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Sala de Aula Invertida: a análise de uma experiência na disciplina de Cálculo I

Flipped Classroom: the analysis of an experience in the discipline of Calculus I

Resumo

Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados da primeira experiência realizada utilizando o conceito de sala de aula invertida (ou flipped classroom) na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I, em cursos de Engenharia do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). A sala de aula invertida é caracterizada, de acordo com Valente (2014)VALENTE, J. A. Blended learning e as mudanças no Ensino Superior: a proposta da sala de aula invertida. Educar em Revista, Curitiba, Edição Especial, n. 4, p. 79-97, 2014., como uma forma de e-learning, em que os conteúdos e as instruções são estudados de maneira on-line antes da aula presencial, onde se realizam atividades práticas como resolução de problemas e projetos, discussão em grupo, dentre outros. Este trabalho aponta as potencialidades, alguns dos problemas enfrentados e a opinião dos alunos em relação à metodologia. Mostra também que, independente das dificuldades enfrentadas no decorrer da experiência, existe a necessidade de atitudes inovadoras em relação ao ensino de Cálculo nos Cursos Superiores.

Palavras-chave:
Sala de Aula Invertida; Tecnologias Digitais; Cálculo Diferencial e Integral I; Curso de Engenharia

Abstract

This paper aims to present the results of a first-time experiment conducted using the concept of inverted classroom (or flipped classroom) in the discipline of Differential and Integral Calculus I, in Engineering courses at ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). The flipped classroom is characterized, according to Valente (2014)VALENTE, J. A. Blended learning e as mudanças no Ensino Superior: a proposta da sala de aula invertida. Educar em Revista, Curitiba, Edição Especial, n. 4, p. 79-97, 2014., as a form of e-learning, in which the contents and instructions are studied online way before class time class, where practical activities will be carried out, such as problem solving and projects, group discussion, among others. This study highlights the potential, some of the problems faced, and the opinions of students in the methodology. This also shows that, regardless of the difficulties faced during the experience, there is a need for innovative approaches regarding Calculus teaching in higher education.

Keywords:
Flipped Classroom; Digital Technologies; Differential and Integral Calculus I; Engineering course

1 Introdução

Neste trabalho discutiremos uma experiência em sala de aula em que foi utilizado o conceito de sala de aula invertida (ou flipped classroom) para o desenvolvimento da disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I, dos cursos de Engenharia do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Tal discussão se mostra relevante nesse momento, pois estudiosos da área defendem há décadas um novo modelo de educação, em que o aluno seja o protagonista e aprenda de forma mais autônoma, com o apoio de tecnologias. Mas, o que observamos na maior parte das instituições de ensino brasileiras é que persiste o modelo tradicional de ensino, em que o professor apresenta os conteúdos e os alunos ouvem, anotam explicações para, somente depois disso, estudar, fazer exercícios e resolver possíveis situações-problema.

Nos dias atuais a sociedade possui grande influência da tecnologia, habituando-se a transmissões de dados em alta velocidade e troca de informações em tempo real. A Educação não pode ficar para trás, urge a necessidade de se repensar os moldes tradicionais de ensino, pois a utilização de novas tecnologias aponta para um mundo virtual com enormes potencialidades.

Ao refletir sobre uma Educação voltada à tecnologia, torna-se necessário repensar os parâmetros educacionais, visando modificações no trabalho de formulação de atividades didáticas que possam ser associadas ao uso de computadores ou de qualquer outra mídia (CABRAL, 2005CABRAL, T. C. B. Ensino e Aprendizagem de Matemática na Engenharia e o Uso de Tecnologia. CINTED-UFRGS, Rio Grande do Sul, v. 3, n. 2, p. (sem marcação de páginas), nov. 2005.).

Esse processo de renovação sugere uma reorganização dos conteúdos trabalhados, uma transformação de metodologias pedagógicas, redefinição de teorias de ensino, um novo papel da instituição em relação à sociedade e, portanto, uma nova postura do docente (MISKULIN, 1999MISKULIN, R. G. S. Concepções teórico-metodológicas sobre a introdução e a utilização de computadores no processo de ensino/aprendizagem da geometria. 1999. 273 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) — Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, Campinas, 1999.).

