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INCUBADORA DO CONHECIMENTO

Resumos

A partir da experiência de cinco anos na criação e operação de um sistema de atendimento de demandas "tecnológicas", especialmente de micro e pequenas empresas (Disque-Tecnologia da USP), o autor reflete sobre as possibilidades da utilização da informação como matéria-prima para construção de conhecimento. Propõe uma filosofia a ser empregada na criação da incubadora de conhecimento, que considera, em primeiro lugar, atenção total à demanda para criar mecanismos de identificação dos interesses e necessidades imediatas dos hospedes. Ilustra, com alguns exemplos, que o conhecimento, construído a partir do cotidiano, é adquirido na exata medida das necessidades e capacidades de cada pessoa em um processo mais rápido e produtivo que o formal. A disponibilização, para consumo, de informação simples e básica é o ambiente favorável, que se deseja, para o crescimento do conjunto de conhecimentos dos hóspedes da Incubadora

Incubadora do conhecimento; Informação tecnológica


From five years of experiense on creating and operating a helpdesk system on technology for micro and small enterprises (Dial - Tecnology of USP), the autor reflects about the possibilities of using non formal information as raw material to build knowledge. He introduces a philosophy that can be used when creating a "knowledge Incubator". This philosophy considers in the first place, total attention to demand, creating mechanisms to identify companies’issues and needs. The article shows, with some examples, that knowledge built on day-bay-day experience assimilated in accordance with people’s needs and capacities in a faster and more effective process than the formal one. Making basic information available for consumption creates a good and desired environment for incubator participants’ growth in knowledge.

Knowledge incubator; Tecnological information


INCUBADORA DO CONHECIMENTO

Eduardo José Siqueira Barbosa

Resumo

A partir da experiência de cinco anos na criação e operação de um sistema de atendimento de demandas "tecnológicas", especialmente de micro e pequenas empresas (Disque-Tecnologia da USP), o autor reflete sobre as possibilidades da utilização da informação como matéria-prima para construção de conhecimento.

Propõe uma filosofia a ser empregada na criação da incubadora de conhecimento, que considera, em primeiro lugar, atenção total à demanda para criar mecanismos de identificação dos interesses e necessidades imediatas dos hospedes. Ilustra, com alguns exemplos, que o conhecimento, construído a partir do cotidiano, é adquirido na exata medida das necessidades e capacidades de cada pessoa em um processo mais rápido e produtivo que o formal. A disponibilização, para consumo, de informação simples e básica é o ambiente favorável, que se deseja, para o crescimento do conjunto de conhecimentos dos hóspedes da Incubadora.

Palavras-chave

Incubadora do conhecimento; Informação tecnológica

TECNOLOGIA - A APLICAÇÃO PRÁTICA DO CONHECIMENTO

A simplicidade do conceito adotado e a generalização implícita que procura não estabelecer ligações diretas com a inovação e a fronteira englobam as tecnologias-meio (empregadas em gestão) e as tecnologias-fim (ligadas à produção). O entendimento da palavra é, portanto, generalista. De posse dessa ótica, posso fazer um passeio, ainda que empírico, pelas nossas práticas de ensino formais que não alfabetizam tecnologicamente, prejudicando a aplicação prática dos conhecimentos enquanto estão sendo adquiridos. Ao cidadão comum, não resta outra alternativa que não a de resolver isto "em serviço" e na medida de suas possibilidades.

Até o final da década de 80, vivíamos muito bem , em berço esplêndido, sem visão estratégica para o desenvolvimento tecnológico. A inflação era o centro de todas as atenções, o sistema financeiro ganhava rios de dinheiro, a classe média se mantinha, e o povo era anestesiado com os vários planos econômicos, enquanto o resto do mundo se capacitava.

O setor produtivo, imediatista, participava da ciranda financeira, preocupando-se muito pouco com a melhoria de processos e produtos. As micro e pequenas empresas, já responsáveis pela maior oferta de postos de trabalho, eram pouco lembradas nas ações estratégicas de governo.

