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De onde somos e onde estamos? Formação acadêmica dos docentes de terapia ocupacional de universidades públicas do nordeste do Brasil

Resumo

Introdução

O processo histórico dos cursos de terapia ocupacional no Brasil e o perfil acadêmico de seus professores são fatores que influenciam a formação dos profissionais e o desenvolvimento científico da profissão.

Objetivo

Caracterizar as titulações acadêmicas de docentes que atuam em cursos de terapia ocupacional em Instituições de Ensino Superior públicas da região nordeste do Brasil e realizar reflexões sobre as suas trajetórias acadêmicas, considerando formação e inserção nas instituições analisadas.

Método

Estudo descritivo, quantitativo. Utilizou-se dados públicos da Plataforma Lattes e sites das Universidades. Para analisá-los, foi utilizada estatística descritiva, análise espacial e softwares de produção de recursos gráficos (figuras), como Excel®, Powerpoint® e QGIS2.18.3®.

Resultados

Foram analisados 86 currículos de docentes de terapia ocupacional em instituições públicas nordestinas. Apenas 20% ingressaram com doutorado ou concluíram no ano do ingresso. Os cursos da Paraíba e de Sergipe receberam maior número de docentes de outros estados, sobretudo do Sudeste. Observou-se maior quantidade de docentes que obtiveram mestrado em Alagoas, Pernambuco e São Paulo. A maioria dos doutorados ocorreu em Pernambuco e São Paulo. Mais de 90% dos docentes realizaram pós-graduações nas Ciências da Saúde (68%) e Humanas (25%), em programas de Saúde Coletiva, Educação e Ciências da Saúde.

Conclusão

As instituições possuem corpo docente diversificado em áreas/localidades das formações. Em termos de graduação/pós-graduação, foi constatada forte tendência de deslocamento dos docentes entre as regiões do Brasil. O investimento em políticas de incentivo à ciência no Nordeste pode fortalecer a profissão e amenizar desigualdades regionais.

Palavras-chave:
Educação Superior; Formação Profissional; Terapia Ocupacional

Abstract

Introduction

The historical process of Occupational Therapy courses in Brazil and the academic profile of their teachers are factors that influence the training of professionals and the scientific development of the profession.

Objective

To characterize the academic titles of professors who work in Occupational Therapy courses at public Universities in the Northeast region of Brazil and reflect about institutional and professional trajectories.

Method

Descriptive, quantitative study, using public data from the Lattes Platform and official Universities websites. Descriptive statistics and spatial analysis were used to analyze the data using graphic resource and image production software, such as Excel®, PowerPoint® and QGIS2.18.3®.

Results

86 resumes of professors of Occupational Therapy courses at public institutions in the Northeast were analyzed. Only 20% entered with a doctorate or concluded it in the year of admission. The courses in Paraiba and Sergipe received the largest number of professors from other states, especially from the Southeast of the country. There was a greater number of professors who obtained a master's degree in Alagoas, Pernambuco, and São Paulo. Most doctoral degrees took place in Pernambuco and São Paulo. More than 90% of the professors held postgraduate courses in Health Sciences (68%) and Humanities (25%), in Public Health, Education and Health Sciences programs.

Conclusion

The institutions have a diverse team of teachers. The academic education was related to physical dislocation in the country. We pointed to the importance of the policies that encourage science in the Northeast because it can strengthen the profession and alleviate regional inequalities.

Keywords:
Higher Education; Professional qualification; Occupational Therapy

Introdução

Os primeiros cursos de terapia ocupacional do Brasil, criados em meados da década de 1950, tinham como características serem técnicos e de curta duração. Denominados como cursos de reabilitação, eles eram atrelados a faculdades, institutos, hospitais e/ou departamentos de Medicina e estavam localizados na região Sudeste do país (Reis & Lopes, 2018Reis, S. C. C. A. G., & Lopes, R. E. (2018). O início da trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: o que contam os(as) docentes pioneiros(as) sobre a criação dos primeiros cursos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(2), 255-270.; Nascimento et al., 2022Nascimento, A. C. B., Bezerra, W. C., & Calheiros, D. S. (2022) Currículos de terapia ocupacional em universidades públicas do Nordeste: áreas social e educação em foco. Revista e-Curriculum, 20(1), 415-443.).

Ainda que a Faculdade de Medicina do Recife, em 1960, tenha inaugurado uma formação pública em Reabilitação, foi a partir da década de 1970 que ocorreu o aumento do número de cursos de terapia ocupacional no Nordeste brasileiro. Neste período, houve a aprovação do Decreto-Lei nº 938 de 1969 (Brasil, 1969Brasil. (1969, 13 de outubro). Decreto-lei nº 938, de 13 de outubro de 1969. Provê sobre as profissões de fisioterapeuta e terapeuta ocupacional, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 8658. Recuperado em 22 de outubro de 2023, de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-938-13-outubro-1969-375357-publicacaooriginal-1-pe.html#:~:text=Art.,s%C3%A3o%20profissionais%20de%20n%C3%ADvel%20superior
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/dec...
), que reconheceu a formação dos profissionais terapeutas ocupacionais como de nível superior no país.

Para se descrever brevemente a fundação dos cursos nordestinos, é necessário mencionar antecipadamente que a formação graduada em terapia ocupacional em Pernambuco apresenta uma história que diverge de outros cursos da região Nordeste. Isto ocorre porque Pernambuco ofereceu um curso de reabilitação ainda em 1960, mais de duas décadas antes da fundação dos demais cursos públicos e nordestinos. Neste curso, os discentes poderiam escolher a terapia ocupacional para se graduar. Durante esse período, ele esteve localizado nas dependências do Hospital Dom Pedro I. Na década de 1970, o antigo curso de Reabilitação passou a disponibilizar turmas unicamente com ênfase em terapia ocupacional, e deixou as dependências do Hospital Dom Pedro I para se instalar na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em Recife (Reis & Lopes, 2018Reis, S. C. C. A. G., & Lopes, R. E. (2018). O início da trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: o que contam os(as) docentes pioneiros(as) sobre a criação dos primeiros cursos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(2), 255-270.; Silva et al., 2022Silva, E. J., Reis, S. C. C. A. G., & Bezerra, W. C. (2022). A institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no ensino superior de Alagoas: percurso histórico. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 6(1), 715-731.). Esse curso funciona até os tempos atuais na UFPE, e é o mais antigo curso público de terapia ocupacional da região Nordeste.

Atualmente, existem em funcionamento seis cursos de terapia ocupacional localizados em Instituições de Ensino Superior (IES) públicas (estaduais e federais) nordestinas. Após a fundação do curso da UFPE – processo descrito no parágrafo anterior –, ocorreu um gap de mais de uma década para que fossem construídos e iniciados outros cursos em IES públicas nordestinas. Nos parágrafos posteriores, estão relatados os processos históricos dos outros cursos.

Na década de 1990, alguns representantes da Fundação Governador Lamenha Filho (FUNGLAF) realizaram uma solicitação de abertura de um curso de terapia ocupacional no estado de Alagoas. Os representantes obtiveram êxito na proposta, e o curso iniciou em 1997, na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal), na cidade de Maceió. O curso da Uncisal é o segundo mais antigo curso nordestino de terapia ocupacional em uma Instituição Pública de Ensino Superior brasileira (Silva et al., 2022Silva, E. J., Reis, S. C. C. A. G., & Bezerra, W. C. (2022). A institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no ensino superior de Alagoas: percurso histórico. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 6(1), 715-731.).

