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A COLEÇÃO RUBÁIYÁT

THE COLEÇÃO RUBÁIYÁT

Resumo

Este artigo apresenta a Coleção Rubáiyát, publicada pela Livraria José Olympio Editora de 1943 a 1961, com seu histórico anterior, a relação completa de obras publicadas e uma breve iconografia com imagens de capa.

Palavras-chave
Série de Poemas Orientais; Coleção Rubáiyát; José Olympio

Abstract

This article draws a sketch of the so-called Coleção Rubáiyát, published by Livraria José Olympio Editora since 1943 through 1961, presenting its previous roots in another series of books, and a complete list of its published works, as well as a brief iconography with some cover images.

Key words
Série de Poemas Orientais; Coleção Rubáiyát; José Olympio

Rubáiyát e a Série de Poemas Orientais

Em 1928, sai das gráficas da Imprensa Nacional, no Rio de Janeiro, a primeira tradução brasileira dos Rubáiyát de Omar Khayyam, feita por Octavio Tarquinio de Sousa (1889-1959), a partir da versão francesa de Franz Toussaint. No colofão especificava-se que era uma “edição de 300 exemplares, em papel Vergé de Rives, numerados de 1 a 300, feita por conta do traductor”.

Tendo a então recente Livraria José Olympio Editora (criada em 1932) se transferido de São Paulo para o Rio de Janeiro em 19341 1 Para um histórico da José Olympio e um quadro geral do impacto da conjuntura política e econômica da época sobre o setor editorial, ver Hallewell (2005). , onde contava com inúmeros contatos e onde veio realmente a deslanchar como editora, em 1935 ela lança a segunda edição dos Rubáiyát traduzidos por Tarquinio, com posfácio de Alceu Amoroso Lima, agora numa tiragem de 1.500 exemplares, mais trinta exemplares em papel especial Vergé, com capa e gravura de Gilberto Trompowski.

Três anos depois, em 1938, a José Olympio inicia uma coleção chamada “Série de Poemas Orientais”. Seu primeiro volume: mais uma vez os Rubáiyát de Omar Khayyam, agora em sua terceira edição, com capa de Santa Rosa.

Figura 1
Ed. própria do tradutor, 1928 / José Olympio, 1935 / Série de Poemas Orientais, v.1, 1938

A edição restrita de 1928 muito provavelmente se destinava a uma distribuição entre o círculo intelectual de Tarquinio, e passou despercebida na imprensa da época. Teria se esgotado no prazo de dois meses, segundo o que veio a afirmar mais tarde um resenhista de sua segunda edição na revista Fon-FonFon-Fon, 12 out. 1935. Anônimo. Escriptores e livros, p. 12-13. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/259063/89786. Acesso em 10 nov. 2022.
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.

A segunda edição, pela José Olympio em 1935, tampouco teve maior divulgação, afora – pelo que me foi possível apurar – quatro ocorrências: além da entusiástica resenha publicada na Fon-Fon acima citada, a obra foi comentada em extensos artigos por Edison Carneiro (1935) no Boletim de ArielBoletim de Ariel, anno V, número 2, nov. 1935. Edison Carneiro, Omar Khayyam, negador da vida, p. 52-53. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/072702/1049. Acesso em 10 nov. 2022.
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e por Luís da Câmara Cascudo (1935) em A OrdemA Ordem, out. 1935. Luiz da Camara Cascudo. O Mar [sic] Khayyam, p. 343-45. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/367729/4855. Acesso em 10 nov. 2022.
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, órgão da Ação Católica, bem como profusamente citada em tom sentimental em “Binóculo” na seção “Mundanidades” da Gazeta de Notícias (1935)Gazeta de Notícias, 8 ago. 1935. F.P., Binóculo, Seção Mundanidades, p. 7. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/103730_06/5800. Acesso em 10 nov. 2022.
http://memoria.bn.br/docreader/103730_06...
.

É com a terceira edição dessa obra que se inaugura a Série de Poemas Orientais. Dessa feita, a José Olympio empreendeu uma campanha publicitária em O Jornal, de 2 de novembro de 1938 a 17 de março de 1939, num total de 28 pequenos anúncios, de início bastante frequentes e, após a virada do ano, bem mais espaçados.