A flexibilização das importações trouxe, finalmente, para nosso dia-a-dia os conceitos de globalização, qualidade total, certificação ISO 9000, até então quase desconhecidos. A invasão de produtos mais baratos atingiu profundamente as pequenas empresas. Esta invasão, aliada à rapidez nas ações de agregação de tecnologia por parte das grandes empresas e os mecanismos recessivos de controle da inflação pela contenção do consumo, geraram o desemprego de hoje.

Definitivamente inseridos em nosso contexto, estes novos conceitos e a busca de qualidade e produtividade empurram nosso país a encontrar caminhos alternativos para capacitar seus cidadãos, iniciando um novo tempo: o da sociedade do conhecimento.

Em 1991, participando da equipe da Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e de Atividades Especiais da Universidade de São Paulo (CECAE), tomei contato com as reais demandas do setor das micro e pequenas empresas e com a realidade de seu dia-a-dia. A resposta foi a criação de um serviço de pronto-socorro tecnológico, no qual em um processo de cooperação em que se ensina e se aprende, pude capacitar-me a fazer estas reflexões. Nada melhor para ilustrar pensamentos do que casos reais. Assim, em seguida relato a experiência do que foi uma verdadeira incubadora de conhecimento.

O PROJETO DISQUE TECNOLOGIA DA USP

O Projeto Disque-Tecnologia da USP foi criado como resposta à demanda do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi). Os problemas conjunturais da época e a modernização da produção gerada por mudanças tecnológicas e mercadológicas introduzidas em nossa economia aceleradas por modificações na política de importação, mais que um desafio, constituíam-se em ameaça para empresas, especialmente indústrias, de pequeno e médio porte, cuja capacidade de investimento na capacitação de pessoal e atualização de produtos e processos é reconhecidamente limitada. O agravamento da crise recessiva implantada no país exigia respostas para demandas de curto prazo por meio de soluções simples para os problemas que viriam até a universidade por uma central de atendimento.

A procura por soluções contidas em tecnologias habituais, os problemas do cotidiano e as dificuldades de se acionar um pesquisador universitário para estas soluções foram contempladas resultando em um modus operandi ágil, rápido e eficaz. O Projeto Disque-Tecnologia foi criado como um elemento do Programa de Cooperação Universidade/Empresa da Cecae/USP, para atender a consultas de usuários, sobretudo empresários, visando a solucionar problemas específicos de natureza não somente tecnológica, a despeito do título, mas também administrativa, gerencial, mercadológica, de aprimoramento profissional, das relações de trabalho e de difusão cultural. A partir de um banco de dados onde se cadastram os docentes e pesquisadores de todas as áreas da Universidade de São Paulo foi montado o cadastro de especialistas e especialidades, usando-se um questionário simples, onde se informam as linhas gerais e específicas de pesquisa, sua aplicação prática e os interesses imediatos do pesquisador.

Foram distribuídos, na USP, 5 mil questionários, dos quais cerca de 4 mil retornaram com respostas. Ao mesmo tempo, iniciaram-se contatos com outras universidades e centros de pesquisa para a articulação de um sistema de cadastramento dos especialistas do Estado de São Paulo, em uma primeira etapa, e de outros estados, em uma segunda.

De forma singela e quase artesanal, entre março e setembro de 91, o DT iniciou experimentalmente o atendimento de consultas vindas das indústrias associadas ao Simpi. O procedimento regular adotado busca colocar o empresário em contato direto com um docente ou grupo de docentes cuja especialização seja adequada para o problema apresentado. Para isso, basta ao interessado manter contato (telefone, fax, correio e agora também pela Internet), fornecendo pequeno perfil de sua empresa, ramo de atuação e descrição da dificuldade.