Na década de 2000, por meio do Decreto n. 6.096, de 24 de abril de 2007, foi criado no Brasil o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). O programa tinha como meta a expansão da oferta de vagas na Educação Superior. Por meio do Reuni, foram construídos novos campus universitários pelo país e alguns foram ampliados (aumento do número de cursos). Um dos objetivos do Reuni também foi o de diminuir as desigualdades sociais, considerando que o acesso ao sistema de ensino pode transformar as trajetórias das pessoas (Brasil, 2007Brasil. (2007, 24 de abril). Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 7. Recuperado em 22 de outubro de 2023, de https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_A...
).

O Reuni marcou um importante momento histórico na implementação de cursos de graduação em terapia ocupacional no Nordeste, uma vez que duas Universidades construíram e iniciaram formações graduadas a partir desse programa, como a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS). Na Paraíba, a oferta de vagas para a primeira turma de terapia ocupacional se deu em 2010, no campus da cidade de João Pessoa. Em Sergipe, o curso foi iniciado em 2011, localizado no município de Lagarto, interior sergipano (Duque et al., 2021Duque, A. M., Hiratuka-Soares, E., Silva, L. G., Andrade, F. L., & Souza, M. B. C. A. (2021). Desafios do ensino aprendizagem em tempos de pandemia: relato de uma construção baseada em metodologias ativas. Revista Interinstitucional Brasileira de Terapia Ocupacional, 5(3), 457-470.; Nascimento et al., 2022Nascimento, A. C. B., Bezerra, W. C., & Calheiros, D. S. (2022) Currículos de terapia ocupacional em universidades públicas do Nordeste: áreas social e educação em foco. Revista e-Curriculum, 20(1), 415-443.).

No ano de 2013, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aprovou o projeto político pedagógico de um curso (PPC) de terapia ocupacional que se localizaria na Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi. A previsão foi que o início do curso ocorresse no ano de 2015. O curso está previsto para funcionar no campus do município de Santa Cruz, interior do Rio Grande do Norte, mas, apesar da aprovação mencionada, a graduação não foi implantada até o momento. Segundo registros, o projeto pedagógico do curso da Facisa/UFRN está aguardando a finalização de trâmites burocráticos junto ao Ministério da Educação (Rio Grande do Norte, 2018Rio Grande do Norte. Assembleia Legislativa. (2018). Assembleia discute importância e valorização da Terapia Ocupacional no RN. Recuperado em 22 de outubro de 2023, de http://www.al.rn.gov.br/noticia/9618/assembleia-discute-importancia-e-valorizacao-da-terapia-ocupacional-no-rn
http://www.al.rn.gov.br/noticia/9618/ass...
). Ainda, foi divulgada a criação de uma comissão para atualização do PPC (Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 1ª Região, 2021Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 1ª Região – CREFITO-1. (2021). CREFITO-1 integra comissão para atualizar projeto da sua graduação em TO na FACISA/UFRN. Recuperado em 22 de outubro de 2023, de https://www.crefito1.org.br/noticias/6664/crefito-1-integra-comissao-para-atualizar-projeto-da-sua-graduacao-em-to-na-facisa-ufrn
https://www.crefito1.org.br/noticias/666...
).

Mais recentemente, em 2019, o Nordeste foi contemplado com a abertura de um curso de terapia ocupacional localizado na Universidade Estadual do Ceará (UECE), na capital Fortaleza. Este foi o quinto curso em IES pública fundado na região Nordeste do Brasil. Em 2021, foi iniciado o curso da Universidade Federal da Bahia (UFBA), localizado na Faculdade de Medicina da Bahia, em Salvador. Este último se tornou o sexto a iniciar suas atividades em IES pública no Nordeste.

É importante mencionar que, atualmente, o estado de Pernambuco conta com um novo curso de terapia ocupacional localizado em Recife, na Universidade de Pernambuco (UPE), já tendo sido realizado seu primeiro concurso para docentes e seu primeiro vestibular. Todavia, até abril de 2023 (finalização da escrita deste manuscrito), os órgãos e sites oficiais não haviam divulgado o início de suas atividades e nem informações sobre o quadro de docentes/profissionais do curso, o que dificultou a coleta de dados sobre ele.

Pesquisadoras e pesquisadores terapeutas ocupacionais vêm se dedicando a escrever sobre a história de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional. Porém, há de se ressaltar que esses estudos não vêm pautando como objetivo a compreensão das trajetórias acadêmicas do corpo docente de universidades públicas nordestinas (Lopes et al., 2014Lopes, R. E., Oliver, F. C., Malfitano, A. P. S., & Lima, J. R. (2014). II Seminário Nacional de Pesquisa em Terapia Ocupacional: caminhos para a institucionalização acadêmica da área. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(2), 167-176.; Folha et al., 2017 Folha, O. A. D. A. C., da Cruz, D. M. C., & Emmel, M. L. G. (2017). Mapeamento de artigos publicados por terapeutas ocupacionais brasileiros em periódicos indexados em bases de dados. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 28(3), 358-367.; Lancman & Mângia, 2017Lancman, S., & Mângia, E. F. (2017). Terapia ocupacional e programas de pós graduação: considerações sobre a situação. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 28(3), 1-2.; Folha et al., 2019Folha, O. A. A. C., Folha, D. R. S. C., da Cruz, D. M. C., Della Barba, P. C. S., & Emmel, M. L. G. (2019). Caracterização de publicações científicas sobre terapia ocupacional em periódicos não específicos da profissão no período de 2004 a 2015. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(3), 650-662.; Petten et al., 2019Petten, A. M. V. N. V., de Faria-Fortini, I., & Magalhães, L. C. (2019). Um novo mestrado em terapia ocupacional: perspectivas e desafios. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 231-232.; Monzeli, 2021Monzeli, G. A. (2021). Antecedentes à criação dos programas de Formação em Terapia Ocupacional na América Latina. In G. A. Monzeli (Ed.), Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a criação dos primeiros programas de formação profissional (pp. 69-108). João Pessoa. Editora UFPB.; Nascimento et al., 2022Nascimento, A. C. B., Bezerra, W. C., & Calheiros, D. S. (2022) Currículos de terapia ocupacional em universidades públicas do Nordeste: áreas social e educação em foco. Revista e-Curriculum, 20(1), 415-443.).

Obter dados das trajetórias de formação de docentes é importante para discutir as condições de aperfeiçoamento do professor de nível superior e os investimentos em tecnologia e pesquisa no país. Para este artigo, obter dados sobre trajetórias de formação graduada e pós-graduada significa entender quais os deslocamentos realizados por professores para finalizar suas formações e para ingressaram nas instituições públicas aqui analisadas, incluindo as áreas das formações pós-graduada, o ano de ingresso na IES pública em que atualmente atua, entre outros.

