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Mulheres-mães-catadoras: maternidade e catação de resíduos sólidos urbanos na cidade de Caxias do Sul/RS

Resumo

Este artigo objetiva compreender como se expressa a maternidade em mulheres catadoras de resíduos sólidos de associações de reciclagem de Caxias do Sul/RS, por meio da realização de sete entrevistas com catadoras e dos respectivos diários de campo produzidos pelas pesquisadoras. Utilizou-se a Análise Textual Discursiva como caminho metodológico. Identificou-se que a maternidade é precarizada devido às condições sociais das mulheres, as quais vivenciam a ausência de direitos trabalhistas em período gestacional e obrigam-se a criar seus filhos nos galpões de reciclagem, devido à dificuldade de acesso às políticas públicas.

Mulheres catadoras; Maternidade; Catação de resíduos sólidos; Associações de reciclagem

Abstract

This article aims to understand how motherhood is expressed in women collectors of solid waste from recycling associations in Caxias do Sul, RS, through seven interviews with collectors and the respective field diaries produced by the researchers. Discursive textual analysis was used as a methodological path. Motherhood was identified as precarious due to the women’s social conditions, in which they experience the absence of labour rights during pregnancy and are forced to raise their children in recycling warehouses, due to the difficulty of accessing public policies.

Women collectors; Maternity; Solid waste collection; Recycling associations

Introdução

Em torno da maternidade, circundam discursos que são produzidos em contextos e condições sociais. Devido a isso, a maternidade é entendida como um fato social, já que se trata de uma realidade multiforme, produzida e significada, cuja historicidade é um dos seus eixos mais importantes (Machado; Penna; Caleiro, 2020; Perrot, 2007PERROT, Michelle. Minha história das mulheres. São Paulo, Contexto, 2007. Tradução: A. M. S. Corrêa. ). Ultrapassando a noção biológica, o conceito está atrelado a uma construção histórico-social (Vasquez, 2014) e, portanto, possui distintos significados que dependem do momento histórico e das vivências de cada mulher ( Machado et al., 2020MACHADO, Jacqueline Simone de Almeida; PENNA, Cláudia Maria de Mattos; CALEIRO, Regina Célia Lima. Cinderela de sapatinho quebrado: maternidade, não maternidade e maternagem nas histórias contadas pelas mulheres. Saúde em Debate, 43(123), Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 2020, pp. 1120-1131. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912311
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).

Ao longo da história da sociedade, as modificações sociais alteraram o discurso acerca da maternidade e fizeram emergir uma concepção naturalizada do papel feminino. Por exemplo, até o século XIX, não existia a relação entre a maternidade e o amor, denominada amor materno. As mães que não quisessem cuidar dos filhos poderiam colocá-los na “roda dos expostos” ou atribuir a criação das crianças às amas de leite, cujas funções eram a amamentação e os cuidados primários (Badinter, 1985). No contexto brasileiro marcado pelo processo de colonização, essa função materna foi atribuída às mulheres negras, que, além do cuidado de seus filhos, foram delegadas a exercer a criação dos filhos das mulheres brancas e dos senhores. Tal atribuição esteve implicada na transmissão da linguagem e dos valores da africanidade que constituem a cultura brasileira (Gonzalez, 2019b). Já a concepção de amor materno como uma ideologia da maternidade foi instaurada a partir do processo de industrialização, passando a compor a função e a principal missão de mulheres da classe média. Esta deveria ocupar o espaço privado e doméstico, considerado natural à esposa-mãe-dona de casa, enquanto aos homens caberia o espaço público ( Rago, 2004RAGO, Margareth. Trabalho feminino e sexualidade. In: DEL PRIORI, Mari (org.). Histórias das mulheres no Brasil . São Paulo, Contexto, 2004, pp.484-507. ).

Desse modo, o corpo feminino ficou à mercê da maternidade, a qual submeteu a mulher à identidade de mãe. O imaginário social acerca da feminilidade estabeleceu a maternidade como condição do feminino e construiu, em torno disso, valores pautados em discursos de poder ( Machado et al., 2020MACHADO, Jacqueline Simone de Almeida; PENNA, Cláudia Maria de Mattos; CALEIRO, Regina Célia Lima. Cinderela de sapatinho quebrado: maternidade, não maternidade e maternagem nas histórias contadas pelas mulheres. Saúde em Debate, 43(123), Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 2020, pp. 1120-1131. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912311
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). Assim, a maternidade interpenetrada na concepção de sujeito-mãe é efeito desses discursos baseados em contingências sociais, culturais e econômicas específicas. Portanto, entende-se que a maternidade, tal qual é reconhecida, não é natural à mulher, mas se trata de um fenômeno normatizado ( Vazquez, 2014VAZQUEZ, Georgiane Garabely Heil. Sobre os modos de produzir as mães: notas sobre a normatização da maternidade. Revista Mosaico, Goiás, Programa de Pós-graduação em História, PUC Goiás, 7(1), 2014, pp.103-114. https://doi.org/10.18224/mos.v7i1.3984
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).

Embora Machado et al. (2020)MACHADO, Jacqueline Simone de Almeida; PENNA, Cláudia Maria de Mattos; CALEIRO, Regina Célia Lima. Cinderela de sapatinho quebrado: maternidade, não maternidade e maternagem nas histórias contadas pelas mulheres. Saúde em Debate, 43(123), Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 2020, pp. 1120-1131. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912311
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apontem que essa narrativa está sendo desconstruída na atualidade, principalmente pela possibilidade de escolha da mulher de ter ou não o filho e pelas mudanças sociais feministas, a maternidade precisa ser repensada na condição da mulher em situação de pobreza. É nesse sentido que Fonseca (2004)FONSECA, Cláudia. Ser mulher, mãe e pobre. In: DEL PRIORI, Mari (org.). Histórias das mulheres no Brasil . São Paulo, Contexto, 2004, pp.428-463. discorre sobre a contradição existente entre a mulher mãe-pobre e a mulher-mãe da camada social média. Para a autora, o movimento feminista e a nova concepção de autonomia feminina possibilitaram que as mulheres da classe média chefiassem suas famílias; porém, menciona ser um engano atribuir essa mesma explicação às mulheres de baixa renda. Isso porque as altas taxas de mulheres pobres que lideram o núcleo familiar estão relacionadas à pobreza e não à evolução do movimento social ( Fonseca, 2004FONSECA, Cláudia. Ser mulher, mãe e pobre. In: DEL PRIORI, Mari (org.). Histórias das mulheres no Brasil . São Paulo, Contexto, 2004, pp.428-463. ).

É necessário, inclusive, frisar que, conforme ressalta Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2019, pp.325-333. , a situação de pobreza é vivenciada majoritariamente por mulheres negras, uma vez que o racismo atravessa a construção de desigualdades de classe e gênero. Dessa forma, enquanto mulheres brancas reivindicaram a possibilidade de inserção no mercado de trabalho e pela chefia de suas famílias, essa não foi uma pauta que abarcou as mulheres negras, uma vez que, historicamente, necessitam ocupar postos de trabalho subalternizados como condição de sobrevivência. Assim, como apontam Gonzalez (2019a) e Carneiro (2019)CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2019, pp.325-333. , com base na estrutura colonial do Estado brasileiro, há hierarquias de gênero, raça e classe que, articuladas entre si, levam mulheres negras a vivenciarem opressões com contornos específicos dentro das classes exploradas. Sendo estas que, dentro do movimento feminista negro, denunciam a feminização da pobreza como projeto político do neoliberalismo na contemporaneidade ( Carneiro, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2019, pp.325-333. ).