O processo de atendimento, em geral, não leva mais que alguns dias. Cada caso é tratado como único, e, em grande parte das vezes, a resposta ou o encaminhamento é dado no momento da captação da consulta, cuja recepção e tratamento são gratuitos. Nada é cobrado pela aproximação com os especialistas. A partir daí, pode tratar-se de simples informação, ou aconselhamento elementar, que, igualmente, podem ser gratuitos ou remunerados pelo Sebrae-SP. Em se tratando de projeto de desenvolvimento ou repasse de tecnologia, os custos são apurados e podem ser cobertos parcialmente pelo Sebrae-SP, que escalona sua participação de acordo com as horas estimadas para o trabalho. O empresário participa em todas as fases da negociação, aprovando ou não os custos orçados. Nos vários casos, o DT procura acompanhar o processo à distância, para obtenção de informações sobre procedimentos e resultados.

Em 70% dos casos, os usuários trazem questões envolvendo tecnologias habituais, procura por informação básica e solução de problemas simples de seu cotidiano.

Acionar um especialista, pesquisador universitário com mais de 20 anos investidos em sua formação, para apresentar soluções a essas questões, era um problema a ser resolvido. A USP tinha, então, por iniciativa dos alunos, duas empresas juniores ¾ a da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade e a da Escola Politécnica ¾ que se dispuseram a atender às questões mais simples. Assim, criamos os procedimentos que resultaram hoje em duas linhas de ação:

- na primeira, o aluno de graduação (empresário júnior) ou de pós-graduação vem até os escritórios do DT e, com hora marcada, atende às empresas em sessões de ajuste do foco do problema e de aconselhamento tecnológico;

- na segunda, a empresa é encaminhada aos escritórios das empresas juniores ou do pesquisador sênior. Em qualquer dos casos, o convênio com o Sebrae-SP cobre parte dos custos envolvidos. Este relacionamento acabou incubando outras nove empresas júnior na USP, a tal ponto que a administração central da universidade resolveu apoiar os "meninos", criando meios para que eles pudessem se instalar e se equipar. Hoje, passados cinco anos, a USP conta com 15 empresas júnior, espalhadas por todos os seus campi, todas elas atendendo especialmente micro e pequenas empresas e envolvendo mais de 75 alunos de graduação no esforço conjunto com o DT.

Isto tudo foi possível graças ao estabelecimento de parceria com o Sebrae-SP, que, ao estabelecer linha de ação com o DT, deu origem à espinha dorsal do seu programa, hoje nacional, Sebraetec. Este programa prevê a remuneração de horas de consultoria para as pequenas empresas, com as primeiras duas sendo pagas integralmente pelo Sebrae. A partir daí, a empresa participa em proporção direta ao número de horas utilizado.

Feitos os testes, durante os meses de março a setembro de 91, o Projeto Disque-Tecnologia foi lançado oficialmente e atendeu até hoje (outubro/96), a mais de 10 mil empresas de todos os tamanhos e tipos de atividade.

Em 74% dos casos, as consultas vêm de empresas com até 20 funcionários, e há casos em que o consulente não consegue expressar exatamente o que o aflige, ou ainda o expressa com o foco completamente deslocado. Certa vez, um fabricante de doces queria análises e um laudo oficial sobre a eficácia de um conservante que adicionava à sua produção e que não estava funcionando, pois os seus doces emboloravam" em um prazo de 15 dias. Ele desejava o laudo para instruir uma ação judicial contra o fornecedor do conservante. Um professor da área de alimentos, por telefone, obteve toda a descrição do processo de fabricação e constatou que o problema estava na embalagem de papelão reciclado usada pelo empresário. Bastou trocá-la e os doces passaram a ter a durabilidade necessária. Com mais esta experiência com a se qual evitou muita dor de cabeça para o consulente e seu fornecedor, reafirmava-se nossa constatação de que era necessário tratar as demandas com cuidado, levando-as até o ponto central da questão.

Aprendemos que mais do que nunca era necessária uma interface humana entre o frio banco de dados informatizado e a calorosa expressão de um problema.

