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Impacto de estratégias educativas nos indicadores de qualidade do controle de dor em um hospital de alta complexidade

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O manejo da dor pela equipe multidisciplinar continua como um desafio na saúde. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto de estratégias educacionais para efetivação da dor como 5º sinal vital e seu gerenciamento em um hospital de alta complexidade.

MÉTODOS:

Estudo não controlado de intervenção por meio de análise de três diferentes estratégias educativas sequenciais: Semana de treinamentos sobre Dor (SD), visitas educacionais pelo enfermeiro da dor para orientar os profissionais em relação à dor e treinamento eletrônico virtual de revisão. A análise do impacto das estratégias educativas foi realizada por meio de indicadores em relação à dor como 5º sinal vital e tratamento adequado da dor.

RESULTADOS:

Na avaliação da dor como 5° sinal vital, a auditoria prévia à SD mostrou mediana de conformidade de 46,4% na unidade de internação, de 53,1% na maternidade e de 16,7% no Pronto Socorro. Nas avaliações após a SD, a mediana de conformidade na unidade de internação foi de 78,4%, na maternidade de 79,62% e no pronto atendimento de 32,9% (p<0,05). Houve melhora no tratamento da dor em todos os setores após avaliações subsequentes aos treinamentos (p<0,05).

CONCLUSÃO:

A implantação de um programa de educação continuada se mostrou efetivo em promover melhora na assistência no cuidado ao paciente com dor e dos resultados dos indicadores assistenciais em relação ao protocolo de dor institucional.

Descritores:
Dor; Educação continuada; Gestão da qualidade; Sinais e sintomas

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Pain management by the multidisciplinary team remains a challenge in the health field. The aim of this study was to analyze the impact of educational strategies for the implementation of pain as the fifth vital sign and its management in a highly complex hospital.

METHODS:

An interventional non-controlled study analyzed three different sequential educational processes: Pain training week (PW), educational visits by the pain nurse to guide professionals in relation to pain management and e-learning. The impact of the educational strategy was assessed through pain as the 5th vital sign and adequate pain management.

RESULTS:

For pain as the 5th vital sign, the audit previous to PW showed a median of compliance of 46.4% at the inpatient unit, 53.1% at the maternity ward and 16.7% at the emergency room. In the evaluations after PW, the median of compliance at the inpatient unit was 78.4%, at the maternity ward 79.62% and at the emergency room 32.9% (p<0.05). There was an improvement in pain management in all hospital sectors after subsequent training (p<0.05).

CONCLUSION:

The implementation of a continuing education program has improved pain care assistance and increased compliance to the institutional pain protocol.

Keywords:
Education continuing; Pain; Quality management; Signs and symptoms

INTRODUÇÃO

Problemas relacionados à qualidade no cuidado de saúde e tratamento da dor incorrem na perda de oportunidade de se produzir melhores resultados quanto a lesões evitáveis e no aumento desnecessário dos custos. Ações que buscam desenvolver mudanças para enfrentar tais desafios na melhoria do manejo de dor nas instituições de saúde, por sua vez, ainda são pouco fomentadas e divulgadas como ferramentas validadas para melhoria de processos em saúde11 Dyson J, Lawton R, Jackson C, Cheater F. Development of a theory-based instrument to identify barriers and levers to best hand hygiene practice among healthcare practitioners. Implement Sci. 2013; 8:111..

Iniciativas para melhorar a qualidade do cuidado de saúde e da segurança do paciente terminam frequentemente gerando mudanças limitadas, pouco sustentáveis e de difícil replicação especialmente para contextos organizacionais diversos. As principais barreiras ao manejo efetivo da dor estão relacionadas aos profissionais de saúde, aos processos e sistema de saúde associados. A falha na definição de protocolos e processos nas instituições para tratar a dor, bem como a falta de conhecimento especializado técnico dos profissionais de saúde e abordagem multidisciplinar integrada impactam decisivamente na atenção adequada ao paciente com dor, mesmo em países desenvolvidos22 Davidoff F, Dixon-Woods M, Leviton L, Michie S. Demystifying theory and its use in improvement. BMJ Qual Saf. 2015;24(3):228-38.,33 Hadi MA, Alldred DP, Briggs M, Marczewski K, Closs SJ. Treated as a number, not treated as a person: a qualitative exploration of the perceived barriers to effective pain management of patients with chronic pain BMJ Open. 2017;7(6):e016454..

