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Globalização e movimentos sociais: novos elementos para a discussão

Globalization and social movements: new elements for discussion

DEBATEDORES DISCUSSANTS

Os autores respondem

Globalização e movimentos sociais: novos elementos para a discussão

The authors reply

Globalization and social movements: new elements for discussion

Em primeiro lugar gostaríamos de agradecer aos debatedores do nosso artigo, que o enriquecem com suas pertinentes observações e críticas. Trataremos de respondê-las sem pretender discutir todos os temas abordados, porque réplica de tal magnitude demandaria maior espaço e, talvez, até um outro artigo.

Os comentários de Heleno Rodrigues Corrêa Filho e Guilherme Franco Netto resumem vários dos principais conceitos e questões aprofundadas no artigo e apresentam suas visões sobre os aspectos que consideram mais importantes. Consideramos que ambos apontam de forma clara e sucinta as principais idéias que, no nosso entender, merecem debate contínuo e aprofundado entre profissionais da área de saúde pública no início deste novo milênio.

Os comentários feitos por Lilian Magalhães, Paulo Pena e Annie Thébaud-Mony adicionam importantes contribuições ao debate, proporcionando redimensionamento das questões abordadas e construção de novos olhares. No comentário intitulado "Enfrentando a globalização: construindo o novo, muito além dos protestos", Lilian suscita relevante reflexão sobre o caráter da estruturação atual de uma nova ordem social. A perspectiva apontada pela autora recupera a dimensão de processo, ressaltando que, no momento atual, encontram-se em disputa muitos e variados interesses, seja na esfera de antagonismo extremo (como entre os grupos que defendem e os que combatem o neoliberalismo), seja no âmbito de confluência de interesses (como no caso dos movimentos sociais de enfrentamento ao neoliberalismo).

Consideramos que esses processos constituem, de fato, espaços de conflitos, por um lado, e espaços de coesão por outro. Nesse sentido, processos mais amplos ainda estariam por serem definidos e consolidados; ou na perspectiva de fortalecimento da apreensão das diferenças a partir de um sistema ancorado na sua desqualificação (operando na perspectiva da massificação de comportamentos e valores), ou na direção de afirmação das diferenças como elemento estruturador das relações sociais planetárias, fundado na diversidade e na dimensão humanizante das relações.

Os aspectos trazidos à discussão nos permitem pensar as possibilidades postas e resgatam o papel dinâmico da ação coletiva como impulsionadora da realidade social. Ao mesmo tempo, trazem um importante alerta sobre os limites que os movimentos de enfrentamento e resistência ao neoliberalismo podem ensejar. A conformação social que a história humana desenvolveu ao longo dos anos, especialmente sob a égide do capitalismo, estruturou amplo processo de segregação social, racial, sexual e religiosa. Portanto, o movimento de resistência ao neoliberalismo, embora tenha sido capaz de incorporar múltiplos atores, deve também estar atento para a diversidade em seu interior, fortalecendo um contínuo movimento de reflexão sobre esses aspectos.

No comentário "Por um agenda global para movimentos sociais" é discutida uma outra vertente dos problemas enfocados: os poderes paralelos, como aquele gerado pelo processo de expansão do narcotráfico. Os aspectos trazidos à discussão são desenvolvidos a partir do conceito de exclusão social (ou de desfiliação social, como propõe Castells), revigorado pela reestruturação dos processos produtivos e a constituição do chamado "desemprego estrutural em massa". A avaliação dessa situação, de fato, é de grande importância para a compreensão da conformação social atual do Brasil, contexto no qual o autor focalizou sua análise. A "guerra social" referida revela os efeitos perversos da nova organização das relações econômicas, culturais e sociais, que faz emergir estruturas paralelas de poder. A reflexão sobre essa "nova" e crescente parcela de excluídos, sem dúvida, representa novo desafio, para o qual também se fará necessária a busca de formas alternativas de enfrentamento.