O APRENDIZADO: AQUISIÇÃO DE CONHECIMENTO

Creio que o ponto central do aprendizado foi justamente a constatação de que a demanda tem de ser tratada com atenção especial. Percebemos que aqueles que nos consultam, em sua maioria, não conseguem expressar com precisão aquilo que os aflige: é o problema, por exemplo de um dono de padaria que busca melhorias nos seus equipamentos, quando, na verdade, a solução do caso estava no correto manuseio da matéria-prima; ou mesmo de uma grande empresa que buscava informações sobre a metodologia da qualidade total, quando de fato necessitava de um procedimento de treinamento em serviço. Esse trabalho de decodificação da demanda nada mais é do que compreender o que realmente está afligindo o empresário, direcionando o foco dos "sintomas trazidos" para as reais causas do problema. Assim, diagnosticar a real necessidade da empresa, seja ela de que tamanho for, é o primeiro desafio. Depois disso, tudo fica mais fácil para ajustar o processo de transferência do conhecimento.

Todo "problema" explicitado traz um outro "problema" oculto, que na maioria das vezes é o foco da questão.

Com esta premissa, as entrevistas são hoje um pouco mais longas e mais produtivas, com agendamentos dos consulentes e consultores nos escritórios do DT. Iniciou-se, assim, a fase de aconselhamento técnico, que envolve desde marketing até informações sobre tecnologias necessárias, passando também por conselhos sobre relações humanas, como, por exemplo, o caso de um empresário que, instalado no mesmo endereço, sem problemas, há mais de 10 anos, buscava um especialista em acústica para orientá-lo na diminuição do ruído de sua fábrica de tintas. No mesmo dia da consulta, recebeu conselhos para acionar o fabricante e fornecedor das máquinas para melhores ajustes, sendo também orientado a se relacionar com um de seus vizinhos que havia perdido há pouco tempo um familiar ¾ provavelmente seu mais importante referencial ¾ e que era o foco da questão, pois fazia constantes reclamações aos órgãos fiscalizadores do estado e prefeitura.

O que se percebe é que o pequeno e o micro-empresários passam a maior parte de seu tempo vendendo sua produção, comprando matérias-primas e cuidando de conseguir recursos nos bancos. Isto reduz bastante o seu tempo e disposição para a busca da informação. Por não as ter disponível, por ter prejudicada sua visão de conjunto, acaba tendo sua percepção do óbvio reduzida, o que prejudica até mesmo a descrição de seu problema "tecnológico".

O PRIMEIRO SALTO DE QUALIDADE: PROJETO ATUAL-TEC

A procura por soluções contidas em tecnologias convencionais representa, nos cinco anos de operação do DT, cerca de 70% das consultas com alto índice de repetição de assuntos. Do percentual restante, 20% buscam informações um pouco mais específicas sobre determinado tema, enquanto 10% resultam em trabalhos de consultoria que consomem, em média, 30 horas.

Estima-se que existam mais de 4,5 milhões de micro e pequenas empresas no Brasil. O projeto revelava pequena capacidade de atendimento, pois envolvia sempre um especialista e somente um problema por vez. Atendendo dez empresas por dia, não conseguiríamos atingir um volume significativo para se perceber até onde o DT poderia interferir na capacitação das micro e pequenas empresas. Já sabendo também que 70% dos problemas trazidos necessitavam somente de informações básicas e conhecimento de tecnologias habituais para sua solução, começamos a imaginar fórmulas capazes de aumentar a escala de atendimento. Criamos o programa Atual-TEC Atualização Tecnológica, para oferecer seminários de até 16 horas, nos quais um pesquisador transmite informações básicas, porém atuais, sobre um tema escolhido a partir do estudo do banco de dados da demanda do DT. Durante um período, estudam-se os casos apresentados por um determinado ramo de atividade para encontrar-se o problema comum. Com essa identificação, escolhe-se o tema, oferecendo-o a um pesquisador da universidade que monta um seminário de treinamento distribuído em quatro dias, no período noturno, nas próprias unidades onde está alocado. Em menos de três anos, atingimos mais de 4.500 empresas, conseguindo índices de performance excelentes: 95 % de preenchimento das vagas oferecidas, 85 % de ótimo e bom nas avaliações de reação feitas pelos participantes e vários casos bem sucedidos de aplicações práticas das informações, além de demanda considerável pelas apostilas oferecidas nos seminários.

