais apareciam de forma residual durante os protestos de 2013 e passaram a ser incorporadas ao policiamento em 2014. Nas próximas seções, buscamos identificar quais mecanismos causais explicam essas mudanças.

O episódio do tatu-bola: a problematização do repertório de policiamento

Preliminarmente, ressalta-se que as interações em um ciclo de protestos são, em parte, resultantes de uma história pregressa. Um aspecto central apontado pelos entrevistados é o padrão histórico de confronto e repressão que marca as relações entre forças policiais e manifestantes no país e, especificamente, no Rio Grande do Sul.

O episódio do tatu-bola é um exemplo paradigmático desse padrão. Segundo o entrevistado Fernando8 8 . Para preservação do anonimato, foram criados pseudônimos para todos os entrevistados. , “a relação entre a Brigada, a polícia ostensiva e os movimentos sociais [...] tem uma história conflitada por natureza”. O entrevistado Marcos sugere que até meados dos anos 2000, quando os principais movimentos sociais com os quais a Brigada lidava eram relacionados à temática rural – como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) – e utilizavam táticas radicalizadas – como ocupações de terras –, a estratégia policial era construída “à moda antiga”, com fim de dispersão. Segundo Marcos, nesse período, a principal diretriz era a seguinte: “dissolve essas manifestações quando os governos disserem”. O entrevistado Clóvis afirma ainda: “antigamente tu entravas com a cavalaria, ‘esparramava’, depois iam os pelotões de choque lá, identificavam e prendiam, se fosse o caso um ou outro, mas a ideia era primeiro desmobilizar a massa” (grifo nosso).

Esse padrão conflitivo de interação, já abordado pela literatura nacional (Azevedo, 2016Azevedo, Rodrigo. (2016), “Elementos para a Modernização das Polícias no Brasil”. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 10, pp. 8-20.; Azevedo e Nascimento, 2016Azevedo, Rodrigo; Nascimento, Andréa do. (2016), “Desafios da Reforma das Polícias no Brasil: Permanência Autoritária e Perspectivas de Mudança”. Civitas, v. 16, n. 4, pp. 653-674.; Lima, Sinhoretto e Bueno, 2015; Silva, 2011Silva, Jacqueline C. da. (2011), “Manutenção da Ordem Pública e Garantia dos Direitos Individuais: os Desafios da Polícia em Sociedades Democráticas”. Revista Brasileira de Segurança Pública, v. 5, n. 8, pp. 78-89.), é explicado pelos policiais entrevistados por alguns elementos. O principal deles é a construção histórica, no Brasil, de instituições policiais voltadas centralmente para a preservação da ordem do Estado, e não para a defesa dos direitos de cidadania, espécie de “autoimagem” policial que Winter (1998)Winter, Martin. (1998), “Police Philosophy and Protest Policing in the Federal Republic of Germany (1960-1990)”, in Della Porta, Donatella; Reiter, Herbert (eds.), Policing Protest: the Control of Mass Demonstrations in Western Democracies. Minneapolis, University of Minnesota Press, pp. 188-212. classifica como Staatspolizei. Essa cultura policial tem como uma de suas estratégias o controle repressivo das ações coletivas, as quais tendem a ser entendidas como “distúrbios” ou “tumultos” (Atak, 2015Atak, Kivanç. (2015), “Encouraging Coercive Control: Militarization and Classical Crowd Theory in Turkish Protest Policing”. Policing and Society, v. 27, n. 7, pp. 693-711.; Hoggett e Stott, 2010Hoggett, James; Stott, Clifford. (2010), “The Role of Crowd Theory in Determining the Use of Force in Public Order Policing”. Policing and Society, v. 20, n. 2, pp. 223-236.) protagonizados por “inimigos internos” (Freitas, 2017Freitas, Veronica. (2017), Quem São os Terroristas no Brasil? A Lei Antiterror e a Produção Política de um “Inimigo Público”. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Segundo o entrevistado Clóvis, a nomenclatura adotada pela BM para eventos de protesto promovidos por movimentos sociais, até meados dos anos 2000, era o “controle de tumultos”.

Em diversas falas dos entrevistados, o episódio do tatu-bola é trazido como um ponto de inflexão para a BM. Na ocasião, ao menos 14 pessoas ficaram feridas, e a ação truculenta da polícia foi filmada por manifestantes por meio de celulares, com a ampla divulgação de imagens que indicavam não haver justificativa plausível para a ação repressiva, resultando em uma cobertura negativa por parte das mídias da cidade quanto à postura da BM (Oliveira et al., 2012Oliveira, Samir; Natusch, Igor; Furquim, Ramiro; Prestes, Felipe. (2012), Manifestação Termina em Batalha Campal no Centro de Porto Alegre. Sul21, 05 out. 2012. Disponível em < https://www.sul21.com.br/noticias/2012/10/manifestacao-termina-em-batalha-campal-no-centro-de-porto-alegre.
https://www.sul21.com.br/noticias/2012/1...
). As denúncias quanto à desproporcionalidade da ação policial também se relacionaram à contradição com o formato “festivo” do evento, que reunia atividades artísticas e culturais.