Sobre a relevância da coleta e análise dos dados das trajetórias citadas, sabe-se que os títulos acadêmicos, sobretudo o título de doutorado, constitui-se critério obrigatório para que pesquisadores brasileiros possam liderar grupos de pesquisa vinculados ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Somado a isso, também é exigido aos docentes tal titulação para que estes possam concorrer a editais que oferecem recursos financeiros para pesquisa científica. Assim, a obtenção do título de doutorado é algo que influencia, por exemplo, a produção de artigos em periódicos e a inserção dos professores em Programas de Pós-Graduação, algo importante para o desenvolvimento científico de uma profissão. Para além disso, professores de IES públicas do país precisam lidar com demandas de ensino, extensão e burocráticas.

Compreender deslocamentos acadêmicos, como se propõe nesta pesquisa, pode ser importante para que, em futuros estudos com docentes, também seja possível compreender perspectivas teóricas e práticas provenientes de formações. Entende-se que essas perspectivas influenciam práticas profissionais nas IES onde os docentes atuam.

O processo histórico dos cursos e o perfil acadêmico de seus professores influenciam na formação dos profissionais. Estudos como este podem ser disparadores importantes para pensar as especificidades dos cursos e dos profissionais que atuam no Nordeste. Pretende-se fomentar aqui uma discussão dos processos de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional a partir do Nordeste, refletindo sobre características, avanços e desafios regionais.

Esclarece-se que na frase “de onde somos e onde estamos”, apresentada no título deste artigo, as palavras “de onde somos” se referem às formações graduadas e pós-graduadas (mestrado e doutorado) dos docentes de terapia ocupacional que atuam nas instituições nordestinas analisadas. Já as palavras “onde estamos” se referem às instituições públicas nordestinas onde esses docentes atuam. A frase busca fazer uma alusão aos movimentos de deslocamento acadêmico (para fins de titulação e inserção profissional em IES) de terapeutas ocupacionais pesquisadores.

Diante do exposto, este estudo teve como objetivo geral caracterizar as titulações acadêmicas de docentes que atuam em cursos de terapia ocupacional em Instituições de Ensino Superior públicas da região Nordeste do Brasil e realizar reflexões sobre as suas trajetórias acadêmicas, considerando formação e inserção nas IES analisadas.

Método

Trata-se de um estudo descritivo e quantitativo, que utilizou dados públicos (ou dados secundários) que constam nos sites oficiais das Instituições de Ensino Superior (IES) do setor público (Ministério da Educação), assim como os dados contidos na Plataforma Lattes (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

Os sites oficiais das instituições apresentam abas de acesso para os Centros, Faculdades ou Departamentos onde se localizam os cursos de terapia ocupacional. Após isso, é possível encontrar links que se referem às informações sobre o “corpo docente”. Já na Plataforma Lattes, é possível encontrar a aba “buscar currículo” e obter informações sobre as formações e titulações de pesquisadores inscritos na plataforma. Ressalta-se que, nesta Plataforma, o docente é responsável por preencher os dados acadêmicos e deve se responsabilizar pela veracidade desses dados.

No caso de um curso que não detinha informações sobre quem eram os professores do corpo docente no site oficial da própria universidade, os dados foram coletados por meio de contato por e-mail com a coordenação, que prontamente respondeu com as informações solicitadas. É importante expor que para realizar coleta de dados públicos não é necessária a obtenção de um certificado de aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa.

O período de coleta foi iniciado em março de 2023 e finalizado em abril do mesmo ano. Como instrumento de coleta, as pesquisadoras utilizaram um “quadro geral de dados”, contendo as seguintes variáveis: a) local onde o(a) professor(a) realizou a graduação em terapia ocupacional; b) universidade pública em que o(a) professor(a) é filiado(a) na região Nordeste atualmente; c) ano em que o(a) professor(a) adentrou nesta universidade como docente; d) ano de surgimento do curso de terapia ocupacional na universidade em que atua; e) estado da universidade em que atua; f) cidade em que se localiza o campus da universidade em que atua; g) ano de obtenção de título de mestrado e/ou de doutorado; h) universidade e estado onde obteve o(s) título(s) acadêmico(s); e i) área e programa do(s) título(s) acadêmico(s) obtidos (Grande Área de titulação descrita pelo docente na plataforma lattes – CNPq).

Foram excluídos os currículos de docentes que não tinham graduação em terapia ocupacional, e os currículos dos docentes que ainda não tinham iniciado ou finalizado o mestrado (que eram especialistas ou estavam com mestrado em andamento). Foi excluído da análise o curso recentemente criado em Pernambuco, pois, no momento da coleta, o curso não apresentava e-mail da coordenação para contato e nem dados públicos sobre sua equipe de docentes ou sobre o início de suas atividades.

Para fins de análise, foram considerados apenas os títulos que estavam finalizados, não sendo considerado o título que não havia sido concluído até o período da coleta de dados. Não houve distinção entre mestrado acadêmico e profissional, entre mestrado e doutorado feitos no exterior ou feitos no Brasil, ou entre professores efetivos e com contrato temporário/substitutos. Este último critério se justifica porque alguns cursos de terapia ocupacional da região apresentaram um quantitativo significativo de professores temporários.

Após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram analisados o total de seis sites oficiais de universidades públicas que possuem cursos de terapia ocupacional em funcionamento e estão localizadas na região Nordeste. Foram analisados 86 currículos acadêmicos (currículos Lattes) dos docentes que atuam nesses cursos. A Figura 1, a seguir, foi inserida no texto para ilustrar a amostra analisada.

Figura 1
Mapa do Brasil destacando as unidades de federação da região Nordeste e a localização das seis instituições de Ensino Superior Públicas. Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).

A organização dos dados no quadro geral utilizado durante a coleta gerou uma figura ilustrativa. A figura teve a finalidade de demonstrar, visualmente, a linha de tempo de constituição dos seis cursos do Nordeste e os ingressos dos docentes ao longo dos anos, com seus respectivos anos de ingresso e obtenção do título de doutorado.

A representação desse recurso teve por objetivo marcar os fatos em uma sequência linear, de acordo com o passar dos anos, e é uma ferramenta que facilita a observação de informações e a análise comparativa entre as IES. O comprimento da linha de tempo se refere ao período designado entre o ano de ingresso do docente na IES e o ano de obtenção do título de doutorado. Para essa análise, especificamente, foi considerada apenas a titulação de doutorado (por ser considerada a última titulação de aperfeiçoamento acadêmico).

Após a etapa citada, foram realizadas técnicas de estatística descritiva e análise espacial. Para isso, foram utilizados softwares de produção de recursos gráficos (figuras) como os softwares Excel®, Powerpoint® e o software QGIS2.18.3® (Creative Commons – Atribuição – Compartilhamento pela mesma Licença 3.0, CC BY-SA, Las Palmas, Califórnia, EUA), respectivamente.

Considerando como unidade de análise as 27 unidades de federação (UF) brasileiras, foi utilizada a base cartográfica do Brasil com projeção correspondente ao Sistema Universal de coordenadas SIRGAS 2000 (Sistema de Referência Geocêntrico para as Américas), disponíveis no site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Especificamente para a análise espacial referente à localidade da obtenção da titulação do mestrado e/ou doutorado, não foram considerados os títulos obtidos fora do território nacional. Portanto, foram excluídos desta análise os dados de obtenção de dois títulos de mestrado e dois títulos de doutorado de docentes vinculados às instituições de Alagoas (1 docente) e de Sergipe (3 docentes). O motivo da exclusão do título obtido no exterior nesta análise é porque o objetivo desta etapa foi compreender aqueles deslocamentos feitos por docentes para obter os títulos de mestrado e doutorado dentro do próprio território nacional. Acreditamos que realizar uma análise sobre a obtenção de títulos no exterior pode extrapolar o objetivo traçado para este estudo.