A melhoria da qualidade no manejo da dor caracteriza-se por mudanças que produzem, direta ou indiretamente, melhores resultados de saúde de maneira duradoura, englobando conceitos técnicos padronizados e favorecendo interação de processos e ações dentro de um contexto multidisciplinar44 Nasser SC, Nassif JG, Saad AH. Physicians' attitudes to clinical pain management and education: survey from a Middle Eastern Country. Pain Res Manag. 2016;2016:1358593.. O controle da dor e o alívio do sofrimento são responsabilidade e compromisso do profissional da área de saúde. Devido à falta de conhecimento a respeito de doses eficazes, do tempo de ação dos analgésicos, das técnicas analgésicas disponíveis somados aos receios quanto à depressão respiratória, dependência química e outros efeitos adversos, a dor não é tratada de maneira adequada e prioritária. A educação em saúde quanto à dor, como um processo orientado para a capacitação do indivíduo, é capaz de modificar condutas que promovam ações de cuidado comprometidas com o ser humano e seu bem-estar. O manejo da dor pela equipe multidisciplinar continua como um desafio na saúde e a avaliação do impacto de estratégias educativas é uma ferramenta para implantar melhora no protocolo de dor institucional de maneira efetiva e duradoura. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto de estratégias educativas na melhoria de processos para efetivação da dor como 5º sinal vital e tratamento da dor.

MÉTODOS

Estudo de intervenção não controlado do tipo antes e depois, realizado no período de maio de 2019 a abril de 2020 em um hospital terciário de alta complexidade na zona sul de São Paulo. Após identificação de fragilidades no controle institucional da dor no período de maio a agosto de 2019, foram implantadas três estratégias educativas sequenciais para implementação da dor como 5º sinal vital e melhoria no processo institucional do controle da dor.

A primeira estratégia educativa foi a realização da Semana da Dor (SD), caracterizada por uma semana de treinamento para os profissionais de saúde da instituição: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas, com enfoque teórico-prático realizado em agosto de 2019. Foram realizados 10 treinamentos/dia distribuídos em três turnos com 25 integrantes em cada. Cada treinamento de 75 minutos foi dividido em 5 estações práticas relacionadas à inclusão da dor como 5º sinal vital, análise da escada analgésica no tratamento da dor, escalas de mensuração da dor, registro adequado em prontuário do controle de dor e vídeo sobre tempos gerenciados no protocolo e cuidado centrado no paciente, compreendendo no total 1187 profissionais de saúde. Em todas as estações foram destacadas: rotina de avaliação da intensidade da dor para todos os pacientes usando uma escala numérica verbal (ENV); documentação da ocorrência de dor e de sua intensidade para todos os pacientes; documentação das intervenções planejadas para o tratamento e controle da dor, bem como o período determinado para a reavaliação.

A segunda estratégia para dar continuidade ao processo de melhoria na adesão ao protocolo de dor, após SD, foi estabelecer visitas diárias pelo enfermeiro da dor na unidade de internação, com o objetivo de avaliar pacientes que evoluíram com dor e orientar os profissionais em relação ao seu gerenciamento aferição da dor como 5º sinal vital, adequação da avaliação da dor e reavaliação da dor após a medicação. Semanalmente, cada equipe de enfermagem recebia ao menos uma visita do enfermeiro da dor com objetivo educacional. A visita semanal do enfermeiro em cada unidade de internação tinha duração aproximada de 3h, podendo ser repetida de acordo com a necessidade assistencial individualizada de cada setor. Tal estratégia educativa foi iniciada imediatamente após a realização da SD e perdurou durante todo o período de estudo.

A terceira estratégia adotada foi a criação de um treinamento eletrônico virtual de revisão, disponível em todos os computadores da instituição em janeiro de 2020, seguido de pós-teste na própria ferramenta, para avaliação de conhecimento pelos profissionais que realizaram o treinamento. Os temas abordados no treinamento de revisão foram os mesmos discutidos na semana da dor. Tal estratégia foi promovida quatro meses após a SD e incluiu os mesmos profissionais. O pós-teste foi constituído de 10 questões de múltipla escolha.

