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Migrânea e privação do sono: revisão integrativa

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Migrânea é um tipo de cefaleia primária e sua fisiopatologia permanece incompleta. A relação entre o sono e a migrânea é facilmente identificada pelos pacientes migranosos. O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre privação de sono e a migrânea.

CONTEÚDO:

Foi feita uma busca por artigos utilizando os termos: “migraine” e “sleep deprivation” nas bases de dados Pubmed, Biblioteca Virtual da Saúde (LILACS e IBECS) e Scielo. A primeira análise foi feita com base no título e no resumo. Nos casos em que o título e o resumo não foram esclarecedores, o artigo foi acessado na íntegra. Após a aplicação dos critérios de exclusão, restaram 49 artigos. Estes artigos foram analisados e organizados em duas tabelas: uma destinada aos artigos que tratavam o sono como um gatilho e a outra com artigos que exploravam a relação fisiopatológica entre sono e migrânea.

CONCLUSÃO:

É possível que a privação do sono provoque ou agrave as crises de migrânea devido a sua capacidade de causar estresse oxidativo no cérebro, que ativa receptores TRPA1 localizados nos neurônios trigeminais de 1a ordem. A ativação destes receptores inicia o processo de sensibilização do sistema trigeminal que culmina com a liberação antidrômica de peptídeo relacionado ao gene da calcitonina nos aferentes durais destes neurônios no gânglio trigeminal. A relação da insônia com a migrânea parece confluir para este mesmo processo fisiopatológico, já que a privação de sono imposta pela insônia seria capaz de gerar a crise migranosa através do aumento do estresse oxidativo.

Descritores:
Cefaleia; Privação do sono; Transtornos de migrânea

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Migraine is a type of primary headache, and its pathophysiology remains incomplete. The relationship between sleep and migraine is easily identified by migraine patients. The aim of this review was to investigate the relationship between sleep deprivation and migraine.

CONTENTS:

A search was made for articles using the terms: “migraine” and “sleep deprivation” in the Pubmed, Biblioteca Virtual da Saúde (Virtual Health Library - LILACS and IBECS) and Scielo databases. The first analysis was based on title and abstract. In cases where the title and abstract were not clear, the article was accessed in its entirety. After applying the exclusion criteria, 49 articles remained. These articles were analyzed and organized into two tables: one for articles that treated sleep as a trigger and the other for articles that explored the pathophysiological relationship between sleep and migraine.

CONCLUSION:

It is possible that sleep deprivation causes or worsens migraine crisis due to its ability to cause oxidative stress in the brain. This in turn activates TRPA1 receptors located on first-order trigeminal neurons. Activation of these receptors initiates the sensitization process of the trigeminal system that culminates with the antidromic release of calcitonin gene-related peptide in the dural afferents of these neurons in the trigeminal ganglion. The relationship between insomnia and migraine seems to converge with this same pathophysiological process, since sleep deprivation imposed by insomnia would be able to generate a migraine crisis through increased oxidative stress.

Keywords:
Headache; Migraine disorders; Sleep deprivation

INTRODUÇÃO

Migrânea é um tipo de cefaleia primária que se apresenta de forma episódica ou crônica. Os sintomas se manifestam tipicamente por 4 a 72h e podem ser incapacitantes. A dor geralmente é unilateral, pulsátil, piora com o esforço e é acompanhada de sintomas como náuseas e sensibilidade à luz, som ou odores. As auras ocorrem em cerca de 25% dos pacientes, habitualmente logo antes do início da cefaleia. O diagnóstico é essencialmente clínico e o tratamento é feito com triptanos, di-hidroergotamina, antieméticos e analgésicos. As medidas de prevenção incluem modificações no estilo de vida e fármacos.

A fisiopatologia da migrânea permanece obscura apesar de inúmeras teorias terem sido propostas. O raciocínio fisiopatológico se iniciou com a teoria vascular da migrânea proposta em 194011 Blau JN. Migraine: theories of pathogenesis. Lancet. 1992;339(8803):1202-7.. Na década de 1980, surgiu a teoria da inflamação neurogênica estéril, na qual existiria uma ativação de fibras nociceptivas que inervam os vasos da meninge. Essa hipótese foi amplamente desenvolvida e, atualmente, está estabelecida a participação da sensibilização periférica e central do complexo trigêmino-cervical na fisiopatologia da migrânea22 Blau JN. Migraine pathogenesis: the neural hypothesis reexamined. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1984;47(5):437-42..

Estudos recentes trouxeram novas perspectivas sobre a hereditariedade, as características anátomo-funcionais e os mecanismos farmacológicos dos fármacos usados até então. De especial relevância é o reconhecimento do papel dos neuropeptídeos, como o peptídeo relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), no surgimento de uma crise de migrânea33 Charles A. The pathophysiology of migraine: implications for clinical management. Lancet Neurology. 2018;17(2):174-82.. Independentemente de existirem evidências a favor de uma origem periférica na sensibilização dos aferentes trigeminais, outras evidências sugerem que a gênese da crise migranosa se encontra no sistema nervoso central e envolve uma disfunção dos neurônios do tronco encefálico e hipotálamo44 Ashina M. Migraine. N Engl J Med. 2020;383(19):1866-76..