As reflexões dos entrevistados indicam que, com as críticas sofridas pela BM em decorrência desse episódio, em um contexto de governo estadual vinculado um partido progressista (PT), instaurou-se uma crise de legitimidade quanto ao papel das forças policiais em eventos de protesto, configurando-se aquilo que Waddington (1999Waddington, Peter. (1999), Policing Citizens. London, UCL Press.; 2003) denomina problema relacionado ao trabalho. As reflexões dos entrevistados sobre a história conflitiva da BM com movimentos sociais apontam para a emergência, no início do ciclo, de um mecanismo de problematização do padrão repressivo da polícia9 9 . Maciel e Machado (2021) também identificam uma “crise” do policiamento de protestos em São Paulo, mas durante o mês de junho de 2013. . A problematização consiste na avaliação crítica do repertório “tradicional” de policiamento em decorrência de problemas de legitimidade ou operacionais enfrentados pelas forças policiais.

Janeiro a maio de 2013: a identificação de alternativas

Após a experiência “traumática” do episódio do tatu-bola, a BM adentrou o ano de 2013 com sua legitimidade em cheque. Enquanto os primeiros protestos de 2013, em 21 de janeiro e 18 de fevereiro, foram caracterizados pela ausência de confrontos entre manifestantes e forças policiais, o evento de 27 de março marca uma escalada no nível de conflitualidade nas ruas, com a emergência de ações mais disruptivas pelos manifestantes. Essas ações foram respondidas com táticas repressivas pelas forças policiais (Fernandes, 2016Fernandes, Eduardo. (2016), Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; 2020a).

Naquele dia, centenas de manifestantes reuniram-se à frente do prédio da Prefeitura e, sob as palavras de ordem “a prefeitura é nossa” e “abre a casa do povo”, conseguiram romper uma barreira da Guarda Municipal (GM) no local. Diante do “tumulto”, policiais da BM dirigiram-se à Prefeitura e dispersaram os manifestantes com o uso de bombas de gás lacrimogêneo, resultando em um manifestante ferido. Alguns manifestantes responderam atirando pedaços de pau, frutas e bolas de gude nos policiais. Dentro do prédio da Prefeitura, uma manifestante foi detida e algemada pela GM para, em seguida, ser encaminhada ao Palácio da Polícia, onde prestou depoimento à Polícia Civil (PC).

Após a repressão do dia 27 de março, a mobilização aumentou. Os protestos de 01 e 04 de abril foram marcados por uma elevação significativa no número de manifestantes às ruas, o qual chegou à casa dos milhares. Durante esses protestos não foram registrados confrontos físicos entre manifestantes e policiais, nem ocorreu o uso de táticas de repressão física. As táticas disruptivas de manifestantes seguiram sendo adotadas, principalmente na forma de pichações e depredações. O protesto posterior, em 11 de abril, reuniu cerca de 3 mil pessoas, e pela primeira vez no ciclo de protestos foram noticiadas faixas contra a “criminalização do movimento” como resposta ao fato de manifestantes estarem sendo intimados para depor à PC por atos ocorridos em 27 de março.

Embora em todos os protestos de abril de 2013 grupos de manifestantes tenham adotado táticas disruptivas, não foi adotada a repressão física por parte das polícias. Ainda assim, grandes contingentes de policiais militares realizaram o acompanhamento dos protestos à distância. A não repressão física desses atos ocasionou novos problemas de legitimidade (Waddington, 1999Waddington, Peter. (1999), Policing Citizens. London, UCL Press.; 2003) para a BM. Enquanto manifestantes criticavam a “criminalização do movimento”, a BM foi questionada por outros setores da sociedade devido à sua postura, considerada “tolerante” (Gonzatto, 2013Gonzatto, Marcelo. (2013), “Protestos na Capital. BM Avisa que Irá Endurecer”. Zero Hora, Porto Alegre, 13 abr. 2013.). Em resposta às críticas, o então comandante do policiamento da capital buscou responsabilizar os manifestantes ao afirmar que estaria ocorrendo uma radicalização dos protestos: “o movimento está em uma escalada de violência, e o Estado, como poder público, tem de tomar uma providência” (Gonzatto, 2013Gonzatto, Marcelo. (2013), “Protestos na Capital. BM Avisa que Irá Endurecer”. Zero Hora, Porto Alegre, 13 abr. 2013., grifo nosso).

Para buscar conter a “escalada de violência”, a BM posicionou-se oficialmente no sentido de, ao mesmo tempo, defender uma estratégia preventiva, de antecipação à ação dos manifestantes, e enfatizar que a BM deveria respeitar a liberdade de expressão e os direitos humanos. Essa relativa ambivalência entre endurecimento da ação e reconhecimento dos direitos dos manifestantes sintetiza o problema enfrentado pelas forças policiais naquele contexto. A disputa pela legitimidade da ação policial é expressa pelo entrevistado Fernando, o qual atribui às escolhas táticas dos manifestantes parcela central da responsabilidade pela emergência dos conflitos:

Fernando: eventualmente as pessoas acham que a gente tem prazer em estar ali reprimindo os outros. Não. Meu trabalho não é impedir as pessoas de se manifestar. [...] Eu acredito que as formas que às vezes as pessoas escolhem é que são [...] eu não vou te dizer equivocadas. É que às vezes os ‘caras’ passam do limite. Por exemplo, “tá bem, quer interromper uma rua e tal?” Tudo bem, a gente negocia. Sai de casa e interrompe um pouco. Tá bom. Agora, não me joga um molotov. Para que isso, sabe? Para que jogar um foguete?