Figura 2
Campanha publicitária em O Jornal

Não que tal campanha tenha, porém, rendido muitos frutos na cobertura da imprensa. Encontra-se apenas uma breve nota no Jornal do BrasilJornal do Brasil, 21 dez. 1938. Livros da Semana, p. 17. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/030015_05/89459. Acesso em 10 nov. 2022.
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em dezembro de 1938, em sua coluna “Livros da Semana”, divulgando – e isso é interessante – o lançamento simultâneo ou praticamente simultâneo dos três volumes iniciais da nova coleção. Como a campanha da José Olympio se restringia a anunciar a reedição dos Rubáiyát de Omar Khayyam, é de se perguntar por que a editora preferiu não divulgar os demais e nem mesmo o surgimento da coleção.

Bem, de todo modo, assim teve início a Série de Poemas Orientais. A coleção foi efêmera e com lançamentos a intervalos esporádicos: nascida em 1938, durou até 1942, com a publicação de sete títulos. Conforme detalharemos mais adiante, foram eles: os já citados Rubáiyát, O jardim das carícias e O cântico dos cânticos em 1938; O Gitanjali e O Jardineiro, ambos de Tagore, em 1939; A lua crescente, também de Tagore, e A flauta de jade (poesias chinesas) em 1942.

A Coleção Rubáiyát

Olhando retrospectivamente, tem-se a inescapável impressão de que a Série de Poemas Orientais foi a sementeira onde veio a se desenvolver um projeto maior e mais consistente: a Coleção Rubáiyát. A partir de 1943, cessa a existência da Série dos Poemas Orientais (SPO) e surge a nova coleção. O interessante a observar é que ela se apresenta em explícita continuidade da coleção anterior, tomando como base da numeração de seus volumes os sete títulos publicados sob a égide da SPO. Dessa forma, a Rubáiyát se inicia já em seu oitavo volume.

Note-se nas contrapáginas das folhas de rosto, nas imagens abaixo, como se dá a transição:

Figura 3
Sétimo e derradeiro volume da Série de Poemas Orientais, em 1942
Figura 4
Estreia da Coleção Rubáiyát em 1943, incorporando retroativamente as publicações da coleção anterior

Ao observarmos acima a listagem de obras da Rubáiyát, absorvendo as publicações anteriores e apresentando as subsequentes a O amor de Bilitis, há dois aspectos que merecem atenção.

O primeiro deles é a apresentação da coleção: “Os mais belos poemas da literatura universal”. Essa apresentação se manterá por muitos anos como subtítulo da coleção, mesmo em notas, resenhas e matérias veiculadas na imprensa. Ela já mostra claramente o objetivo de dar maior amplitude ao novo projeto, que deixa de se limitar a “poemas orientais”. Por outro lado, é possível notar que a linha inicial da Série dos Poemas Orientais (que incluía textos bíblicos) se preserva nas novas publicações, e assim se manterá por algum tempo, até o breakthrough de um volume “extra-coleção”, como veremos mais adiante.

O segundo aspecto, que aponto apenas a título de curiosidade, é a menção a Poemas em prosa, de Baudelaire, como que atestando que agora o objeto da coleção eram poemas “da literatura universal”. A inclusão desse título, ainda sem número de volume, pareceria indicar que se tratava do próximo ou de um dos próximos lançamentos. No entanto, ele só sairá em 1950 (com o título de Pequenos poemas em prosa), como vigésimo-sexto volume da coleção. O que terá acontecido?

Mas retornemos à “biografia” da Rubáiyát.

Muito caprichada, com o padrão de capa iniciado por Santa Rosa na Série de Poemas Orientais, em formato in-16, impressa em papel bouffon e belamente ilustrada ou com graciosas vinhetas, a nova coleção lançava seus volumes em brochura e também em capa dura, com a lombada em couro marroquim se estendendo por três centímetros na frente e no verso da capa, com letras e vinhetas douradas.