Os dados utilizados para entendimento dos deslocamentos citados no parágrafo anterior foram a UF de graduação do docente, UF da titulação do docente (seja mestrado e/ou doutorado) e UF da instituição de ensino do docente. Para a elaboração dos mapas de fluxos, foi criada uma matriz de origem-destino (O-D), sendo analisados por meio da geração de três mapas, a saber: 1. O: UF da graduação do docente – D: UF da instituição de ensino do docente; 2. O: UF da instituição de ensino do docente – D: UF da obtenção do título de mestrado; 3. O: UF da instituição de ensino do docente – D: UF da obtenção do título de doutorado. O caminho dos fluxos foi obtido por meio do plugin Flow maps (oursins), que capturou o caminho entre a origem e o destino desejado a partir de centróides nas UF de todo o território brasileiro.

A criação de mapas coropléticos teve como finalidade apresentar a distribuição espacial da quantidade de docentes que adquiriram as suas titulações em cada uma das unidades de federação, sendo contabilizadas por título/estado, de forma cumulativa, e apresentadas por meio de um gradiente de cores. Assim, as áreas mais escuras representam maior quantidade de docentes que fizeram formação naquele estado e/ou Distrito Federal.

Resultados

Foram analisados os dados de currículos de 86 docentes das instituições públicas de Ensino Superior do Nordeste. Esses professores eram atuantes em quatro cursos de instituições federais e dois de estaduais, e atenderam aos critérios estabelecidos nesta pesquisa. Na Figura 2, pode-se observar que os primeiros docentes começaram a ingressar nas instituições na década de 1980 e os registros demonstram a inclusão de docentes ao longo do tempo até o ano de 2022.

Figura 2
Linha do tempo do docente com a data do ingresso (I) na Instituição de Ensino Superior analisada (UECE, UFBA, UFS, UFPB, UNCISAL, UFPE) até a data da última titulação (T). Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).

Apenas 20% dos docentes ingressaram com doutorado ou concluíram o doutorado no ano do seu ingresso. Quando analisado o período decorrido entre o ano de ingresso na instituição de ensino (I) e o ano de obtenção da titulação (T), pode-se notar que esse comprimento é maior quando do ingresso em anos mais remotos, ou seja, o interstício entre os dois momentos é maior quando comparado aos docentes que ingressaram nos últimos anos.

Os mapas da Figura 3 ilustram as localizações (A, B e C) e o quantitativo (D e E) dos docentes em relação à busca por suas titulações (graduação, mestrado e doutorado). Observou-se que as instituições da Paraíba e de Sergipe foram as que receberam os principais destinos dos fluxos de docentes de outros estados, principalmente da região Sudeste, caracterizando um fluxo da região Sudeste para a região Nordeste. Dentro da própria região, destaca-se a origem de formação no estado de Pernambuco e o destino no estado de Alagoas (Figura 3A).

Figura 3
Mapas de fluxo e mapas de distribuição de docentes por unidade da federação brasileira. A – Mapa de fluxo entre a instituição de graduação (origem) e a instituição de ensino (destino); B e C – Mapa de fluxo entre a instituição de ensino (origem) e a instituição do programa de pós-graduação (destino); D e E – Distribuição da quantidade de docentes que realizaram pós-graduação. Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).

Com os resultados dos mapas componentes das Figuras 33C, pode-se constatar maior heterogeneidade na formação do mestrado (em diversas unidades de federação). Ainda que se tenha tido maior predominância de fluxos com saída na região Sudeste, constata-se um movimento de maior deslocamento dos docentes nas unidades de federação da região Nordeste (Figura 3B). Esse fato não ocorre quando da titulação do doutorado, pois se verifica majoritariamente esse fluxo, sobretudo, para o estado de São Paulo e pouca movimentação na região Nordeste (Figura 3C).

Comparando-se nos mapas as unidades de federação que produziram docentes quanto ao mestrado e ao doutorado, observou-se que os estados de Alagoas, Pernambuco e São Paulo apresentaram, visualmente, cores mais fortes. Isso é indicativo que o quantitativo de docentes que obtiveram o título de mestrado nesses estados é maior (Figura 3D), fato semelhante ao mapa que observou a obtenção do doutorado, já que os estados de Pernambuco e São Paulo foram os que apresentaram maior número de docentes titulados nesses estados (Figura 3E).

Destaca-se alguns resultados com base na análise dos mapas 3D e 3E, como: ainda que essas localizações tenham sido mais abrangentes na Figura 3D, contemplando estados que compõem as regiões Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, a quantidade de formação, na maioria das unidades federativas, está entre 1 e 3 docentes (3D e 3E); não há nenhum docente que tenha buscado a titulação de mestrado e/ou doutorado na região Norte (3D e 3E); os docentes da Instituição de Ensino Superior de Pernambuco realizaram, majoritariamente, suas titulações no estado de origem, sendo este também o estado da IES de ensino (3D e 3E); das 10 unidades de federação que tiveram docentes buscando o título de doutorado, apenas duas (Pernambuco e São Paulo) tiveram entre 11 e 20 docentes, estando todas as demais na faixa entre 1 a 3 docentes que realizaram o doutorado naquela UF (3E).

A Figura 4 sintetiza as áreas dos programas de pós-graduação que foram realizadas pelos docentes das IES públicas do Nordeste. Considerando as Grandes Áreas das titulações de pós-graduação designadas pelo CNPq na Plataforma Lattes, observou-se que mais de 90% dos docentes realizaram suas pós-graduações em programas que estavam vinculados às Ciências da Saúde (68%) e às Ciências Humanas (25%), caracterizando uma hegemonia das titulações vinculadas a programas registrados como da área da saúde.

Figura 4
Representação das Grandes Áreas dos programas de pós-graduação realizadas pelos docentes das instituições de Ensino Superior Públicas do Nordeste. Nota: Os resultados apresentados neste gráfico são cumulativos, ou seja, foram somadas as áreas, independentemente se mestrado ou doutorado. Fonte: Elaborado pelas autoras (2023).

Quando analisadas apenas as categorias dos programas de pós-graduação que foram cursados pelos docentes, tem-se que, não necessariamente, as principais categorias estão vinculadas às ciências da saúde, que foi a grande ciência de formação predominante. Os principais programas realizados pelos docentes se vinculam à Saúde Coletiva, à Educação e às Ciências da Saúde, respectivamente. O Programa de Pós-graduação em Terapia Ocupacional, da Universidade Federal de São Carlos, ocupou a quarta posição em quantidade de docentes que obtiveram a titulação de mestrado e/ou doutorado, mas corresponde a apenas 9,3% das escolhas quando comparado ao total de programas de pós-graduação cursados pelos docentes (Figura 5).