Em se tratando de análises acerca da divisão racial e sexual do trabalho (Gonzalez, 2019b), a lógica capitalista também se inseriu no conceito de maternidade, pois a sociedade, baseada na acumulação do capital, transformou as questões da ordem natural, tais como o nascimento dos filhos, em problemas sociais. Atribuiu-se às mulheres a única e exclusiva carga de responsabilização pelo cuidado da prole ( Saffioti, 1976SAFFIOTI, Helena. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis-RJ, Vozes, 1976. ). A partir da divisão sexual do trabalho, resultante de tal sistema, às mulheres foi conferido o trabalho reprodutivo (Federici, 2020). Uma vez que o Estado se interessa pelo nascimento e pela socialização das crianças como a condição para sua manutenção, ele cria dispositivos que solucionem problemas que a maternidade causa à profissionalização. Saffioti (1976)SAFFIOTI, Helena. A mulher na sociedade de classes: mito e realidade. Petrópolis-RJ, Vozes, 1976. cita a licença remunerada como uma dessas práticas, mas revela que esta é apenas uma solução parcial, pois continua colocando mulheres em situação de subalternidade no trabalho. Essa lógica, porém, não se aplica às mulheres que ocupam trabalhos informais, já que não possuem garantias trabalhistas, como a licença remunerada.

Ainda que a gravidez em si possa ser considerada uma fase do ciclo da vida, ela pode marginalizar e precarizar a vida das mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade, sendo essa condição social um dos fatores que mais afetam e condicionam a maternidade ( Scorgie et al., 2015SCORGIE, Fiona et al. “I get hungry all the time”: experiences of poverty and pregnancy in an urban healthcare setting in South Africa. Globalization and Health , 11(37), 2015, pp.1-12. https://doi.org/10.1186/s12992-015-0122-z
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). Em condição de pobreza, a mulher que vive a maternidade tem sua existência atrelada à precariedade: necessidade de chefia da família, subemprego, complicações no processo da gravidez, parto e puerpério ( Muñoz et al., 2013MUÑOZ, Luz Angelica et al. Vivenciando a maternidade em contextos de vulnerabilidade social: uma abordagem compreensiva da fenomenologia social. Revista Latino-Americana de Enfermagem , 21 (4), Ribeirão Preto (SP), Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP, 2013, pp.1-7. https://doi.org/10.1590/S0104-11692013000400012
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). Na relação entre a vulnerabilidade social e a maternidade, o trabalho informal se apresenta como forma de sobrevivência e de criação dos filhos ( Silva; Menegat, 2014SILVA, Luciana Codognoto da; MENEGAT, Alzira Salete. Histórias de mulheres catadoras: rompendo silêncios, edificando resistências, construindo novas escritas históricas. Em Tempos de História , 24 , Brasília-DF, Pós-graduação em História/UnB, 2014, pp.106-119. https://doi.org/10.26512/emtempos.v0i24.14828
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). A condição de liderança no lar das mulheres pobres resulta na submissão a trabalhos precarizados1 1 Compreende-se, neste texto, trabalho precarizado a partir do conceito de precarização social do trabalho , proposto por Graça Druck (2013) . Trata-se, para a autora, de um fenômeno que advém, entre outros aspectos, das mudanças no modo de organização do trabalho e do Estado e de suas políticas. Há um processo social, econômico e político que institucionaliza a flexibilização e a precarização do trabalho no Brasil nas últimas duas décadas. , posto que os trabalhos informais são preenchidos, em sua maioria, por mulheres chefes de família ( Pinto et al., 2011PINTO, Rosa Maria Ferreiro et al. Condição feminina de mulheres chefes de família em situação de vulnerabilidade social. Serviço Social & Sociedade (105), São Paulo, Cortez Editora Lima, 2011, pp.167-179. https://doi.org/10.1590/S0101-66282011000100010
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). Conforme Arcos et al. (2011)ARCOS, Estela et al. Vulnerabilidad social en mujeres embarazadas de una comuna de la Región Metropolitana. Revista Médica de Chile , 139 (6), Santiago, 2011, pp.739-747. http://dx.doi.org/10.4067/S0034-98872011000600007
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, tanto a saúde reprodutiva quanto os períodos gestacionais são afetados quando a mulher está em condição de empregos precarizados, falta de cobertura social durante a gestação, moradia precária, baixa escolaridade, entre outros fatores.

Esse é o cenário vivenciado por mulheres brasileiras, dentre elas, as catadoras de resíduos sólidos. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2020)INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira (43 ed.). Rio de Janeiro, Estudos e Pesquisas. Informação Demográfica e Socioeconômica, 2020. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101760 [Ebook]
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, a informalidade vem sendo uma característica crescente do trabalho no país, tendo, no ano de 2019, 41,6% dos trabalhadores nessa circunstância, o que acarreta a falta de proteção social. Dessa forma, o trabalho da catação de materiais recicláveis se configura como uma alternativa à mulher que sofre com o desemprego e a exclusão do mercado de trabalho formal (Silva; Mcenegat, 2014). Uma exclusão que é marcada pela divisão racial estrutural do trabalho, tendo em vista que a catação, a partir do processo de industrialização do país, configurou-se como um modo de sobrevivência de parte da população negra que ficou à margem da ocupação do trabalho assalariado (Cherfam, 2016). De acordo com o censo demográfico do IBGE, realizado em 2010, 66,1% dos catadores e catadoras auto declararam-se pretos e pardos (Dagnino; Johansen, 2017). Dessa forma, são trabalhadores que sofrem historicamente pela precarização e pela desproteção dos direitos trabalhistas, sendo submetidos a um trabalho insalubre e periculoso ( Basso; Silva, 2020BASSO, Cheila; SILVA, Ivone Maria Mendes. “Já me acostumei”: interfaces entre trabalho, corpo e saúde de catadores de materiais recicláveis. Trabalho, Educação e Saúde, 18(3), Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2020, e00283115. https://doi.org/10.1590/1981-7746-sol00283
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). No caso das mulheres catadoras, há uma intensificação da precarização, já que estas também sofrem com as desigualdades de gênero que se reproduzem no trabalho. A dupla jornada de trabalho – muitas vezes tripla – sobrecarrega essas mulheres, uma vez que as tarefas femininas são exigidas para além do trabalho, estendendo-se para o espaço privado ( Coelho et al., 2018COELHO, Alexa Pupiara Flores et al. Female work and health in the perspective of women recyclable waste collectors. Texto & Contexto Enfermagem , 27(1), Florianópolis (SC), Programa de Pós-graduação em Enfermagem/UFSC, 2018, e2630016. https://doi.org/10.1590/0104-07072018002630016
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).

Dentre os estudos acerca do trabalho da catação de resíduos sólidos, as pesquisas voltadas para as relações de gênero mostram-se escassas (Camardelo; Benedetti; Nostrane, 2020). Nestas, as que envolvem a maternidade são quase inexistentes. Quando citada, ela é entendida como um fator que limita o acesso da mulher ao trabalho ( Coelho et al., 2016COELHO, Alexa Pupiara Flores et al. Women waste pickers: living conditions, work, and health. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(3), Porto Alegre, Escola de Enfermagem/UFRGS, 2016, e57321. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.57321
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; Moura; Sopko, 2018MOURA, Reidy Rolim de; SOPKO, Camila. Desigualdade social e de gênero: a inserção da mulher no trabalho e a dupla jornada frente ao processo de catadores no Brasil. Caderno Espaço Feminino, 31(1), Uberlândia (MG), Instituto de História/UFU, 2018, pp.226-242. http://dx.doi.org/10.14393/CEF-v31n1-2018-12
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; Paiva, 2016PAIVA, Camila Capacle. Mulheres catadoras: articulação política e ressignificação social através do trabalho. Idéias, 7(2), Campinas-SP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/UNICAMP, 2016, pp.151-174. https://doi.org/10.20396/ideias.v7i2.8649500
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). Em pesquisa anterior, Camardelo, Benedetti e Nostrane (no prelo) revelam que a maternidade no trabalho da catação de materiais recicláveis é uma lacuna para compreender o ser catadora , já que aparece como um eixo transversal nas narrativas das catadoras de resíduos sólidos organizadas em associações de reciclagem da cidade de Caxias do Sul.

