Cuidados específicos com laringectomizados totais durante a pandemia de COVID-19 na realidade brasileira

Desde o primeiro trimestre de 2020, o mundo vem enfrentando a pandemia da Coronavirus Disease 19 (COVID-19), doença causada pelo novo coronavírus SARS-Cov-2⁽¹⁾. Várias medidas de prevenção e controle de disseminação da doença foram adotadas para a população em geral, porém, existem alguns grupos mais suscetíveis ao risco de contágio e que necessitam de cuidados específicos, dentre eles, os laringectomizados totais⁽²⁾.

Essa população é composta, em sua maioria, por idosos imunossuprimidos com múltiplas comorbidades, nos quais a traqueostomia definitiva permite a passagem de fluxo aéreo não filtrado e umidificado diretamente para as vias aéreas inferiores, o que aumenta a incidência de infecções broncopulmonares⁽³⁾ e naturalmente os expõe à natureza contagiosa do SARS-Cov-2 por meio de gotículas respiratórias e aerossolização⁽²⁾.

Uma das opções para minimizar a vulnerabilidade dos laringectomizados totais à COVID-19 é o uso do Heat and Moisture Exchange (HME), um dispositivo permutador de calor e umidade constituído por uma esponja de espuma impregnada com cloreto de cálcio⁽⁴⁾ colocada sobre uma vedação hermética em volta do estoma traqueal⁽⁵⁾. Esses filtros adicionam resistência ao fluxo aéreo, além de filtrar, aquecer e umidificar o ar, o que reduz a necessidade de recorrer a umidificadores e vaporizadores externos e otimiza o desempenho pulmonar^(6,7). Além disso, o uso do HME minimiza o risco de transmissão viral por aerossolização das secreções traqueais, já que o dispositivo reduz os episódios de tosse, produção de escarro e expectoração^(2,5,8).

Existem HME com filtros bacterianos e/ou virais específicos⁽⁸⁾ que possuem poros menores que 0.6 mícrons e conseguem reter alguns patógenos (bactérias e vírus), exercendo o papel de barreira biológica contra infecções pulmonares⁽⁹⁾, o que é especialmente importante no contexto da pandemia de COVID-19, considerando que as partículas do SARS-Cov-2 possuem o tamanho estimado de 0.12 mícrons⁽¹⁰⁾.

Embora a eficácia dos permutadores de calor e umidade na prevenção da COVID-19 ainda não tenha sido especificamente testada, pressupõe-se que o HME feito de material de filtragem eletroestática, cujo percentual de filtração viral é mais elevado, é o tipo mais indicado para uso durante a pandemia^(2,8,11). É necessário destacar ainda que a fixação do HME requer acessórios como adesivos hipoalergênicos descartáveis⁽²⁾ ou cânula específica de traqueostomia em silicone⁽¹²⁾. Todo esse aparato tem um custo pouco acessível à maioria dos laringectomizados totais no contexto brasileiro de desigualdade socioeconômica. Além disso, a ausência de uma política nacional de atenção à saúde do laringectomizado total dificulta o acesso aos insumos de proteção pulmonar nesse momento de pandemia.

Alguns institutos legais amparam essa população como, por exemplo, a Portaria SAS/MS nº 400, de 16/11/2019⁽¹¹⁾, que estabelece diretrizes nacionais para a atenção à saúde das pessoas ostomizadas; a Lei nº 13.146, de 6/11/2015⁽¹³⁾, que institui o Estatuto da Pessoa com Deficiência; e, mais recentemente, a Deliberação 202/CIB/2019⁽¹⁴⁾, da Secretaria de Estado da Saúde de Santa Catarina, publicada em 26/9/2019, que, com apoio da Associação de Câncer de Boca e Garganta (ACBG - Brasil), instituiu as Diretrizes para Atenção à Saúde das Pessoas Laringectomizadas e/ou Traqueostomizadas e a padronização da dispensação dos insumos necessários para reabilitação pulmonar e fonatória no referido estado, incluindo o HME. Trata-se de uma iniciativa pioneira com base legal cujo exemplo deve ser seguido por outros estados da federação. Ainda em razão das dificuldades de obtenção dos insumos por via administrativa, alguns usuários recorrem à Justiça para garantir o fornecimento. Em 2019, no Rio de Janeiro, por exemplo, um usuário ingressou com essa demanda contra o poder público e teve seu requerimento deferido, conforme o entendimento favorável do magistrado⁽¹⁵⁾.

A pandemia de COVID-19 tem evidenciado a necessidade de cuidados específicos com os laringectomizados totais e, ao mesmo tempo, a carência do poder público em fornecer o suporte necessário a esses usuários. A melhor recomendação disponível no momento para essa população, para garantir a proteção contra a aerossolização e inalação do SARS-Cov-2 no ambiente comunitário, consiste em três condutas: 1) cobrir nariz e boca com máscara cirúrgica ou de tecido; 2) cobrir estoma com vestuário de gola alta ou cachecol; 3) usar HME com filtros bacterianos e/ou virais específicos⁽⁸⁾. Na inviabilidade do acesso ao HME, os laringectomizados totais devem ser amplamente orientados a manter as demais condutas. Ao mesmo tempo, o momento também deve ser aproveitado para dar visibilidade às necessidades e vulnerabilidades desse grupo.

• Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Universidade Federal da Paraíba – UFPB - João Pessoa (PB), Brasil.

• Fonte de financiamento:

  nada a declarar.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  10 Ago 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  28 Maio 2020
• Aceito
  10 Jun 2020