No comentário "Globalização e movimentos "altermondialistas": contribução ao debate," Annie introduz duas importantes questões. A primeira é a caracterização proposta por Bourdieu dos sentidos prescritivo e descritivo da globalização, que complementam os aspectos tratados no nosso artigo. A segunda questão diz respeito à força e fragilidade das redes sociais contra a globalização neoliberal, tomando como exemplo a Rede pelo Banimento do Amianto, que expressa de modo bastante claro os dois lados da moeda. A análise de Annie sobre essa rede ao mesmo tempo reitera e adiciona novo elemento à colocação de Lilian sobre os desafios futuros que os movimentos sociais globais terão de enfrentar.

Os comentários de Carlos Minayo apresentados no texto "Os movimentos sociais e o novo papel dos estados-nação diante do fenômeno da globalização" discutem uma série de aspectos que merecem análise mais atenta, sobretudo em função de nos atribuir posições e avaliações que, concretamente, não se encontram presentes no texto que apresentamos. Seguindo a linha de crítica do debatedor, também nos concentraremos nos dois pontos por ele enfatizados: a) nossa compreensão sobre a globalização e b) a valorização atribuída por nós às redes virtuais. Em relação ao primeiro ponto nosso crítico afirma que restringimos o conceito de globalização ao âmbito das forças hegemônicas que dominam o processo, reduzimos a análise sobre a globalização unicamente a sua expressão hegemônica e limitamos a compreensão do papel do Estado nacional a duas posições. Além disto, manifesta sua discordância com Herman (1999), quando este afirma que o papel do Estado de bem-estar social em prover o bem-estar social e o controle ambiental, e defender os interesses democráticos dos povos, sem dúvida alguma, diminuiu. Segundo Minayo, essa formulação é vaga e generalizante, e pouco útil para ... equacionar os desafios com que se deparam as nações do hemisfério sul com a perda de poder frente ao capital financeiro transnacional e aos constrangimentos das diversas instituições de governança internacional.

Em primeiro lugar, nos parece que uma leitura cuidadosa do nosso artigo demonstraria que oferecemos variada gama de definições sobre a globalização propostas por intelectuais acima de qualquer suspeita quanto ao seu caráter "progressista," como Chomsky, Marcuse, Amin, Petras, Fiori e Santos. Dizer que esses autores definem a globalização apenas nos seus aspectos hegemônicos nos parece uma leitura inteiramente equivocada do que dizem. Todos esses autores afirmam, de fato, que a globalização corporativa neoliberal é hegemônica, porém todos, sem exceção, a vêem como fenômeno multidimensional, envolvendo elementos ideológicos, culturais, econômicos, sociais, políticos, e militares. Portanto, não vemos onde se dá a redução mencionada por Minayo nas definições e proposições que reproduzimos.

Além disso, cabe lembrar que dedicamos a segunda metade do texto à discussão das forças políticas e sociais que se organizam em redes e movimentos sociais em nível mundial para lutar contra essa hegemonia neoliberal, no que se está denominando como "globalização por debaixo". Na verdade, propomos ao longo do artigo um resumo do confronto entre as visões hegemônicas e contra-hegemônicas da globalização, discutindo brevemente aspectos econômicos, ecológicos, sociais, políticos, e ideológicos da globalização corporativa neoliberal. Não achamos que nossos argumentos são limitantes, inoperantes, vagos, generalizantes, pouco esclarecedores, ou qualquer outra qualificação que se queira atribuir à literatura que revisamos no artigo.

Quanto ao papel do Estado nacional, nosso artigo afirma que há pelo menos – e não unicamente, mas isto é um detalhe menor – duas posições distintas em relação ao papel do Estado nacional no capitalismo globalizado: a visão convencional, que no essencial sustenta que quanto mais globalização, menos estado nacional; e a defendida por Chomsky, que no essencial desmascara a hipocrisia da União Européia e Estados Unidos, quando estes defendem o Estado mínimo para os países em desenvolvimento, enquanto na sua própria casa fornecem subsídios e fortalecem o papel do Estado a favor de suas multinacionais. Se por um lado é surpreendente para nós que ainda se questione o fato de que o Estado nacional em todo o mundo diminuiu seu papel social – inclusive no Leste Asiático, em particular depois da crise econômica de 1997, onde o Estado também reduziu seus programas sociais, embora em menor escala que na América Latina (Bello, 2001) – por outro, nos parece claro que o cerne da questão é que o Estado nacional continua forte nos países que defendem o seu enfraquecimento na "casa" dos outros.

