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Efeito do biofeedback na dor e no sono de paciente com disfunção temporomandibular. Relato de caso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A literatura tem demonstrado que as modalidades comportamentais e educacionais são opções efetivas no tratamento da dor crônica, inclusive da disfunção temporomandibular, e técnicas como o biofeedback vêm sendo utilizadas como terapia isolada ou em combinação para um controle efetivo da dor nesses indivíduos. Além disso, a gravidade dos sintomas tem correlação com fatores de relevância para o prognóstico, como a qualidade de vida, estados emocionais e qualidade do sono. O objetivo deste estudo foi avaliar o efeito da técnica do biofeedback audiovisual no controle da dor e na qualidade do sono em paciente com disfunção temporomandibular muscular.

RELATO DO CASO:

Paciente do sexo feminino, 34 anos, com disfunção temporomandibular. O critério diagnóstico DC/TMD (Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders) Eixo I foi aplicado, sendo a paciente classificada com mais de um subtipo de disfunção temporomandibular: mialgia local e dor miofascial com referência, além de cervicalgia como comorbidade.

CONCLUSÃO:

No caso clínico apresentado a terapia com biofeedback foi efetiva na redução da intensidade da dor e melhoria da qualidade do sono.

Descritores:
Biofeedback; Controle da dor; Disfunção temporomandibular; Sono

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Literature has shown that behavioral and educational modalities are effective options in the treatment of chronic pain, including temporomandibular disorder, and techniques such as biofeedback have been used for single therapy or in combination for effective pain control in these individuals. Furthermore, the severity of symptoms is related to relevant prognostic factors, such as quality of life, emotional states and sleep quality. The aim of the present study was to evaluate the effect of the biofeedback audiovisual technique on pain control and sleep quality in a patient with temporomandibular disorder.

CASE REPORT:

Female patient, 34 years old, with Temporomandibular Disorder. The DC/TMD (Diagnostic Criteria for Temporomandibular Disorders) Axis I, diagnostic was applied, and the patient was classified with more than one subtype of temporomandibular disorders: local myalgia and myofascial pain with reference, in addition to neck pain as a comorbidity.

CONCLUSION:

In this case, the biofeedback treatment was effective both in reducing pain intensity and improving sleep quality.

Keywords:
Biofeedback; Pain control; Seep; Temporomandibular disorder

INTRODUÇÃO

A Academia Americana de Dor Orofacial define Disfunção Temporomandibular (DTM) como um conjunto de distúrbios que envolvem os músculos da mastigação, a articulação temporomandibular (ATM) e estruturas associadas. Os sintomas mais frequentemente relatados são dores na face, cabeça, ATM e/ou músculos da mastigação. Outros sintomas relatados pelos pacientes são as manifestações otológicas como zumbido, plenitude auricular e vertigem11 De Leeuw R, Klasser GD. Orofacial Pain: Guidelines for assessment, diagnosis, and, and management. Quintessence: Chicago; 2008. 316p..

A origem multifatorial da DTM determina a maior importância de uma anamnese completa para uma possível identificação de fatores predisponentes, iniciadores e perpetuantes. Dentre os mais relevantes fatores associados à DTM está o microtrauma, provocado por sobrecargas contínuas ao "sistema da mastigação" por meio de desequilíbrios posturais ou hábitos parafuncionais como apertamento dentário, mordedura de lábios e posturas anormais da mandíbula11 De Leeuw R, Klasser GD. Orofacial Pain: Guidelines for assessment, diagnosis, and, and management. Quintessence: Chicago; 2008. 316p.

2 Chisnoiu AM, Picos AM, Popa S, Chisnoiu PD, Lascu L, Picos A, et al. Factors involved in the etiology of temporomandibular disorders-a literature review. Clujul Med. 2015;88(4):473.
-33 Rikmasari R, Yubiliana G, Maulina T. Risk factors of orofacial pain: a population-based study in West Java Province, Indonesia. Open Dent J. 2017;29(11):710-7.. A gravidade dos sintomas tem correlação com a qualidade de vida, estados emocionais e má qualidade do sono, tendo estas alterações influência no manejo clínico e terapêutica44 Lucena IM, Rodrigues LLFR, Teixeira ML, Pozza DH, Guimaraes AS. Prospective study of a group of pre-university students evaluating anxiety and depression relationships with temporomandibular disorders. J Clin Exper Dent. 2012;4(2):e102-e106.