Diante da relevância em aprofundar estudos que versem sobre a temática da maternidade no trabalho da catação de materiais recicláveis, esta investigação busca responder ao seguinte problema de pesquisa: como se expressa a maternidade para as mulheres que trabalham na catação de resíduos sólidos em associações de reciclagem da cidade de Caxias do Sul? Este estudo compõe as pesquisas realizadas pelo grupo de pesquisa do CNPq “Cultura Política, Políticas Públicas e Sociais”, do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Sociais (NEPPPS) da Universidade de Caxias do Sul (UCS). No projeto “Catadores de resíduos: de ‘papeleiros’ a agentes ambientais”, financiado pelo CNPq, vigente no período de 2017-2020, teve-se como foco o resgate da história dos catadores de resíduos sólidos da cidade. A partir deste, percebeu-se a importância de adentrar os estudos no campo de gênero, raça e classe para compreender as relações que se estabelecem na profissão de catador de resíduos sólidos.

A questão da maternidade em expressão no percurso de pesquisa

Utilizou-se a Análise Textual Discursiva (ATD) como caminho metodológico, pois esta, no campo das pesquisas qualitativas, propõe-se a reconstruir e ampliar as discussões das temáticas de investigação, a partir da compreensão de que há uma multiplicidade de sentidos que circunscrevem os fenômenos. Para tanto, como primeira etapa efetuou-se a desconstrução e unitarização do corpus de análise ( Moraes; Galiazzi, 2016MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva . 3a ed. rev. e ampl. Ijuí-RS, Unijuí, 2016. ), por meio da leitura exploratória de entrevistas semiestruturadas realizadas com 11 catadoras e catadores de 9 associações de reciclagem de Caxias do Sul/RS, as quais foram transcritas na íntegra. A realização dessas entrevistas se deu por meio da técnica de amostragem Bola de Neve ( Vinuto, 2014VINUTO, Juliana. A amostragem em bola de neve na pesquisa qualitativa: um debate em aberto. Temáticas, Campinas (SP), Pós-graduação em Ciências Sociais do IFCH/UNICAMP, 22(14), 2014, pp.203-220. https://doi.org/10.20396/tematicas.v22i44.10977
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), sendo, portanto, os participantes indicados pelos(as) próprios(as) catadores(as) e o encerramento das entrevistas definido pela saturação de indicações.

Em vista do objetivo proposto neste artigo, selecionaram-se apenas as entrevistas realizadas com catadoras de resíduos sólidos, totalizando sete, nas quais se evidenciou a maternidade como atravessamento no trabalho executado dentro das associações. Cabe destacar que a maternidade emerge como uma narrativa, nos relatos das mulheres catadoras, sobre a sua própria história e não constituiu um tópico no roteiro das entrevistas semiestruturadas elaboradas pelo grupo de pesquisadoras. Portanto, os discursos sobre a maternidade se evidenciaram nas entrevistas com as mulheres, chamando a atenção para o fato de que, nas entrevistas realizadas com homens, a preocupação com o cuidado dos filhos é uma questão praticamente inexistente. Assim, o corpus de análise se compõe por fragmentos das entrevistas feitas com catadoras, bem como por diários de campo elaborados pelo grupo de pesquisadoras, em que constam observações realizadas que possibilitam a ampliação da discussão.

As categorias de análise foram definidas por meio da combinação do método dedutivo e indutivo ( Moraes; Galiazzi, 2016MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva . 3a ed. rev. e ampl. Ijuí-RS, Unijuí, 2016. ), em que se buscaram aspectos da maternidade no contexto do trabalho informal em questão. Assim, com o agrupamento de dados explícitos e implícitos das entrevistas e dos diários de campo, foram criadas as seguintes categorias: Precarização do trabalho da catação e maternidade ; Criação dos filhos nos galpões de reciclagem e Ideário social ser mãe-mulher-catadora . Para a análise das categorias, buscou-se descrevê-las e, posteriormente, interpretá-las a partir de referenciais teóricos da literatura recente, que abarcam as interfaces da maternidade e do trabalho precarizado; além de autoras que se dedicam aos estudos de gênero, analisando a construção sócio-histórica da maternidade. Com isso, houve a elaboração de um metatexto para fazer interlocução e ampliar a discussão dos dados empíricos das categorias descritas ( Moraes; Galiazzi, 2016MORAES, Roque; GALIAZZI, Maria do Carmo. Análise textual discursiva . 3a ed. rev. e ampl. Ijuí-RS, Unijuí, 2016. ).

O projeto de pesquisa a que este trabalho está vinculado foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Caxias do Sul (Parecer n. 2.449.361), sendo os dados coletados a partir da autorização expressa das entrevistadas, por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Esse termo garante o sigilo das informações e a preservação da identidade das participantes. Assim, as catadoras são referenciadas por siglas e os diários de campo apresentados por codificação. A pesquisa foi realizada no período de 2017 a 2020.

As narrativas das mulheres-mães-catadoras de resíduos sólidos das associações de reciclagem

As mulheres catadoras entrevistadas estão inseridas atualmente em associações de reciclagem conveniadas com o poder público municipal. O Município possui 13 associações de reciclagem que recebem os resíduos sólidos urbanos da coleta seletiva, que é realizada pela Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca), responsável pela limpeza urbana do município. Os catadores e as catadoras das associações são responsáveis pela triagem, separação e comercialização do material reciclado. Em pesquisa sobre a caracterização sociodemográfica realizada no município, Camardelo, Stédile e Oliveira (2016) revelam que esse trabalho é desenvolvido majoritariamente por mulheres, com baixa escolaridade e que possuem dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal. Essas catadoras, também, necessitam desenvolver o seu trabalho em galpões de reciclagem que estão localizados em áreas, por vezes, inadequadas e com infraestrutura precária ( De Mori et al., 2016DE MORI, Paulo Rogério et al. Arquitetura das Unidades de Triagem: organização funcional peculiar. In: CAMARDELO, Ana Maria Paim; STEDILE, Nilva Lucia Rech (org.). Catadores e Catadoras de Resíduos: prestadores de serviços fundamentais à conservação do meio ambiente. Caxias do Sul-RS, Educs, 2016, pp.57-86. ). São mulheres que, em sua maioria, iniciaram o trabalho a partir da inserção de familiares na catação e que encontraram nesse meio uma forma de criação dos seus filhos.