A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO A PARTIR DO COTIDIANO

Com cinco anos de vida, o DT conta agora com cinco funcionários operacionais que captam, dão tratamento e distribuem as consultas pela USP, para os consultores júnior, para os parceiros e também para outros serviços tipo disque-tecnologia que já existem em pelo menos 15 estados do Brasil e na Argentina, na Universidade de Quilmes em associação com a de La Plata. Atende em média 12 empresas por dia e até agora (outubro/96) soma mais de 10 mil casos, dos quais, por serem repetitivos, a própria equipe já atendeu a cerca de 20 %. O DT gerou o Programa Atual-TEC que ampliou sua capacidade de atendimento.

Todo esse interesse pode ser explicado pelo fato de que o atendimento tem como resultante vantagens para todos os envolvidos. A universidade beneficia-se da compreensão das reais necessidades da sociedade, ganhando maior visibilidade com ações corretivas de curto prazo. As empresas ganham portas abertas ao enorme acervo de conhecimentos e não somente são beneficiadas com soluções rápidas, mas também se capacitam melhor, como, por exemplo, aquela que necessitava melhorar sua produção de blocos de cimento, e não sabia sequer quais as normas técnicas envolvidas no assunto. Bem dizendo, o consulente não sabia nem mesmo o significado de uma norma técnica. Passados quatro meses do primeiro contato, ele retorna agradecendo por seus blocos melhores e pela economia de cimento conseguida com as instruções, mas agora com novo problema: "Necessito fazer um teste de impacto".

O SEGUNDO SALTO: PROGRAMA CLIP TECNOLOGIA (RÁDIO E TV)

A partir do aprendizado "em serviço", percebeu-se que a universidade poderia contribuir em maior escala ainda para a formação da cultura tecnológica na micro e pequena empresa. Havia grande concentração de temas demandados, grande repetição de consultas sobre o mesmo tema, e percebia-se que existe, em quantidade, a figura do "analfabeto tecnológico", aquele cidadão que não teve a chance de aplicar , na prática, o conhecimento adquirido nos bancos escolares. Para atingi-lo e sensibilizá-lo, nada melhor que meios de comunicação de massas. O primeiro teste-piloto de um programa de rádio chamado "Clip Tecnologia", cuja proposta é a transmissão de informações tecnológicas básicas como matéria-prima para construção de conhecimento, foi gravado e apresentado à rádio USP Fm (93,7 Mhz). Aprovado, o programa tem sido veiculado de segunda a sexta às 8h30 e as 13h30, há dois anos. Comentando os casos do DT e entrevistando técnicos e especialistas, o programa pretende encontrar a linguagem radiofônica apropriada à transmissão de conhecimento tecnológico básico. Neste mês de outubro, iniciamos, juntamente com os alunos do Departamento de Rádio e TV da Escola de Comunicações e Artes, a gravação de cinco programas piloto para a televisão com a mesma proposta de transmissão de informação tecnológica para construção de conhecimento.

O aprendizado que o DT proporcionou pode ser resumido em algumas premissas básicas:

1 - O conhecimento pode ser aplicado com excelentes resultados enquanto está sendo adquirido.

2 - Para ser construído, o conhecimento ¾ precisa de matéria-prima (Informação).

3 - A grande massa de analfabetos e de analfabetos tecnológicos não pode mais ser considerada "burra". Ela tem condições de usar informação como matéria-prima para construir o seu conhecimento, na medida de suas possibilidades e necessidades cotidianas.

4 - Informação, em nossa sociedade, existe em qualidade e quantidade. O que tem de ser resolvido é como disponibilizá-la em canais adequados ao público-alvo (bancas de jornais, padarias, bar da esquina, botecos, mercadinhos, feiras livres, TV, rádio, jornais etc.). Precisamos ser criativos !