5 Rener-Sitar K, John MT, Pusalavidyasagar SS, Bandyopadhyay D, Schiffman EL. Sleep quality in temporomandibular disorder cases. Sleep Med. 2016;25:105-12.

6 Natu VP, Yap AU, Su MH, Irfan Ali NM, Ansari A. Temporomandibular disorder symptoms and their association with quality of life, Emotional states and sleep quality in South-East Asian youths. J Oral Rehabil. 2018;45(10):756-63.
-77 Meira e Cruz M, Sousa B, De Laat A. Sleep and Orofacial Pain: Physiological Interactions and Clinical Management. In: Sleep Medicine in Clinical Neurology. IntechOpen; 2019.. O sono, em particular, tem sido apontado como um elemento cuja interação com a dor, complexa e multidimensional, é relevante, quer do ponto de vista fisiopatológico, quer do ponto de vista clínico88 Cruz MM, Manetta I. Sleep and pain: a circadian multi-challenge rather than a simple bidirectional pathway. BrJP. 2019;2(3):303-4.. Além disso, distúrbios do sono, como a insônia, são prevalentes em populações com dor orofacial (DOF) e disfunção temporomandibular99 Meira E Cruz M, Lukic N, Wojczynska A, Steiger B, Guimarães AS, Ettlin D. Insomnia in patients seeking care at an orofacial pain unit. Frontiers Neurol. 2019;10:542.. A literatura tem demonstrado que as modalidades comportamentais e educacionais são opções efetivas no controle das condições de dor crônica, inclusive a DTM, e que técnicas como biofeedback vem sendo utilizadas para terapia única ou em combinação para controle efetivo da dor nesses indivíduos1010 Siepmann M, Aykac V, Unterdörfer J, Petrowski K, Mueck-Weymann M. A pilot study on the effects of heart rate variability biofeedback in patients with depression and in healthy subjects. Appl Psychophysiol Biofeedback. 2008;33(4):195-201.

11 Crider A, Glaros AG, Gevirtz RN. Efficacy of biofeedback-based treatments for temporomandibular disorders. Appl Psychophysiol Biofeedback. 2005;30(4):333-45.
-1212 Lovato N, Miller CB, Gordon CJ, Grunstein RR, Lack L. The efficacy of biofeedback for the treatment of insomnia: a critical review. Sleep Med. 2019;56:192-200..

A técnica de biofeedback permite, por meio de instrumentos eletrônicos ou eletromecânicos, de forma analógica ou digital, sonora e/ou visual, captar sinais vitais ou biológicos que, ao serem processados, promovem um fenômeno de resposta autorregulada, por via da qual os pacientes aprendem a interceptar e corrigir processos fisiológicos tidos como involuntários. Esta técnica deve ser realizada por um profissional experiente e treinado com o emprego do biofeedback, fornecendo informações relevantes aos pacientes sobre suas funções corporais, com a intenção de promover mudanças em seu comportamento, resultando em prevenção ou diminuição de seus sintomas1313 Frank DL, Khorshid L, Kiffer JF, Moravec CS, McKee MG. Biofeedback in medicine: who, when, why and how? Ment Health Fam Med. 2010;7(2):85-91.

14 Silva J, Padovani R, Viana M. O Emprego do biofeedback como estratégia de manejo do estresse e da ansiedade em atletas: um ensaio clínico. Rev Bras Terap Comport Cog. 2016;18(3):17-29.
-1515 Matsuoka H, Chiba I, Sakano Y, Toyofuku A, Abiko Y. Cognitive behavioral therapy for psychosomatic problems in dental settings. Bio Psycho Social Med. 2017;11:18..