A Coleção Rubáiyát, com esse seu nome específico – ou seja, sem contarmos a inclusão retroativa das publicações sob a égide da SPO –, se estendeu por quase vinte anos, de 1943 a 1961, e lançou 39 títulos num total de 41 volumes, embora de maneira um tanto salteada. Às vezes, passavam-se dois ou três anos sem sair nada; a seguir vinham uns três ou quatro lançamentos em sequência. Às vezes, eram relançamentos de títulos que já tinham saído alguns anos antes pela própria editora ou por outras. Vale também notar que todos os sete títulos lançados na Série de Poemas Orientais entre 1938 e 1942 foram reeditados na Coleção Rubáiyát – alguns uma ou duas vezes, outros várias e várias vezes – ao longo dos anos 1940 e 1950. Nesse sentido, seria legítimo considerar que ela se estendeu de 1938 a 1961, com um total de 46 títulos e 48 volumes, como a própria editora assim considerava.

O conjunto do catálogo era variado: de início, como vimos, concentrava-se na chamada “poesia oriental”, como, aliás, indicava o próprio nome de Coleção Rubáiyát – a despeito da nova apresentação utilizada que mencionamos acima: “Os mais belos poemas da literatura universal”. Outra linha que continuava a se destacar, embora em menor escala, baseava-se em textos bíblicos, particularmente do Antigo Testamento: Jó, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos e outros.

A partir de certa altura, em 1944, surge em sua esteira um título com a indicação “volume extra-coleção”: era Flores das “Flores do Mal” de Charles Baudelaire, uma coletânea de 21 das flores baudelairianas selecionadas e traduzidas por Guilherme de Almeida. Este foi o primeiro título a romper a exclusividade orientalista da coleção, ainda que com a ressalva de ser “extra-coleção”.

Figura 5
Volume “extra-coleção”, 1944

É a partir daí que efetivamente se abre o leque editorial da Coleção Rubáiyát: tem-se, por exemplo, que já o volume subsequente é O vento da noite, poemas de Emily Brontë em tradução de Lúcio Cardoso2 2 A respeito dessa publicação, ver “Emily Brontë, O vento da noite” (Bottmann, 2016). , com belas ilustrações de Santa Rosa. Algumas delas foram divulgadas como anúncio da obra no jornal Correio da Manhã:

Figura 6
Ilustrações de Santa Rosa para O vento da noite

Aliás, o grupo de tradutores da Rubáiyát não deixava nada a desejar: além de Lúcio Cardoso e dos já citados Octavio Tarquinio de Sousa, Augusto Frederico Schmidt, Guilherme de Almeida, Abgar Renault e Adalgisa Nery, havia traduções de Lúcia Miguel-Pereira, Geir Campos, Aurélio Buarque de Hollanda, Oswaldino Marques, Manuel Bandeira e outros mais.

Passemos agora à relação em ordem cronológica dos livros publicados nas duas coleções que foram unificadas pela própria José Olympio sob a égide da Coleção Rubáiyát.

    Série de Poemas Orientais
  • 1. Khayyam, Omar. Rubáiyát. Trad. Octavio Tarquinio de Sousa, 1938 [3ª. ed.].

  • 2. O jardim das carícias. Trad. Adalgisa Nery, a partir de Franz Toussaint, 1938.

  • 3. O cântico dos cânticos. “Tentativa de versão portuguesa” [sic] de Augusto Frederico Schmidt, 1938.

  • 4. Tagore, Rabindranath. O Gitanjali. Trad. Guilherme de Almeida, 19393 3 Originalmente publicada pela Companhia Editora Nacional, em 1932. .

  • 5. Tagore, Rabindranath. O jardineiro. Trad. Guilherme de Almeida, 1939.

  • 6. Tagore, Rabindranath. A lua crescente. Trad. Abgar Renault, 1942.

  • 7. A flauta de jade (poesias chinesas). Trad. Mauro de Freitas, a partir de Franz Toussaint, 1942.

    Coleção Rubáiyát
  • 8. Louys, Pierre. O amor de Bilitis (algumas canções). Trad. Guilherme de Almeida, 1943.