Nessa perspectiva, Goadsby et al.55 Goadsby PJ, Holland PR, Martins-Oliveira M, Hoffmann J, Schankin C, Akerman S. Pathophysiology of migraine: a disorder of sensory processing. Physiol Rev. 2017;97(2):553-622. analisaram amplamente a hipótese da disfunção de neurônios hipotalâmicos e do tronco encefálico responsável por aspectos importantes da homeostasia corporal e do processamento sensorial. Neste estudo, a migrânea é uma desordem do processamento sensorial e o argumento mais evidente para esta afirmação é a constatação de que, para migranosos, estímulos sensoriais usuais são interpretados como exacerbados, usualmente considerados “gatilhos” na deflagração de uma crise migranosa. Essa observação concilia os fatores hereditários com a suscetibilidade ao ambiente e com a exposição a estímulos, característica dos migranosos. Logo, é evidente que itens essenciais à homeostasia, tipicamente regulados pela circuitaria hipotalâmica, como a fome e o sono, sejam também importantes gatilhos de migrânea.

A relação entre o sono e a migrânea é facilmente identificada pelos pacientes migranosos. Aliás, 5% dos indivíduos não migranosos também identificam que excesso de sono, ou sua falta, tem relação com o surgimento de cefaleia22 Blau JN. Migraine pathogenesis: the neural hypothesis reexamined. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1984;47(5):437-42.. Além disso, para muitos indivíduos, o sono é capaz de aliviar ou resolver uma crise de migrânea66 Sahota RK, Dexter JD. Sleep and headache syndromes: a clinical review. Headache. 1990;30(2):80-4.. Ademais, são observados padrões cronobiológicos para o início da dor. É comum os pacientes migranosos apresentarem um horário típico para sua crise, por exemplo, despertar nas primeiras horas do amanhecer devido à dor77 Rains JC. Optimizing circadian cycles and behavioral insomnia treatment in migraine. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(3):213-9..

Também se observa forte associação entre as desordens do sono e a migrânea88 Tran D P, Spierings EL. Headache and insomnia: their relation reviewed. Cranio. 2013;31(3):165-70.,99 Stark CD, Stark RJ. Sleep and chronic daily headache. Curr Pain Headache Rep. 2015;19(1):468.,1010 Vgontzas A, Pavlovic JM. Sleep disorders and migraine: review of literature and potential pathophysiology mechanisms. Headache. 2018;58(7):1030-9.,1111 Tiseo C, Vacca A, Felbush A, Filimonova T, Gai A, Glazyrina T, et al. Migraine and sleep disorders: a systematic review. J Headache Pain. 2020;21(1):126.. Tal associação é notada inclusive na população pediátrica1212 Pavkovic IM, Kothare S V. Migraine and sleep in children: a bidirectional relationship. Pediatr Neurol. 2020;109:20-7.. Dessa forma, é bastante coerente que o tratamento das desordens do sono, farmacológico ou por mudanças comportamentais, seja preconizado como tratamento de primeira linha das cefaleias primárias1313 Calhoun AH, Ford S. Behavioral sleep modification may revert transformed migraine to episodic migraine. Headache. 2007;47(8):1178-83.,1414 Rosenberg L, Butler N, Seng EK. Health behaviors in episodic migraine: why behavior change matters. Curr Pain Headache Rep. 2018;22(10):65.. A mudança comportamental dos hábitos de vida diária, entre eles o ritmo de sono e a vigília, apesar de difícil de ser implementada, parece ser uma estratégia bem-sucedida.

Considerando que insônia é a desordem do sono mais frequente na população e à luz da atual compreensão sobre a fisiopatologia da migrânea, é razoável o estabelecimento de uma relação bidirecional entre sono e cefaleia em que alterações no sono desencadeiam a cefaleia, e esta, por sua vez, afeta a qualidade e a quantidade sono1515 Lovati C, D’Amico D, Raimondi E, Mariani C, Bertora P. Sleep and headache: a bidirectional relationship. Expert Review of Neurotherapeutics. 2010;10(1):105-17.,1616 Lateef T, Swanson S, Cui L, Nelson K, Nakamura E, Merikangas K. Headaches and sleep problems among adults in the United States: Findings from the National Comorbidity Survey–Replication Study. Cephalalgia. 2010;31(6):648-53.. Se a própria regulação do sono pode estar comprometida em pacientes migranosos, então, é possível que a insônia, tão frequentemente relatada pelos migranosos, não seja a causa de uma crise de migrânea, mas sim, o pródromo de uma crise que se aproxima.

O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre privação do sono e migrânea, compreendendo que a insônia nos migranosos pode fazer parte do conjunto de alterações que precede uma crise de migrânea. Espera-se também que esta revisão identifique possíveis mecanismos fisiopatológicos através dos quais a privação do sono aumenta a intensidade e/ou a frequência das crises de migrânea.