Estudos vem demonstrando a eficácia deste método, isolado ou em combinação com outras técnicas conservadoras, para controle dos hábitos parafuncionais orais e dor dos pacientes1111 Crider A, Glaros AG, Gevirtz RN. Efficacy of biofeedback-based treatments for temporomandibular disorders. Appl Psychophysiol Biofeedback. 2005;30(4):333-45.,1414 Silva J, Padovani R, Viana M. O Emprego do biofeedback como estratégia de manejo do estresse e da ansiedade em atletas: um ensaio clínico. Rev Bras Terap Comport Cog. 2016;18(3):17-29.,1616 Gatchel RJ, Stowell AW, Wildenstein L, Riggs R, Ellis E 3rd. Efficacy of an early intervention for patients with acute temporomandibular disorder-related pain A one-year outcome study. J Am Dent Assoc. 2006;137(3):339-47.

17 Criado L, de La Fuente A, Heredia M, Montero J, Albaladejo A, Criado JM. Electromyographic biofeedback training for reducing muscle pain and tension on masseter and temporal muscles: a pilot study. J Clin Exper Dent. 2016;8(5):e571-e576.

18 Randhawa K, Bohay R, Côté P, van der Velde G, Sutton D, Wong JJ, et al. The Effectiveness of Noninvasive Interventions for Temporomandibular Disorders: A Systematic Review by the Ontario Protocol for Traffic Injury Management (OPTIMa) Collaboration. Clin J Pain. 2016;32(3):260-78.
-1919 Gil-Martínez A, Paris-Alemany A, López-de-Uralde-Villanueva I, La Touche R Management of pain in patients with temporomandibular disorder (TMD): challenges and solutions. J Pain Res. 2018;16(11):571-87..

O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da técnica de biofeedback audiovisual sobre a intensidade de dor e qualidade do sono em paciente com DOF associada à DTM.

RELATO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 34 anos, técnica de enfermagem, procurou a clínica do mestrado em DTM e Dor Orofacial com queixa de dor na região parotídea massetérica do lado direito há pelo menos 5 anos. Iniciou alguns tratamentos, mas não conseguia reverter os hábitos parafuncionais presentes (apertar os dentes e morder os lábios). Foi classificada com mais de um subtipo de DTM muscular quando empregado o critério diagnóstico DC/TMD Eixo I: mialgia local e dor miofascial com referência, além de cervicalgia como comorbidade. Durante o exame de palpação muscular nos músculos da mastigação, foi reproduzida a dor familiar de intensidade 5, segundo a escala analógica visual (EAV).

Os trabalhos com uso de biofeedback na atividade dos músculos da mastigação utilizam o posicionamento dos eletrodos tanto no músculo temporal como no masseter1717 Criado L, de La Fuente A, Heredia M, Montero J, Albaladejo A, Criado JM. Electromyographic biofeedback training for reducing muscle pain and tension on masseter and temporal muscles: a pilot study. J Clin Exper Dent. 2016;8(5):e571-e576.,2020 Fujisawa M, Kanemura K, Tanabe N, Gohdo Y, Watanabe A, Iizuka T, et al. Determination of daytime clenching events in subjects with and without self-reported clenching. J Oral Rehabil. 2013;40(10):731-6.,2121 Sato M, Iizuka T, Watanabe A, Iwase N, Otsuka H, Terada N, et al. Electromyogram biofeedback training for daytime clenching and its effect on sleep bruxism. J Oral Rehabil. 2015;42(2):83-9.. O equipamento do presente caso foi projetado para uso na porção anterior do músculo temporal, unilateralmente. Para aplicação do protocolo de treinamento do equipamento, a pesquisadora clínica realizou uma certificação em biofeedback.

A terapia utilizada foi o biofeedback audiovisual. O equipamento foi acoplado em torno da cabeça da paciente por meio de uma faixa com velcro, onde os eletrodos de superfície e sensores foram posicionados em contato com a porção mais anterior do músculo temporal. Com a ação dessas fibras musculares nos movimentos mandibulares, os sinais ali gerados são transmitidos a um notebook por meio de sinais gráficos, permitindo que a paciente perceba como deva posicionar sua mandíbula para estabilizar o elemento gráfico (nave) abaixo do limiar interposto na tela do computador durante as sessões (Figura 1).

Figura 1
Elementos gráficos do software

Os treinos realizados tiveram como intuito conscientizar, por meio de autorregulação, quais ações a participante deve executar para manter a posição mais adequada da mandíbula e, com isso, evitar hábitos parafuncionais que são considerados risco para a dor em disfunção temporomandibular.