Durante o projeto do protocolo de dor institucional, todos os indicadores de resultados mensais eram expostos em painéis informativos na unidade de internação, mantendo as equipes a par da evolução do processo.

A análise do impacto da estratégia educacional foi realizada por meio de indicadores de processo pela instituição, com início de coleta em maio de 2019 e obtidos por meio de auditoria mensal de prontuários. Para o indicador de dor como 5º sinal vital, foi determinado que a avaliação deste parâmetro pela escala numérica verbal (ENV) deveria ser realizada junto a todas as avaliações dos demais sinais vitais, de acordo com a periodicidade de aferição em cada diferente setor do hospital. Para o cálculo deste indicador, considerou-se como numerador o número de pacientes com avaliação da dor como 5º sinal vital em todas as aferições de sinais vitais realizadas dividido pelo número de pacientes incluídos na amostra. Para o indicador do tratamento adequado da dor em pacientes que a apresentaram, o processo de avaliação incluiu características da dor registrada, a saber: tipo, local e intensidade, tempo para administrar medicação analgésica e tempo para reavaliação da dor após término da administração do analgésico conforme descrito no protocolo institucional. Todos esses quesitos foram avaliados para caracterização da conformidade (Figura 1). Para o cálculo deste indicador, considerou-se como numerador o número de pacientes com conformidade em todos os critérios citados dividido pelo número de pacientes incluídos na amostra. As auditorias de prontuários foram realizadas na unidade de internação, maternidade e pronto atendimento.

Figura 1
Instruções fornecidas durante treinamentos sobre gerenciamento das etapas do protocolo de dor: tempo para administração de medicação após avaliação da dor pela ENV e tempos para reavaliação da dor conforme a intensidade.

Para a execução da pesquisa foram considerados os parâmetros contidos na Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde que dispõe sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa institucional (Número do Parecer: 4.177.841; CAAE: 35498720.8.0000.0087).

Análise estatística

Para cálculo da amostra necessária para cada indicador, realizou-se um estudo piloto com 25 profissionais de saúde da unidade de internação, os quais receberam treinamento com os mesmos temas abordados na SD. A taxa de conformidade em relação à dor como 5º sinal vital/tratamento uma semana antes do treinamento foi de 40% e, uma semana depois, 63%. Considerando-se um poder do teste de 85% e nível alpha de 0,05, a amostra obtida foi de 84 pacientes/mês para cada indicador. Assim, o indicador de dor como 5º sinal vital foi obtido com amostra mensal de 84 prontuários divididos igualitariamente entre maternidade, unidade de internação e pronto atendimento. Para o indicador de tratamento da dor foi considerada a amostra de 84 oportunidades de tratativa de dor, levando em conta a avaliação, tempo para medicação e reavaliação para cada oportunidade em pacientes que apresentaram dor.

A medida de tendência central e dispersão para os indicadores mensais analisados na série histórica foi a mediana e percentis 25-75%, após análise de distribuição na curva de normalidade. As estratégias educativas foram comparadas por meio da mediana dos indicadores mensais de qualidade em dor pré e pós implantação. Utilizou-se análise de Variância de Kruskal-Wallis para comparações múltiplas entre os períodos de estudo delimitados pelas intervenções educativas realizadas, seguido do teste post-hoc de Dunn se valor de p<0,05. Intervalo de confiança de 95% e valor de p<0,05 foram adotados como critério de significância estatística. A análise estatística foi realizada usando-se o Statistical Package for Social Sciences 20.0 Mac (SPSS 20.0 Mac, SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA).

RESULTADOS

A avaliação da conformidade da dor como 5°sinal vital e tratamento da dor após a realização da SD apresentou uma ascensão positiva em todos os setores analisados (Figura 2). Na avaliação da dor como 5°sinal vital, a auditoria prévia à SD nos 4 meses que antecederam sua realização mostrou mediana de conformidade de 46,41% para unidade de internação, de 53,1% para maternidade e de 16,7% no pronto atendimento. Nas avaliações após a SD, a mediana de conformidade foi de 78,4% na unidade de internação, de 79,6% na maternidade, e de 32,9% no pronto atendimento, com diferença estatisticamente significativa em todos os setores após a SD.