Em contrapartida à simples reprodução de procedimentos e ao acúmulo de informações, a Sala de Aula Invertida vem sendo adotada em várias instituições internacionais de renome, como MIT, Havard, Duke e Stanford (Bishop, 2013BISHOP, J. A Controlled study of the flipped classroom with numerical methods for engineers. 2013. 284 f. Tese (Doutorado em Ensino de Engenharia) - UTAH State University, Logan, 2013. Disponível em: <http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3011&context=etd>. Acesso em: 20 abr.2015.
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). Nesse modelo, o aluno estuda os conteúdos básicos antes da aula, a partir de vídeos de curta duração, textos, simulações, dentre outros recursos. Já em sala de aula, o professor aprofunda o aprendizado a partir de situações-problema, estudos de caso ou atividades diversas e esclarece dúvidas e estimula o desenvolvimento do trabalho em grupo.

De acordo com Bishop (2013)BISHOP, J. A Controlled study of the flipped classroom with numerical methods for engineers. 2013. 284 f. Tese (Doutorado em Ensino de Engenharia) - UTAH State University, Logan, 2013. Disponível em: <http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3011&context=etd>. Acesso em: 20 abr.2015.
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, a investigação na área tecnológica obteve avanços significativos. Neste trabalho discutiremos algumas contribuições que a utilização do modelo de Sala de Aula Invertida pode oferecer para a melhoria da aprendizagem nos cursos de Engenharia, tais como: maior motivação dos alunos, melhoria da qualidade do trabalho em grupo e maior aproveitamento do potencial dos alunos de Engenharia.

Inicialmente, faremos uma breve introdução ao conceito de Sala de Aula Invertida, uma descrição dos alunos envolvidos no Curso de Engenharia em que o trabalho foi desenvolvido, o relato da experiência e os resultados obtidos, tanto em relação às avaliações teóricas, quanto às expectativas dos alunos da turma diante dessa nova postura do professor em sala de aula.

2 Sobre a Sala de Aula Invertida (ou Flipped Classroom)

De acordo com Moran e Milsom (2015)MORAN, K.; MILSOM, A. The Flipped Classroom in Counselor Education. Counselor Education and Supervision, 2015. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/ceas.2015.54.issue-1/issuetoc> . Acesso em: 15 abr. 2015.
http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.10...
, embora o conceito de Sala de Aula Invertida ao longo dos anos tenha sido desenvolvido de diferentes formas, frequentemente é atribuído a Bergmann e Sams (2012)BERGMANN, J.; SAMS, A. Flip Your Classroom: Reach Every Student in Every Class Every Day. 1. ed. Colorado: ISTE and ASCD, 2012. 239p., que aplicou a metodologia em suas aulas de ciências do Ensino Médio a partir de 2006.

Bishop e Verleger (2013)BISHOP, J. A Controlled study of the flipped classroom with numerical methods for engineers. 2013. 284 f. Tese (Doutorado em Ensino de Engenharia) - UTAH State University, Logan, 2013. Disponível em: <http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3011&context=etd>. Acesso em: 20 abr.2015.
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destacam o exemplo do MIT, quando iniciou o OpenCourseWare (OCW) 2001, como um passo significativo na direção de novas mudanças na Educação. Segundo ele, esse fato abriu o acesso a uma grande quantidade de informação, de qualidade, que anteriormente só era disponível para os alunos da Instituição. Segundo Valente (2013)VALENTE, J. A. Aprendizagem Ativa no Ensino Superior: a proposta da sala de aula invertida. Notícias, Brusque, 2013. Disponível em: <https://www.unifebe.edu.br/site/docs/arquivos/noticias/2014/valente.pdf>. Acesso em: 02 set. 2015.
https://www.unifebe.edu.br/site/docs/arq...
, o MIT desenvolveu o Projeto TEAL/Studio Physics, cujo responsável é o Prof. John Belcher. Desse modo as salas de aulas tradicionais foram transformadas,

[…] em Estúdio de Física e a metodologia de ensino é baseada no Technology Enabled Active Learning (TEAL). Esta abordagem está sendo utilizada nas disciplinas introdutórias de Física: Introductory Mechanics (8.01) e Electricity and Magnetism (8.02), ministradas para todos os alunos em ingressam no MIT (VALENTE, 2013VALENTE, J. A. Aprendizagem Ativa no Ensino Superior: a proposta da sala de aula invertida. Notícias, Brusque, 2013. Disponível em: <https://www.unifebe.edu.br/site/docs/arquivos/noticias/2014/valente.pdf>. Acesso em: 02 set. 2015.
https://www.unifebe.edu.br/site/docs/arq...
, p. 02).