  • 9. Hafiz, Al-Din M. Os gazéis. Trad. Aurélio Buarque de Holanda, 1943 (porém constando na imprenta o ano de 1944).

  • 10. Saadi. O jardim das rosas. Trad. Aurélio Buarque de Holanda, 1943 (porém constando na imprenta o ano de 1944).

  • 11. Bíblia. O Livro de Job. Trad. Lúcio Cardoso, 19434 4 Inicialmente, Murilo Mendes ficara incumbido dessa tradução, conforme informava O Jornal em 7/2/1941 – portanto, ainda durante a existência da Série de Poemas Orientais. Por alguma razão ele não a fez, e assim a tarefa ficou a cargo de Lúcio Cardoso. A título de curiosidade e talvez divertimento, vale ler a indignada resenha de Guilherme Figueiredo no Diário de Notícias (25/6/1944), protestando que “os padecimentos de Job foram acrescidos de uma tradução do sr. Lucio Cardoso”. .

  • 12. Anônimo [Mahabharata]. Nalá e Damayanti. Trad. Luís Jardim, a partir de A. Ferdinand Herold, 1944.

  • 13. Kalidasa. A ronda das estações. Trad. Lúcio Cardoso, 1944.

Volume extra-coleção: Baudelaire, Charles. Flores das “Flores do Mal”. Sel. e trad. Guilherme de Almeida, 1944. Edição bilíngue. Carvões de Quirino.

  • 14. Brontë, Emily. O vento da noite. Trad. Lúcio Cardoso, 1944. Ilustr. Santa Rosa.

  • 15. Toussaint, Franz. As pombas dos minaretes (Antologia islâmica). Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1945.

  • 16. Petrarca, Francesco. O cancioneiro de Petrarca. Trad. Jamil Almansur Haddad, 1945. Edição bilíngue.

  • 17. Tagore, Rabindranath. Colheita de frutos. Trad. Abgar Renault, 1945.

  • 18. Whitman, Walt. Cantos de Walt Whitman. Trad. Oswaldino Marques, 1946.

  • 19. Hafiz e Saadi. Vinho, vida e amor. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, 1946.

  • 20. Tagore, Rabindranath. Pássaros perdidos. Trad. Abgar Renault, 1946.

  • 21. As palavras do Buddha. Trad. Guilherme de Almeida, 1948.

  • 22. Herold, A. Ferdinand. A grinalda de Afrodite – Epigramas amorosos da antologia grega. Trad. Valdemar Cavalcanti, 1949.

  • 23. Amaru. Poemas de amor. Trad. Aurélio Buarque de Hollanda, a partir de Franz Toussaint, 1949.

  • 24. Ramos, Alberto (org.). Nietzschiana. Trad. Alberto Ramos, 1949.

  • 25. Bíblia. O Livro dos Provérbios, atribuído a Salomão. Trad. Pe. Antônio Pereira de Figueiredo, 1950.

  • 26. Baudelaire, Charles. Pequenos poemas em prosa. Trad. Aurélio Buarque de Holanda, 1950.

  • 27. Lousada, Wilson (org.). Cancioneiro do amor – Os mais belos versos da poesia brasileira. Árcades, Românticos, Parnasianos. 1950.

  • 28. Bíblia. Eclesiastes. Trad. Pe. Antônio Pereira de Figueiredo, 1950.

  • 29. Lousada, Wilson (org.). Cancioneiro do amor – Os mais belos versos da poesia brasileira. Simbolistas e Contemporâneos. 1952.

  • 30. Bíblia. O Livro da Sabedoria, atribuído a Salomão. Trad. Pe. Antônio Pereira de Figueiredo, 1952.

  • 31. Haddad, Jamil Almansur (org.). Odes anacreônticas. Trad. Jamil Almansur Haddad, 1952.

  • 32. Wilde, Oscar. Salomé. Trad. Dante Costa, 1952.

  • 33. Rilke, Rainer M. Poemas de Rainer Maria Rilke. Trad. Geir Campos, 1953.