Como resposta às críticas de tolerância a atos de depredação, a BM convocou uma reunião para tratar dos protestos.10 10 . Reunião realizada em 17 de abril de 2013. Foram convidados membros dos diretórios acadêmicos de universidades (UFRGS e PUCRS), representantes de partidos de esquerda (PSOL, PSTU e PT), do MP Estadual, do MP de Contas, da Prefeitura, da Câmara dos Vereadores e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O então subcomandante da BM informou quais seriam as diretrizes adotadas nos eventos futuros: antes dos atos, seriam realizadas revistas com o objetivo de apreender paus, taquaras, pedras e sprays que estivessem sob a posse de manifestantes, bem como seria buscada uma interlocução entre BM e ativistas para que estes informassem previamente o trajeto das passeatas; durante os protestos, as novas diretrizes abarcavam o incentivo para que manifestantes “cooperassem” com as forças policiais, realizando uma espécie de “autopoliciamento” – identificando e retirando dos atos quem realizasse depredações –, e o aumento do número de registros fotográficos e de filmagens durante os protestos.

A explicitação desse conjunto de táticas aponta para a emergência, nesse período, de um novo mecanismo: a identificação de alternativas, ou seja, o mapeamento de táticas alternativas que podem reduzir ou solucionar os problemas causados pelo repertório “tradicional”. A crise que havia sido instaurada desde o episódio do tatu-bola, somada aos protestos do início de 2013, foi respondida, assim, com a busca por formas de policiamento distintas da repressão física.

Junho de 2013: a experimentação tática

O período de junho de 2013 é marcado pela amplificação das mobilizações, com a ocorrência de protestos massivos e heterogêneos, congregando distintos grupos e múltiplas reivindicações. O Bloco de Lutas, embora seguisse participando dos protestos, perdeu protagonismo. Essa diversificação de atores e pautas nas ruas foi acompanhada pela radicalização tática, com a escalada no nível de conflitualidade entre manifestantes e forças policiais (Fernandes, 2016Fernandes, Eduardo. (2016), Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; 2020a).

A figura dos manifestantes que utilizavam as táticas “black bloc” recebeu ampla atenção da mídia (Trezzi, 2013Trezzi, Humberto. “Contra Tudo: Eles São Anarquistas”. Zero Hora, Porto Alegre, 29 jun. 2013.). Em todos os protestos de junho foram noticiados atos de depredação de patrimônio; em mais da metade dos protestos foram noticiados saques, pichações e o uso de rojões. Tornaram-se recorrentes os confrontos físicos entre manifestantes e forças policiais, as quais responderam com armamento menos letal (principalmente bombas de gás lacrimogêneo) e detenções – mobilizando, assim, o “tradicional” repertório repressivo. O nível de conflitualidade também se expressou na intensificação das divergências entre manifestantes, principalmente em torno da (i)legitimidade das táticas disruptivas. Junho de 2013 é interpretado pelos entrevistados como uma “surpresa”:

Fernando: a gente tinha passado pela experiência de 2013, que foi um negócio cruel. Para tu teres uma ideia, nós, a polícia, o Estado todo foi pego, toda a organização pública, ela foi pega de surpresa. (grifo nosso)

Carlos: Hoje tu não tens uma liderança identificada no movimento. Cada um é meio por si. (grifo nosso)

Marcos: Então você tem lá black blocs [...]. Tem gente da CUT lá, e todos ao mesmo tempo reivindicando, e reivindicações às vezes diferentes, e eles mesmos se desentendendo entre eles na reivindicação. [...] Essa mistura toda causou grandes problemas aí que eu acho que vigoram até hoje, que é uma confusão total. [...] A polícia não sabe o que fazer com quem prende [...]. Mas é tudo um pouco intuitivo, um pouco confuso. [...]. O que leva a se agir de modo intuitivo e perigoso... (grifo nosso)

As falas acima, demonstrando a tentativa de adaptação das táticas policiais às características dos protestos, configuram o que Waddington (1999Waddington, Peter. (1999), Policing Citizens. London, UCL Press.; 2003) denomina problema no trabalho, ou seja, as dificuldades enfrentadas durante as operações. As falas dos entrevistados indicam que a heterogeneidade dos grupos e das táticas opõe problemas para o controle do espaço público. Essa diversidade, somada à dificuldade de identificação de lideranças e à desconfiança entre manifestantes e forças policiais, coloca barreiras ao uso da estratégia de negociação, proposta como uma alternativa na reunião de 17 de abril abordada anteriormente.

Para lidar com a “surpresa” e a “confusão” de junho de 2013, a BM lançou mão da experimentação tática das alternativas que haviam sido identificadas no período anterior. De modo geral, junho de 2013 foi interpretado como uma espécie de “laboratório de experimentação” pelos policiais entrevistados. Segundo o entrevistado Carlos, em junho de 2013 a BM foi “evoluindo” assim como o movimento, na lógica da “coevolução” apontada pela literatura (della Porta e Tarrow, 2012). Se nos protestos iniciais não estava evidente quem eram os manifestantes e como lidar com eles, a BM buscou adaptar-se para retomar o controle das ruas.