CONTEÚDO

A busca por artigos foi realizada nas bases de dados Pubmed, Biblioteca Virtual da Saúde (LILACS e IBECS) e Scielo utilizando os termos: “migraine” e “sleep deprivation”. Não foi utilizado nenhum filtro. O recorte temporal foi a partir de 1980 e a busca resultou em 74 artigos. Foi realizada ainda uma seleção manual entre as referências bibliográficas dos artigos de revisão encontrados na busca inicial. A seleção manual, conforme descrita, resultou em mais 24 artigos, perfazendo um total de 98 artigos. Destes 98 artigos, 8 estavam duplicados e foram, portanto, excluídos.

Para os 90 artigos reunidos, foi feita uma seleção com base no título e no resumo através de consenso entre os autores. Nos casos em que o título e o resumo não foram esclarecedores, os artigos foram acessados na íntegra. Foram excluídos todos os artigos que envolviam exclusivamente população abaixo de 18 anos, artigos que tratavam de formas específicas de migrânea, como migrânea hemiplégica familiar, artigos que tratavam de estudos em animais, cartas ao editor ou artigos que fugiam à questão de interesse, o que acarretou a exclusão de 41 artigos (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma para a seleção dos artigos

Os 49 artigos restantes foram lidos na íntegra e esta análise mostrou que eles se dividiam em dois grupos: aproximadamente metade dos artigos abordava a questão de forma essencialmente epidemiológica, ou seja, argumentavam que a privação do sono é um gatilho frequente para a cefaleia e tinham por objetivo ordenar os diversos gatilhos em uma dada população; a outra metade dos artigos envolvia algum tipo de experimentação, ou seja, a privação do sono foi investigada através de exames complementares como a polissonografia (PSG) e possuíam como objetivo tentar responder perguntas sobre as características do sono dos migranosos e o impacto da privação do sono nestes indivíduos.

RESULTADOS

Assim sendo, o primeiro grupo de artigos foi reunido na tabela 1 e o segundo grupo de artigos na tabela 2.

Tabela 1
Relação dos artigos analisados quanto à presença do termo “sono” como gatilho para a migrânea
Tabela 2
Relação dos artigos analisados quanto à privação do sono e sua relação com a migrânea

DISCUSSÃO

Os estudos epidemiológicos desenvolvidos ao longo do período abordado nesta revisão (Tabela 1) permitem observar a elevada frequência da citação do sono como agente responsável pela migrânea. Diversos trabalhos se propõem a avaliar os principais fatores desencadeantes de uma crise de migrânea. Os migranosos possuem, em média, 4 gatilhos3939 Lisicki M, Romagnoli ER, Piedrabuena R, Giobellina R, Schoenen J, Magis D. Migraine triggers and habituation of visual evoked potentials. Cephalalgia. 2018;38(5):988-92., dentre os quais, os mais frequentemente citados são o estresse, o jejum prolongado, as mudanças climáticas, a fadiga, a menstruação e a privação de sono.

A privação do sono chega a ser citada como o gatilho mais prevalente3636 Iliopoulos P, Damigos D, Kerezoudi E, Limpitaki G, Xifaras M, Skiada D, et al. Trigger factors in primary headaches subtypes: a cross-sectional study from a tertiary center in Greece. BMC Res Notes. 2015;8:393. e, algumas vezes, como o segundo gatilho mais prevalente2020 Alders EE, Hentzen A, Tan CT. A community-based prevalence: study on headache in Malaysia. Headache. 1996;36(6):379-84.,2222 Bánk J, Márton S. Hungarian Migraine Epidemiology. Headache. 2000;40(2):164-9.. Contudo, é principalmente descrito entre a terceira e a quarta posição de prevalência1818 Robbins L. precipitating factors in migraine: a retrospective review of 494 patients. Headache. 1994;34(4):214-6.,3737 Park J W, Chu MK, Kim JM, Park SG, Cho SJ. Analysis of trigger factors in episodic migraineurs using a smartphone headache diary applications. PLoS One. 2016;11(2):e0149577.,3838 Peris F, Donoghue S, Torres F, Mian A, Wober C. Towards improved migraine management: Determining potential trigger factors in individual patients. Cephalalgia. 2017;37(5):452-63.,4040 Portela MC, Becerra DE, Zapata J P, Martínez JD, Rodriguez LM. Prevalencia de migraña y caracterización de una población estudiantil universitaria, Medellín, 2014. Med UPB. 2018;37(2):107-15.. É importante mencionar que tal relação é encontrada tanto na migrânea com aura quanto na sem aura3636 Iliopoulos P, Damigos D, Kerezoudi E, Limpitaki G, Xifaras M, Skiada D, et al. Trigger factors in primary headaches subtypes: a cross-sectional study from a tertiary center in Greece. BMC Res Notes. 2015;8:393., na crônica e na episódica3737 Park J W, Chu MK, Kim JM, Park SG, Cho SJ. Analysis of trigger factors in episodic migraineurs using a smartphone headache diary applications. PLoS One. 2016;11(2):e0149577..