  • 34. Aires, Matias. Reflexões sobre a vaidade dos homens. 1953.

  • 35. Shakespeare, William. A tragédia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca. Trad. Péricles Eugênio da Silva Ramos, 1955.

  • 36. Mello, Thiago de. A lenda da rosa. 1955.

  • 37. Bíblia. Livro dos Salmos, ou Saltério. Trad. Pe. Antônio Pereira de Figueiredo, 1955.

  • 38. Bíblia. Sermão da Montanha. Trad. Frei João José P. de Castro, 1956. Ed. trilíngue, com o texto em grego e latim.

  • 39. Bandeira, Manuel. Poemas traduzidos (vários autores). Trad. Manuel Bandeira, 19565 5 Originalmente publicada pela editora Revista Acadêmica em 1945, com 2ª. edição ampliada pela Globo em 1948, e aqui em 3ª. edição revista e ampliada. .

  • 40. Almeida, Guilherme de. Camoniana. 1956.

  • 41. Marco Aurélio. Meditações. Trad. Lúcia Miguel-Pereira, 1957.

  • 42. Yutang, Lin. A sabedoria de Confúcio. Trad. Geir Campos, 1958.

  • 43. Stendhal. Do amor (Trechos escolhidos). Trad. Wilson Lousada, 1958.

  • 44. Descartes, René. Discurso do método. Trad. João Cruz Costa, 1960.

  • 45. Shakespeare, William. Macbeth. Trad. Manuel Bandeira, 1961.

  • 46. Montaigne, Michel de. Seleta dos Ensaios (em 3 tomos). Trad. J. M. Toledo Malta, 1961.

Perante essa relação, não deixa de ser um pouco irônico constatar que, em meados de sua existência, a Coleção Rubáiyát tenha começado a abandonar seu duplo projeto e que, nos anos e volumes finais, tenha conservado de suas origens apenas o nome Rubáiyát.

Breves observações sobre alguns detalhes

A partir do vigésimo-segundo volume, A grinalda de Afrodite, registram-se duas mudanças na editoração. Os volumes deixam de trazer seu respectivo número dentro da coleção, e o nome Coleção Rubáiyát passa a constar, não só na página de rosto, mas também na capa do livro. Vejam-se abaixo, a título de comparação, as imagens de capa do vigésimo-primeiro e do vigésimo-segundo volumes:

Figura 7
Vols. 21 e 22, quando o nome da coleção passa a constar da capa

Outro aspecto interessante a se levar em conta é o destaque dado aos nomes dos responsáveis pelas traduções. Por vezes o nome do próprio autor passa a fazer parte do título da obra e o nome do tradutor ocupa a cabeça da página, ou o nome do autor vem em corpo menor e o do tradutor, em cabeça de página, em corpo maior. Vejam-se na SPO, por exemplo:

Figura 8
Exemplos de destaque ao tradutor na cabeça da página

E aqui surge uma questão que talvez mereça esclarecimento: O jardim das carícias (imagem logo acima), A flauta de jade e As pombas dos minaretes são apresentados como “de Franz Toussaint”.

Figura 9
A flauta de jade e As pombas dos minaretes

É claro que não são obras originalmente escritas por Toussaint: são traduções que o famoso orientalista fez para o francês (bem como os Rubáiyát de Khayyam, o bíblico Cântico dos Cânticos, os Poemas de amor de Amaru, O jardim das rosas de Saadi e A ronda das estações de Kalidasa presentes na SPO/CR). O que parece justificar a ocorrência dos três casos acima ilustrados é serem coletâneas de poemas apócrifos ou tradicionais, sem indicação de autoria, compilados por Toussaint. Naturalmente o público leitor havia de saber disso, mas talvez alguém mais distraído pudesse pensar, à vista das capas, que A flauta de jade era uma obra de Toussaint a mesmo título que A Lua crescente o era de Tagore.