Figura 2
Conformidade em relação à dor como 5º sinal vital e tratamento da dor

Na avaliação do tratamento da dor, incluindo avaliação da dor, tempos de medicação e reavaliação, a unidade de internação mostrou mediana de conformidade de 38% antes da SD e de 82% após (p<0,05). Na maternidade, a mediana de conformidade antes da SD foi de 49,4% e de 78,4% após (p<0,05). No pronto atendimento, a mediana de conformidade antes da SD foi de 42,04% e de 56,8% após (p<0,05). Comparando-se o período antes da SD e o período após treinamento eletrônico, houve diferença estatisticamente significativa. Contudo, comparando-se o período após SD e o período após treinamento eletrônico, não se observou diferença estatística nos percentuais de conformidade dos indicadores analisados (Tabela 1). As notas do pós-teste realizado ao fim do treinamento eletrônico mostraram na unidade de internação mediana (25-75%) 100 pontos (80-100), na maternidade 100 pontos (80-100) e no Pronto atendimento 80 pontos (65-100), com diferença estatisticamente significativa entre os setores (Pronto atendimento < internação/maternidade; p<0,05) (Figura 3).

Tabela 1
Conformidade dos indicadores sobre 5º sinal vital e tratamento da dor, por unidade analisada em cada período
Figura 3
Box-plot: Mediana (percentis 25-75%) das notas obtidas no teste de múltipla escolha após treinamento eletrônico

Análise de Variância: (p=0,001) - Unidade de internação (100 [80-100]) = Maternidade (100 [80-100]) > Pronto atendimento (80 [65-100]).


DISCUSSÃO

A Ciência da Melhora do Cuidado de Saúde ganhou projeção nos últimos anos, sendo descrita como área de estudos voltada para o desenvolvimento e avaliação de intervenções para a melhoria da qualidade do cuidado, objetivando explicar como estas ações são desenvolvidas e quais fatores se associam ao sucesso de implantação e produção de resultados esperados consolidados55 Dixon-Woods M, Leslie M, Tarrant C, Bion J. Explaining Matching Michigan: an ethnographic study of a patient safety program. Implement Sci. 2013;8:70.

6 Berwick DM. The science of improvement. JAMA. 2008;299(10):1182-4.
-77 The Health Foundation. Evidence scan: Improvement Science. London: The Health Foundation; 2011.. Este estudo mostrou que a implantação de um programa de educação continuada, com início durante a SD, seguimento na educação continuada nas áreas assistenciais e reforço periódico por meio de treinamento virtual, seguido de teste de conhecimento, se mostrou efetivo em promover melhoria na assistência no cuidado ao paciente com dor e melhoria dos resultados dos indicadores assistenciais em relação ao protocolo de dor institucional, seja considerando-se a inclusão da dor como 5º sinal vital ou a adequação do tratamento da dor.

Projetos de melhoria de qualidade que valorizam a concepção e implementação de mudanças incrementais e o aprendizado adquirido são fundamentais para consolidação de processos assistenciais, o que vai além do conhecimento técnico-científico. Tais projetos caracterizam-se por um âmbito mais amplo, sendo um processo dinâmico de ajustes até que o objetivo seja alcançado. Ao longo dos anos tem ocorrido uma mudança gradual na educação em saúde, de uma abordagem de aprendizagem passiva para uma abordagem mais ativa e interativa. Para fortalecer o ambiente de aquisição de conhecimento, os educadores precisam estar cientes dos diferentes estilos de aprendizado e, desta forma, adaptar estratégias e metodologias pedagógicas que aprimorem o processo de aprendizagem de cada indivíduo88 Barbosa FF. Estilos de Ensino e Aprendizagem. Rev Escola de Engenharia, UFRS. 1999; 85(1):1-7..