A privação de sono é um fator desencadeante comum para a migrânea e a cefaleia do tipo tensional (CTT)3535 Wang J, Huanga Q, Li N, Tana G, Chenb L, Zhou J. Triggers of migraine and tension-type headache in China: a clinic-based survey. Eur J Neurol. 2013;20(4):689-96.,3636 Iliopoulos P, Damigos D, Kerezoudi E, Limpitaki G, Xifaras M, Skiada D, et al. Trigger factors in primary headaches subtypes: a cross-sectional study from a tertiary center in Greece. BMC Res Notes. 2015;8:393.,4141 Tai MS, Yet SXE, Lim TC, Pow YZ, Goh CB. Geographical differences in trigger factors of tension-type headaches and migraines. Curr Pain Headache Rep. 2019;23(2):12.. Entretanto, os indivíduos portadores desse tipo de cefaleia apresentam gatilhos com menor frequência do que os sujeitos migranosos, apesar de o sono também aparecer como um dos principais fatores3535 Wang J, Huanga Q, Li N, Tana G, Chenb L, Zhou J. Triggers of migraine and tension-type headache in China: a clinic-based survey. Eur J Neurol. 2013;20(4):689-96..

Por outro lado, o sono, além de poder precipitar uma crise, também pode ser um fator de alívio3030 Bokhari FA, Sami W, Shakoori TA, Ali SA, Qureshi GA. Clinical characteristics of 226 college-going female migraineurs in Lahore, Pakistan - putting ICHD-2 to the road test. Neuro Endocrinol Lett. 2008;29(6):965-70.,3434 Haque B, Rahman KM, Hoque A, Hasan AT, Chowdhury RN, Khan SU, et al. Precipitating and relieving factors of migraine versus tension type headache. BMC Neurol. 2012;12:82., sendo uma estratégia utilizada tanto por migranosos quanto por portadores de CTT. Dessa maneira, sugere-se papéis distintos do sono na fisiopatologia da migrânea.

A tabela 2 apresenta uma diversidade de abordagens sobre a relação privação do sono e migrânea. Alguns estudos tratam o termo “privação do sono” como uma condição involuntária ocasionada pela atividade laboral do indivíduo4646 Houle TT, Butschek RA, Turner DP, Smitherman TA, Rains JC. Stress and sleep duration predict headache severity in chronic headache sufferers. Pain. 2012;153(12):2432-40.,5656 Navarro-Pérez M P, Suller-Marti A, Bellosta-Diago E, Roche-Bueno JC, Santos-Lasaosa S. Impact of 24-hour on-call shifts on headache in medical residents: a cohort study. Headache. 2020;60(7):1427-31.. A maioria dos estudos, no entanto, utiliza o termo como efeito ou sinônimo de insônia77 Rains JC. Optimizing circadian cycles and behavioral insomnia treatment in migraine. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(3):213-9.,88 Tran D P, Spierings EL. Headache and insomnia: their relation reviewed. Cranio. 2013;31(3):165-70.,1313 Calhoun AH, Ford S. Behavioral sleep modification may revert transformed migraine to episodic migraine. Headache. 2007;47(8):1178-83.,1616 Lateef T, Swanson S, Cui L, Nelson K, Nakamura E, Merikangas K. Headaches and sleep problems among adults in the United States: Findings from the National Comorbidity Survey–Replication Study. Cephalalgia. 2010;31(6):648-53.,4545 Yeung WF, Chung KF, Won CY. Relationship between insomnia and headache in community-based middle-aged Hong Kong Chinese women. J Headache Pain. 2010;11(3):187-95.,5050 Walters AB, Hamer JD, Smitherman TA. Sleep disturbance and affective comorbidity among episodic migraineurs. Headache. 2014;54(1):116-24..

A insônia é definida como uma queixa de dificuldade de adormecer ou de permanecer dormindo e envolve, portanto, algum grau de subjetividade5757 Sateia MJ. International classification of sleep disorders-third edition: highlights and modifications. Chest. 2014;146(5):1387-94.. De modo geral, a subjetividade recai no aspecto de quantas horas de sono são necessárias para que um indivíduo perceba aquele período de sono como adequado.

Alguns estudos abordam a questão de forma quantitativa, ou seja, como horas de sono dormidas4343 Kelman L, Rains JC. Headache and sleep: examination of sleep patterns and complaints in a large clinical sample of migraineurs. Headache. 2005;45(7):904-10.,5454 Song TJ, Yun CH, Cho SJ, Kim WJ, Yang KI, Chu MK. Short sleep duration and poor sleep quality among migraineurs: A population-based study. Cephalalgia. 2018;38(5): 855-64.. O uso concomitante de diários de sono ou questionários que avaliam a qualidade do sono aumenta a qualidade destes estudos, facilitando a análise do que é privação de sono por atividade laboral e do que é insônia.