A experimentação deu-se a partir de quatro estratégias centrais que combinam táticas tradicionais e inovações: estigmatização, dispersão, legitimação tática e antecipação. A primeira delas refere-se à classificação entre “bons” e “maus” manifestantes. Em entrevista coletiva à mídia após o protesto de 13 de junho, um oficial da BM afirmou que as táticas de repressão física foram adotadas após a realização de “atos de vandalismo” por uma “minoria” de manifestantes (Atos de Vandalismo, 2013). Essa cisão entre “minoria de vândalos” e “manifestantes legítimos”, produzida e reforçada pelas mídias corporativas, tendia a caracterizar como “vândalos” os indivíduos que adotavam táticas black bloc e/ou que portavam símbolos anarquistas (Almeida, 2020b; Maciel e Machado, 2021Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241.).11 11 . Em 29 de junho de 2013, o jornal Zero Hora publicou a reportagem “Contra tudo: eles são anarquistas”. O texto busca descrever sinteticamente o fundamento da ideologia anarquista, afirmando que o que une as diversas matizes do anarquismo é a oposição ao Estado. Porém, o foco central da reportagem é a relação entre essa ideologia e os atos de depredação realizados nos protestos de junho (Trezzi, 2013). A literatura dos movimentos sociais aponta que um dos elementos centrais da construção da realidade policial é o uso de estereótipos (Boykoff, 2007Boykoff, Jules. (2007), “Limiting Dissent: The Mechanisms of State Repression in the USA”. Social Movement Studies, v. 6, n. 3, pp. 281-310.): geralmente são classificados como “maus” aqueles que adotam táticas mais radicalizadas e que tendem a impor mais problemas de controle ao policiamento (della Porta e Atak, 2015Della Porta, Donatella; Atak, Kivanç. (2015), “The Police”, in Duyvendak, Jan; Jasper, James (eds.), Breaking Down the State. Amsterdam, Amsterdam University Press.; de Fazio, 2007De Fazio, Gianluca. (2007), “Police Knowledge Revised: Insights from the Policing of the Civil Rights Movement in Northern Ireland”. Research in Social Movements, Conflict and Change, v. 27, pp. 63-87.). A fala do entrevistado Fernando é exemplificativa: “os black blocs, na época e tal [...] não sei se black blocs é movimento social. [...] era cruel, cara. Os ‘caras’ eram perigosos” (grifo nosso).

A estratégia de dispersão relaciona-se ao fato de que, a despeito do discurso oficial, as ações policiais em junho tenderam a atingir os manifestantes de forma generalizada. Bombas de gás lacrimogêneo e detenções foram utilizadas de forma relativamente arbitrária, seguindo a estratégia “tradicional” de desmobilização dos protestos. A legitimação tática, por sua vez, deu-se por meio de comunicados oficiais (notas na imprensa, entrevistas etc.) que buscavam justificar as escolhas táticas realizadas durante os atos. A própria estigmatização da “minoria de vândalos” se traduziu como um modo de legitimação das táticas policiais, pois buscava-se justificar a mobilização de táticas repressivas a partir da necessidade de contenção dessa “minoria”.

Nesse contexto, a estratégia de antecipação, com a coleta prévia de informações sobre os manifestantes, foi delineada, mesmo que de forma pouco sistemática e não prevalente. Como afirma Fernandez (2008Fernandez, Luis. (2008), Policing Dissent: Social Control and the Anti-Globalization Movement. London, Rutgers University Press.:151, tradução minha), as forças de lei e ordem estão “envolvidas em um processo contínuo de aprendizado para controlar o fluxo de informações”. Em junho de 2013, foram vistos helicópteros da BM sobrevoando protestos, mas algumas táticas operaram de forma menos visível, como no uso de novas tecnologias de informação e comunicação (TICs) para monitoramento de redes sociais:

Carlos: No início nós fomos pegos de surpresa. [...] depois em junho, maio, junho começou a evoluir muito fortemente, com black bloc, com outras características. E nós fomos aprendendo [...]. E essas informações iam fluindo pela questão das informações, do sistema de informações que a Brigada tinha e [...] por aparatos de Facebook, Twitter, porque hoje as redes sociais são muito abertas. [...] Então houve assim uma estratégia, digamos assim, de pesquisa por parte da polícia nas redes sociais e nas comunicações abertas, sem edição, que era o que nos interessava. (grifo nosso)

Em suma, o pico dos protestos em junho de 2013, ao opor problemas para as forças policiais devido à grandiosidade dos atos e à heterogeneidade de atores e táticas, foi respondido principalmente com o mecanismo de experimentação tática; ou seja, a mobilização de diversas táticas, orientadas por distintas estratégias, para testagem dos resultados possíveis da sua operacionalização. Enquanto nos meses precedentes um conjunto de táticas havia sido identificado, os protestos massivos de junho constituíram-se como uma oportunidade para a BM testá-las.

Julho e dezembro de 2013: das ruas aos inquéritos

Entre julho e dezembro de 2013, os eventos voltaram a ser protagonizados pelo Bloco de Lutas, centrados na questão da tarifa do transporte público e com baixo número de manifestantes, assemelhando-se mais aos eventos do início do ano do que aos protestos de junho. Além das passeatas, esse período foi marcado pela diversificação das táticas dos manifestantes, com destaque para a ocupação da Câmara de Vereadores de Porto Alegre em julho (Rosa, 2018Rosa, Eduardo. (2018), “Há exatos cinco anos, Câmara de Porto Alegre foi ocupada por manifestantes”. Zero Hora, 12 jul. 2018. Disponível em < https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2018/07/ha-exatos-cinco-anos-camara-de-porto-alegre-foi-ocupada-por-manifestantes-cjjj1jog30rhe01qoetw0a6uz.html.
https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-al...
). Nas ruas, o uso de formas de ação disruptivas por manifestantes tornou-se menos frequente, com o declínio das táticas “black bloc(Fernandes, 2016Fernandes, Eduardo. (2016), Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; 2020a).

