Homem trans e gestação paterna: experiências durante o período gravídico-puerperal

Mascarenhas, Rebeca Nascimento dos Santos; Santos, Vitória Valéria Cristo; Santana, Bruno Silva de; Monteiro, Anne Alencar; Couto, Telmara Menezes; Sousa, Anderson Reis de; Pereira, Danilo Martins Roque; Almeida, Lilian Conceição Guimarães de

doi:10.1590/1413-81232024294.16172023

Rebeca Nascimento dos Santos Mascarenhas

concepção

desenvolvimento da pesquisa

redação do manuscrito

concepção e desenho do estudo

revisão de literatura

aquisição de dados

análise e interpretação de dados

escrita

aprovação da versão final do manuscrito

Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia (UFBA). R. Basílio da Gama 241, Canela. 40231-300 Salvador BA Brasil. rebeca.nascimento@ufba.br

http://orcid.org/0000-0001-6155-0290

Vitória Valéria Cristo Santos

concepção

desenvolvimento

redação do manuscrito

desenho do manuscrito

coleta, análise e interpretação dos dados

revisão de literatura

aquisição de dados, análise e interpretação de dados

escrita

aprovação da versão final do manuscrito

Departamento de Ciências da Vida, Universidade do Estado da Bahia. Salvador BA Brasil.

http://orcid.org/0000-0002-6374-9532

Bruno Silva de Santana

desenvolvimento integral do manuscrito

análise, interpretação dos dados

escrita, com contribuições valiosas

aprovação da versão final do manuscrito

Universidade Estadual de Feira de Santana. Feira de Santana BA Brasil.

http://orcid.org/0009-0003-6501-2432

Anne Alencar Monteiro

escrita e revisão do conteúdo

aprovação da versão final do manuscrito

UFBA. Salvador BA Brasil.

http://orcid.org/0000-0002-5769-845X

Telmara Menezes Couto

desenvolvimento do arcabouço teórico

análise de dados

revisão crítica do manuscrito

aprovação da versão final do trabalho

Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia (UFBA). R. Basílio da Gama 241, Canela. 40231-300 Salvador BA Brasil. rebeca.nascimento@ufba.br

http://orcid.org/0000-0001-6836-8563

Anderson Reis de Sousa

desenvolvimento do arcabouço teórico

análise de dados

interpretação

revisão crítica do manuscrito

aprovação da versão final do trabalho

minuciosa análise do conteúdo com o propósito de assegurar sua qualidade e rigor acadêmico

Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia (UFBA). R. Basílio da Gama 241, Canela. 40231-300 Salvador BA Brasil. rebeca.nascimento@ufba.br

http://orcid.org/0000-0001-8534-1960

Danilo Martins Roque Pereira

concepção

desenvolvimento da pesquisa

redação do manuscrito

delineou o desenho do estudo

análise e interpretação dos dados

revisão crítica

análise

aprovação da versão final do manuscrito

Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Pernambuco. Recife PE Brasil.

http://orcid.org/0000-0002-0962-2127

Lilian Conceição Guimarães de Almeida

concepção

desenvolvimento da pesquisa

redação do manuscrito

delineou o desenho do estudo

análise e interpretação dos dados

revisão crítica

análise

aprovação da versão final do manuscrito

Escola de Enfermagem, Universidade Federal da Bahia (UFBA). R. Basílio da Gama 241, Canela. 40231-300 Salvador BA Brasil. rebeca.nascimento@ufba.br

http://orcid.org/0000-0001-6940-9187

Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Descrição do caso

Caso: [...] acompanhamento gestacional em unidade hospitalar, especializada, referência no atendimento de pessoas transgênero no ciclo gravídico-puerperal. Tratava-se de um homem transgênero, de meia idade, da raça/cor autodeclarada preto, que se identificava como candomblecista, residia na zona urbana, em região periférica, tendo estudado até o ensino médio, desempregado, realizando ocupações informações para a geração de renda. Não apresentou referências prévias de comorbidades associadas, nem histórico de cirurgias, etilismo, tabagismos, outras drogas ou alergias conhecidas. Os exames laboratoriais, aos quais foi submetido, não apontaram alterações hematológicas, nem sorológicas (sorologias não reagentes). Vivenciava questões de saúde mental, tendo recebido o diagnóstico médico de transtorno bipolar, acompanhado de disforia de gênero (ansiedade, disforia e pensamento suicida), seguindo em acompanhamento com uma equipe de um Centro de Apoio Psicossocial. [...] quanto ao período gravídico-puerperal, possuía história obstétrica de duas gestações, um parto normal e zero abortos. A segunda gestação foi única, tópica, identificada em exame de ultrassonografia, resultante de inseminação caseira, planejada pelo casal e aceita anteriormente pelo parturiente. A decisão por engravidar foi motivada em razão da parceira cisgênera apresentar riscos gestacionais conhecidos. As razões para o acompanhamento gestacional ter ocorrido em instituição hospitalar, decorreu da manifestação de sofrimento psíquico em associação às mudanças gravídicas vivenciadas. Foram realizadas três consultas de pré-natal. A avaliação da vitalidade fetal indicou normalidades, com crescimento fetal adequado, mediante à ultrassonografia (doppler obstétrico) submetida. A idade gestacional foi de 33 semanas e um dia, sendo experienciada com a apresentação de sintomatologia: queixas de dor pélvica frequente, dor lombar, dor dentária, episódios de náusea, sentimento de angústia, ansiedade, pensamentos negativos e automutilação. [...] motivado pelas questões de saúde mental, manifestado pelo desejo livre do paciente, foi encaminhada a interrupção protocolar da gestação. O parto foi realizado em centro cirúrgico obstétrico, com 34 semanas e 2 dias, sem intercorrências, resultando de um recém-nascido, identificado com sexo masculino, obtendo o índice/escore de APGAR* de 9/9, em uma escala de 0 a 10, e peso de 2.510 kg.