Os sinais de atividade elétrica gerados são, neste modelo, interpretados via bluetooth por um software específico para essa análise, composto pelos seguintes elementos gráficos: Nave, controlada pelos sinais captados pelos sensores; Intensidade do sinal de contração, que corresponde ao número que se apresenta na região inferior e central da tela; Limiar, linha horizontal inserida pelo profissional/pesquisador, cujo valor está no canto superior direito da tela. O objetivo desse treino é manter a nave abaixo deste limiar (Figura 1), significando a manutenção baixa da atividade elétrica do músculo temporal anterior.

A paciente foi solicitada a manter a nave abaixo do limiar interposto, sendo orientada a manter os dentes desencostados, com corretas posições de lábios e língua, além de posturas corretas de cabeça e pescoço (Figura 2). Foram realizadas cinco sessões, duas vezes por semana, em dias alternados, com a duração de 20 minutos cada. Para avaliar a dor foi utilizada a EAV de dor, sendo zero - nenhuma dor e 10 - pior dor possível. Para análise da qualidade do sono, foi utilizada a EAV de sono sendo zero - sono ruim e 10 - melhor sono possível. Estes instrumentos foram utilizados em todas as sessões. A aplicação da EAV do sono considerou uma adaptação de protocolo previamente publicado2222 Bergamasco EC, Cruz DALM. Adaptação das visual analog sleep scales para língua portuguesa. Rev Latino-Am Enfermagem 2007;15(5). com o objetivo de avaliar formalmente a qualidade subjetiva do sono. Adicionalmente, antes da primeira e após a última sessão foi aplicado o Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI), com a pretensão de consolidar a avaliação subjetiva da qualidade do sono medida pela EAV. Este instrumento tem um ponto de corte de 5, a partir do qual se considera uma qualidade de sono comprometida2323 Bertolazi AN, Fagondes SC, Hoff LS, Dartora EG, Miozzo IC, de Barba ME, et al. Validation of the Brazilian Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index. Sleep Med. 2011;12(1):70-5..

Figura 2
Treino com o equipamento

Após a coleta e análise dos dados foi observado que a pontuação da EAV da dor diminuiu de 5 (moderada) para 2 (leve) e a do sono aumentou de 4 (ruim) para 8 (bom). Com relação ao PSQI, a princípio apresentou uma qualidade do sono ruim (pontuação 7) e após a terapia o escore resultou em uma qualidade boa de sono (pontuação 3).

DISCUSSÃO

Vários estudos defendem que as terapias não invasivas constituem intervenções de eleição para pacientes de DTM, sendo o aconselhamento2424 de Barros Pascoal AL, de Freitas RFCP, da Silva LFG, Oliveira AGRC, Dos Santos Calderon P. Effectiveness of counseling on chronic pain management in patients with temporomandibular disorders. J Oral Facial Pain Headache. 2019;34(1):77-82.,2525 de Resende CMBM, de Oliveira Medeiros FGL, de Figueiredo Rêgo CR, Bispo ASL, Barbosa GAS, de Almeida EO. Short-term effectiveness of conservative therapies in pain, quality of life, and sleep in patients with temporomandibular disorders: a randomized clinical trial. Cranio. 2019;1-9. [Epub ahead of print]. e a técnica de biofeedback1717 Criado L, de La Fuente A, Heredia M, Montero J, Albaladejo A, Criado JM. Electromyographic biofeedback training for reducing muscle pain and tension on masseter and temporal muscles: a pilot study. J Clin Exper Dent. 2016;8(5):e571-e576.,2626 Florjanski W, Malysa A, Orzeszek S, Smardz J, Olchowy A, Paradowska-Stolarz A, et al. Evaluation of biofeedback usefulness in masticatory muscle activity management - a systematic review. J Clin Med. 2019;8(6). pii: E766. exemplos relevantes.