O município de Caxias do Sul, que atualmente possui mais de 500 mil habitantes, teve sua emancipação política em 1890, quando se desmembrou do Município de São Sebastião do Caí. A formação do município teve forte influência dos imigrantes italianos, uma vez que compôs o projeto oficial do governo de ocupação das terras que haviam sido destinadas à fixação dos imigrantes italianos, processo que se deu a partir de 1875 ( Machado, 2001MACHADO, Maria Abel. Construindo uma cidade: história de Caxias do Sul - 1875/1950. Caxias do Sul= RS, Maneco, 2001. ). A colonização e o desenvolvimento do centro urbano trouxeram elementos fundamentais para a compreensão da mulher-mãe-catadora caxiense. Por um lado, houve a transformação da cidade em um polo metalmecânico, após a Primeira Guerra Mundial, o que colaborou com seu crescimento e povoamento ( Machado, 1998MACHADO, Maria Abel. Mulheres sem rosto . Caxias do Sul-RS, Maneco, 1998. ); por outro lado, a tradição religiosa de cunho católico disseminava um discurso moralista sobre o ideal de figura esposa e mãe ( Dotti, 2007DOTTI, Gabriela Michelon. Representações do feminino de tradição oral da RCI: o que se diz sobre a mulher. Master’s dissertation (Letras e Cultura Regional), Pós-graduação em Letras, Cultura e Religiosidade, Universidade de Caxias do Sul (UCS), Caxias do Sul, 2007. Disponível em: https://repositorio.ucs.br/xmlui/handle/11338/264?show=full&locale-attribute=es
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), sendo incorporado na cultura regional das chamadas Regiões de Colonização Italiana (RCI) e possível de ser observado nas expressões de maternidade encontradas. Tais características continuam presentes na atualidade, posto que Caxias do Sul é considerada a cidade da e do trabalho .

Como primeira categoria de análise – Precarização do trabalho da catação e maternidade – percebe-se que há uma correlação entre precarização do trabalho e maternidade, que caracteriza a dupla jornada de trabalho das mulheres catadoras. Observam-se elementos das suas rotinas que englobam o trabalho da catação durante o dia e a necessidade de cuidar dos filhos e das atividades domésticas. Manifestam-se, nos relatos, a sobrecarga de trabalho que vivenciam durante o período gestacional e após o nascimento dos filhos. Tais elementos podem ser verificados nos seguintes fragmentos:

Daí tu chega em casa do serviço, que a gente tem filho, tu vai fazer sempre alguma coisa, né? (Catadora I)

Aí trabalhei minha gravidez toda, catando e recebendo a noite e a madrugada o excedente da Codeca2 2 Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca), serviço de coleta de resíduos sólidos e orgânicos da cidade de Caxias do Sul. . [...] Então, eu ia uma hora da manhã e ficava até às quatro da madrugada esperando material. Grávida, com a bebê pequena, foi até eu conseguir uma chance de receber o lixo seletivo do dia. (Catadora J)

Nota-se que algumas de suas falas evidenciam histórias marcadas pela precarização e vulnerabilidade, já que foram expostas a esses fatores desde quando iniciaram a catação nas ruas. O período gestacional, nessas situações, aparece como uma condição associada às lutas que travaram para garantir o seu sustento, como pode ser visto a seguir:

Eu tava grávida de uns três meses e disse pra ele [responsável pela distribuição do material]: “tu só vai me mandar material da noite e da madrugada?”. “É dona Catadora J, [...] o que sobrar vai ser esse da madrugada”. E daí eu disse para ele: “tu vai me fazer trabalhar só para esse da madrugada?”. [...] “então eu não quero mais”. [...] Menina, daí arrumei o pão que o diabo amassou. Daí fui catar, fiquei oito meses catando, guentei a gravidez toda. (Catadora J)

Eu tava grávida de 8 meses dessa minha filha que hoje tem 40 anos. Aí eu peguei umas caixas na frente das Casas Uruguai e um senhor me avançou, menina: “essa caixa é minha". Eu digo: "não, pera aí, eu estava esperando até agora". Eu sei que cada um puxava para um lado, que ficou lixo por tudo a Júlio [rua da cidade, localizada na região central] e ninguém levou aquela caixa. (Catadora G)

As mulheres catadoras, no trabalho dentro das associações, permanecem em situação de vulnerabilidade social. Um dos fatores que constitui tal condição foi enfatizado nas entrevistas: a baixa remuneração dos(as) trabalhadores(as). As catadoras falam sobre a venda dos resíduos reciclados e a realização da partilha financeira, relacionando-os com a dificuldade de criarem seus filhos, principalmente em períodos de escassez de resíduos sólidos e de desvalorização do preço do material.

Não é uma coisa estável e, como eu disse, os preços daqui a pouco tá muito bom, daqui a pouco cai tudo. É bem difícil de trabalhar, mas é que a gente gosta. Além de tudo, criou os filhos da gente assim e tamo nessa luta, né. (Catadora E)

Como eu disse para a profe, eu não aceito tua partilha dar R$ 500,00. Isso é inaceitável. Como tu vai criar… Profe, com R$ 1.000,00 meu e R$ 1.000,00 do [marido] não é fácil tu criar três filhos. (Catadora J)

Na segunda categoria – Criação dos filhos nos galpões de reciclagem –, percebe-se que algumas das mulheres entrevistadas criaram e criam, no exercício da maternidade, seus filhos dentro dos galpões de reciclagem. Seu espaço de trabalho apresenta uma possibilidade de levar as crianças consigo, o que difere de empresas ou fábricas, por exemplo, pois estas não permitem que os filhos estejam com as mães no mesmo ambiente. É possível observar, inclusive, que a escolha de realizar o trabalho da catação, por vezes, está associada à viabilidade e à necessidade, por falta de opção das mulheres catadoras, de se exercer a maternidade e trabalhar em um mesmo local, como pode ser observado nas seguintes narrativas:

[...] eu trabalhei muito tempo em empresa privada. Eu trabalhei por vinte anos na mesma empresa. Quando eu saí, eu engravidei do meu filho que tem 7 anos. Meu marido sempre trabalhou com isso [reciclagem], mas eu sempre trabalhava na empresa de noite e nos fins de semana ajudava ele. Isso sempre foi assim na nossa vida. Até que, quando eu saí com um bebê, não conseguia trabalhar, [Catadora E] disse: “não, vamos trabalhar... vamos continuar com a reciclagem”. (Catadora E)

Se criaram aqui na reciclagem, a gente colocava eles na caixa de fruta, e eles ficavam. (Catadora A)

Viu a moça que trouxe o café? É minha filha, se criou dentro de reciclagem, ela faz o almoço, faz o café. (Catadora E)

O cuidado com os filhos nos galpões de reciclagem aparece como uma forma de preservá-los da exposição ao tráfico de drogas. Ainda, há a preocupação de que eles possam realizar um trabalho valorizado socialmente. Isso é notório no depoimento da seguinte catadora:

[...] uma vez era um orgulho dizer que seu filho trabalha numa Marcopolo, numa Randon [empresas metalmecânicas da cidade]. Isso era orgulho pra um pai pobre que não tinha condições... até hoje não tem condições de pagar uma faculdade pro filho. Mas, hoje, com o que tu vê, tu tem que rezar pro teu filho não ir pro tráfico. (Catadora E)

Os diários de campo também apontam e corroboram a relação entre cuidado com os filhos e o espaço dos galpões de reciclagem, como no caso da catadora A, que, durante a entrevista – a qual foi realizada junto com o esposo –, pouco participou, exceto no tocante à maternidade nesse contexto:

O que chama atenção é que a Catadora A participou mais ativamente da entrevista ao relatar algumas experiências que teve com os filhos quando pequenos, que eram colocados em caixas de frutas para que ela pudesse trabalhar ali. (Diário A1)