Figura 5
Distribuição das categorias dos programas de pós-graduação cursados pelos docentes das instituições de Ensino Superior Públicas do Nordeste, 2023. Legenda: 1. Terapia Ocupacional; 2. Sociologia/ Ciências Sociais/ Serviço Social/ Administração e Sociedade/ Ensino, Filosofia e História das Ciências; 3. Saúde da Comunicação Humana; 4. Saúde Materno Infantil/ Saúde da Criança e do Adolescente; 5. Saúde Coletiva/Saúde Pública; 6. Psicologia Social/ Psicologia/ Psicologia Clínica/ Psicologia Cognitiva; 7. Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento/ Neurociências; 8. Estudos Interdisciplinares Sobre Mulheres, Gênero e Feminismo; 9. Educação Física/ Nutrição/ Enfermagem Psiquiátrica/ Gerontologia/ Enfermagem; 10. Educação/ Educação do Indivíduo Especial/ Ensino na Saúde/ Ensino na Saúde e Tecnologia/ Educação e Saúde/ Educação Especial; 11. Distúrbios do Desenvolvimento/ Ciências da Reabilitação/ Ciência da Motricidade Humana; 12. Design/ Design e Expressão Gráfica/ Engenharia de Produção; 13. Ciências da Saúde/ Atenção à Saúde/ Saúde e Tecnologia/ Interdisciplinar em Ciências da Saúde/ Ciências/ Ciências Médicas/ Educação em Ciências da Saúde; 14. Ciências da Linguagem/ Letras e Linguística/ Linguística; 15. Aspectos Jurídicos e Bioéticos da Saúde/ Bioética. Nota: Os resultados apresentados neste gráfico são cumulativos, ou seja, foram somadas as áreas, independentemente se mestrado ou doutorado. Fonte: Dados da pesquisa (2023).

Discussão

Os dados apresentados nesta pesquisa retratam a realidade da formação profissional dos docentes que exercem suas atividades em universidades públicas da região Nordeste do Brasil. Foi possível refletir acerca da inserção desses docentes no âmbito acadêmico, dado o percurso de institucionalização dos cursos de graduação nos estados nordestinos e, consequentemente, as trajetórias profissionais desses docentes.

Os resultados obtidos revelaram que, embora os docentes analisados neste estudo estejam atuando em cursos de terapia ocupacional na região Nordeste, eles realizaram a sua formação pós-graduada também em outras regiões brasileiras. O corpo docente das IES dos estados de Alagoas e de Pernambuco, em grande parte, é formado por egressos da própria região. Nas demais instituições, sobretudo nos estados da Paraíba e de Sergipe, os docentes se deslocaram principalmente da região Sudeste para atuar no Nordeste. Essa característica também foi observada quando da obtenção dos títulos de mestrado e de doutorado, pois, ainda que se tenha tido uma maior diversidade de estados que proporcionaram formação a nível de mestrado para estes docentes, em termos quantitativos, observou-se maior formação nos estados de Pernambuco e de São Paulo.

Nos cursos analisados, observou-se que os professores que ingressaram há mais tempo como docentes nas Instituições de Ensino Superior nordestinas em que atuam no momento levaram um período maior para iniciar e concluir os estudos de doutorado (quando consideramos a data de ingresso do professor na instituição e a data de conclusão do doutorado do professor). Já os docentes que ingressaram mais recentemente nas instituições nordestinas analisadas finalizaram a titulação de doutorado pouco tempo depois do seu ingresso na instituição, no mesmo ano do seu ingresso, ou até mesmo durante o seu primeiro ano após o ingresso na IES.

Com esse dado, há de se esclarecer algumas questões nos parágrafos a seguir, como: a realidade brasileira acerca dos pesquisadores terapeutas ocupacionais; as limitações que são impostas aos docentes que não são doutores; as diferentes atribuições dos professores do ensino superior; e a questão de que grande parte dos cursos analisados foram implantados recentemente.

Lopes et al. (2014)Lopes, R. E., Oliver, F. C., Malfitano, A. P. S., & Lima, J. R. (2014). II Seminário Nacional de Pesquisa em Terapia Ocupacional: caminhos para a institucionalização acadêmica da área. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 25(2), 167-176., ao realizarem uma consulta ao Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, observaram que, dos docentes doutores inseridos em grupos da área de terapia ocupacional, 47,7% finalizaram o doutorado entre os anos de 1990 e 2005, e 52,3% finalizaram entre 2006 e 2014. Esse último período, em que a maioria se titulou, está muito próximo ao período de maior concentração de títulos de doutorado que foram obtidos pelos docentes da presente pesquisa. Dessa maneira, o aumento quantitativo de títulos de doutorado neste período pode estar relacionado com uma realidade brasileira da terapia ocupacional, vinculada ao crescimento dos cursos e dos Programas de Pós-Graduação específicos e em áreas afins nos últimos anos.

Apesar desse crescimento, sobretudo nos últimos anos, constatou-se que há professores mestres em todos os cursos analisados. Dado o cenário do pesquisador no contexto brasileiro, esse fato pode limitar o acesso a alguns recursos para a pesquisa e a outras atribuições que são restritas aos doutores, como a abertura de grupos de pesquisa e a abertura ou inserção em Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu (Sousa et al., 2022Sousa, F. C. A., Luz, J. S. N., Costa, L. L. S., Sousa Neto, F. A., Nascimento, T. H. M., Silva, W. A. S., Barreiros, M. H. M., Silva, A. K. S., Silva, L. H. C., Silva, S. M., & Silva, W. C. (2022). Perfil de pesquisadores científicos das regiões nordeste e sudeste do Brasil. Research, Social Development, 11(3), 1-7.). A falta da titulação de doutorado resulta em limitações práticas ao exercício da carreira acadêmica voltada ao pilar da pesquisa. Contudo, há de se considerar a existência de legislação sobre os contratos de trabalho e sobre a carreira acadêmica, que fixam os contornos profissionais previamente.

É relevante discutir que, no Brasil, quando um professor ingressa na carreira docente em cursos de graduação das IES públicas, existem outras atribuições do trabalho que não são voltadas exclusivamente à pesquisa ou à continuidade da formação. Ressalta-se também que a qualificação de um corpo docente, em termos de habilidades didático-pedagógicas para o exercício do ensino na educação superior, é relevante e não deve ser considerada como menos importante do que a finalização das titulações de mestrado e/ou doutorado (Paiva, 2010Paiva, G. S. (2010). Recortes da formação docente da educação superior brasileira: aspectos pedagógicos, econômicos e cumprimento de requisitos legais. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 18(66), 157-174.).

Quando são tecidas reflexões sobre a relação entre tempo de ingresso no curso e tempo de finalização do doutorado do docente, também deve ser considerado que, dos seis cursos analisados, quatro tiveram início nos últimos treze anos. Trata-se de uma trajetória recente que, certamente, trouxe aos docentes as demandas de trabalho relacionadas à implantação e ao reconhecimento de um curso.

