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Cuidar do processo de morrer e do luto

EDITORIAL EDITORIAL

Cuidar do processo de morrer e do luto

A ideia de organizar um número temático com foco em "Finitude, Morte e Luto", veio da observação do quão pouco tais assuntos são tratados em nossa área. Quando buscávamos textos para fundamentar o termo de referência da chamada pública para realizá-lo - o que ocorreu de dezembro de 2012 a abril de 2013 - encontramos poucos artigos de brasileiros e, estes, concentrados em revistas da área de enfermagem, o que seria de esperar, porque enfermeiros e enfermeiras conformam o grupo profissional mais comprometido na ação de cuidado em saúde. Encontramos também, nessa busca, uma revista inglesa que referencio em benefício dos leitores, porque ela existe desde 1996 e trata especificamente dos assuntos aqui analisados: Mortality - Promoting the interdisciplinary study of death and dying - http://www.tandfonline.com/loi/cmrt20.

Para nossa surpresa, em resposta à convocação pública, recebemos mais de 50 originais - dos quais foram selecionados os que constam deste número - dos mais diferentes locais do país, sendo notória a presença de grupos de pesquisa da Região Nordeste. Contamos também com a participação de autores espanhóis e latino americanos. Conseguimos, ainda, juntar a reflexão de vários grupos profissionais como enfermeiros, médicos, sanitaristas, psicólogos, antropólogos, sociólogos, nutricionistas, assistentes sociais e operadores do direito.

Uma parte dos artigos trata dos cuidados com as pessoas que estão em estado terminal de vida, do trabalho dos cuidadores, do processo de comunicação sobre a situação próxima da morte e do aporte que essa experiência traz para os profissionais e os familiares. Aborda também a falta, a superficialidade ou a escassez de formação dos profissionais que atuam nos vários graus da atenção em saúde e dos problemas organizacionais do SUS para lidar com a terminalidade da vida. Sobre esses aspectos, a voz dos diferentes atores se expressa de forma contundente.

Há outro conjunto de artigos que trata do processo de morrer e do momento da morte, das dificuldades que profissionais e familiares têm nessas circunstâncias e dos meios que a sociedade dispõe para vivenciar o luto. Nesse sentido são de fundamental importância dois textos: um que fala do sentido e da importância dos ritos católicos, sobretudo da missa de sétimo dia, e outro que é uma etnografia sobre os ritos para lidar com a morte e o morto numa comunidade camponesa da Argentina.

Como este número se organizou a partir de chamada pública, é claro que muitos temas não foram tratados, como, por exemplo, os ritos de passagem ou de luto em outras religiões ou culturas. Outro assunto que gostaríamos de ter visto tratado e não o foi é o impacto e a vivência do luto no caso das mortes acidentais e violentas.

Por que é importante que a saúde coletiva assuma este tema? Porque ele trata da realidade mais insofismável do ser humano. Portanto, morrer com dignidade, assistido corretamente em todas as instâncias do SUS é tão importante como receber os cuidados necessários para preservar a saúde e prosseguir na jornada sempre finita e provisória. Frequentemente, profissionais altamente especializados e competentes falham na hora de dar uma "notícia difícil" a um paciente e dele se distanciam quando já não é possível "salvá-lo". É claro que para todos, é muito doloroso pressentir e presenciar a morte. Mas é mais difícil para a racionalidade médica - que influencia todas as carreiras das ciências da vida - pautada numa certa visão de que a morte seria um fracasso de sua habilidade na solução dos problemas. Questionando essa racionalidade, os artigos aqui apresentados falam da ética, da comunicação, da sensibilidade no modo de agir de quem está vivo e tem como profissão conduzir o sopro da existência até que ela se apague: esse processo e esse tempo que precisam ser pensados, respeitados e vividos com dignidade!

Maria Cecília de Souza Minayo

Editora-Chefe

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Abr 2013
  • Data do Fascículo
    Set 2013
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