Figura 1
Sala de aula do TEAL/Estúdio de Física

Ainda nesta tendência, Salman Khan, fundador da Khan Academy em 2006, disponibilizou uma biblioteca de mais de 3200 vídeos na WEB, com a missão declarada de fornecer “uma educação livre de classe mundial para qualquer lugar” (Khan, 2012).

Apesar de encontrarmos atualmente muitas discussões sobre a Sala de Aula Invertida em sites, blogs e reportagens, Bishop e Verleger (2013)BISHOP, J. L.; VERLEGER, M. A. The Flipped Classroom: A Survey of the Research. In: ASEE ANNUAL CONFERENCE & EXPOSITION, 120., 2013, Atlanta. Anais… local: Washington DC, American Society for Engineering Education, 2013. p. 1-18. Disponível em:<http://www.studiesuccesho.nl/wp-content/uploads/2014/04/flipped-classroom-artikel.pdf>. Acesso em: 05 abr. 2015.
http://www.studiesuccesho.nl/wp-content/...
relatam certa falta de consenso sobre a sua definição exata, em decorrência de um número limitado de pesquisas acadêmicas sobre a sua eficácia. O autor também apresenta uma tabela que define, em linhas gerais, tal metodologia.

Tabela 1
Definição mais ampla de Sala de Aula Invertida

Bishop e Verleger (2013)BISHOP, J. A Controlled study of the flipped classroom with numerical methods for engineers. 2013. 284 f. Tese (Doutorado em Ensino de Engenharia) - UTAH State University, Logan, 2013. Disponível em: <http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3011&context=etd>. Acesso em: 20 abr.2015.
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definem Sala de Aula Invertida como uma técnica educacional que consiste em duas partes: atividades de aprendizagem interativas em grupo em sala de aula e orientação individual baseada em computador fora da sala de aula. Tal definição serve como base para destacar uma característica marcante da Sala de Aula Invertida para Bishop e Verleger (2013)BISHOP, J. A Controlled study of the flipped classroom with numerical methods for engineers. 2013. 284 f. Tese (Doutorado em Ensino de Engenharia) - UTAH State University, Logan, 2013. Disponível em: <http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3011&context=etd>. Acesso em: 20 abr.2015.
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, não usar o tempo em sala para ministrar aulas expositivas.

Os autores expõem ainda a importância das teorias de aprendizagem centradas no aluno para entendermos o conceito da Sala de Aula Invertida, destacando que sem elas, tal conceito não existe. A Sala de Aula Invertida é constituída, basicamente, por duas componentes: uma que requer interação humana (atividades em sala de aula), ou seja a ação; e outra que é desenvolvida por meio do uso das tecnologias digitais, como vídeoaulas (atividades fora da sala de aula). Desse modo, as teorias de aprendizagem centradas no aluno fornecem a base filosófica para o desenvolvimento dessas atividades. Ignorar este fato e conceituar a Sala de Aula Invertida com base apenas na presença (ou ausência) de computador ou tecnologias, constitui-se em um grande erro.

Para Valente,

a sala de aula invertida é uma modalidade de e-learning na qual o conteúdo e as instruções são estudados on-line antes de o aluno frequentar a sala de aula, que agora passa a ser o local para trabalhar os conteúdos já estudados, realizando atividades práticas como resolução de problemas e projetos, discussão em grupo, laboratórios etc (VALENTE, 2014VALENTE, J. A. Blended learning e as mudanças no Ensino Superior: a proposta da sala de aula invertida. Educar em Revista, Curitiba, Edição Especial, n. 4, p. 79-97, 2014.).

Moran e Milsom (2014) fizeram um estudo destacando os principais resultados encontrados em pesquisas que utilizaram a Sala de Aula Invertida. Segundo esses autores, algumas delas indicaram um melhor desempenho de seus alunos em avaliações1 1 Day & Foley, 2006. , outras relataram um indicativo de que classe se mostrou mais envolvida com o desenvolvimento do conteúdo e que os alunos sentiam maior confiança em sua capacidade de aprender de forma independente2 2 Enfield (2013). ; Tune, Sturek, e Basile (2013)TUNE, J.D; STUREK, M.; BASILE, D.P. Flipped classroom model improves graduate student performance in cardiovascular, respiratory, and renal physiology. Adv Physiol Educ, Indianapolis, v. 37, n. 4, p. 316-320, 2013. estudaram os alunos de pós-graduação matriculados em cursos de Fisiologia que utilizavam a Sala de Aula Invertida e notaram que as atividades realizadas antes da aula permitiram uma melhora no nível das discussões realizadas em sala. Tal estudo também revelou que esses alunos se saíram melhor nas avaliações que os do curso tradicional.