No que diz respeito às intervenções de biofeedback no contexto odontológico, a maioria das publicações baseiam-se na avaliação deste instrumento no manejo do bruxismo2121 Sato M, Iizuka T, Watanabe A, Iwase N, Otsuka H, Terada N, et al. Electromyogram biofeedback training for daytime clenching and its effect on sleep bruxism. J Oral Rehabil. 2015;42(2):83-9.,2727 Gu W, Yang J, Zhang F, Yin X, Wei X, Wang C. Efficacy of biofeedback therapy via a mini wireless device on sleep bruxism contrasted with occlusal splint: a pilot study. J Biomed Res. 2015;29(2):160-8.,2828 Jokubauskas L, Baltrušaitytė A. Efficacy of biofeedback therapy on sleep bruxism: a systematic review and meta‐analysis. J Oral Rehabil. 2018;45(6):485-95.. Alguns trabalhos analisaram sintomas de dor através da observação da sua redução em resposta à terapia com biofeedback, seja de forma isolada ou em associação1717 Criado L, de La Fuente A, Heredia M, Montero J, Albaladejo A, Criado JM. Electromyographic biofeedback training for reducing muscle pain and tension on masseter and temporal muscles: a pilot study. J Clin Exper Dent. 2016;8(5):e571-e576.,2929 Watanabe A, Kanemura K, Tanabe N, Fujisawa M. Effect of electromyogram biofeedback on daytime clenching behavior in subjects with masticatory muscle pain. J Prosthodont Res. 2011;55(2):75-81.,3030 Haggiag A, de Siqueira JTT. A new biofeedback approach for the control of masseter and temporal myalgia: utilization of an awake posterior interocclusal device. Cranio. 2020;38(3):180-6.. No caso apresentado, a paciente teve melhora da dor com aplicação da técnica isolada, o que vai ao encontro do que foi estabelecido em um estudo no qual a técnica foi aplicada com protocolo semelhante1717 Criado L, de La Fuente A, Heredia M, Montero J, Albaladejo A, Criado JM. Electromyographic biofeedback training for reducing muscle pain and tension on masseter and temporal muscles: a pilot study. J Clin Exper Dent. 2016;8(5):e571-e576.,2929 Watanabe A, Kanemura K, Tanabe N, Fujisawa M. Effect of electromyogram biofeedback on daytime clenching behavior in subjects with masticatory muscle pain. J Prosthodont Res. 2011;55(2):75-81..

A relação entre sono e dor tem sido alvo de diversas pesquisas e, apesar da complexa interação entre estas duas funções vitais, os resultados sugerem que, em pacientes com dor crônica, uma melhora na qualidade do sono influencia significativamente os resultados das intervenções sobre a dor77 Meira e Cruz M, Sousa B, De Laat A. Sleep and Orofacial Pain: Physiological Interactions and Clinical Management. In: Sleep Medicine in Clinical Neurology. IntechOpen; 2019.. Por outro lado, devido à contribuição que o sistema temporal circadiano, frequentemente conhecido por relógio biológico, assume na regulação de ambas as funções, os mecanismos de feedback integrando o sono, o sistema temporal circadiano e a dor constituem provavelmente modelos com relevância clínica e merecem estudos mais aprofundados88 Cruz MM, Manetta I. Sleep and pain: a circadian multi-challenge rather than a simple bidirectional pathway. BrJP. 2019;2(3):303-4.. Algumas publicações buscaram sistematicamente avaliar a qualidade do sono de pacientes com DTM/DOF55 Rener-Sitar K, John MT, Pusalavidyasagar SS, Bandyopadhyay D, Schiffman EL. Sleep quality in temporomandibular disorder cases. Sleep Med. 2016;25:105-12.,66 Natu VP, Yap AU, Su MH, Irfan Ali NM, Ansari A. Temporomandibular disorder symptoms and their association with quality of life, Emotional states and sleep quality in South-East Asian youths. J Oral Rehabil. 2018;45(10):756-63.,99 Meira E Cruz M, Lukic N, Wojczynska A, Steiger B, Guimarães AS, Ettlin D. Insomnia in patients seeking care at an orofacial pain unit. Frontiers Neurol. 2019;10:542.,2525 de Resende CMBM, de Oliveira Medeiros FGL, de Figueiredo Rêgo CR, Bispo ASL, Barbosa GAS, de Almeida EO. Short-term effectiveness of conservative therapies in pain, quality of life, and sleep in patients with temporomandibular disorders: a randomized clinical trial. Cranio. 2019;1-9. [Epub ahead of print].. Os instrumentos autorrelatados padronizados e validados, projetados para triagem de distúrbios do sono ou para a avaliação dos desfechos do tratamento nessa população, aumentaram as evidências com impacto significativo nas opções de tratamento3131 Sommer I, Lavigne G, Ettlin DA. Review of self-reported instruments that measure sleep dysfunction in patients suffering from temporomandibular disorders and/or orofacial pain. Sleep Med. 2014;16(1):27-38., permitindo também reforçar o crédito sobre a importância de abordar dor e sono em conjunto.