Esta pesquisa evidenciou que estratégias educativas combinadas com promoção de treinamentos interativos durante a SD, exposição de fluxos e cartazes em locais estratégicos, somados à discussão sobre dor durante a prática assistencial de maneira contínua pelo enfermeiro da dor, se mostraram efetivos em melhorar a adesão da equipe assistencial para aplicação do protocolo de dor em toda sua amplitude. O uso de exposições dialogadas interativas, como aquelas realizadas pelo enfermeiro da dor junto às equipes assistenciais nas unidades de internação, é uma dinâmica de ensino citada como estratégia promissora para desenvolvimento de competências dentro de um processo de educação continuada99 Souza MBB, Zem-Mascarenhas SH, Rocha ESB. Percepção dos alunos de graduação sobre a disciplina de administração aplicada à enfermagem. REME - Rev Min Enf. 2005;9(2):140-6.. Nesse tipo de abordagem, o foco principal é o diálogo entre facilitador e o profissional em treinamento. Além disso, a participação ativa do profissional de saúde é valorizada99 Souza MBB, Zem-Mascarenhas SH, Rocha ESB. Percepção dos alunos de graduação sobre a disciplina de administração aplicada à enfermagem. REME - Rev Min Enf. 2005;9(2):140-6..

As estratégias de aprendizagem ocupam um espaço significativo na psicologia cognitiva, especialmente na teoria do processamento da informação. Isso porque a teoria cognitiva mudou a concepção do processo de ensino-aprendizagem, ao deixar de considerar os alunos como sujeitos que passivamente memorizam o que é apresentado pelo instrutor, e ao compreender a aprendizagem como um processo ativo que ocorre dentro do aprendiz e que pode ser por ele influenciado1010 Allipradini PMZ, Schiavoni A, Mello DE, Sekitani JT. Estratégias de aprendizagem utilizadas por estudantes na educação a distância: implicações educacionais. Psicol Educ. 2014;38:5-16.. Com isso, o resultado do fortalecimento da cultura do manejo adequado da dor deixa de ser dependente apenas da informação transmitida e passa a ser também consequência de como o profissional de saúde processa essa informação e passa a incluir o conhecimento adquirido em prol da melhoria da assistência por ele prestada. Nesta linha de pensamento, a SD de maneira isolada talvez não tivesse tido o impacto esperado se estratégias de educação continuada não tivessem sido adotadas nas áreas assistenciais de maneira contínua pelo enfermeiro da dor, como foi realizado.

Independente do modelo de estratégia adotada, seja presencial ou virtual, pode-se inferir que treinamentos eletrônicos virtuais são eficazes e eficientes por agregar várias vantagens de flexibilidade e diminuição de tempo e custos que o treinamento presencial não pode alcançar em razão de suas limitações. Treinamentos virtuais (“e-learnings”) proporcionam ao profissional um estudo mais individualizado e adaptado ao seu ritmo, proporcionando flexibilidade temporal e transpondo barreiras geográficas, pois o profissional escolhe quando e onde realizar seu treinamento. O “e-learning” na área de saúde proporciona a otimização e flexibilização do tempo gasto em treinamentos e aponta para a importância do emprego de novas ferramentas no ensino em enfermagem, que se ajustam à dinâmica do aprendizado de cada um, sendo uma modalidade rápida e eficiente de capacitação e treinamento dos profissionais1111 Padalino Y, Peres HHC. E-learning: a comparative study for knowledge apprehension among nurses. Rev Lat Am Enfermagem. 2007;15(3):397-403.,1212 Rouleau G, Gagnon MP, Côté J, Payne-Gagnon J, Hudson E, Dubois CA, et al. Effects of E-learning in a continuing education context on nursing care: systematic review of systematic qualitative, quantitative, and mixed-studies reviews. J Med Internet Res. 2019;21(10):e15118..

O manejo da dor no serviço de emergência é complexo em virtude da sua subjetividade e continua sendo um desafio. A qualidade assistencial, segura e efetiva, evitará complicações secundárias ao prolongamento da duração da dor, assim como proporcionará ao paciente maior conforto no atendimento nesses locais. Apesar de a dor ser um dos principais motivos que levam à procura pelo pronto atendimento e da existência de escalas para avaliar a sua intensidade, poucos profissionais utilizam essas ferramentas durante a assistência1313 Song W, Eaton LH, Gordon DB, Hoyle C, Doorenbos AZ. Evaluation of evidence-based nursing pain management practice. Pain Manag Nurs. 2015;16(4):456-63..