No Brasil, as experiências nessa área ainda são tímidas, mas já existem pesquisadores explorando o potencial dessa metodologia, como o professor Dr. José Armando Valente, pesquisador do Departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação do Instituto de Artes e Pesquisador do Núcleo de Informática Aplicada à Educação (Nied) da Unicamp.

3 Relatando a experiência

3.1 Um pouco sobre as características da disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I

Barufi (1999)BARUFI, M. C. B. A construção/negociação de significados no curso universitário inicial de Cálculo Diferencial e Integral. 1999. 185f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, USP, São Paulo, 1999. aponta dois objetivos fundamentais da disciplina de Cálculo. O primeiro é o de ser uma ferramenta útil para o estudo sobre variação de grandezas e aproximações locais; o outro é o de proporcionar condições básicas para o estudo de equações diferenciais, que serão modelos para problemas relevantes da Física, Química, Engenharia, etc. Desse modo, Cálculo aparece como um curso básico, amplo e integrador, de caráter fundamental (Barufi, 1999BARUFI, M. C. B. A construção/negociação de significados no curso universitário inicial de Cálculo Diferencial e Integral. 1999. 185f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, USP, São Paulo, 1999.). Em diferentes cursos, a disciplina de Cálculo pode apresentar diferentes enfoques, em alguns mais teóricos, em outros mais aplicados. A autora destaca ainda que, independente do enfoque dado, o objetivo principal deve ser sempre a construção dos significados conceituais por parte dos alunos e que o alcance desse objetivo depende do processo de negociação didática que ocorre em sala de aula.

Lima (2013)LIMA, G. L. O ensino do cálculo no Brasil: breve retrospectiva e perspectivas atuais. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 11., 2013, Curitiba. Anais do XI Encontro Nacional de Educação Matemática. Curitiba: SBEM, 2013. p. 01-15. diz que, ao longo da história da implantação da disciplina de Cálculo no Ensino Superior, a questão do nível de rigor simbólico-formal a ser adotado sempre foi um elemento central nas discussões sobre o processo de ensino e aprendizagem deste conteúdo. Desse modo, podem ocorrer dois casos que merecem destaque: os estudantes, em geral, podem manifestar dificuldades em acompanhar, logo ao ingressar na universidade, uma disciplina ministrada com alto nível de rigor simbólico-formal; ou, de acordo com a metodologia de ensino, a impossibilidade de explorar todo o potencial do aluno em relação ao conteúdo proposto. E, por estas razões, várias tentativas foram feitas com o intuito de possibilitar aos alunos um aprendizado efetivo perante a disciplina de Cálculo.

Diante do exposto, entendemos que novas reformulações metodológicas no processo de ensino e aprendizagem da disciplina tornam-se importantes e que experiências que discutem essas reformulações devem ser divulgadas e discutidas.

A seguir será relatado como foi o desenvolvimento da primeira experiência na Instituição com o conceito de sala de aula invertida, descrevendo um pouco sobre o perfil dos alunos e o andamento das atividades desenvolvidas.

3.2 Características dos alunos da instituição

A experiência foi desenvolvida no ITA3 3 Informações retiradas do site: http://www.ita.br/info. (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). Esta é uma instituição universitária pública ligada ao Comando da Aeronáutica (COMAER), localizado no Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), na cidade paulista de São José dos Campos e especializada nas áreas de Ciência e Tecnologia no Setor Aeroespacial, oferecendo cursos de:

  • graduação em Engenharia

  • pós-graduação stricto sensu em nível de Mestrado, Mestrado Profissional e Doutorado

  • pós-graduação lato sensu de Especialização e de Extensão.

Criado em 1950 pelo Marechal Casimiro Montenegro Filho e intensa cooperação internacional, o ITA é atualmente considerado um centro de referência no ensino de Engenharia no Brasil.