Autores como Folha et al. (2017) Folha, O. A. D. A. C., da Cruz, D. M. C., & Emmel, M. L. G. (2017). Mapeamento de artigos publicados por terapeutas ocupacionais brasileiros em periódicos indexados em bases de dados. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 28(3), 358-367. descrevem que, apesar do período de institucionalização das pós-graduações stricto sensu ter sido regulamentado no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, a inserção de terapeutas ocupacionais nesses espaços ocorrem apenas a partir da década de 1990. Ainda, a criação de programas específicos de terapia ocupacional ocorreu apenas nos anos de 2009 e 2015, sendo de mestrado e doutorado, respectivamente (Lancman & Mângia, 2017Lancman, S., & Mângia, E. F. (2017). Terapia ocupacional e programas de pós graduação: considerações sobre a situação. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 28(3), 1-2.).

Outra questão a ser considerada na e pela terapia ocupacional é que o corpo docente da graduação em terapia ocupacional é essencialmente formado por mulheres, desde a institucionalização dos primeiros cursos até atualmente (Morrison, 2016Morrison, R. (2016). Los comienzos de la terapia ocupacional en Estados Unidos (siglo XIX y XX): una perspectiva feminista desde los estudios de Ciencia, Tecnología y Género. Historia Crítica, 62(62), 97-117.; Lima, 2021Lima, E. M. F. A. (2021). Terapia ocupacional: uma profissão feminina ou feminista? Saúde em Debate, 45(spe 1), 154-167.). Ainda que não se tenha produzido dados nesta pesquisa que estabeleçam uma relação causal entre gênero e produtividade acadêmica, é possível apontar desvantagens da mulher no mercado de trabalho e as diferenças de gênero relacionadas à ascensão docente (Monteiro & Altmann, 2021Monteiro, M. K., & Altmann, H. (2021). Ascensão na carreira docente e diferenças de gênero. Educar em Revista, 37, 1-23.). O estudo de Souza et al. (2021)Souza, K. R., Simões-Barbosa, R. H., Rodrigues, A. M. S., Felix, E. G., Gomes, L., & Santos, M. B. M. (2021). Trabalho docente, desigualdades de gênero e saúde em universidade pública. Ciência & Saúde Coletiva, 26(12), 5925-5934., por exemplo, identificou que há uma sobreposição do trabalho docente e do trabalho doméstico e privado das mulheres, o que pode ocasionar uma relação conflituosa entre essas atividades.

Sobre a trajetória de formação dos docentes, nos cursos mais novos (com destaque para as equipes da Paraíba e de Sergipe), os grupos de professores são, em grande parte, formados em terapia ocupacional por IES que estão fora da região Nordeste. Considerando isso, as formações de mestrado e/ou doutorado desses docentes tendem a também ocorrerem fora do Nordeste, sobretudo no Sudeste, com destaque para o estado de São Paulo. Por outro lado, o estado de Pernambuco apresentou um relevante número de docentes graduados em Pernambuco e que fizeram mestrado e doutorado no próprio estado.

É interessante perceber que esse resultado apresenta paridade com o que foi construído historicamente em termos de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional. Novamente, percebe-se a construção histórica pioneira de Recife e de São Paulo, como discutem Reis & Lopes (2018)Reis, S. C. C. A. G., & Lopes, R. E. (2018). O início da trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: o que contam os(as) docentes pioneiros(as) sobre a criação dos primeiros cursos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(2), 255-270. quando tratam da origem dos primeiros cursos de terapia ocupacional brasileiros. Esses dois locais, onde atualmente estão localizados cursos de terapia ocupacional em IES públicas, são centros metropolitanos fortes para seus estados e suas regiões e apresentam campus universitários que detêm amplas oportunidades em termos de educação continuada. Compreende-se que isso pode ter causado a endogenia da formação dos docentes nessas localidades brasileiras, o que também pode ter sido um movimento necessário à sobrevivência, avanço e consolidação dos cursos e da profissão.

Além disso, um estudo de Sousa et al. (2022)Sousa, F. C. A., Luz, J. S. N., Costa, L. L. S., Sousa Neto, F. A., Nascimento, T. H. M., Silva, W. A. S., Barreiros, M. H. M., Silva, A. K. S., Silva, L. H. C., Silva, S. M., & Silva, W. C. (2022). Perfil de pesquisadores científicos das regiões nordeste e sudeste do Brasil. Research, Social Development, 11(3), 1-7., que analisou o perfil científico de pesquisadores das regiões Nordeste e Sudeste do Brasil, apontou que o Sudeste possuía maior quantidade de mestres e de doutores. Do mesmo modo, resultados da pesquisa de Santos et al. (2012)Santos, A., Bastos, L. L. A. G., Aleixo, A. A., Paulo, T. R. S., & Mendes, E. L. (2012). Distribuição, evolução e produção científica dos grupos de pesquisa em atividade física e saúde do Brasil. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, 17(4), 258-262. indicaram que o Sudeste e o Sul do país têm produções científicas que são discrepantes das outras regiões. Os autores mencionaram a desigualdade de políticas de incentivo à formação de mestres e doutores no Brasil, especificamente em relação ao financiamento de pesquisas, indicando a importância da elaboração de estratégias que possam suprir as disparidades regionais.

Apesar de ter sido aqui realizada uma análise curricular e acadêmica dos docentes, não se pode deixar de mencionar que muitas das disparidades entre as regiões Nordeste e Sudeste e, até mesmo, a região Sul do país têm raízes históricas. Explicita-se que tais disparidades históricas se entrelaçam com a escravização e exploração do povo nordestino e a apropriação devastadora do seu território por colonizadores europeus. O período dito como “pós escravidão” e a industrialização imatura gerou aglomerados de comunidades em situação de pobreza na região. Essas questões culminaram em um não acesso ou a um acesso desigual a diversas questões, inclusive a que estamos tratando neste artigo: educação e tecnologia (Bernardes, 2007Bernardes, D. M. (2007). Notas sobre a formação social do Nordeste. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, (71), 41-79.).

A constituição federal brasileira descreve sobre a obrigação do Estado de cuidar das desigualdades regionais do país. Porém, ainda não é possível afirmar que as disparidades regionais caminham para a superação. Ainda assim, o Nordeste vem sendo um lugar de resistência e de fortalecimento, apresentando expansão da rede de universidades nos últimos anos, como demonstram os dados aqui expostos.

O aumento quantitativo de cursos e de vagas de terapia ocupacional na região, e o aumento de mestres e doutores também fazem parte de um movimento propiciado pelo Governo Federal, por meio de programas com objetivo de reparar as desigualdades regionais. O Reuni, em 2007, teve o objetivo de ampliar vagas e criar instituições no Ensino Superior, sendo as regiões Norte e Nordeste beneficiadas pelo programa (incluindo os cursos de terapia ocupacional da Paraíba e de Sergipe, por exemplo).

Citando a importância do Estado na diminuição das desigualdades regionais, os Programas de Mestrado Interdisciplinar e Doutorado Interdisciplinar (MINTER/DINTER) também se constituem como avanços que são frutos de preocupações governamentais. Esses programas têm o objetivo de oferecer formações acadêmicas para o Nordeste, Norte e Centro-Oeste por meio de instituições que, em grande parte, estão localizadas nos estados do Sudeste e do Sul, os quais têm Programas de Pós-Graduação mais antigos e consolidados.