Descrição do caso

Relato do caso: [...] tratava-se de uma mulher cisgênera, de meia idade, obesa, que se encontrava como acompanhante do homem transgênero grávido, em todo o período gravídico-puerperal, mãe da criança [...] o desejo pelo aleitamento partiu da parceria, porém devido ao alto custo dos hormônios, a indução da lactação foi interrompida [...] as pessoas faziam pouco caso dela, não queriam que ela falasse nada, não queriam que ela respondesse nada, se referia a ela como acompanhante e não como mãe. Ouvimos muitas coisas dos profissionais de saúde: ah! Você só é apenas a acompanhante, não pode ver a criança, é…, não considerada como sendo a mãe. Ela não teve direito de participar de todo o acompanhamento do nascimento e os primeiros cuidados, era tudo muito protocolado, sendo impedida de ver qualquer exame meu, mesmo sendo a mãe. Ela que é a mãe, mas não podia participar de tudo, inclusive, nos momentos de realização das ultrassom. Na hora de realizar a declaração de nascido vivo, a minha esposa falava “bote o meu nome, eu sou a mãe da criança, não ele, ele é o pai”. Além disso, a minha esposa estranhou o fato de não terem colocado o nome dela na pulseira de identificação do bebê, após o nascimento. Colocaram a pulseira no meu braço, mas não colocaram no braço da mãe [...] ninguém se preocupou com as condições de saúde dela, mesmo sabendo que havia a presença de necessidades corporais importantes a serem cuidadas pelos profissionais [...] para alimentar a criança, ela não conseguiu aleitar diretamente, estamos tendo que comprar o leite, que tem um custo muito alto, fazendo com que a gente passe por dificuldades financeiras [...] como a minha esposa não teve o direito de registrar a criança, estamos vivenciando dificuldades para cuidar da criança, como, por exemplo, ter acesso ao leite disponibilizado pelo governo. A minha esposa enfrenta dificuldades para ter acesso ao leite do próprio filho, é como se ela não tivesse gerado. Isso é muito triste, pois quem sofre é a criança. Os serviços não reconhecem o fato de um homem ter gerado a criança e não a mulher. Ver a minha esposa olhar para a certidão de nascimento e não ver o seu nome me gera uma angústia. Então, todas essas coisas dificultaram o processo e tornaram mais difícil.

Descrição do caso

Contextualização do caso: [...] durante o atendimento ao paciente trans, nossa equipe de enfermagem enfrentou desafios significativos que merecem atenção. Um dos principais obstáculos que enfrentamos foi o uso apropriado dos pronomes e o medo de cometer erros que poderiam ser interpretados como violência obstétrica. Além disso, ter vivenciado o caso, suscitou questionamentos pessoais. Por que o paciente planejou a gestação e, posteriormente, desenvolveu uma fobia em relação ao corpo grávido? Essa questão levanta a importância do acompanhamento psicológico para pacientes trans em situação de vulnerabilidade, desde antes da concepção, para que eles possam se preparar para as mudanças corporais [...] a decisão de interromper a gravidez não foi tomada em consulta com médicos obstetras, como é comum, mas sim com o psiquiatra, devido aos riscos psiquiátricos envolvidos. Além disso, foi necessário avaliar cuidadosamente os prós e contras dessa interrupção, considerando o estágio avançado da gestação, que estava em 34 semanas, o que resultaria no nascimento de um recém-nascido prematuro [...] Por isso, cuidar do bem-estar mental é igualmente importante para o cuidado global, assim como o cuidado com o corpo físico [...] a elaboração de um plano de parto se mostrou fundamental. Pois, isso permitiu que as enfermeiras obstétricas seguissem o protocolo de boas práticas no parto e nascimento. No entanto, através do plano de parto deste rapaz, compreendi que essas práticas podem não ser desejadas por todos no período pós-parto imediato, como o contato pele a pele imediato entre o bebê e o parturiente e a amamentação na primeira hora, que a gente aprende a importância, mas nem todo mundo quer naquele momento. [...] Outra questão sobre esse mesmo caso, foi que eu, como residente de enfermagem obstétrica, não me sentia confortável em realizar o exame físico neste paciente vulnerável, pois ele não gostava dos seios, do corpo grávido e ali estava eu, precisando fazer inspeção, palpação, ausculta em áreas extremamente sensíveis pra aquela pessoa, numa enfermaria compartilhada com várias mulheres ali e a gente não tinha outro lugar pra alocar esse rapaz, separadamente, por conta da estrutura.