Uma característica de muitas associações de catadores(as) é que algumas destas se situam no mesmo pátio em que as famílias catadoras residem. Isto faz com que os filhos, mesmo que não sejam criados especificamente dentro dos galpões, tenham constante acesso ao trabalho e aos materiais recicláveis. No seguinte relato e no diário de campo elaborado sobre a entrevista realizada, é possível observar esses aspectos:

Criei meus filhos, criei vários netos, tanto meus quanto dele [marido], né. Muitos trabalharam comigo também [...] (Catadora G)

Nesses casos, em geral, as crianças, desde pequenas, já estão presentes naquele meio e podem se familiarizar com as condições e mediações do trabalho [...]. No andar de cima, onde ocorreu a entrevista, notou-se uma caixa com recicláveis ao lado do sofá. Eram garrafas PET, caixas de leite, etc, somado à presença de um bebê de oito meses, neto da [Catadora G], que brincava com um teclado. Supomos que a caixa se tratava de possíveis brinquedos [...] é interessante notar a presença de materiais recicláveis antes mesmo de um ano de vida. (Diário 5G)

A terceira e última categoria – Ideário social ser mãe-mulher-catadora – abrange a percepção de que as mulheres catadoras exercem o papel social imposto às mulheres-mães na atuação dentro das associações de reciclagem. O ideário social de ser mãe, mulher e catadora entrecruza-se no trabalho da catação de resíduos sólidos. Nota-se que as mulheres catadoras se consideram responsáveis pelos(as) trabalhadores(as) e, devido a isso, exercem a maternagem em relação aos associados(as) e à própria associação.

Eu tenho [orgulho] também das outras Associações, que tu sabe eu tenho muito orgulho, é igual a teu filho. Associação, para mim, é igual uma filha minha [...]. Como eu disse, criou muito esse cordão umbilical de tu ser um pouco mãe, um pouco chefe, um pouco patrão, um pouco tu é só presidente. Porque quando tu vai lá representar na prefeitura, tu é só presidente da associação, mas aqui a coisa é diferente, tem que ter alguém que mande, alguém que puxe, alguém que coordene (Catadora J)

Essas catadoras estão, em sua maioria, em posições de liderança nas associações, ocupando os cargos de presidente. Logo, sentem-se responsáveis pelos membros da reciclagem, planejando ações que possam ajudá-los a evitar dificuldades, o que foi percebido nas falas a seguir:

Eu não vou te mentir, prof, 400 real [resultado da partilha em um mês], sabe o que o pessoal disse para mim? “Catadora I, tu é louca”. Eu disse: “não, eu não sou louca gente, é a situação. Tá aqui oh, aqui tá as contas, aqui é o que nós faturemos, tá? Aqui tá as contas, sobrou isso aqui, dividimos entre nós, dá isso aqui: dá 400 para cada um”. “E meu aluguel, e isso e aquilo?”. E daí tu pensa o que que eu vou fazer? Daí, eu ia para casa chorando, profe, chorando: “meu Deus do céu, aonde que eu vou buscar material?”. Eu pensei em fazer um, olha bem, pra ti ver, uma janta beneficente para arrecadar fundos, pensei em fazer um brechó de novo [...] para arrecadar fundos, sabe? Tudo para investir aqui, no pessoal que tava aqui, pra não desanimar eles. (Catadora I)

Um mês atrás eu fui lá [Fundação] buscar roupas de doação, né. Bah, o pessoal aqui tava mal de roupa de inverno, daí eu fui lá busquei. (Catadora I)

Quando a gente conseguiu o banco de alimentos, eu disse assim: [responsável pelo Banco de Alimentos] “eu vou ser bem sincera contigo”. Ela disse pra mim: “com a quantidade de pessoas, o que a cozinheira faz é em excesso”. Daí eu abri a geladeira e disse pra ela assim: “tu tá vendo os quatro baldinhos? É que na hora do almoço, o que sobra, a tia da cozinha – como a gente chama – dá comida para quatro pessoas. Essa pessoa mora com dois, essa com três, essa tem quatro filhos. Eu acabo realmente pedindo a mais, por causa deles.” (Catadoras J)

Outra fala revela o lugar de referência que essas mulheres catadoras ocupam para os membros da associação:

Tu tem que tá aqui dentro mesmo, aprender as dificuldades que as pessoas passam. Eu tirava um dia por semana para escutar todos eles. Eles vinham e eles confiavam em mim, me contavam tudo que estava acontecendo em casa, o que eu podia fazer, como a gente podia se ajudar. (Catadora F)

Precarização do trabalho, vulnerabilidade social e o ideário de amor materno em enlace na discussão da maternidade

As interfaces entre precarização do trabalho e maternidade, no contexto da catação de resíduos sólidos, denotam a opressão que as mulheres catadoras vivenciam no seu cotidiano. Observa-se que estão inseridas em ambientes em que desenvolvem um trabalho insalubre e periculoso, o qual, somado à responsabilidade pelo cuidado dos filhos e pelas atividades realizadas no lar, qualifica a dupla jornada de trabalho. Tais características evidenciam o contexto das mulheres no mundo do trabalho no capitalismo contemporâneo em países latino-americanos. Conforme salienta Nogueira (2017), a incorporação das mulheres no mercado de trabalho se dá principalmente em postos precarizados, ao mesmo tempo que a elas continuam sendo atribuídas as atividades que se referem à esfera reprodutiva. Segundo Nascimento (2019NASCIMENTO, Beatriz. A mulher negra no mercado de trabalho. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista brasileiro: formação e contexto. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2019, pp.284-288.: 288), dentro da produção de hierarquizações de gênero, no contexto brasileiro, é a mulher negra que “[...] se encontra na mais baixa posição da hierarquia social”. Dessa forma, por estarem essas mulheres inseridas em ocupações de trabalho precarizados na esfera pública ao mesmo tempo que exercem trabalho na esfera privada, que envolve a maternidade, observa-se que a exploração a que estão submetidas é intensificada pelo capital, sendo elas responsabilizadas pelo trabalho produtivo e reprodutivo (Antunes, 2004; Nogueira, 2017).

Nesse sentido, nota-se que a exploração vivenciada pelas mulheres catadoras se expressa principalmente pela sobrecarga de trabalho, que é notória por meio dos relatos sobre a falta de condições dignas dos postos de trabalho, a baixa remuneração e a responsabilidade com a criação dos filhos. Cabe ressaltar que, de acordo com Silva e Menegat (2014)SILVA, Luciana Codognoto da; MENEGAT, Alzira Salete. Histórias de mulheres catadoras: rompendo silêncios, edificando resistências, construindo novas escritas históricas. Em Tempos de História , 24 , Brasília-DF, Pós-graduação em História/UnB, 2014, pp.106-119. https://doi.org/10.26512/emtempos.v0i24.14828
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, a feminização do trabalho precarizado e a necessidade de gerir a si e aos filhos são as principais circunstâncias que levam as mulheres a desenvolverem o trabalho da catação de resíduos sólidos – assim como os atravessamentos das desigualdades raciais que, conforme ressalta Vasconcelos et al. (2020)VASCONCELOS, Joaquim Pedro Ribeiro et al. Catadoras de Materiais Recicláveis e o Cuidado em Saúde: subvertendo estruturas de desigualdade. Revista de Ciências Sociais, 1(52), 2020, pp.141-159. https://doi.org/10.22478/ufpb.1517-5901.2020v1n52.51503
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, levam mulheres negras a vivenciarem essas circunstâncias durante o curso de suas vidas. Segundo Vallin (2016)VALLIN, Isabella de Carvalho. Gênero e meio ambiente: dupla jornada de injustiça ambiental em uma cooperativa de mulheres catadoras de materiais recicláveis. Master’s dissertation (Ciência Ambiental), Instituto de Energia e Ambiente, USP, São Paulo, 2016. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/106/106132/tde-14122016-153221/
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, as mulheres catadoras, em sua maioria, são as únicas responsáveis pelas atividades de âmbito doméstico, sobretudo no que diz respeito à maternidade, uma vez que não possuem recursos financeiros para compartilhar essas atividades utilizando-se da contratação de serviços que possam auxiliá-las, como, por exemplo, cuidadoras ou creches.