EXPLICANDO AS PREMISSAS

A Aplicação do Conhecimento, durante sua aquisição

Pode parecer pragmatismo exagerado e mesmo excesso de confiança na capacidade de quem está em processo de aquisição de conhecimento. Todavia, durante cinco anos de convívio com alunos de graduação de vários cursos, organizados em torno das empresas júnior, tivemos a chance de proporcionar a "prática" da informação recém-recebida nos cursos. Houve reflexos positivos até mesmo nas relações aluno/professor, intensificadas por parte dos "meninos", ansiosos por imprimir o máximo de qualidade no que estavam fazendo, que estreitavam os laços de aprendizado. Além disso, ao experimentar o prazer de ver e sentir resultados aplicando o que sabiam, sempre querem mais. Essa busca gera pesquisas paralelas em torno dos assuntos tratados, ampliando o conhecimento em aquisição. A timidez natural, provocada quase sempre pela inexperiência, era na maioria das vezes superada. Hoje, pode-se observar que esses alunos já formados são profissionais mais bem qualificados, são cidadãos mais conscientes: são pessoas melhores.

Todas estas observações foram feitas também nos contatos com os usuários do DT. O conhecimento estimula a busca de mais conhecimento.

Informação: Matéria prima para construção de conhecimento

Não se pode subestimar a capacidade de absorção e realização de seu interlocutor. O que se precisa é colocar à disposição meios de aquisição de conhecimento que atendam aos interesses imediatos das pessoas, para que possam construir o conhecimento a partir de seu dia-a-dia. Devemos manter o olhar atento à demanda. Somente conhecendo o interesse imediato das pessoas, poderemos interagir produtivamente com elas. Se queremos construir um edifício, temos de estar munidos de cimento, areia, tijolos e, antes de tudo, do projeto. A partir do projeto, verificamos os interesses imediatos e nos munimos das matérias-primas necessárias. Sabemos o que queremos!

Nossa prática comum é exatamente inversa: organizamos as ofertas para depois nos preocuparmos com a demanda. Esta atitude prepotente não leva a lugar algum, pois desconsidera a capacidade, a inteligência e o interesse imediato do público-alvo. Não tem projeto, não tem norte.

Conhecendo os interesses imediatos e práticos do público-alvo, podemos elaborar o projeto de colocar à disposição a matéria-prima principal na construção do conhecimento: informação.

Analfabeto não é burro, é somente um empreendedor analfabeto

Pensando em analfabeto, refiro-me ao não alfabetizado científica e tecnologicamente. Aliás, em números, creio que superam em muito os simplesmente iletrados. Ao longo destes últimos cinco anos, aprendemos a respeitar a capacidade de aprendizado, ou mesmo de absorção de conhecimentos de nossos interlocutores. Um exemplo desta capacidade está no caso de um pequeno produtor de blocos de concreto que nos procurou, pois seus artefatos estavam se decompondo na própria fábrica, uma precária instalação no fundo do quintal de sua propriedade, na periferia. Indicamos a ele as normas adequadas da Associação Brasileira de Normas Técnicas, aconselhando-o a adquiri-las, seguir suas prescrições e então voltar a nos procurar. Passados seis meses, o "empresário" voltou buscando conseguir informação de como realizar um "teste de impacto". Já havia recorrido a um instituto de pesquisas e a um renomado laboratório particular, constatando que os custos do teste eram incompatíveis com seu poder de compra, assim buscava uma solução mais acessível. A verdade é que ele havia conseguido eliminar desperdícios, melhorar a qualidade de seus blocos, recuperar sua "freguesia", aumentar seu faturamento e oferecer mais quatro empregos. Tudo isso em um processo de aquisição de conhecimento pelo simples contato com as normas técnicas. Os resultados que havia tido na aplicação foram tão positivos, que ele não imaginava mais produzir seus blocos sem a tal da tecnologia .

A partir de um interesse prático e imediato e vendo resultados, construiu-se conhecimento tecnológico, que certamente influenciará para sempre a vida da empresa.

O "boteco" da esquina.... Fonte de informação ?