Outra questão levantada por Minayo, que foi pouco discutida no artigo pelo escopo que escolhemos aprofundar, diz respeito ao papel que deve ter o Estado nacional dos países periféricos, do Sul, em desenvolvimento, emergentes, ou como se queira denominá-los. No tocante a essa questão, a situação nos parece clara. Não há qualquer experiência de desenvolvimento econômico e social, capitalista ou socialista, que tenha ocorrido sem estados fortes, capazes de proteger a soberania, os mercados nacionais, e a auto-determinação dos países. Assim ocorreu no Japão, nos Estados Unidos, na Alemanha, na União Soviética, na França, na Inglaterra, no Canadá, e em todos os outros ditos países desenvolvidos, do Primeiro (e também Segundo) Mundo. Segundo Crotty (2001) a chamada Época de Ouro do capitalismo no pós-guerra foi a era of exceptionally fast and wide shared growth, built on the foundation of a qualitative increase in the economic power of society over markets, exercised primarily, though not exclusively, through the state. Portanto, estamos de acordo que o governo Lula se posiciona corretamente quando defende a identidade e soberania nacionais, os interesses do povo brasileiro e uma postura mais agressiva da diplomacia brasileira nos Fóruns Mundiais.

Por último, gostaríamos de divergir da análise de Minayo de que passamos a impressão de que confundimos meios e fins na forma como apresentamos o texto. Outra vez voltamos a ressaltar que uma leitura atenta do artigo deixará claro que abordamos as redes como meios e táticas de luta, a partir das colocações de Arquilla & Ronfeldt (2001) e Capra (2002), após itemizarmos vários dos impactos da globalização neoliberal. A seguir discutimos a construção de um programa alternativo à globalização neoliberal. Portanto, na forma como está construído o texto, passamos dos impactos para as táticas de luta contra os mesmos, para depois elencar pontos do programa alternativo em construção. Ao reproduzirmos o diagnóstico de Brecher (2000) procuramos sintetizar os princípios orientadores dos que defendem os movimentos sociais que constituem a chamada "globalização por debaixo". Nós nos perguntamos, e achamos que todos devem se perguntar, até que ponto "a praça" permitirá a construção de plataformas comuns de luta e unidade, porque estamos convencidos que é possível construirmos unidade entre atores sociais que pensam e agem diferentemente. Nada, entretanto, nos leva a crer que esta unidade se dará através de pensamento único, mas através de debate e articulação entre os mais variados movimentos sociais. Concordar em divergir nos parece salutar. Concordar em lutar pela transformação do mundo para criar outro mundo, apesar das divergências, nos parece mais salutar ainda.

Referências bibliográficas

Arquilla J & Ronfeldt D 2001. Networks and netwars. The future of terror, crime and militancy. Rand Corporation, Califórnia.

Bello W 2001. The future in the balance: essays on globalization and resistance. Food First Books, Oakland, Califórnia.

Brecher J, Costello T & Smith B 2000. Globalization from below: the oower of solidarity. South End Press. Massachusetts.

Capra F 2002. As conexões ocultas: ciência para uma vida sustentável. Editora Cultrix. São Paulo.

Crotty J 2001. Trading state-led prosperity for market-led stagnation: from the golden age to global neoliberalism. In G Dymski & DME Isenherg (eds.). Seeking shelter on the pacific rim: financial globalization, social change, and the housing market. Sharpe, Armonk, Nova York.

Herman E 1999. The threat of globalization. Disponível em <http://www.globalpolicy.org/ globaliz/>

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    2003
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