Por outro lado, o coronel Silanus Melo afirmou que a BM estava “se aprimorando” a cada evento para lidar com os protestos (Hora do Balaço, 2013). Em conexão com a moderação das táticas dos manifestantes, reduziu-se a frequência do uso táticas de repressão física nesse período, com a preponderância das táticas de gestão e acompanhamento dos protestos; porém, em diversos protestos a crítica à atuação das forças policiais e à “criminalização” dos movimentos sociais foi uma das reivindicações. A conflitualidade de junho tendeu a ser canalizada, no segundo semestre de 2013, para a investigação pela PC de supostos fatos delituosos nos protestos anteriores. Foram realizados mandados de busca e apreensão na residência de integrantes do Bloco de Lutas12 12 . Os inquéritos policiais contra manifestantes em decorrência dos protestos de 2013 não são objeto deste artigo. Para uma análise do tema, ver Almeida, 2020b e Amaral et al., 2017. , e a emergência dos inquéritos tendeu a reforçar a estratégia de estigmatização.

Por um lado, os protestos menores no segundo semestre de 2013, com grupos mais homogêneos e a menor frequência da adoção de táticas disruptivas, reduziu os problemas policiais para manutenção do controle nas ruas. Por outro lado, levanta-se a hipótese de que a própria desmobilização e a moderação tática desse período tenham sido, entre outros fatores, resultantes do controle repressivo pelas forças policiais em junho. Interpretamos a passagem da rua para os inquéritos como a continuidade do mecanismo de experimentação tática, já identificado no período anterior.

Janeiro a julho de 2014: a incorporação das mudanças

Os eventos de 2014 tiveram o protagonismo dos grupos integrantes do Bloco de Lutas e um baixo número de manifestantes. Embora tenham sido realizados protestos com a pauta do transporte público, a reivindicação central passou a ser a contrariedade à realização da Copa do Mundo. A ação policial nos primeiros protestos de 2014 não seguiu uma diretriz única. Nos protestos de 23 de janeiro, 24 de abril, 08 de maio e 15 de maio, os policiais acompanharam os protestos e coletaram informações sobre os atores presentes, sem a adoção de táticas de repressão física, mesmo quando manifestantes adotaram táticas disruptivas. Já no protesto de 02 de abril, policiais militares dispararam bombas de gás lacrimogêneo, causando a dispersão da marcha após 15 minutos do seu início (Fernandes, 2020a).

Os protestos seguintes foram contra a Copa do Mundo e ocorreram no período de realização do megaevento. Considerando-se a memória dos protestos massivos de junho de 2013, havia à época um “temor” por parte das autoridades policiais de que o período da Copa fosse marcado por grandes manifestações. Segundo o relato do entrevistado Fernando: “Nós achamos que as manifestações [durante a Copa] seriam iguais às de 2013. [...] Sinceramente nós imaginamos que ia ser muito pior [do que foram]”.

Os riscos de perda de controle das ruas durante o megaevento foram enfrentados com a estratégia de antecipação, com a construção de um planejamento em segurança pública para a Copa e um alto investimento em aparatos tecnológicos. Para o megaevento foram formados dois batalhões especiais: o Batalhão Copa (BCopa) e o Batalhão Especial de Pronto Emprego (BEPE), sendo o último direcionado especificamente para lidar com protestos.

Além da formação desses batalhões, o planejamento para a Copa envolveu a realização de reuniões entre diversas instituições policiais antes, durante e após o megaevento. Reuniões também foram feitas com profissionais da imprensa, os quais foram informados de que em alguns trajetos da cidade não estaria, segundo Fernando, permitida a realização de protestos: “A única coisa que se busca impedir é a interrupção desse trajeto, obviamente qualquer ato de depredação”. Fernando enfatiza a preocupação do governo do estado e da BM em não ter a “imagem” da polícia vinculada à conflitualidade, demonstrando a centralidade dos problemas relacionados à legitimidade das polícias. O entrevistado afirma que a diretriz para lidar com eventos de protesto seria a negociação:

Fernando: Porque a gente não tem nenhum interesse e nunca teve de uma imagem vinculada a conflito. [...] Qualquer tumulto, qualquer problema que dá isso não pega bem para a imagem da cidade, para a imagem do governo, para a imagem da polícia. [...] Qual era a orientação do pessoal para a Copa do Mundo e para lidar com movimentos sociais? Cumprir as normas de uso progressivo da força. Conversa primeiro e [..] se tu estabeleces limite para as pessoas elas não vão fazer aquilo que tu não queres que faça. Se fizerem, bom, tu foste avisado. Então [a orientação era] evitar o máximo possível o confronto que pudesse redundar em feridos. (grifo nosso)

Porém, como ocorrera nos protestos de 2013, houve dificuldade para o estabelecimento de diálogo entre policiais e manifestantes, dada a desconfiança entre ambos os lados:

Fernando: [A conversa com manifestantes] era no dia do evento. A gente tentou estabelecer uma negociação assim: [...] “olha, amanhã vocês vão se manifestar? Qual é o itinerário que vocês pretendem seguir? Porque nós vamos seguir”. Mas não houve sucesso, entende? Não aconteceram. [...] O pessoal [respondia] “não, nós não temos nada o que conversar”. Está bem. Então a gente tratava no dia.