Dados do ENADE (2011)4 4 Fonte: relatório ENADE 2011. mostram que 60% dos alunos dessa instituição se consideram brancos e 40% pardos. Em relação à renda familiar, 26% possuem renda ente 10 e 30 salários mínimos e 15% acima de 30. Sobre a escolarização dos pais, os dados apontam que 44% possuem curso superior. Quanto à procedência escolar dos candidatos inscritos no vestibular da Instituição5 5 Em 2016 foram mais de 100 candidatos por vaga. , a porcentagem aproximada foi de 31% para escolas estaduais, 8% para escolas federais, 1% para escolas municipais e 60% para escolas particulares. Do total de candidatos inscritos, 24% fizeram curso preparatório, com a maioria na idade entre 17 e 22 anos.

Esses alunos já ingressam no primeiro ano do curso com uma boa base de Matemática básica e estudam em tempo integral, morando no próprio campus.

Esses dados foram descritos com o objetivo de ilustrar que estamos desenvolvendo essa experiência no âmbito de uma instituição de Ensino Superior de Engenharia um pouco diferenciada da realidade da maioria do nosso país.

Vale destacar que, independente da metodologia adotada pelo professor da turma, todos os alunos são avaliados a partir de uma mesma prova ao final de cada bimestre.

3.2.1 Como foi desenvolvida a experiência na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I

Todos os anos, a Instituição recebe quatro turmas de ingressantes. A disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I, nessa Instituição, faz parte do que chamamos de Curso Fundamental, em regime seriado e semestral, com duração de quatro semestres. Nele, todos os alunos cursam as mesmas disciplinas nas seguintes áreas:

  • Departamento de Matemática: Cálculo/Análise e Álgebra Linear.

  • Departamento de Física: Mecânica; Eletricidade e Magnetismo; Ondas e Física Moderna.

  • Departamento de Química: Teoria do Orbital Molecular; Estrutura Cristalina; Termodinâmica Química e Eletroquímica.

  • Departamento de Humanidades: Responsável por preparar o futuro engenheiro a se inteirar sobre questões histórico-políticas e sociais, com o objetivo de reconhecer inovações necessárias nos campos da economia e tecnologia e saber lidar com problemas de origem sócio-política, vinculados a sua empresa ou instituição.

  • Divisão de Ciência da Computação: Introdução à Computação; Algoritmos e Estruturas de Dados; Matemática Computacional.

  • Divisão de Engenharia Mecânica: Desenho Técnico; Introdução à Engenharia; Mecânica dos Sólidos e Termodinâmica.

As disciplinas do Departamento de Matemática, de maneira geral, são desenvolvidas a partir de uma metodologia tradicional, com aulas expositivas, de exercícios e avaliações presenciais.

Este trabalho que foi realizado na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I, em uma das turmas de ingressantes, modificou essa característica. No início do primeiro semestre de 2015, os alunos ingressantes da turma que chamaremos aqui de Turma A, foram apresentados à ideia de aulas no formato “Sala de Aula Invertida”. Assim, esta turma passaria a ver o conteúdo teórico das aulas de Cálculo I, como teoremas, conceitos, definições, propriedades, antes da aula presencial, por meio de livros e vídeoaulas disponibilizadas no ambiente virtual da disciplina6 6 Nessa experiência foi utilizado o ambiente Moodle, já institucionalizado. . As vídeoaulas utilizadas no desenvolvimento dessa experiência foram selecionadas na internet cuidadosamente pelo professor da disciplina. Foram utilizadas aulas de instituições consagradas no ensino de Cálculo e organizadas de acordo com o conteúdo desenvolvido na disciplina.

Em sala de aula, os alunos concentraram seus esforços na resolução de listas de exercícios em grupo,e também de problemas de aplicação propostos pelo professor.

A resolução desse material foi realizada em sala de aula a partir de grupos de, no máximo, quatro alunos, e o papel do professor durante todo o tempo da aula foi o de orientador, apoiador dessa resolução, auxiliando nas dúvidas do grupo em relação aos conceitos teóricos estudados em casa e na interpretação dos problemas propostos. Nessa primeira experiência, a aula presencial foi realizada em sala de aula tradicional, com as carteiras justapostas em grupo e sem a obrigatoriedade do uso que quaisquer recursos computacionais, mas nada impedia os alunos de utilizarem seus próprios computadores e softwares como apoio na resolução das atividades.

Em média, os alunos tinham 05 aulas para resolução de uma lista, dessas 05 uma sempre era reservada para exposição de um conceito em que os alunos apresentavam algum tipo de dúvida. Esse tempo poderia variar, para mais ou para menos, dependendo da complexidade do conteúdo estudado ou da lista proposta.