Observa-se que as dificuldades financeiras das mulheres catadoras entrevistadas, em decorrência da desvalorização do preço dos resíduos sólidos, são percebidas com preocupação em razão da responsabilização com o cuidado e com a criação dos filhos. Isso é notório nos relatos em que há a indignação das catadoras com o valor da partilha, que se torna insuficiente para a criação digna dos filhos. Assim, as catadoras, a partir da categoria Criação dos Filhos nos Galpões de Reciclagem , revelam aspectos que relacionam o cuidado com essas crianças e as dificuldades no trabalho da catação. Em um primeiro momento, chamou a atenção das pesquisadoras a elaboração do discurso sobre a maternidade vinda, sobretudo, das mulheres, principalmente no que concerne a essa criação no ambiente de reciclagem.

Verificou-se que a criação dos filhos dentro das associações não se relaciona a uma responsabilidade destes de trabalhar para prover sustento; porém, há o auxílio dos filhos em determinadas atividades. Exemplo disso é a catadora que apresenta e exalta sua filha, revelando que esta ajuda no preparo das refeições para os associados. Em uma pesquisa referente aos filhos das catadoras, Ferraz e Gomes (2012)FERRAZ, Lucimare; GOMES, Mara H. de Andréa. Uma existência precarizada: o cuidado da prole no trabalho de catação de material reciclável. Revista Sociedade e Estado, 27(3), Brasília-DF, Departamento de Sociologia/UnB, 2012, pp.652-662. https://doi.org/10.1590/S0102-69922012000300011
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buscaram compreender os motivos da introdução e da presença precoce dos filhos, desde pequenos, na catação, e concluíram que as mães acreditam que o trabalho os ajuda a cuidar, proteger e ensinar seus descendentes. Essa observação condiz com as anotações do diário de campo que mencionam uma criança brincando em meio a materiais recicláveis, em um local cuja reciclagem permanecia no mesmo ambiente da casa.

Outro aspecto importante sobre a criação dos filhos nos galpões de reciclagem é trazido por Costa e Neves (2007): a falta de equipamentos públicos destinados aos cuidados de crianças pequenas das mulheres catadoras são empecilhos para as ocupações fora de casa. Isso soma-se ao fato de que os empregos disponíveis permanecem longe de suas residências, possuem um alto custo com transporte e pressupõem a disposição de um longo tempo de deslocamento. Essas situações geram dificuldades para as mulheres catadoras, já que podem significar, em muitos casos, que os filhos ficariam sozinhos por mais tempo. Assim, a criação de crianças no ambiente de reciclagem surge como uma resposta à falta de outras possibilidades.

Diante disso, não lhes sobra outra opção a não ser a construção de significações que atribuam novos sentidos para essas questões frente à situação em que se encontram ( Almeida, 2007ALMEIDA, Leila Sanches de. Mãe, cuidadora e trabalhadora: as múltiplas identidades de mães que trabalham. Revista do Departamento de Psicologia , 19 (2), Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia/UFRJ, 2007, pp.411-422. https://doi.org/10.1590/S0104-80232007000200011
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). Isso diz respeito ao conjunto de significados que atravessam a interrelação entre o trabalho precarizado, as mães-catadoras chefes de família e seus filhos desamparados em um contexto de vulnerabilidade social. Além disso, há significações que envolvem o fato de que cuidar dos filhos nos galpões de reciclagem também se traduz pela reprodução do modelo seguido a partir de suas próprias mães, as quais também as levavam para esse ambiente ( Vallin, 2016VALLIN, Isabella de Carvalho. Gênero e meio ambiente: dupla jornada de injustiça ambiental em uma cooperativa de mulheres catadoras de materiais recicláveis. Master’s dissertation (Ciência Ambiental), Instituto de Energia e Ambiente, USP, São Paulo, 2016. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/106/106132/tde-14122016-153221/
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). Assim, há um ciclo de repetição da trajetória familiar na catação.

Tais significados, que se referem aos valores sociais atribuídos pelas catadoras ao trabalho, à maternidade e aos cuidados infantis ( Almeida, 2007ALMEIDA, Leila Sanches de. Mãe, cuidadora e trabalhadora: as múltiplas identidades de mães que trabalham. Revista do Departamento de Psicologia , 19 (2), Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia/UFRJ, 2007, pp.411-422. https://doi.org/10.1590/S0104-80232007000200011
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), podem direcionar a criação dos filhos no ambiente de trabalho. Uma pesquisa realizada por Benatti, Pereira, Santos e Paiva (2020) aponta que as mães vulneráveis expressam, como cuidado com as crianças, o receio de que eles sejam expostos ao álcool e outras drogas. Os autores revelam que as mulheres, para evitar situações de vulnerabilidade, elaboram estratégias de enfrentamento. A partir desses apontamentos, é possível refletir que o medo da Catadora E. de que seu filho vá para o tráfico o induz ao trabalho, como uma forma de proteção. Contudo, a exposição de crianças e adolescentes aos resíduos sólidos pode ser um fator de risco para o seu desenvolvimento emocional e comportamental, fato ainda negligenciado pelo Estado (Dumcke et al., 2020; Balico et al., 2021BALICO, Luciana Cristina Mancio et al. Associação da distância da habitação em relação a sítios de reciclagem sobre habilidades cognitivas em escolares. Scientia Medica, 31(1), Porto Alegre, 2021, e38664. https://doi.org/10.15448/1980-6108.2021.1.38664.
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).

Assim, é possível perceber, também, que há a ausência do Estado como órgão garantidor de direitos das mulheres catadoras e de seus filhos. Não há políticas públicas de proteção à maternidade que sejam voltadas especificamente para o trabalho das catadoras, o que as obriga a desenvolver o trabalho da catação durante o período gestacional e logo após o puerpério, por não proverem de licença maternidade e necessitarem de recursos financeiros. Por um lado, ao não possuírem vínculo empregatício pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pois se trata de um trabalho informal, não dispõem da proteção do Estado; por outro lado, o baixo valor arrecadado pela venda dos resíduos as impossibilita de contribuir com a Previdência Social pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), meio que viabiliza o recebimento do auxílio.

Essa mesma ausência é percebida em relação ao cuidado desses filhos após seu nascimento. Nenhuma entrevistada mencionou a utilização de creches públicas para cuidar das crianças, o que demonstra que o Estado se faz ausente, principalmente, na vida das mulheres que vivem em situações de vulnerabilidade social, como aponta Nardi (2006)NARDI, Henrique Caetano. Ética, trabalho e subjetividade: trajetórias de vida no contexto das transformações do capitalismo contemporâneo. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2006. . Muitas vezes, o alcance dessas mulheres às políticas públicas é dificultado, já que não se trata da ausência de dispositivos de assistência, mas sim de sua real efetivação. Nesse sentido, é necessária também a criação de políticas voltadas para o combate das desigualdades raciais e a redução da violência nas comunidades periféricas ( Santos, 2022SANTOS, Thelma Flaviana Rodrigues. Existências e resistências: a luta das catadoras brasileiras por melhores condições de trabalho e vida através da organização coletiva. Revista Latinoanericana de Estudios del Trabajo , 25(41), 2022, pp.121-144. Disponível em: http://alast.info/relet/index.php/relet/article/view/312
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), sendo esta uma pauta do movimento negro ao compreender que a ausência de proteção a direitos sociais básicos constitui uma pratica de extermínio por parte do Estado ( Carneiro, 2019CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo: a situação da mulher negra na América Latina a partir de uma perspectiva de gênero. In: HOLLANDA, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento feminista: conceitos fundamentais. Rio de Janeiro, Bazar do tempo, 2019, pp.325-333. ). O acesso às políticas de saúde, imprescindível para o acompanhamento pré-natal na gestação, é um exemplo de serviço cuja abrangência não envolve as catadoras. Nas entrevistas, não foi mencionado o acesso às políticas de saúde.