O protesto de 12 junho, descrito na introdução deste artigo, reuniu cerca de mil manifestantes. Durante a passeata, um grupo reduzido de manifestantes decidiu marchar até a Fan Fest13 13 . Evento festivo promovido pela FIFA e por patrocinadores da Copa. ; no entanto, a BM havia construído barreiras que cerravam todos os acessos ao local. Sem conseguir romper a barreira, o grupo de manifestantes retornou ao Centro da cidade, onde foi perseguido pela cavalaria da BM. Também foram disparadas bombas de gás lacrimogêneo. Foram registrados dois soldados da BM e dois manifestantes feridos, além de cerca de quinze detidos. Para a realização dessas detenções, foram utilizadas as imagens da câmera acoplada ao helicóptero da BM – imageamento aéreo.

O então subcomandante geral da BM, Silanus Mello, defendeu a tática de monitoramento dos manifestantes e de uma intervenção policial seletiva, que não atacasse a totalidade da marcha, priorizando a integridade física dos manifestantes (Copa nas ruas, 2014). Tal seletividade foi combinada ao uso de TICs para vigilância e ao estabelecimento de barreiras espaciais. A respeito do protesto de 12 de junho, o entrevistado Carlos afirma:

Carlos: ...o que ajuda muito são tecnologias de videomonitoramento, câmeras. Eu me recordo no episódio da Copa do Mundo, [...] eu estava no Centro de Comando e Controle, e nós monitoramos toda a ação de duas ou três pessoas, duas ou três pessoas que estavam depredando, estavam vandalizando, vamos chamar assim, pelo meio do imageador colocado na aeronave da Brigada. Portanto, aí a gente conseguiu identificar e conseguiu prender aquelas pessoas e tirá-las digamos assim, três pessoas, e isso sem nenhuma violência, sem nenhum constrangimento a quem quer que seja.

Essa forma de atuação confirmou a preocupação das forças policiais em não serem criticadas por uma dispersão generalizada do protesto. No ato seguinte, em 15 de junho, um grupo de cerca de cem pessoas reuniu-se no parque Redenção, e apenas cerca de trinta manifestantes concordaram em marchar em direção ao estádio Beira-Rio. O baixíssimo número de manifestantes contrastou com o número de agentes policiais deslocados para acompanhar a passeata – pelo menos duzentos (Rollsing, 2014Rollsing, Carlos. (2014), “Protesto em Porto Alegre: Futebol em Ato Contra a Copa”. Zero Hora, Porto Alegre, 16 jun. 2014.). Os policiais portavam diversos equipamentos, como máscaras, granadas de mão, motocicletas, viaturas e camburões. Foram utilizadas câmeras GoPro nos ombros e capacetes de agentes policiais, conectadas a mochilas Mochilink LiveU, para transmitir imagens em tempo real pela internet, além do helicóptero para imageamento aéreo. O protesto terminou sem repressão física.

Em 18 de junho de 2014, deu-se a tentativa de realização de um novo protesto contra a Copa no Centro da cidade. Cerca de cem manifestantes reuniram-se na Praça Argentina e tentaram marchar em direção à Avenida Borges de Medeiros, onde se localizava o denominado “Caminho do Gol” – trajeto que percorria ruas do Centro da cidade até o estádio Beira-Rio –, mas o ato foi rapidamente dispersado pela BM. Novamente um amplo contingente policial, com centenas de agentes, foi mobilizado, cercando os manifestantes em praticamente todos os sentidos. Segundo Fernando, aos manifestantes estaria garantido o direito de manifestação, mas no Caminho do Gol as manifestações deveriam ser “evitadas”, embora tal trajeto abrangesse a “Esquina Democrática”, local histórico de concentrações para protestos na cidade. Na prática, durante a Copa o protesto nessa região foi proibido. Diante da aproximação dos manifestantes da barreira que impedia o acesso à Esquina Democrática, foram disparadas granadas de efeito moral contra os manifestantes, o que resultou em feridos. Para legitimar a tática adotada, a Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul divulgou uma nota relacionando o bloqueio espacial à “segurança dos manifestantes” e atribuindo o estopim do confronto ao fato de manifestantes terem ultrapassado a barreira policial (Pasinato, 2014Pasinato, Nícolas. (2014), “Forte Aparato Policial Impede Manifestação contra a Copa em Porto Alegre”. Sul21, 18 jun. 2014. Disponível em <https://www.sul21.com.br/cidades/2014/06/forte-aparato-policial-impede-manifestacao-contra-a-copa-em-porto-alegre/.
https://www.sul21.com.br/cidades/2014/06...
).

O último protesto contra a Copa em Porto Alegre ocorreu em 23 de junho, sendo novamente acompanhado por um numeroso contingente policial dotado de aparatos tecnológicos para a coleta de informações. O ato terminou sem a realização de atos disruptivos ou repressão física. Esse conjunto de eventos indica, em suma, que o policiamento de protestos em 2014 foi resultante da incorporação da experiência dos protestos de 2013 ao conhecimento policial, o que se traduz no mecanismo de incorporação das mudanças táticas que se delineavam nos períodos anteriores ao repertório de ação policial. Esse mecanismo pode ser conceituado como a avaliação sobre quais as táticas mais eficazes para reduzir ou solucionar os problemas policiais e a implementação das mudanças decorrentes dessa avaliação. Ou seja, enquanto em 2013 ocorreu a experimentação de táticas, em 2014 o uso de táticas consideradas mais efetivas foi consolidado.