4 Apresentação e discussão dos resultados obtidos

Foi aplicado um questionário aos alunos no final de cada um dos dois bimestres de desenvolvimento da experiência com a disciplina de Cálculo I. Os questionários foram elaborados com o objetivo de identificar a opinião dos alunos em relação ao andamento da nova metodologia. Não foi solicitada a identificação das respostas e os questionários foram entregues juntamente com a prova de cada bimestre.

Optou-se pelo uso do questionário, pois este, de acordo com Chaer (2011)CHAER, G. A técnica do questionário na pesquisa educacional. Evidência, Araxá, v. 7, n. 7, p.251-266, 2011., garante o anonimato, proporciona a utilização de questões objetivas, de fácil pontuação, e deixa em aberto o tempo para as pessoas pensarem sobre suas respostas.

Para que esta técnica fosse complementada com alguns esclarecimentos, optou-se por deixar a última questão aberta, para que os alunos colocassem ali seu ponto de vista sobre a metodologia, seus questionamentos ou dificuldades enfrentadas.

Entende-se que este foi o instrumento de coleta de dados que mais se adaptava a este momento da pesquisa, pois garantiu, da melhor maneira possível, o anonimato das respostas e, por um dos pesquisadores ser o próprio professor da turma, procurou-se o maior distanciamento possível, evitando influência nas respostas obtidas.

O primeiro questionário foi respondido por 30 alunos (isso corresponde a 62% da sala).

A questão (1) foi colocada da seguinte maneira: “Dê uma nota de 0 a 10, sendo 0 muito ruim e 10 excelente, aos seguintes pontos sobre o desenvolvimento da disciplina: (a) Metodologia; (b) Organização do site; (c) Vídeoaulas; (d)Motivação; (e) Autoavaliação:

Essa questão teve como objetivo identificar os possíveis fatores problemáticos que são fundamentais para o bom desenvolvimento da metodologia. O fator foi colocado propositalmente, pois um dos problemas apresentados no desenvolvimento dessa disciplina em nossa Instituição é a não motivação do aluno em assistir as aulas presenciais. Tal fato tem como consequências faltas, desinteresse e até mesmo alunos dormindo em sala de aula.

Na questão (2) foi perguntado aos alunos sobre o tempo médio de cada um para o estudo da disciplina extraclasse: Quanto tempo semanal, em média, você estudou para a disciplina fora da sala de aula?. Essa questão foi colocada, pois um dos principais pontos da metodologia é que o aluno estude o conteúdo teórico antes de vir para a aula presencial, para que nela possa discutir com o professor suas possíveis dúvidas e dificuldades diante do conteúdo apresentado.

Em decorrência da questão (2) apresentamos a questão (3): Você considera que a metodologia ajudou na sua organização de estudos? ( ) sim ( ) não. Sabemos que para o bom funcionamento da metodologia, a organização de estudo do aluno é fundamental. Esperávamos que, a partir da dinâmica proposta, o aluno entendesse que se organizar para estudar ao longo do bimestre, antes de cada aula, era mais eficiente do que estudar apenas na véspera da prova, como comumente ocorria.

A questão (4) teve com enfoque a duração das vídeoaulas: As vídeoaulas, em sua opinião, deveriam ter quanto tempo de duração?( ) 10min. ( ) 20 min. ( )30 min. ( )40 min. Esta questão teve como principal objetivo confirmar nossa ideia de que as vídeoaulas deveriam ser de, no máximo, 20 minutos. A pergunta foi feita com o intuito de desenvolver um material que fosse de encontro com as expectativas dos alunos.

Com o objetivo de termos uma noção mais clara da satisfação ou não dos alunos em relação ao andamento da disciplina foi colocada a questão (5): Você prefere aulas expositivas ou aulas onde os alunos resolvem exercícios?________ .

Em nossa instituição um ponto muito enfatizado culturalmente entre os alunos é a nota das avaliações. Para eles, não basta tirar uma nota razoável para aprovação, a nota máxima é algo altamente perseguido por todos. Como a metodologia de ensino da disciplina foi extremamente diferenciada das demais disciplinas que os alunos tinham no curso de Engenharia, mas a avaliação bimestral era mesma para todas as turmas, elaboramos a questão (6): Em relação à avaliação bimestral, ela foi justa? ( ) sim ( ) não.