O que aconteceria em nossa sociedade se os botecos, as feiras livres, as barbearias, os ônibus fossem fontes de informação onde cada um pudesse conseguir matéria-prima para construir seu conhecimento específico? Normas técnicas, cartilhas com receitas tecnológicas, soluções práticas para problemas repetitivos do cotidiano, informações sobre o comportamento padrão dos bêbados (que não têm dono), enfim tudo que pudesse ser imediatamente aplicado poderia ser, no mínimo, mais facilmente acessado pelas pessoas. O que acontece é que estes locais já são fontes de informação, especialmente oral. É ali que se fica sabendo da vida das pessoas lindeiras, é ali que se sabe quem morreu, o último aumento de preço, o resultado do jogo do bicho, é ali que estão os interesses imediatos das pessoas mais simples. Temos de, respeitando estes locais e sendo criativos, encontrar maneiras de utilizá-los como disseminadores de informação produtiva. Utilizar a informação pode auxiliar a recuperação do tempo que já perdemos. Precisamos sair um pouco do rigor científico mediante o qual a informação é classificada, catalogada e perfeitamente empacotada com códigos incompreensíveis para o cidadão comum e que exigem um intermediário especialista que acaba detendo todo o poder. Informação precisa da ciência da informação, mas também precisa ser acessada por qualquer pessoa na medida de seu interesse. A retenção do conhecimento implícito pode perfeitamente ficar por conta da capacidade de cada um.

INCUBADORA DE CONHECIMENTO: UMA PROPOSTA

A palavra incubadora conduz nossa imaginação para "desenvolvimento de vida", ambiente favorável, acolhedor, carinho, atenção, respeito... Útero...

O útero é o ambiente que conheço mais favorável à criação e desenvolvimento de uma nova vida, ele é macio, acolhedor, quente, tem comida, tem informação que vem toda codificada e é incompreensível para o comum dos mortais, enquanto contida nas células. Todavia, o útero interage intimamente com seu hóspede, suprindo-o de todas as suas necessidades, respeitando o seu desenvolvimento, entendendo o seu estágio e expulsando-o sem dó quando constata que está pronto para vencer desafios maiores.

Se queremos incubar conhecimento, não podemos ser paternalistas, e sim respeitosos. Incubar conhecimento é, antes de tudo, respeitar e entender as capacidades e interesses de nossos hóspedes temporários. O útero virtual deve ser criado, colocando-se à disposição informações simples e práticas voltadas ao interesse imediato de sobrevivência das pessoas.

Informação à disposição é oferecê-la decodificada e pronta para ser consumida na exata medida da "fome" de quem a procura.

Os hóspedes da incubadora devem ser reconhecidos a partir de seus interesses e agrupados pelos temas identificados, para que então sejam colocadas em disponibilidade as informações adequadas. O processo de aquisição de conhecimento deve ser avaliado a partir da demonstração da capacidade de aplicação prática dos incubados. Uma incubadora de conhecimento não deve se preocupar com a fonte da informação, assim como o útero não se preocupa com a origem de seu parceiro na fecundação do futuro hóspede. Ele simplesmente o recebe e respeita. A incubadora deve ter atenção total em como a informação à disposição pode auxiliar o incubado a crescer e se desenvolver. O conceito de qualidade na informação é sempre passível de discussão, pois é relativo. Em contrapartida, a aplicação prática na construção de conhecimento é tangível. Você vê os resultados!

Knowledge Incubator

Abstract

From five years of experiense on creating and operating a helpdesk system on technology for micro and small enterprises (Dial - Tecnology of USP), the autor reflects about the possibilities of using non formal information as raw material to build knowledge.

He introduces a philosophy that can be used when creating a "knowledge Incubator". This philosophy considers in the first place, total attention to demand, creating mechanisms to identify companies’issues and needs. The article shows, with some examples, that knowledge built on day-bay-day experience assimilated in accordance with people’s needs and capacities in a faster and more effective process than the formal one. Making basic information available for consumption creates a good and desired environment for incubator participants’ growth in knowledge.

Keywords

Knowledge incubator; Tecnological information.

Eduardo José Siqueira Barbosa

Coordenador do Programa de Cooperação

Universidade Empresa da CECAE-USP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Out 1998
  • Data do Fascículo
    Jan 1997
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