Os protestos de 2014 sugerem, em suma, a amplificação do uso da estratégia de antecipação, envolvendo reuniões de planejamento, a aquisição de equipamentos, o uso de TICs para coleta de informações e a construção de barreiras espaciais – as chamadas “no protest zones”, locais em que o protesto é proibido por determinado período. Essa estratégia foi combinada à legitimação tática, principalmente a partir da afirmação de que a dispersão seria seletiva, dirigindo-se à “minoria de vândalos”, cuja estigmatização havia se consolidado desde junho de 2013.

O Quadro 2 sintetiza os mecanismos causais que constituíram o processo de aprendizagem policial, bem como o período em que o mecanismo tendeu a ser ativado.

Quadro 2
: Mecanismos causais da relação entre forças policiais e manifestantes

O Quadro 3 sintetiza a relação entre repertório, estratégias policiais e mecanismos de aprendizagem prevalentes durante o ciclo:

Quadro 3
: Relação entre repertório, estratégias e mecanismos por período

Considerações finais

Buscando contribuir para a literatura nacional sobre policiamento de protestos, este artigo objetivou analisar, com base no caso de Porto Alegre (2013-2014), como o repertório e as estratégias de policiamento de protestos mantêm-se ou se transformam. Em diálogo com a literatura e sob uma perspectiva relacional, argumentamos que ciclos de protesto são propícios à emergência de processos de aprendizagem policial (Otten, Boin e Torre, 2001). Tal aprendizagem tende a ser centrada em torno da resolução dos problemas que ocorrem na interação tática das forças policiais com manifestantes (Waddington, 1998Waddington, Peter. (1998), “Controlling Protest in Contemporary Historical and Comparative Perspective”, in Della Porta, Donatella; Reiter, Herbert (eds.), Policing protest: the Control of Mass Demonstrations in Western Democracies. Minneapolis, University of Minnesota Press.; 1999; 2003; Waddington e King, 2005).

Os dados quantitativos coletados por meio da análise de eventos de protestos (Koopmans e Rucht, 2002Koopmans, Ruud; Rucht, Dieter. (2002), “Protest Event Analysis”, in Klandermans, Bert; Staggenborg, Suzanne (eds.), Methods of Social Movements Research. Minneapolis, University of Minnesota Press, pp. 231-259.; Olzak, 1989Olzak, Susan. (1989), “Analysis of Events in the Study of Collective Action”. Annual Review of Sociology, v. 15, pp. 119-141.) apontaram para mudanças no repertório policial durante o período analisado, principalmente quanto à emergência de táticas de coleta de informações (monitoramento por câmeras de vigilância e imageamento aéreo, por exemplo). Para explicar essa variação, com base em entrevistas com agentes policiais, identificamos quatro mecanismos que conformam o processo de aprendizagem vivenciado pela BM durante o ciclo: problematização do repertório de policiamento; identificação de alternativas; experimentação tática; incorporação das mudanças. Demostramos que a operação desses mecanismos seguiu um percurso interacional voltado à resolução de problemas, resultando na prevalência, no último período (janeiro a junho de 2014), das estratégias de antecipação.

Os resultados contribuem, assim, com a literatura dedicada a entender a “coevolução” entre táticas da ação coletiva e táticas policiais (della Porta e Tarrow, 2012) a partir do foco sobre o conhecimento policial (de Fazio, 2007De Fazio, Gianluca. (2007), “Police Knowledge Revised: Insights from the Policing of the Civil Rights Movement in Northern Ireland”. Research in Social Movements, Conflict and Change, v. 27, pp. 63-87.; della Porta e Reiter, 1998). Em âmbito nacional, a pesquisa dialoga com estudos que apontam para mudanças das formas de repressão e controle ao ativismo (Almeida, 2020a; Maciel e Machado, 2021Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241.; Machado, Maciel e Souza, 2021) e indica ao menos quatro caminhos profícuos para pesquisas futuras: a) a testagem da teoria da aprendizagem policial desenvolvida neste artigo para outros contextos de policiamento de protestos no Brasil; b) a análise do possível intercâmbio entre o policiamento de protestos no Brasil e o modelos internacionais de policiamento, tais como o modelo de “incapacitação estratégica” (Gillham, 2011Gillham, Patrick. (2011), “Securitizing America: Strategic Incapacitation and the Policing of Protest Since the 11 September 2001 Terrorist Attacks”. Sociology Compass, v. 5, n. 7, pp. 636-652.), o qual sugere a emergência, no século XXI, de formas mais preditivas de controle dos protestos; c) a análise de como as mudanças táticas combinam-se a um padrão cultural autoritário e avesso às liberdades democráticas (Lima; Sinhoretto; Bueno, 2015; Pinheiro, 1991Pinheiro, Paulo. (1991), “Autoritarismo e Transição”. Revista USP, v. 9, pp. 45-56, 1991.); e d) a análise aprofundada dos modos de funcionamento e das implicações sociopolíticas das táticas policiais de coleta de informações sobre o ativismo, em diálogo com os estudos em vigilância (Fernandes, 2018; 2020a).