Embora o direito à saúde se configure como um direito universal, verifica-se que há a falta de orientação médica e dificuldade no acesso ao serviço público para as catadoras, principalmente em relação à saúde da mulher ( Dias et al., 2018DIAS, Larissa Longhi et al. Prevenção ginecológica: percepção do autocuidado de trabalhadoras de uma cooperativa de material reciclável. CuidArt Enfermagem , 17 (2), Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia/UFAC, 2018, pp.167-174. Disponível em: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-1005515
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). Em consonância, o afastamento das catadoras dos serviços de saúde pode acontecer devido à banalização da gravidade de possíveis acidentes, quando estes não são incapacitantes, ou pela falta de recursos ou informação ( Coelho et al., 2016COELHO, Alexa Pupiara Flores et al. Women waste pickers: living conditions, work, and health. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(3), Porto Alegre, Escola de Enfermagem/UFRGS, 2016, e57321. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.57321
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). Assim, verifica-se que as mães-catadoras criam seus filhos nos galpões de reciclagem por não terem o amparo total do Estado e como uma forma de tentar não expor os filhos à vulnerabilidade social.

Ressalta-se que, de acordo com Coelho et al. (2016)COELHO, Alexa Pupiara Flores et al. Women waste pickers: living conditions, work, and health. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(3), Porto Alegre, Escola de Enfermagem/UFRGS, 2016, e57321. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.57321
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, o trabalho na catação apresenta risco de adoecimento em razão da exposição aos materiais químicos e perfurocortantes. No entanto, pela necessidade de subsistência, as mulheres obrigam-se a se manter em tal atividade, inclusive em período gestacional. Nessa pesquisa, Coelho et al. (2016)COELHO, Alexa Pupiara Flores et al. Women waste pickers: living conditions, work, and health. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(3), Porto Alegre, Escola de Enfermagem/UFRGS, 2016, e57321. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.57321
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buscaram entender os principais motivos de afastamento das mulheres catadoras do trabalho e identificaram o aborto, com sintomas iniciados durante as atividades na catação, como uma das causas. Mesmo não havendo dados específicos que corroborem esse fato, apenas o relato de uma entrevistada desta pesquisa, é possível considerar a relação entre o trabalho insalubre e impactos na gestação.

Diante desse desamparo das mães-catadoras, verifica-se que os relatos acerca do modo como as mães criam seus filhos nesses ambientes de trabalho – seja colocando-os em caixas de frutas ou inserindo-os na realidade do trabalho – referem-se à forma como essas mulheres lidam com o distanciamento e a ausência do Estado. Isso fica evidente quando a catadora vê, no trabalho com a reciclagem, a possibilidade de continuar trabalhando, mesmo com o filho recém-nascido, diferentemente do que aconteceria se estivesse em uma empresa.

Adicionalmente, Silva e Menegat (2014)SILVA, Luciana Codognoto da; MENEGAT, Alzira Salete. Histórias de mulheres catadoras: rompendo silêncios, edificando resistências, construindo novas escritas históricas. Em Tempos de História , 24 , Brasília-DF, Pós-graduação em História/UnB, 2014, pp.106-119. https://doi.org/10.26512/emtempos.v0i24.14828
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apontam que o exercício da maternidade está associado ao sentido do trabalho dado pelas mulheres na catação, sendo, portanto, possível observar a concepção de amor materno, de cuidado e de proteção aos filhos que atravessa as mulheres catadoras, mesmo vivenciando diariamente um trabalho marcado pela precariedade. Segundo Matias, Barone e Rodrigues (2021), o papel de cuidado e zelo, atribuído socialmente e que caracteriza a maternidade, acaba se tornando justificativa para os sofrimentos que constituem a existência das mulheres.

Assim, a reprodução do papel social feminino, imposto às mulheres na catação de resíduos sólidos, referente à categoria O ideário social de ser mãe-mulher-catadora , estabelece o entrelaçamento entre o ser catadora e o ser mãe no trabalho. Percebeu-se que a maternidade, para essas mulheres, não se traduz apenas em aspectos mais concretos, como a precarização do trabalho, a ausência dos direitos trabalhistas e sociais e o uso dos galpões para a criação dos filhos; o ser mãe interfere, também, na forma como agem e manejam o trabalho para e com os membros da associação.

Pode-se supor que a reprodução dos valores ditos femininos se concretiza neste trabalho devido a duas situações: a subjetivação e a contradição. A primeira diz respeito à estruturação da identidade feminina, na qual se internalizou o ideal de mulher-mãe, o que possibilitou a existência de um dispositivo para a produção de práticas maternas, já que a maternidade é a condição sine qua non para o ser mulher ( Machado et al., 2020MACHADO, Jacqueline Simone de Almeida; PENNA, Cláudia Maria de Mattos; CALEIRO, Regina Célia Lima. Cinderela de sapatinho quebrado: maternidade, não maternidade e maternagem nas histórias contadas pelas mulheres. Saúde em Debate, 43(123), Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 2020, pp. 1120-1131. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912311
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; Vasquez, 2014). Esse aspecto é notório na concepção de que há uma correlação entre o cordão umbilical e o papel de mãe, na qual a reciclagem aparece na posição de filha. Já a segunda situação, que tem como requisito a primeira, refere-se à contradição existente entre a divisão sexual do trabalho e os avanços femininos. Isso porque, mesmo com o avanço de mulheres no campo ocupacional e profissional, não houve a desnaturalização dos papéis vinculados à maternidade e à figura mãe (Guedes;Araújo, 2011), impondo às mulheres catadoras a dupla jornada de trabalho e o cuidado dos filhos ( Coelho et al., 2016COELHO, Alexa Pupiara Flores et al. Women waste pickers: living conditions, work, and health. Revista Gaúcha de Enfermagem, 37(3), Porto Alegre, Escola de Enfermagem/UFRGS, 2016, e57321. https://doi.org/10.1590/1983-1447.2016.03.57321
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), que se expressa de acordo com o atravessamento dos marcadores sociais de raça e classe.