Mais algumas observações. Se, por um lado, faz-se muito visível o empenho em destacar nas capas o nome dos responsáveis pelas traduções publicadas na coleção, algumas raras vezes ocorre também o contrário. Temos, por exemplo, o caso dos Pequenos poemas em prosa ou o de Salomé – Aurélio Buarque de Hollanda e Dante Costa constam nas respectivas páginas de rosto, mas não na capa:

Figura 10
Pequenos poemas em prosa e Salomé

Outra ocorrência curiosa: na listagem dos títulos publicados pela coleção que vem ao final de cada volume (aliás, no início essa listagem vinha no começo), consta entre eles Carlos Drummond de Andrade, com Poesia Errante, que enfeixaria poemas de diversos autores traduzidos por ele. É o que se pode constatar, por exemplo, na listagem presente em O livro dos provérbios (1950) ou em O Gitanjali (5ª. ed., 1950), o quarto título contando de baixo para cima, na segunda página da listagem reproduzida abaixo:

Figura 11
Listagem dos títulos publicados pela Coleção Rubáiyát
Figura 12
Detalhe do título que consta na segunda página listagem

Decorridos cinco anos, em 29 de janeiro de 1955, o jornal carioca Tribuna da ImprensaTribuna da Imprensa, 29-30 jan. 1955. Seção “Panorama”, Caderno 2, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_01/19754. Acesso em 10 nov. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/154083_01...
noticiava a intenção da editora:

A Livraria José Olympio vai editar as traduções de poemas estrangeiros feitas por Manuel Bandeira, objeto de um lançamento há quase dez anos, sob o título de Poemas Traduzidos. [...] A mesma livraria anuncia também os poemas traduzidos de Carlos Drummond de Andrade, intitulado Poesia Errante

(Tribuna da Imprensa, 1955Tribuna da Imprensa, 29-30 jan. 1955. Seção “Panorama”, Caderno 2, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/154083_01/19754. Acesso em 10 nov. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/154083_01...
, p. 4).

Com efeito, a José Olympio publicou em 1956, pela Coleção Rubáiyát, o volume de Bandeira – mas não o de Drummond. Ou seja, nem sempre a listagem de títulos constante nos vários volumes da coleção correspondia ao que já fora efetivamente publicado e, pelo menos neste caso, nem veio a sair. De todo modo, como mostra a publicação da Poesia traduzida de Bandeira, é interessante notar que o destaque da obra é dado sobretudo a ele e a seu trabalho de tradução poética.

Outro exemplo, este mais miúdo, é o subtítulo de Cancioneiro do Amor, obra em dois volumes organizados por Wilson Lousada: na listagem consta (As mais belas poesias da literatura brasileira), ao passo que os exemplares impressos trazem Os mais belos versos da poesia brasileira.

Figura 13
Subtítulo de Cancioneiro do amor na listagem e no exemplar impresso

Outra ocorrência similar se refere ao subtítulo da Nietzschiana com seleção e tradução de Alberto Ramos: (Antologia de toda a obra de Nietzsche) na listagem; Textos escolhidos na obra do autor de “Assim Falou Zaratustra” nos volumes impressos6 6 Aliás, a propósito da Nietzschiana de Alberto Ramos, vale a leitura de A primeira antologia brasileira da obra de Friedrich Nietzsche, de Luís Rubira (2021). .

Figura 14
Subtítulo de Nietzschiana na listagem e no exemplar impresso

Cabe dizer que tais ocorrências, pelo menos naquela época, não eram infrequentes entre diversas editoras. Amiúde apostava-se que a edição sairia conforme a programação da empresa, com um determinado título ou subtítulo, e se tomava como seguro divulgá-la como já publicada.

Concluindo

Seja como for, o balanço da iniciativa empreendida com a Coleção Rubáiyát foi extremamente positivo. Além do cuidadoso trabalho editorial, destaca-se a intenção de ampliar os horizontes de leitura do público brasileiro, introduzindo obras e autores estrangeiros até então inéditos entre nós7 7 Num breve lembrete, vale notar que a editora José Olympio, atualmente pertencente ao grupo editorial Record, comemorou seus 90 anos de existência, celebrados em 2022, com a reedição dos três volumes da Rubáiyát traduzidos por Lúcio Cardoso, mantendo a mesma identidade visual, material e formal dos lançamentos de época: A ronda das estações, O livro de Job e O vento da noite. .