Várias Instituições de Ensino Superior nordestinas, incluindo as dos cursos aqui analisados, beneficiaram-se das ampliações de vagas e campus via Reuni e das formações provenientes de universidades do Sudeste via MINTER/DINTER (Brasil, 2017Brasil. (2017). Dinter novas fronteiras. Recuperado em 22 de outubro de 2023, de https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/bolsas/bolsas-no-pais/programasencerradosnopais/dinter-novas-fronteiras
https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-...
). De acordo com Fazzio (2017)Fazzio, A. (2017). Uma breve análise do financiamento da pesquisa no Brasil. PesquisABC, (19). Recuperado em 22 de outubro de 2023, de https://www.ufabc.edu.br/artigos/uma-breve-analise-do-financiamento-da-pesquisa-no-brasil#
https://www.ufabc.edu.br/artigos/uma-bre...
, no projeto de lei que criou os fundos setoriais em 1998 – com o objetivo de diminuir as desigualdades regionais e descentralizar recursos que eram em grande parte aplicados no sudeste –, há uma cláusula específica que estabelece a obrigatoriedade de que um percentual mínimo de 30% das receitas deve ser aplicado nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste.

Diante disso, entende-se que, apesar da existência de incentivos para tecnologia e pesquisa no Nordeste, como os já citados, a região é historicamente marcada por desigualdades em termos de financiamento nessa área. Assim, coloca-se como necessário continuar o tensionamento aos líderes estatais, pensando em estratégias voltadas ao estabelecimento de paridades proporcionais de investimento e de aumento de oportunidades.

Assim, as buscas dos docentes que se formaram em terapia ocupacional no Nordeste por vagas em Pós-Graduações no Sudeste podem representar um movimento de deslocamento que busca maiores oportunidades, políticas, programas e financiamentos voltados à pesquisa. Já o fato de que terapeutas ocupacionais formados em outras regiões do país vêm ingressando como docentes em cursos nordestinos pode ser também o reflexo de uma ampliação do campo educacional e científico do Nordeste.

Por meio da análise realizada, constatou-se que a formação em nível de pós-graduação dos docentes abordados neste estudo se realizou, predominantemente, em programas inseridos na Grande Área da Saúde. Este dado foi preenchido pelos docentes e é indicado nos currículos analisados e indexados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

Explicita-se que os cursos de graduação em terapia ocupacional no Brasil têm se institucionalizado em centros e faculdades voltados à formação profissional na área da saúde (Reis & Lopes, 2018Reis, S. C. C. A. G., & Lopes, R. E. (2018). O início da trajetória de institucionalização acadêmica da terapia ocupacional no Brasil: o que contam os(as) docentes pioneiros(as) sobre a criação dos primeiros cursos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 26(2), 255-270.). No CNPq, os pesquisadores de terapia ocupacional são participantes da área de Ciências da Saúde, de acordo com a Tabela das Áreas de Conhecimento desse organismo. Percebe-se também que 25% dos docentes realizaram suas formações nas Ciências Humanas, sendo esta a segunda área mais expressiva entre os professores analisados.

Para além da história hegemônica da profissão, ressalta-se que foram registradas, em 1880, práticas que colocavam as problemáticas causadas por uma organização social capitalista, e que tinham um enfoque político e crítico já naquela época (Monzeli, 2021Monzeli, G. A. (2021). Antecedentes à criação dos programas de Formação em Terapia Ocupacional na América Latina. In G. A. Monzeli (Ed.), Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a criação dos primeiros programas de formação profissional (pp. 69-108). João Pessoa. Editora UFPB.). Especificamente no Brasil, terapeutas ocupacionais da década de 1970 “[…] compreenderam a dimensão político-social de sua prática e buscaram participar em projetos de ações sociais e em instituições até então distantes de seus interesses” (Barros et al., 2002, pBarros, D. D., Ghirardi, M. I. G., & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.. 97), sobretudo influenciadas por problemas sociais e impostos pela ditadura que o país vivia.

Deste modo, a história auxilia a explicar o interesse de terapeutas ocupacionais do presente estudo por pós-graduações vinculadas às Ciências Humanas, uma vez que as respostas a muitos questionamentos podem ter sido provenientes de discussões que ocorriam na Assistência Social, Sociologia, Psicologia e até mesmo na área da Educação. Além disso, no Brasil, existem resoluções, políticas e programas que permitiram e permitem até hoje a inserção de terapeutas ocupacionais em dispositivos/equipamentos de diferentes setores brasileiros, a exemplo dos equipamentos de educação, assistência social e previdência social.

As outras áreas apresentadas na Figura 4 demonstram a multiplicidade das formações dos docentes dos cursos do Nordeste. Esse dado também representa a concretude do que é a formação e a prática da terapia ocupacional na atualidade já que, no Brasil, a profissão se relaciona e interage com diferentes áreas, setores e profissões. Acredita-se que essa diversidade é benéfica tanto para os sujeitos atendidos pela profissão quanto para o exercício da interdisciplinaridade durante a formação dos docentes, já que pode ampliar e fortalecer parcerias científicas provenientes de diferentes áreas do conhecimento, regiões do país e até mesmo de diferentes países.

Há também de se refletir sobre o impacto dessas questões na formação graduada, enfatizando a importância do discente nesse processo. Assim, considera-se que a diversidade da formação docente pode ter capacitado egressos para realizarem o processo de atenção/cuidado aos cotidianos/ocupações dos sujeitos com base em conhecimentos teórico-práticos provenientes dos diferentes campos e núcleos da profissão.

Contudo, Avelar & Malfitano (2022)Avelar, M. R., & Malfitano, A. P. S. (2022). Terapia ocupacional e redes intersetoriais: conceitos e experiências em debate. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 30, 1-18. tensionam essa questão, mencionando que se trata de uma relação dialética. As autoras discutem que, por um lado, a diversidade na formação pode auxiliar a expansão da categoria em termos de vagas de trabalho nos diferentes serviços, mas, por outro lado, que tal multiplicidade pode também ser um dos fatores responsáveis por um desconhecimento tanto acadêmico quanto social da profissão. De acordo com as autoras citadas, isso poderia estar ocasionando uma confusão sobre o papel exercido por profissionais terapeutas ocupacionais nos locais de prática.

Ao considerar essa realidade, acredita-se que a busca desses docentes por formação em áreas afins pode ter inúmeras vantagens, como já exemplificado anteriormente. Entretanto, torna-se oportuno sinalizar que esse fato pode não fortalecer a terapia ocupacional profissionalmente ou cientificamente, já que os resultados aqui apresentados demonstraram que a formação em programas de terapia ocupacional ainda permanece bem inferior quando comparada às demais áreas de formação pós-graduada.

Ainda que recentemente tenha acontecido uma grande conquista para a terapia ocupacional, a partir da criação de dois novos mestrados no Sudeste em 2019 (o Mestrado Profissional em terapia ocupacional e Processos de Inclusão Social da Universidade de São Paulo – USP e o Mestrado Acadêmico em Estudos da Ocupação na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG), aponta-se que ainda não há pós-graduação stricto sensu implementada na região Nordeste (Petten et al., 2019Petten, A. M. V. N. V., de Faria-Fortini, I., & Magalhães, L. C. (2019). Um novo mestrado em terapia ocupacional: perspectivas e desafios. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(2), 231-232.).