Estudo que avaliou o conhecimento dos enfermeiros sobre dor evidenciou que 73,3% nunca participaram de um treinamento e que seu conhecimento acerca do manejo da dor era moderado1414 Alzghoul BI, Abdullah NA. Pain management practices by nurses: an application of the knowledge, attitude, and practices (KAP) model. Glob J Health Sci. 2015;8(6):154-60.. Isso mostra a importância de o profissional de enfermagem ter competências e habilidades para fazer a avaliação completa das queixas, sem desvalorizar a dor referida pelo paciente, que, muitas vezes, pode ser indicativa de gravidade do quadro1515 Silva JS, Cruz TA, Ribeiro CJ, Santos VS, Alves JA, Ribeiro MC. Pain in patients attended at risk classification of an emergency service. Rev Dor. 2016;17(1):34-8.. Todo paciente tem direito de expressar sua dor e receber tratamento para essa queixa, sendo que o enfermeiro e a equipe multiprofissional devem implementar estratégias eficazes para alívio da dor evitando efeitos deletérios decorrentes desse sintoma e propiciando aos pacientes assistência humanizada1515 Silva JS, Cruz TA, Ribeiro CJ, Santos VS, Alves JA, Ribeiro MC. Pain in patients attended at risk classification of an emergency service. Rev Dor. 2016;17(1):34-8.,1616 Viveiros WL, Okuno MFP, Campanharo CRV, Lopes MCBT, Oliveira GN, Batista REA. Pain in emergency units: correlation with risk classification categories. Rev Lat Am Enfermagem. 2018;26:e3070..

Estudo1717 Eshete MT, Baeumler PI, Siebeck M, Tesfaye M, Wonde D, Haileamlak A, et al. The views of patients, healthcare professionals and hospital officials on barriers to and facilitators of quality pain management in Ethiopian hospitals: a qualitative study. PLoS One. 2019;14(3):e0213644. mostrou que as fragilidades educacionais das equipes assistenciais são aspectos relevantes para a não adesão ao controle de dor efetivo no ambiente hospitalar. Outra questão observada em relação à atuação de profissionais de saúde no manejo da dor é a falta de empatia e acolhimento ao paciente com dor, o que impacta também em aspectos relacionados à percepção do paciente sobre o cuidado prestado. Logo, o tratamento da dor vai além de quesitos técnicos, devendo incluir também a sensibilização dos profissionais em relação à dor e suas consequências psicossociais. No presente estudo, observou-se resultados ascendentes em relação à melhoria do controle de dor, o que está relacionado aos treinamentos realizados, assimilação de conhecimentos pelos profissionais e fomento à discussão sobre dor de maneira contínua em todos os setores.

Estudo1818 Faccioli SC, Tacla MT, Rosseto EG, Collet N. The management of pediatric pain and the perception of the nursing team in light of the social communication model of pain. BrJP. 2020;3(1):37-41. mostrou que mesmo com a implantação da dor como 5º sinal vital, ainda são encontradas fragilidades nos registros de enfermagem relacionados à avaliação da dor, o que impacta na continuidade do cuidado, além de uma falha na padronização dos critérios para a elaboração das prescrições médicas. No presente estudo, a falha na adoção da avaliação sistemática da dor como sinal vital impactou nos resultados do tratamento da dor em todas as unidades hospitalares estudadas.

O controle da dor é um desafio global. Mesmo em países desenvolvidos, a dor ainda não é efetivamente considerada como 5º sinal vital, o que impacta no tratamento adequado1919 Hong X, Hui L, Jin L, Yunxia Z, Li L, Hong Z, et al. Pain prevalence and pain management in a Chinese hospital. Med Sci Monit. 2018;24:7809-19.. O presente estudo evidenciou o pronto atendimento como a unidade com maiores desafios no tratamento da dor, considerando-se a dinâmica do setor, demanda aumentada em horários específicos, variabilidade de pacientes e equipes, além de outros aspectos estruturais relacionados a processos internos.