Uma forma de abordar a relação sono-migrânea é através da polissonografia (PSG) realizada em pacientes migranosos66 Sahota RK, Dexter JD. Sleep and headache syndromes: a clinical review. Headache. 1990;30(2):80-4.. Sahota e Dexter mostraram uma relação consistente entre a crise de migrânea matinal e um período de sono anterior, com aumento do volume de sono não-REM III e IV e, principalmente, de sono REM: esta associação entre cefaleia matinal em que, em geral, o paciente é acordado pela dor, é coerente com a arquitetura fisiológica do sono em que já se observa um aumento da quantidade de sono REM ao final de uma noite de sono. Estas mudanças no padrão de sono de migranosos, principalmente nas duas noites anteriores a uma crise de migrânea, sugerem uma disfunção nas estruturas neuronais envolvidas na regulação do sono, tornando o hipotálamo e o tronco encefálico possíveis causadores da crise1515 Lovati C, D’Amico D, Raimondi E, Mariani C, Bertora P. Sleep and headache: a bidirectional relationship. Expert Review of Neurotherapeutics. 2010;10(1):105-17..

Mais tarde, outro estudo observou que o aumento nos períodos de sono REM e nos períodos III e IV do sono não-REM equivale ao rebote de sono encontrado em indivíduos saudáveis quando privados de sono5858 Rechtschaffen A, Bergmann BM. Sleep rebounds and their implications for sleep stage substrates: a response to benington and heller. Sleep. 1999;22(8):1038-43.. Além disso, estes pesquisadores identificaram dois grupos de migranosos: aqueles que são acordados pela dor, chamados de “sleep migraineurs” (SM) e aqueles que apresentam cefaleia a qualquer hora do dia, chamados de “non sleep migraineurs” (NSM). Apenas os migranosos NSM apresentam sinais de privação do sono na PSG. Autores também estudaram pacientes com CTT e observaram que estes pacientes se assemelham aos migranosos NSM e diferem dos controles e dos migranosos SM, apesar de dormirem a mesma quantidade de horas. Estas evidências de privação do sono nos grupos NSM e CTT sugerem que estes indivíduos precisam de mais horas de sono para não apresentarem sonolência diurna e, consequentemente, não apresentarem sinais de privação de sono à PSG4747 Engstrom M, Hagen K, Bjork M, Gravdahl GB, Sand T. Sleep-related and non-sleep-related migraine: interictal sleep quality, arousals and pain thresholds. J Headache Pain. 2013;14(1):68.,4848 Engstrom M, Hagen K, Bjork MH, Stovner LJ, Gravdahl GB, Stjern M. Sleep quality, arousal and pain thresholds in migraineurs: a blinded controlled polysomnographic study. J Headache Pain. 2013;14(1):12.,4949 Engstrom M, Hagen K, Bjork MH, Stovner LJ, Sand T. Sleep quality and arousal in migraine and tension-type headache: the headache-sleep study. Acta Neurol Scand. 2014;129(198):47-54..

Nessa mesma perspectiva, Kim et al.5353 Kim J, Cho SJ, Kim WJ, Yang KI, Yun CH, Chu MK. Insufficient sleep is prevalent among migraineurs: a population-based study. J Headache Pain. 2017;18(1):50. mostraram que o sono insuficiente é mais frequente em migranosos, pacientes com dor não migranosa e indivíduos sem dor, respectivamente. O tempo médio de sono relatado foi igual nos três grupos, logo, reforça a ideia de que migranosos precisam de mais horas de sono para considerá-lo como suficiente.

De fato, sua baixa eficiência está relacionada ao maior risco de cefaleia no segundo dia pós-noite avaliada5555 Bertisch SM, Li W, Buettner C, Mostofsky E, Rueschman M, Kaplan ER et al. Nightly sleep duration, fragmentation, and quality and daily risk of migraine. Neurology. 2020;94(5):489-96.. Quando o sono é considerado curto e se associa ao estresse, o risco de cefaleia é potencializado4646 Houle TT, Butschek RA, Turner DP, Smitherman TA, Rains JC. Stress and sleep duration predict headache severity in chronic headache sufferers. Pain. 2012;153(12):2432-40..

Pode-se avaliar, de forma mais objetiva, os estudos que analisam a quantidade de horas dormidas pelos pacientes. Migranosos que dormem menos do que 6 h por noite têm cefaleias mais frequentes e mais intensas do que migranosos que dormem mais horas de sono, além de serem mais propensos a apresentarem episódios matinais77 Rains JC. Optimizing circadian cycles and behavioral insomnia treatment in migraine. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(3):213-9.,2828 Kelman L. The triggers or precipitants of the acute migraine attack. Cephalalgia. 2007;27(5):394-402.,4545 Yeung WF, Chung KF, Won CY. Relationship between insomnia and headache in community-based middle-aged Hong Kong Chinese women. J Headache Pain. 2010;11(3):187-95.,5454 Song TJ, Yun CH, Cho SJ, Kim WJ, Yang KI, Chu MK. Short sleep duration and poor sleep quality among migraineurs: A population-based study. Cephalalgia. 2018;38(5): 855-64.. Além disso, os migranosos que têm um sono mais curto podem apresentar aumento na intensidade das crises4343 Kelman L, Rains JC. Headache and sleep: examination of sleep patterns and complaints in a large clinical sample of migraineurs. Headache. 2005;45(7):904-10..