E finalmente, a questão (7) foi aberta, solicitando sugestões para o andamento futuro da disciplina.

Os resultados obtidos com a aplicação desse questionário encontram-se a seguir.

Em relação à:

Questão (1):

Tabela 2
Descrição dos resultados da questão (1)

Questão (2):

Tabela 3
Descrição dos resultados da questão (2)

Questão (3)

Tabela 4
Descrição dos resultados da questão (3)

Questão (4)

Tabela 5
Descrição dos resultados da questão (4)

Questão (5)

Tabela 6
Descrição dos resultados da questão (5)

Questão (6)

Tabela 7
Descrição dos resultados da questão (6)

Questão (7): Sugestões:

As respostas dadas a essa questão aberta foram analisadas e divididas em seis categorias. A seguir, apresentamos a porcentagem em que cada resposta aparece nas sugestões.

  1. Elogios à metodologia: ocorreu em 23,3% das respostas.

  2. Gostou da metodologia, mas sentiu falta da aula expositiva: ocorreu em 30% das respostas.

  3. Dificuldade de adaptação à nova metodologia: ocorreu em 6,7% das respostas. Esses alunos se sentiram desconfortáveis no início do trabalho, mas com o passar das aulas conseguiram se adaptar à nova estrutura das aulas.

  4. Problemas com o material on line: ocorreu em 13,3% das respostas.

  5. Sem sugestões: 13,3%

  6. Outros: ocorreu em 13,4% das respostas (Nesse item “outros”, ocorreram sugestões como: melhorar a letra na lousa, perceber quando o aluno não sabe o conteúdo mesmo que ele não faça perguntas, melhorar a organização do quadro).

Analisando as respostas obtidas nesse primeiro questionário, vale ressaltar alguns pontos que se destacaram:

Na questão (1) em que os alunos deram uma nota de 0 a 10 para os itens metodologia, organização do site da disciplina, vídeoaulas, motivação e autoavaliação, todos os itens receberam notas altas. A nota referente à metodologia (8,4) foi importante, pois pode significar que os alunos estavam satisfeitos com o andamento da disciplina diante da nova maneira de se trabalhar. A insatisfação com as metodologias utilizadas na Instituição não é novidade, os alunos argumentam que por participarem de um curso integral, onde moram na própria instituição, o tempo gasto para os estudos teóricos, não necessariamente precisaria ser a sala de aula. Este espaço poderia, por exemplo, ser utilizado para explorar o potencial dos alunos em relação ao conteúdo propostos, em problemas aplicados, tanto na engenharia, quanto em interpretações matemáticas.

A motivação (8,7) também foi ponto de destaque, pois este é um objetivo que se almeja nesta Instituição. Não é raro discussões entre os alunos sobre os problemas das aulas tradicionais, não é raro também encontrarmos alunos presentes, mas literalmente dormindo em sala de aula, ou seja, desmotivados.

A organização do site também foi item de uma nota alta. Segue imagem da organização do site elaborado para a disciplina.

Figura 2
Organização do Site da Disciplina

No item “Listas de exercícios de Cálculo” os alunos tinham acesso às atividades que seriam resolvidas em sala, listas de exercícios de outras instituições, bem como provas aplicadas em anos anteriores. Em “Textos preparados ao logo do curso” os alunos poderiam ler textos sobre assuntos que não faziam parte da matéria da prova de Cálculo I, eram apenas coletâneas de assuntos considerado interessantes, relacionados aos conteúdos estudados na disciplina. Essa coletânea de textos foi elaborada por diversos professores de Cálculo I que ministraram a disciplina na Instituição, mesmo que não utilizassem a metodologia da Sala de Aula Invertida.

As vídeoaulas foram separadas por temas, como exemplo, segue imagem de um dos tópicos postados pelo professor.

Figura 3
Organização das Vídeoaulas da Disciplina

Apesar das vídeoaulas receberem uma boa nota (8,7), percebemos que tiveram poucos acessos. Pelo ambiente Moodle, usado na elaboração do site da disciplina, pudemos observar o número de acessos a elas. Para que os alunos assistissem, foi colocado um link que dava acesso às vídeoaulas pelo Youtube. Nesse primeiro momento da disciplina não foi possível que o professor da disciplina gravasse sua própria vídeoaula, mas os dados das pesquisas realizadas mostraram que essa seria a melhor forma de incentivar os alunos à assistir as vídeoaulas, dando base o seu desenvolvimento na continuidade da disciplina, em Cálculo II.