A criação de pós-graduação stricto sensu em terapia ocupacional pode contribuir para o desenvolvimento e valorização científica da profissão. Por meio do investimento na abertura de cursos desta natureza, também é possível fomentar e promover o processo de formação de docentes com vistas a atender às necessidades dos cursos de graduação em terapia ocupacional, obter financiamentos importantes e responder às necessidades de formação locais.

Diante da inserção dos terapeutas ocupacionais em programas de pós-graduação em áreas afins, as publicações sobre/para a terapia ocupacional e as publicações em periódicos específicos de terapia ocupacional podem ser comprometidas. Isto se dá porque os produtos provenientes das dissertações e teses nesses programas acabam sendo também publicações sobre e em periódicos das áreas afins, inclusive, porque é uma exigência estabelecida nos regulamentos internos em muitos desses programas de pós-graduação.

As publicações em periódicos interdisciplinares podem ampliar o reconhecimento e valorização da terapia ocupacional. Porém, é uma questão que deve ser debatida, pois as publicações em periódicos específicos da profissão tendem a fortalecer e legitimar a terapia ocupacional como campo de conhecimento científico, tal como descrito por Folha et al. (2019)Folha, O. A. A. C., Folha, D. R. S. C., da Cruz, D. M. C., Della Barba, P. C. S., & Emmel, M. L. G. (2019). Caracterização de publicações científicas sobre terapia ocupacional em periódicos não específicos da profissão no período de 2004 a 2015. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(3), 650-662..

Pode-se mencionar desafios e problemáticas relacionadas à área de conhecimento da CAPES em que é inserida a terapia ocupacional. Considerando a inserção na Grande Área das Ciências da Saúde e na Área do Conhecimento da Educação Física, os periódicos específicos de terapia ocupacional não são favorecidos. Esta área inclui os cursos de educação física, fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional, e é comumente designada como Área 21 da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. O desfavorecimento dos periódicos pode ser explicado uma vez que revistas científicas e pesquisadores se colocam diante de um sistema de classificação/avaliação a partir da área da Saúde, o que pode invisibilizar a investigação do campo de conhecimento da terapia ocupacional em interface com as Ciências Humanas e Sociais.

Este sistema considera, como um dos critérios, o fator de impacto do periódico. Dentre outras coisas, é analisado o número de citações dos artigos, a periodicidade das publicações e a área de inserção (Carvalho et al., 2020Carvalho, M. V., Guimarães, J. B., Bicalho, C. C. F., da Silva, T. C. D., de Brito, A. H. D. P., Machado, F. S. M., & Coimbra, C. C. (2020). A escolha do periódico científico sob a perspectiva financeira: análise do estrato A1 na área 21. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 42, 1-24.). Por isso, acredita-se na necessidade de uma representação permanente de pesquisadores(as) da terapia ocupacional em comitês consultores desta área. Isso é necessário para que exista o delineamento de especificidades científicas por meio da contribuição nesses espaços de discussão e, consequentemente, a elaboração de estratégias para minimizar desafios e problemáticas já mencionados.

Conclusão

As instituições de ensino superior públicas do Nordeste possuem um corpo docente diversificado em termos de áreas de formação pós-graduada, assim como no que se refere aos locais do país onde estas formações foram realizadas. Acompanhando a proposta de criação dos novos cursos de graduação do Nordeste, os docentes dessas IES apresentaram um tempo menor entre o ingresso na instituição e o tempo de aquisição do título de doutorado, e realizaram formação em programas de pós-graduação, especialmente de doutorado, na região Sudeste.

Apenas uma pequena porcentagem de docentes realizou formação em áreas distintas da saúde. Ademais, pode-se mencionar que ainda é baixo o número de docentes que atuam nessa região e que realizaram formação de mestrado ou doutorado em programa específico de terapia ocupacional. Esse dado demonstra que é necessário se atentar para a baixa quantidade desses programas e para a ausência de programas específicos no Nordeste.

Como limitação do estudo, ressalta-se o fato de que os sites das IES nem sempre estão atualizados e os currículos da Plataforma Lattes são atualizados pelos próprios pesquisadores/ professores. A desatualização dos currículos ou a inserção de informações que por algum motivo estavam equivocadas pode ter acarretado um viés de informação. Esse limite demonstra a importância de que docentes e pesquisadores brasileiros confiram sempre sobre a atualidade das suas informações e mantenham esses dados públicos organizados nos sites oficiais.

Futuras pesquisas podem ser realizadas com a finalidade de acompanhar o desenvolvimento dos cursos de graduação da região Nordeste e a inserção e a participação dos docentes nesse processo. A discussão sobre a precarização do trabalho docente no Brasil também é algo que deve ser investigado e que pode complementar os resultados deste artigo por meio de estudos futuros.

Com relação ao questionamento “de onde somos e onde estamos”, os resultados da pesquisa demonstraram que, nas IES dos estados de Alagoas e de Pernambuco, grande parte dos professores são egressos da própria região e buscaram formação em programas alagoanos e pernambucanos. Em todas as outras instituições analisadas, com destaque para os dados dos estados da Paraíba e de Sergipe (instituições mais recentes e frutos do programa REUNI), os docentes se deslocaram principalmente da região Sudeste e fizeram boa parte de sua formação pós-graduada também em estados sudestinos.

Considera-se urgente continuar refletindo “de onde somos e onde estamos”, compreendendo que nós “somos” a nossa história, mas “estamos” em um processo árduo de construção. Investimentos em políticas de incentivo e em programas de pós-graduação no Nordeste podem contribuir para a formação profissional, a valorização da profissão e o reconhecimento do papel fundamental dos docentes na formação de novos profissionais da terapia ocupacional.

Discutir sobre ciência e trabalho docente no Brasil com base no Nordeste não é possível sem mencionar as desigualdades nacionais e as oportunidades negadas historicamente à região. Apesar disso, entendemos que é importante registrar essa situação para que se possa ter dados que solucionem desafios. Por fim, desejamos que os docentes de instituições nordestinas possam se fortalecer coletivamente, e que possam futuramente pautar, em seus estudos e práticas, possíveis especificidades nordestinas do trabalho docente e da atuação profissional na área de terapia ocupacional.

  • Como citar: Souza, M. B. C. A., & Duque, A. M. (2024). De onde somos e onde estamos? Formação acadêmica dos docentes de terapia ocupacional de universidades públicas do nordeste do Brasil. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 32, e3666. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO282036661

Referências

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  • Barros, D. D., Ghirardi, M. I. G., & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.
  • Bernardes, D. M. (2007). Notas sobre a formação social do Nordeste. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, (71), 41-79.
  • Brasil. (1969, 13 de outubro). Decreto-lei nº 938, de 13 de outubro de 1969. Provê sobre as profissões de fisioterapeuta e terapeuta ocupacional, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 8658. Recuperado em 22 de outubro de 2023, de https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1960-1969/decreto-lei-938-13-outubro-1969-375357-publicacaooriginal-1-pe.html#:~:text=Art.,s%C3%A3o%20profissionais%20de%20n%C3%ADvel%20superior
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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Marta Carvalho de Almeida

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Out 2023
  • Revisado
    01 Nov 2023
  • Aceito
    10 Jan 2024
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