Entretanto, para outros autores, a qualidade é mais importante do que a duração do sono, de tal forma que um sono de má qualidade influencia a frequência e a gravidade da dor nos casos de migrânea episódica1414 Rosenberg L, Butler N, Seng EK. Health behaviors in episodic migraine: why behavior change matters. Curr Pain Headache Rep. 2018;22(10):65..

Nessa mesma linha, as estratégias comportamentais, chamadas de higiene do sono, que aumentam a quantidade de horas dormidas e a qualidade do sono pelos migranosos, mostram-se efetivas para diminuição da frequência e intensidade das crises1313 Calhoun AH, Ford S. Behavioral sleep modification may revert transformed migraine to episodic migraine. Headache. 2007;47(8):1178-83.,1414 Rosenberg L, Butler N, Seng EK. Health behaviors in episodic migraine: why behavior change matters. Curr Pain Headache Rep. 2018;22(10):65.. Ainda que não exista redução completa do quadro, as estratégias comportamentais são capazes de transformar a migrânea crônica em migrânea episódica. Em outro estudo realizado, foi demonstrado que um estilo de vida regular, caracterizado pela realização de exercícios físicos, horário padronizado de refeições, quantidade de horas adequadas de sono e status de hidratação evita a migrânea crônica5252 Woldeamanuel YW, Cowan RP. The impact of regular lifestyle behavior in migraine: a prevalence case–referent study. J Neurol. 2016;263(4):669-76..

A influência de uma boa noite de sono sobre a migrânea é tão grande que se justifica o uso de medicamentos indutores do sono77 Rains JC. Optimizing circadian cycles and behavioral insomnia treatment in migraine. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(3):213-9.. Ao que tudo indica, otimizar uma noite de sono de um migranoso, seja comportamental ou farmacologicamente, pode evitar o “efeito rebote” desta relativa privação do sono encontrada nos migranosos e que está provavelmente envolvida na gênese da cefaleia.

Vários artigos associam a cefaleia da migrânea com a insônia sem que seja possível estabelecer uma relação causa-efeito77 Rains JC. Optimizing circadian cycles and behavioral insomnia treatment in migraine. Curr Pain Headache Rep. 2008;12(3):213-9.,88 Tran D P, Spierings EL. Headache and insomnia: their relation reviewed. Cranio. 2013;31(3):165-70.,99 Stark CD, Stark RJ. Sleep and chronic daily headache. Curr Pain Headache Rep. 2015;19(1):468.,1616 Lateef T, Swanson S, Cui L, Nelson K, Nakamura E, Merikangas K. Headaches and sleep problems among adults in the United States: Findings from the National Comorbidity Survey–Replication Study. Cephalalgia. 2010;31(6):648-53.,4545 Yeung WF, Chung KF, Won CY. Relationship between insomnia and headache in community-based middle-aged Hong Kong Chinese women. J Headache Pain. 2010;11(3):187-95.. Ou seja, a cefaleia migranosa ou não migranosa aumenta o risco para o surgimento da insônia, assim como a insônia aumenta o risco para o surgimento de cefaleia.

Insônia e migrânea podem ser consideradas comorbidades em relação à ansiedade e à depressão4545 Yeung WF, Chung KF, Won CY. Relationship between insomnia and headache in community-based middle-aged Hong Kong Chinese women. J Headache Pain. 2010;11(3):187-95.,5050 Walters AB, Hamer JD, Smitherman TA. Sleep disturbance and affective comorbidity among episodic migraineurs. Headache. 2014;54(1):116-24.,5656 Navarro-Pérez M P, Suller-Marti A, Bellosta-Diago E, Roche-Bueno JC, Santos-Lasaosa S. Impact of 24-hour on-call shifts on headache in medical residents: a cohort study. Headache. 2020;60(7):1427-31., porém, não é possível estabelecer uma relação causa-efeito. Por outro lado, o somatório destes diagnósticos aumenta a frequência e a intensidade das crises de migrânea elevando o risco de transformação de uma cefaleia episódica para uma cefaleia crônica.

O exposto até aqui pela análise dos diversos estudos é convergente com a ideia de uma relação bidirecional entre migrânea e sono e com o envolvimento do hipotálamo na fisiopatologia da migrânea22 Blau JN. Migraine pathogenesis: the neural hypothesis reexamined. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1984;47(5):437-42.,44 Ashina M. Migraine. N Engl J Med. 2020;383(19):1866-76.,1515 Lovati C, D’Amico D, Raimondi E, Mariani C, Bertora P. Sleep and headache: a bidirectional relationship. Expert Review of Neurotherapeutics. 2010;10(1):105-17.,1616 Lateef T, Swanson S, Cui L, Nelson K, Nakamura E, Merikangas K. Headaches and sleep problems among adults in the United States: Findings from the National Comorbidity Survey–Replication Study. Cephalalgia. 2010;31(6):648-53.. O mecanismo específico através do qual a privação do sono provoca a cefaleia permanece como alvo de estudo, com autores propondo novas hipóteses na tentativa de compreender este mecanismo5252 Woldeamanuel YW, Cowan RP. The impact of regular lifestyle behavior in migraine: a prevalence case–referent study. J Neurol. 2016;263(4):669-76..