Assim, às mulheres que buscam por novos papéis sociais na esfera pública foram atribuídas posições e funções que vão ao encontro das tarefas consideradas femininas na vida doméstica ( Silva; Menegat, 2015SILVA, Luciana Codognoto da; MENEGAT, Alzira Salete. Trabalho e vida de mulheres catadoras: (re)construindo novas cartografias existenciais. Emancipação, 15(2), Ponta Grossa-PR, Departamento de Serviço Social/ UEPG, 2015, pp.263-277. Doi: 10.5212/Emancipacao.v.15i2.0006. ). Esse é o pano de fundo que tece a construção social da maternidade no trabalho da catação, pois as catadoras exercem o papel materno junto aos associados por meio da concepção de responsabilidade e de cuidado com estes. Um papel que é indissociável das suas vivências de sofrimento perante o contexto de precariedade que vivenciam, que as obriga a estabelecer estratégias de cuidado sobre si e sobre outro por meio de uma concepção de organização coletiva ( Vasconcelos, 2020VASCONCELOS, Joaquim Pedro Ribeiro et al. Catadoras de Materiais Recicláveis e o Cuidado em Saúde: subvertendo estruturas de desigualdade. Revista de Ciências Sociais, 1(52), 2020, pp.141-159. https://doi.org/10.22478/ufpb.1517-5901.2020v1n52.51503
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). As catadoras dessas associações planejam e executam ações para que os membros e suas respectivas famílias não fiquem desprotegidos. Por exemplo, vão em busca de roupas para que eles não sintam frio, arrecadam maior quantidade de comida para que não passem fome e procuram alternativas – como a organização de um brechó – para arrecadar fundos para que esses catadores, tomados como filhos, não fiquem desamparados.

Nesse sentido, ser mãe não implica a necessidade de ter filhos biológicos, e não se reduz a ela; basta ocupar esse lugar, construído socialmente, de responsabilização pelo cuidado com o outro. Em vista disso, a maternagem pode ser exercida pelas mulheres em relação a qualquer outra pessoa ou animal ( Machado et al., 2020MACHADO, Jacqueline Simone de Almeida; PENNA, Cláudia Maria de Mattos; CALEIRO, Regina Célia Lima. Cinderela de sapatinho quebrado: maternidade, não maternidade e maternagem nas histórias contadas pelas mulheres. Saúde em Debate, 43(123), Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, 2020, pp. 1120-1131. https://doi.org/10.1590/0103-1104201912311
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). Na catação de resíduos sólidos, mesmo frente à contradição da divisão sexual do trabalho, as mulheres têm ocupado posições de liderança e protagonismo, permitindo o descobrimento de potencialidades ( Silva; Menegat, 2015SILVA, Luciana Codognoto da; MENEGAT, Alzira Salete. Trabalho e vida de mulheres catadoras: (re)construindo novas cartografias existenciais. Emancipação, 15(2), Ponta Grossa-PR, Departamento de Serviço Social/ UEPG, 2015, pp.263-277. Doi: 10.5212/Emancipacao.v.15i2.0006. ). Nesses cargos, as mulheres podem exercer a maternagem, isto é, reproduzir o lugar de cuidado e de proteção, o que condiz com a reprodução do papel feminino produzido socialmente e, também, explorado pela lógica de produção capitalista. Logo, de forma contraditória, a maternagem e sua prática no trabalho da catação também podem oferecer a condição fundamental para que as catadoras exerçam posições de liderança, já que, conforme Souza e Fonseca (2015)SOUZA, Maria Celeste Reis Fernandes de; FONSECA, Maria da Conceição Ferreira Reis. Relações de gênero e matemáticas: entre fios e tramas discursivas. Educar em Revista (55), Curitiba, Setor de Educação/UFPR, 2015, pp.261-276. https://doi.org/10.1590/0101-4360.38464
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, são elas as responsáveis pela coordenação do grupo de trabalhadores e trabalhadoras.

Garantias de direitos sociais de mulheres-mães-catadoras: apontamentos finais

A construção social da maternidade atravessa a história das mulheres catadoras entrevistadas. Dessa forma, constata-se que a maternidade deve ser estudada e pesquisada levando em consideração os diferentes contextos em que as mulheres estão inseridas. A especificidade desta pesquisa coloca em questão a maternidade das mulheres-mães-catadoras de Caxias do Sul, a qual deve ser considerada em sua relação com a historicidade e organização da cidade, inclusive no que concerne à possibilidade de criação de rupturas na narrativa hegemônica da história local. Nesse sentido, é impossível realizar uma análise dos papéis maternos sem abranger as especificidades que caracterizam o trabalho da catação de resíduos sólidos e a realidade social. No caso das mulheres catadoras pesquisadas, nota-se que vivenciam a sobrecarga de trabalho devido à responsabilidade pela criação dos filhos e pelo exercício da catação ser realizado de forma insalubre, com baixa remuneração e com a ausência de direitos trabalhistas e sociais.

Há uma interrelação entre o trabalho da catação, a precarização, a maternidade e a vulnerabilidade social com atravessamentos de gênero, raça e classe que se produzem na vida das catadoras. Isso porque esse trabalho impacta o exercício da maternidade, enquanto a vulnerabilidade social condiciona a existência das catadoras a condições precarizadas, submetendo-as a esse campo de atuação. Trata-se de trabalhadoras que necessitam de políticas públicas que lhes proporcionem condições dignas de trabalho e assistência no âmbito da saúde, da criação dos filhos e dos direitos trabalhistas, além de possibilitarem o acesso de seus filhos a espaços educacionais, principalmente nos anos primários.

A ausência do Estado como agente protetivo e as dificuldades que se impõem no cotidiano contribuem para que as mulheres catadoras criem estratégias de enfrentamento no contexto em que estão inseridas. Na catação, há a criação dos filhos nos locais de trabalho e o ideal de amor materno, associado à ideia de que, em prol dos filhos, de tudo se abre mão e tudo se sacrifica para prover o cuidado e o sustento da prole. Em vista disso, o papel da maternagem faz parte do sentido do trabalho das entrevistadas, já que não se limita ao cuidado dos filhos, mas engloba também o cuidado com os(as) associados(as) e com a própria associação. Nesse sentido, observa-se a reprodução do ideal materno, e cabe destacar que a condição de vulnerabilidade social expõe as mulheres a situações de violência. Isso significa que o ideal de amor materno pode ter diferentes sentidos a depender da estrutura social em que a mulher catadora está inserida, contribuindo para violências que advêm das lógicas de subalternização, das desigualdades de gênero e de raça, sendo a última uma questão que deve constituir pesquisas futuras.

Por fim, como limite de pesquisa, este estudo apresenta expressões da maternidade que atravessam a história das catadoras que estão inseridas em contexto de trabalho associativo em uma cidade da Serra Gaúcha. Portanto, não é possível a generalização dos dados encontrados. Logo, são imprescindíveis as pesquisas relacionadas às mulheres que realizam a catação nas ruas e em diferentes territórios, para que se torne possível uma maior compreensão das interfaces entre maternidade e mulheres catadoras. Há uma lacuna de pesquisas que envolvam análises da exposição das mulheres aos resíduos sólidos em período gestacional, o que pode ser um fator de risco à mulher gestante. Assim, pesquisas como esta podem servir como recurso na criação de estratégias protetivas públicas em relação à mulher catadora e à maternidade.

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  • 1
    Compreende-se, neste texto, trabalho precarizado a partir do conceito de precarização social do trabalho , proposto por Graça Druck (2013)DRUCK, Graça. A precarização social do trabalho no Brasil: alguns indicadores. In: ANTUNES, Ricardo (org.). Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. São Paulo, Boitempo, 2013, pp.55-73. . Trata-se, para a autora, de um fenômeno que advém, entre outros aspectos, das mudanças no modo de organização do trabalho e do Estado e de suas políticas. Há um processo social, econômico e político que institucionaliza a flexibilização e a precarização do trabalho no Brasil nas últimas duas décadas.
  • 2
    Companhia de Desenvolvimento de Caxias do Sul (Codeca), serviço de coleta de resíduos sólidos e orgânicos da cidade de Caxias do Sul.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2022
  • Aceito
    13 Set 2023
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