Além do levantamento apresentado neste artigo, a trajetória da Coleção Rubáiyát permite vislumbrar elementos conjunturais e estruturais bastante amplos e complexos, que mereceriam estudo mais aprofundado. Espero que os elementos bibliográficos aqui reunidos, até então dispersos em várias fontes, possam ser de alguma utilidade para outros pesquisadores.

Figura 15
Algumas outras capas
Figura 16
Algumas outras capas
  • 1
    Para um histórico da José Olympio e um quadro geral do impacto da conjuntura política e econômica da época sobre o setor editorial, ver Hallewell (2005)Hallewell, Laurence. “José Olympio”. In: Hallewell, Laurence. O livro no Brasil: sua história. Tradução de Maria da Penha Villalobos, Lólio Lourenço de Oliveira & Geraldo Gerson de Souza. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: EdUSP, 2005. p. 415-481..
  • 2
    A respeito dessa publicação, ver “Emily Brontë, O vento da noite” (Bottmann, 2016Bottmann, Denise. “Emily Brontë, O vento da Noite”. Cadernos de Tradução, 36(3), p. 370-378, 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7968.2016v36n3p370
    https://doi.org/10.5007/2175-7968.2016v3...
    ).
  • 3
    Originalmente publicada pela Companhia Editora Nacional, em 1932.
  • 4
    Inicialmente, Murilo Mendes ficara incumbido dessa tradução, conforme informava O Jornal em 7/2/1941O Jornal, 7 fev. 1941. Nota Brasileira, p. 11. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/110523_04/5205. Acesso em 10 nov. 2022.
    http://memoria.bn.br/docreader/110523_04...
    – portanto, ainda durante a existência da Série de Poemas Orientais. Por alguma razão ele não a fez, e assim a tarefa ficou a cargo de Lúcio Cardoso. A título de curiosidade e talvez divertimento, vale ler a indignada resenha de Guilherme Figueiredo no Diário de Notícias (25/6/1944)Diário de Notícias, 25 jun. 1944. Guilherme Figueiredo, Uma tradução, 4ª. seção, p. 1 e 7. Disponível em: http://memoria.bn.br/docreader/110523_04/5205 e http://memoria.bn.br/docreader/093718_02/19084. Acesso em 10 nov. 2022.
    http://memoria.bn.br/docreader/110523_04...
    , protestando que “os padecimentos de Job foram acrescidos de uma tradução do sr. Lucio Cardoso”.
  • 5
    Originalmente publicada pela editora Revista Acadêmica em 1945, com 2ª. edição ampliada pela Globo em 1948, e aqui em 3ª. edição revista e ampliada.
  • 6
    Aliás, a propósito da Nietzschiana de Alberto Ramos, vale a leitura de A primeira antologia brasileira da obra de Friedrich Nietzsche, de Luís Rubira (2021)Rubira, Luís. “A primeira antologia brasileira da obra de Friedrich Nietzsche, organizada e traduzida pelo poeta Alberto Ramos”. Dissertatio, 54, p. 249-266, 2021. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/dissertatio/issue/view/1121. Acesso em 10 nov. 2022.
    https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/ind...
    .
  • 7
    Num breve lembrete, vale notar que a editora José Olympio, atualmente pertencente ao grupo editorial Record, comemorou seus 90 anos de existência, celebrados em 2022, com a reedição dos três volumes da Rubáiyát traduzidos por Lúcio Cardoso, mantendo a mesma identidade visual, material e formal dos lançamentos de época: A ronda das estações, O livro de Job e O vento da noite.

Agradecimentos

Deixo aqui meus agradecimentos a Federico Carotti, a quem dedico o presente artigo.

  • Fontes consultadas

    Grande parte das consultas para essa pesquisa foi feita em fontes primárias disponíveis na Hemeroteca Digital, em acervos de bibliotecas públicas nacionais, na Estante Virtual e em acervo pessoal.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    14 Nov 2022
  • Aceito
    01 Abr 2023
  • Publicado
    Abr 2023
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