Resumo
A cooperação entre o Brasil e Moçambique para estabelecer uma fábrica estatal de medicamentos genéricos em Moçambique foi identificada como uma colaboração Sul-Sul para o desenvolvimento inovadora e pouco ortodoxa. Sua implementação – com suas traduções, adaptações, lacunas e contradições – faz dela um objeto interessante para a sócio-antropologia do desenvolvimento e da ação pública. Uma abordagem neste campo é focar a resistência de grupos-alvo de projetos de desenvolvimento. Pesquisas anteriores destacaram as críticas à implementação do ‘projeto da fábrica’ ou as discrepâncias de discurso e representações do projeto entre autoridades moçambicanas e brasileiras. Entretanto, durante o processo de negociação, os principais especialistas em saúde de ambos os países se retiraram voluntariamente do desenho do projeto ou foram críticos de sua concepção e evolução. Focando no que poderia ser visto como uma forma de resistência, analisaremos quem são os especialistas que se distanciaram, suas razões, e interrogaremos como sua retirada levou a algumas das lacunas e questões de tradução no processo de implementação. O presente artigo baseia-se em entrevistas no Brasil, Moçambique e na Europa com especialistas em saúde e farmacêutica, diplomatas e funcionários governamentais. Também analisamos relatórios governamentais de ambos os países, incluindo arquivos do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
Palavras-chave
Cooperação Sul-Sul; antropologia da ação pública; Brasil; Moçambique; produção local de medicamentos