No caso clínico apresentado houve uma melhora do sono e dor após a terapia instituída, de acordo com os instrumentos de verificação utilizados (EAV e PSQI). Este aspecto adquire relevância, sobretudo pela observância da interação recíproca entre os dois fenômenos77 Meira e Cruz M, Sousa B, De Laat A. Sleep and Orofacial Pain: Physiological Interactions and Clinical Management. In: Sleep Medicine in Clinical Neurology. IntechOpen; 2019.,88 Cruz MM, Manetta I. Sleep and pain: a circadian multi-challenge rather than a simple bidirectional pathway. BrJP. 2019;2(3):303-4.. Apesar de diversos estudos terem abordado a relação entre dor orofacial e sono, poucos centraram a atenção na resposta da qualidade do sono após intervenção terapêutica na DTM. Um estudo comparativo recente2525 de Resende CMBM, de Oliveira Medeiros FGL, de Figueiredo Rêgo CR, Bispo ASL, Barbosa GAS, de Almeida EO. Short-term effectiveness of conservative therapies in pain, quality of life, and sleep in patients with temporomandibular disorders: a randomized clinical trial. Cranio. 2019;1-9. [Epub ahead of print]. utilizou a EAV para avaliação da dor e o PSQI para avaliação do sono, mostrando que os pacientes que participaram do aconselhamento obtiveram melhores escores em ambos, traduzindo-se em índices menores de dor e melhor qualidade do sono.

Sobre o uso particular da técnica de biofeedback e sua influência no sono, os resultados são reconhecidamente insuficientes, sendo enfatizada a necessidade de se realizar um maior número de ensaios clínicos randomizados e com maior qualidade metodológica, com o fim de melhor delinear a eficácia do biofeedback no tratamento da insônia1212 Lovato N, Miller CB, Gordon CJ, Grunstein RR, Lack L. The efficacy of biofeedback for the treatment of insomnia: a critical review. Sleep Med. 2019;56:192-200.. Apesar disso, um dos aspectos interessantes do presente caso foi o de que, em contraste com o que foi descrito noutros estudos3232 Kirchner LF, Buela-Casal G, Reis MJD. Terapia cognitivo-comportamental para dor e insônia em adultos: revisão de ensaios clínicos. Rev Bras Terap Comport Cognitiva. 2017;19(4):102-18., não foi influenciado por alteração nas rotinas de higiene do sono, que se mantiveram inalteradas, o que permite inferir que o efeito da técnica foi independente deste potencial viés.

Apesar das limitações inerentes a um estudo de caso, no que respeita à inferência sobre o potencial terapêutico assumido, foi interessante notar o impacto da técnica de biofeedback numa paciente em que o sono e a dor interagiam, potenciando-se e comprometendo a saúde e a qualidade de vida. A eficácia do tratamento abrangeu, neste caso particular, duas dimensões com inequívoco valor para uma clínica que frequentemente se sobrepõe com queixas de dor e de sono, diminuindo as expectativas de sucesso. É, no entanto, inquestionável a vantagem de mais estudos populacionais e clínicos de qualidade que possam levar em conta fatores genéticos e ambientais coexistentes e passiveis de modificar o efeito da técnica, a curto, médio e a longo prazo, sobre a dor, o sono e a interação de ambas as funções.

CONCLUSÃO

Apesar da literatura controversa a respeito da aplicação da técnica de biofeedback na abordagem do paciente com dor e disfunção, no presente caso a técnica se mostrou eficaz na dor de origem orofacial associada à DTM. A concomitante melhoria na qualidade do sono permite antecipar a probabilidade de um prognóstico favorável e reforçar o crédito na relevância clínica da abordagem multidimensional da dor, atendendo nomeadamente à sua interação com o sono inadequado.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2020
  • Aceito
    28 Maio 2020
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