Descrição do caso

Problematização do caso: [...] a gestação foi planejada, mas as dificuldades apareceram desde o início, pois realizamos uma inseminação caseira, praticamente, sem nenhum suporte dos profissionais de saúde. Por questões de saúde, a minha esposa não pode gerar a criança. Nós não tínhamos condições financeiras para arcar com os custos de uma inseminação realizada com o suporte de um profissional [...] só depois da inseminação caseira ter sido feita, com o apoio de um membro da família, é que conversamos com uma médica, que solicitou exames tanto para a minha esposa como para mim, a exemplo, do exame preventivo do útero [...] para realizar o pré-natal também foi complicado, eu só fiz três consulta, pelo fato que toda vez que eu marcava uma consulta, enfrentava dificuldades de agendamento e disponibilidade na unidade, que também passava por reformas estruturais [...] vivenciei momentos de sentir muita dor, a ponto de eu me deslocar até o hospital denominado de maternidade e acredito que tenha sido por conta do estresse e ansiedade, aumentados após a gestação. Com isso, os meus problemas psicológicos pioraram na gravidez. Enquanto a barriga não havia crescido estava tudo bem, mas depois foi mudando, o meu corpo não ficou do mesmo jeito, e passei a “cometer besteiras”, como tentar me machucar, dar murros na barriga e pensar em me matar. Por conta disso, eu tive que ser hospitalizado [...] já no hospital para cumprir o pré-natal, eu passei por novas dificuldades, como o fato de ser chamado de “ela” ou de “mãe” o tempo todo pelos profissionais de saúde [...] também alertei a equipe de que não tinha o desejo de amamentar e que tinha alguns desconfortos com o meu corpo, principalmente, com as partes que pudessem remeter ao feminino. Isso me afetou muito, pois eu não sou ela, não sou a mãe, sou o pai.

Processos do Cuidar	Interpretações teóricas	Implicações epistemológicas
Manter a crença	Acreditar que é possível ser cuidado com respeito	Considerar sobre as diversidades de corpos e identidades possíveis para o cuidar na produção de conhecimento científico
Conhecer	Buscar informações a respeito da experiência de homens trans na gestação, parto e puerpério	Revisão da cisheteronormatividade, visibilizar as múltiplas identidades
Estar com	Partilhar a assistência planejada, compartilhar responsabilidades entre usuários e profissionais	Prática inclusiva considerando o conhecimento empírico oriundo das experiências
Fazer	Realizar com respeito, preservando as individualidades	Respeito aos direitos fundamentais, direitos humanos e da dignidade humana
Possibilitar/Capacitar	Orientar, gerar possibilidades centradas no outro	Processo de cuidado pedagógico-terapêutico centrado no sujeito, pensado a partir da transgeneridade
Processos do Cuidar	Problemáticas	Implicações para a prática
Manter a crença	Deslegitimação da cultura de cuidado próprio e da relação de parentalidade e da experiência transgênero	Visibilidade das experiências únicas e desafiadoras, incentivo ao autocuidado e reconhecimento dos direitos parentais de pessoas transgêneros
Conhecer	Fragilidades atitudinais e técnicas no manejo clínico da gestação do homem trans	Comprometimento com as atividades de educação permanente em saúde para sensibilização sobre questões de identidade de gênero, e criação de ambientes de cuidados inclusivos e respeitosos
Estar com	Dilemas éticos no agir dos profissionais da saúde no respeito à autonomia e instrução, mesmo diante da judicialização e na preservação e proteção da saúde mental	Apoio ao homem trans na tomada de decisão sobre o parto e puerpério, e avaliar a interrupção da gestação protocolar em situações de sofrimento psíquico e risco de manutenção à vida
Fazer	Planos de cuidados que seguem o padrão heteronormativo, para mulheres cis, não incluem a parceria, não pensa sobre as necessidades e especificidades do casal que gesta	Elaboração de um plano de cuidados ampliado e individualizado de modo a evitar abordagens repetitivas e desnecessárias
Possibilitar/Capacitar	Plano capacitação desatento às ocorrências, que apresenta lacunas e não condiz com o perfil da população atendida	Criar possibilidades e estratégias de aprendizado dinâmicas no ambiente hospitalar, incluindo as demandas emergentes.

[1] Editores-chefes:

Romeu Gomes, Antônio Augusto Moura da Silva

Brasil

Brasil

Homem trans e gestação paterna: experiências durante o período gravídico-puerperal

Resumo