Em relação ao fluxo de atendimento no pronto-atendimento, adota-se um modelo institucional no qual o caminho percorrido pelo paciente na unidade é sempre linear, sem retorno à sala de espera. Após passar pela avaliação médica, o paciente é encaminhado para a sala de medicação, para exames e/ou, se necessário, para um especialista. Ao final, outro médico faz a revisão das informações obtidas nas etapas anteriores para determinar a alta ou a internação. Dentro deste modelo, há agilidade no atendimento ao paciente, mas fica claro o desafio de engajar toda a equipe de maneira homogênea na atenção ao paciente com dor em todas as etapas do atendimento, garantindo uma reavaliação adequada. Além disso, o paciente passa por checagens realizadas por diversos profissionais, o que garante mais segurança e efetividade no processo, melhorando a experiência do paciente no cuidado com sua dor. Os resultados desta pesquisa mostraram que, agregando treinamento e conhecimento sobre dor com toda equipe assistencial, o modelo linear de atendimento mostra-se efetivo na composição de estratégias promissoras no manejo adequado da dor.

Uma questão relevante em relação ao desempenho no pronto atendimento em indicadores assistenciais analisados pode estar relacionada também ao pior desempenho nos testes após treinamento eletrônico, indicando que abordagens educacionais focadas e mais adaptadas ao perfil de um setor específico são essenciais para o entendimento do processo em setores hospitalares diferentes. Apesar do processo de manejo da dor ser único, ele apresenta peculiaridades que precisam ser diferenciadas e analisadas em cada setor, identificando fragilidades e promovendo treinamentos mais adaptados e com melhor alcance para aqueles profissionais específicos, desenvolvendo um processo educacional diferenciado.

Estudo mostrou que apesar de unidades de terapia intensiva apresentarem um processo de avaliação da dor de maneira adequada, incluindo adesão à dor como 5º sinal vital, fluxos assistenciais para tratamento da dor ainda são frágeis, com implantação não consolidada2020 Van Gulik L, Ahlers SJGM, Bruins P, Tibboel D, van Dijk Knibbe M. Adherence to all steps of a pain management protocol in intensive care patients after cardiac surgery is hard to achieve. Pain Res Manag. 2017;2017:7187232.. Considerando esse contexto, as estratégias a serem empregadas nas iniciativas educacionais devem favorecer relações solidárias e colaborativas, que implicam na inclusão, na aceitação e no respeito ao paciente com dor, potencializando a produção de novos significados sobre o cuidado à saúde, de modo orientado às necessidades do paciente durante a assistência e pautado na interação da equipe assistencial, garantindo que o modelo linear de atendimento seja otimizado e com resultados impactantes na linha de cuidado ao paciente com dor.

Em instituições que consideram a dor como 5º sinal vital, os profissionais de enfermagem estão sensibilizados com o alívio da dor, porém, apenas ofertar capacitação sobre os instrumentos de avaliação da dor, por mais importante que seja, não é suficiente para alcançar uma continuidade do cuidado e aliviar a dor do paciente hospitalizado1818 Faccioli SC, Tacla MT, Rosseto EG, Collet N. The management of pediatric pain and the perception of the nursing team in light of the social communication model of pain. BrJP. 2020;3(1):37-41.. Nestes estudos, a adoção de estratégias educativas contínuas e multimodais foram efetivas na melhoria de processos relacionados ao tratamento da dor.

Uma das limitações deste estudo foi não conseguir avaliar, de maneira independente, o efeito do treinamento virtual sem a influência das outras estratégias já implantadas e com boa efetividade na melhoria de processos. Contudo, pode-se inferir que as estratégias, do ponto de vista prático, sempre serão somatórias no processo de aprendizagem do profissional de saúde e fortalecimento da cultura relacionada ao melhor manejo da dor, podendo ser considerada uma ação única, separada por fases de implementação que proporcionem um resultado duradouro, relevante e efetivo, como aconteceu em relação ao tratamento da dor, comparando-se ao período pré-implantação das estratégias adotadas.

CONCLUSÃO

Estratégias educativas continuadas nas áreas assistenciais estudadas apresentaram um impacto positivo, relevante e duradouro na melhoria de processos relacionados à inclusão da dor como 5º sinal vital e no gerenciamento da dor, com melhoria relevante nos indicadores analisados e na qualidade da assistência aos pacientes.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2020
  • Aceito
    17 Ago 2020
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