Gallup5959 Gallup AC. Yawning as a brain cooling mechanism: nasal breathing and forehead cooling diminish the incidence of contagious yawning. Evolution Psychol. 2007;5(1):92-101. apresentou a hipótese de que o bocejo (evento fisiológico presente em todos os mamíferos e associado à sonolência) teria uma função termorreguladora no cérebro. De acordo com essa hipótese, o ato físico de bocejar altera duas condições: a temperatura do sangue que flui para o cérebro e a velocidade com que isso é feito. A intensa abertura da mandíbula força o sangue pelos vasos sanguíneos que se afastam da cabeça, o que aumenta a velocidade com que o sangue fresco flui para o cérebro. Além disso, a inspiração profunda de ar frio durante um bocejo reduz a temperatura do sangue que flui para o cérebro. Logo, o bocejo força o sangue mais quente para longe do cérebro e, ao mesmo tempo, traz o sangue mais frio dos pulmões.

Foi observado que diversas doenças cursam com uma termorregulação considerada anormal, entre elas, a esclerose múltipla, a epilepsia e a migrânea4444 Gallup AC, Gallup GG JR. Yawning and thermoregulation. Physiol Behav. 2008;95(1):10-6.. Estas três condições clínicas apresentam uma exacerbação dos bocejos nos momentos de crise ou anterior a ela. No caso da migrânea, os bocejos foram considerados o sinal precursor mais confiável do início da cefaleia6060 Giffin NJ, Ruggiero L, Lipton RB, Silberstein SD, Tvedskov J F, Olesen J, et al. Premonitory symptoms in migraine an electronic diary study. Neurology. 2003;60(6):935-40..

A termorregulação e o sono são funções homeostáticas inter-relacionadas. Esta interação ocorre no nível do termostato da área hipotalâmica preóptica, de tal forma que o início do sono principia um declínio na curva da temperatura corporal central. Por outro lado, a privação prolongada do sono em ratos provocou um aumento da temperatura do cérebro desses animais6161 Everson CA, Smith CB, Sokoloff L. Effects of prolonged sleep deprivation on local rates of cerebral energy metabolism in freely moving rats. J Neurosci. 1994;14(11 Pt 2):6769-78.. As classificações subjetivas de sonolência em humanos se correlacionam com aumentos na temperatura da pele quando os indivíduos estão deitados6262 Krauchi K, Cajochen C, Justice AW. Thermophysiologic aspects of the three-process-model of sleepiness regulation. Clin Sports Med. 2005;24(2):287-300. e com aumentos na temperatura corporal central quando estão de pé. Além disso, o consumo de água quente provoca aumento da temperatura corporal e da sonolência6363 Krauchi K, Deboer T. The interrelationship between sleep regulation and thermoregulation. Front Biosci. 2010;15:604-25.. Dessa forma, a variação na temperatura corporal aparenta estar associada à variação correspondente na sonolência.

Uma outra função homeostática que compartilha estruturas regulatórias com o sono é o controle da alimentação. A orexina é sintetizada pelo hipotálamo lateral, tradicionalmente conhecido como “centro da fome” e, quando liberada, estimula a procura por alimento. Pode-se dizer que a orexina é a responsável pela sensação de fome. Além desse papel, a orexina é um dos neurotransmissores responsáveis pelo estado de alerta6464 Preti A. Orexins (hypocretins): their role in appetite and arousal. Curr Opin Investig Drugs. 2002;3(8):1199-206.. A disfunção dos neurônios produtores de orexina é uma característica marcante da narcolepsia1515 Lovati C, D’Amico D, Raimondi E, Mariani C, Bertora P. Sleep and headache: a bidirectional relationship. Expert Review of Neurotherapeutics. 2010;10(1):105-17.. Recentemente, foi demonstrado que a orexina plasmática encontra-se reduzida nos migranosos no período entre as crises, o que resultou no surgimento da hipótese de que os neurônios produtores de orexina no hipotálamo são candidatos a geradores de uma crise de migrânea6565 Hoffmann J, Supronsinchai W, Akerman S, Andreou A P, Winrow CJ, et al. Evidence for orexinergic mechanisms in migraine. Neurobiol Dis. 2015;74:137-43.. Outras linhas de pesquisa investigam o papel do estresse oxidativo na gênese da migrânea em que, mais uma vez, a relação com a privação do sono se faz evidente.