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem às contribuições de integrantes do Grupo de Estudo Associativismo, Contestação e Engajamento (GPACE), que discutiram uma versão preliminar do presente artigo. Agradecemos, ainda, às pareceristas da revista Dados pelos comentários críticos que possibilitaram qualificar os argumentos apresentados no artigo. O artigo baseia-se na pesquisa realizada para a elaboração da tese “Entre ruas, câmeras e redes: as transformações das táticas policiais de controle à ação coletiva contestatória em Porto Alegre (2013-2014)”, de Eduardo Georjão Fernandes, defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2020. A tese recebeu a menção honrosa para teses em ciências sociais no Concurso Brasileiro ANPOCS de Obras Científicas e Teses Universitárias em Ciências Sociais - Edição 2021.

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Notas

  • 1
    . Brigada Militar (BM) é a forma como a Polícia Militar é denominada no Rio Grande do Sul.
  • 2
    . Apesar de utilizarem na sua análise a mesma delimitação temporal utilizada no presente artigo (2013-2014), Maciel e Machado (2021Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241.,) argumentam que o ciclo de protestos iniciado em 2013 se estendeu até a conclusão do processo de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016.
  • 3
    . Para uma análise aprofundada do ciclo de protestos de 2013 em Porto Alegre, ver: Fernandes, 2016Fernandes, Eduardo. (2016), Campos de batalha jornalística: os enquadramentos construídos por Zero Hora, Diário Gaúcho e Sul21 na luta pela (i)legitimidade do ciclo de manifestações de 2013, em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Muhale, 2014Muhale, Miguel J. (2014), Lutar, Criar Poder Popular: uma Perspectiva Etnográfica do Bloco de Lutas pelo Transporte Público em Porto Alegre/RS. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.; Silva, 2016Silva, Camila F. da. (2016), Inovações nos Repertórios de Contestação: o Confronto em Torno do Transporte Público em Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Sociologia), Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre..
  • 4
    . Em 2013, o governador Tarso Genro foi criticado por manifestantes que questionavam a atuação repressiva da BM (Fleck, 2018).
  • 5
    . Devem ser destacados, no entanto, os artigos de Maciel e Machado (2021)Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241. e de Machado, Maciel e Souza (2021). O primeiro analisa as mudanças da atuação policial a partir de um estudo de caso em São Paulo no mesmo período abordado por nossa pesquisa (2013-2014). O segundo estuda a relação entre megaeventos esportivos (incluindo a Copa de 2014) e o repertório de policiamento de protestos. As autoras identificam mudanças relativamente similares àquelas observadas em Porto Alegre.
  • 6
    . A revogação ocorrida em abril, em Porto Alegre, inspirou manifestantes em outros protestos no Brasil. Em protesto ocorrido na cidade de São Pulo, em 07 de junho de 2013, por exemplo, manifestantes portavam o cartaz “Vamos repetir Porto Alegre!” (Scirea, 2013Scirea, Bruna. (2013), “Tarifa de Ônibus: Porto Alegre Inspira Outros Protestos contra Reajustes”. Zero Hora, Porto Alegre, 8 jun. 2013.).
  • 7
    . Um dos limites à generalização dos resultados para casos de outros estados deve-se ao fato de que as polícias brasileiras se estruturam em âmbito estadual, apresentando assim potenciais diferenças em termos de trajetória, organização, cultura institucional, entre outros aspectos. A identificação de similaridades e diferenças exige, assim, um desenho de pesquisa comparativo.
  • 8
    . Para preservação do anonimato, foram criados pseudônimos para todos os entrevistados.
  • 9
    . Maciel e Machado (2021)Maciel, Débora; Machado, Marta. (2021), Flows of Protest Control in São Paulo (2013-2014). Novos Estudos, v. 40, n. 2, pp. 227-241. também identificam uma “crise” do policiamento de protestos em São Paulo, mas durante o mês de junho de 2013.
  • 10
    . Reunião realizada em 17 de abril de 2013. Foram convidados membros dos diretórios acadêmicos de universidades (UFRGS e PUCRS), representantes de partidos de esquerda (PSOL, PSTU e PT), do MP Estadual, do MP de Contas, da Prefeitura, da Câmara dos Vereadores e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
  • 11
    . Em 29 de junho de 2013, o jornal Zero Hora publicou a reportagem “Contra tudo: eles são anarquistas”. O texto busca descrever sinteticamente o fundamento da ideologia anarquista, afirmando que o que une as diversas matizes do anarquismo é a oposição ao Estado. Porém, o foco central da reportagem é a relação entre essa ideologia e os atos de depredação realizados nos protestos de junho (Trezzi, 2013Trezzi, Humberto. “Contra Tudo: Eles São Anarquistas”. Zero Hora, Porto Alegre, 29 jun. 2013.).
  • 12
    . Os inquéritos policiais contra manifestantes em decorrência dos protestos de 2013 não são objeto deste artigo. Para uma análise do tema, ver Almeida, 2020b e Amaral et al., 2017.
  • 13
    . Evento festivo promovido pela FIFA e por patrocinadores da Copa.

Disponibilidade de dados

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2022
  • Revisado
    28 Out 2022
  • Aceito
    7 Nov 2022
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