É sabido que os neurônios do gânglio trigeminal, responsáveis por toda a sensibilidade dolorosa das estruturas intracranianas, expressam receptores do tipo TRPA1. Mais recentemente foi demonstrado que o TRPA1 é ativado pelo estresse oxidativo e que a ativação desse provoca a liberação antidrômica de CGRP, considerada molécula chave na inflamação neurogênica e, consequentemente, na gênese da dor migranosa6666 Borkum JM. The migraine attack as a homeostatic, neuroprotective response to brain oxidative stress: preliminary evidence for a theory. Headache. 2018;58(1):118-35.,6767 Nassini R, Materazzi S, Benemei S, Geppetti P. The TRPA1 channel in inflammatory and neuropathic pain and migraine. Rev Physiol Biochem Pharmacol. 2014;167(1):1-43.,6868 Benemei S, De Cesaris F, Fusi C, Rossi E, Lupi C, Geppetti P. TRPA1 and other TRP channels in migraine. J Headache Pain. 2013;14(1):71.. Várias substâncias reconhecidas como causadoras de uma crise de migrânea são capazes de ativar o TRPA16969 Benemei S, Fusi C, Trevisan G, Geppetti P. The TRPA1 channel in migraine mechanism and treatment. Br J Pharmacol. 2014;171(10):2552-67..

De fato, a revisão de Borkum5151 Borkum JM. Migraine triggers and oxidative stress: a narrative review and synthesis. Headache. 2016;56(1):12-35 evidenciou que os gatilhos mais frequentes para uma crise de migrânea são capazes de gerar estresse oxidativo, o que coloca o estresse oxidativo como via final comum no mecanismo da gênese da crise migranosa. Em particular para o gatilho “privação do sono”, foi demonstrado que a privação do sono está associada à depleção de uma importante enzima antioxidante no cérebro, a glutationa reduzida. É importante ressaltar que, em ratos, 10% de toda a transcrição gênica desta enzima mostra oscilações com o ritmo circadiano, sugerindo alguma regulação pelos genes-relógio. Em particular, a transcrição das principais enzimas antioxidantes parece ser controlada por estes genes-relógio.

O crescente aumento nas evidências correlacionando o estresse oxidativo com a migrânea levou ao surgimento de uma nova perspectiva sobre a fisiopatologia dessa condição7070 Borkum JM. Brain energy deficit as a source of oxidative stress in migraine: a molecular basis for migraine susceptibility. Neurochem Res. 2021;46(8):1913-32.. A migrânea seria, portanto, uma resposta adaptativa que ocorre em indivíduos geneticamente predispostos, nos quais existe uma incompatibilidade entre a reserva energética do cérebro e a demanda do córtex dos migranosos, hiperexcitável pelos estímulos sensoriais. O déficit energético rompe a homeostase cortical aumentando os níveis dos radicais livres. Este aumento do estresse oxidativo é percebido pelos canais da família Panexina, cuja abertura inicia uma cascata de eventos que culmina na ativação do receptor TRPA1, na ativação trigeminovascular e, finalmente, na liberação do CGRP. A função da própria crise migranosa é restaurar a homeostase energética cerebral reduzindo o dano causado pelos radicais livres7171 Gross EC, Lisicki M, Fischer D, Sándor PS, Schoenen J. The metabolic face of migraine - from pathophysiology to treatment. Nat Rev Neurol. 2019;15(11):627-43..

A privação do sono, por causar estresse oxidativo no cérebro, provoca ou agrava as crises de migrânea. Este, por sua vez, ativa receptores TRPA1 localizados nos neurônios trigeminais de 1a ordem, iniciando o processo de sensibilização do sistema trigeminal que culmina com a liberação de CGRP nos aferentes durais dos neurônios no gânglio trigeminal. Indivíduos migranosos frequentemente relatam uma associação entre a insônia e a crise de migrânea.

Diversos estudos apontam para uma alteração hipotalâmica na fisiopatologia da migrânea. É possível que as alterações hipotalâmicas dos migranosos promovam a alteração do sono. Haveria uma hiperatividade dos mecanismos cerebrais responsáveis pelo comportamento de fome na fase premonitória da migrânea, levando à excitação e à falta de sono. Nesse caso, a “insônia” seria a própria expressão desta disfunção de núcleos do tronco encefálico e do hipotálamo responsáveis pelo ciclo sono-vigília. A privação de sono imposta pela insônia seria capaz de gerar a crise migranosa pelo mecanismo comum de aumento do estresse oxidativo.

CONCLUSÃO

Possivelmente a privação do sono provoca ou agrava as crises de migrânea por sua capacidade de causar estresse oxidativo no cérebro, que ativa receptores TRPA1 localizados nos neurônios trigeminais de 1a ordem, iniciando o processo de sensibilização do sistema trigeminal, que culmina na liberação antidrômica de CGRP nos aferentes durais destes neurônios no gânglio trigeminal. A relação da insônia com a migrânea parece confluir para este mesmo processo fisiopatológico, já que a privação de sono imposta pela insônia seria capaz de gerar a crise migranosa através do aumento do estresse oxidativo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    04 Ago 2021
  • Aceito
    21 Set 2021
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