As respostas dadas às questões 3 e 4 mostram também um ponto interessante: 83,3% dos alunos mostraram que esta nova metodologia os ajudou na organização dos estudos. Isso ocorreu, pois, de acordo com a metodologia, na aula presencial os alunos não têm acesso à aula teórica sobre o conteúdo, nessa aula eles resolvem listas de atividades e tiram dúvida sobre o conceito estudado em um momento anterior à aula, com base nas vídeoaulas, livros indicados e textos complementares. Desse modo, toda semana, antes de vir para a aula, o aluno precisava estudar a teoria. Podendo ser essa uma das razões pela qual, na questão (2), o resultado apontou 50% dos alunos estudando entre 2 e 4 horas semanais e 30% estudando mais de 4 horas somente para a disciplina de Cálculo I, evitando o estudo apenas na semana da prova, como é comum em muitos casos.

A maneira como se torna interessante o estudo gradual da disciplina, usando a sala de aula para a discussão de dúvidas conceituais, ou nas atividades de cunho mais prático foi um dos pontos de reflexões em sala de aula entre professor e alunos, conforme aponta a teoria. Desse modo, um dos objetivos do ensino do Cálculo foi alcançado, a busca da construção dos significados conceituais por parte dos alunos, e o alcance desse objetivo diante do processo de negociação didática em sala de aula.

A questão (5) foi importante para a nossa análise, pois questionou sobre como os alunos gostariam que fosse o andamento das aulas: a partir do desenvolvimento de atividades em grupo (nova metodologia), aula expositiva (tradicional) ou metade expositiva e metade tradicional. O resultado foi que 67 % dos alunos optaram pela aula a partir de atividades em grupo e 23% aula meio a meio, ou seja, parte em grupo e parte expositiva. Vale ressaltar que o questionário, de nenhuma maneira, motivou os alunos a escolher a opção “metade expositiva e metade tradicional”, essa escolha foi uma iniciativa dos próprios alunos.

Já na questão (6), 83% dos alunos apontaram que a avaliação bimestral foi justa. Ou seja, compatível com os conteúdos vistos em sala. Essa resposta foi compatível com as notas dos alunos já que a média da Turma A foi de 7,9.

Se fizermos uma análise puramente das respostas apresentadas nas questões objetivas do questionário, poderíamos ter a conclusão de que os alunos estão satisfeitos com a metodologia e que seu desenvolvimento está sendo totalmente eficiente. Mas ao olharmos com mais cuidado para as sugestões apresentadas na questão aberta (7), podemos identificar algumas angústias dos alunos em relação à metodologia da sala de aula invertida adotada. Das respostas obtidas, 30% dos alunos assinalaram que sentem falta de aulas expositivas, mesmo gostando da metodologia adotada e outros 6,7% apontaram dificuldades de adaptação à nova forma de trabalho. Esse tipo de resultado não é novidade em termos de pesquisas que envolvem mudanças metodológicas. Teófilo e Dias (2009)TEÓFILO, T. J. S.;DIAS, M. S. de A. Concepções de docentes e discentes acerca de metodologias de ensino-aprendizagem: análise do caso do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual. Interface — Saúde, Educação, Comunicação, Botucatu, v. 13, p. 137-151, 2009., por exemplo, apontam que, na pesquisa em que identificavam a reação de aluno diante de metodologias ativas na área de Administração, tiveram resultados semelhantes,

encontramos, nesses discursos, profundas manifestações das relações de poder que permeiam a sala de aula, onde os estudantes, mesmo reconhecendo que os docentes pouco interagem, não dão espaço e não sinalizam para a mudança, se mostram valorizadores de estruturas pedagógicas bancárias. Esse aspecto converge com algumas proposições dos discursos docentes ao relatarem haver uma resistência por parte dos discentes na incorporação de metodologias ativas de ensino-aprendizagem (TEÓFILO E DIAS, 2009TEÓFILO, T. J. S.;DIAS, M. S. de A. Concepções de docentes e discentes acerca de metodologias de ensino-aprendizagem: análise do caso do Curso de Enfermagem da Universidade Estadual. Interface — Saúde, Educação, Comunicação, Botucatu, v. 13, p. 137-151, 2009., p. 149).

Os autores apontam para a necessidade de incorporação de metodologias ativas e, ao mesmo tempo, de uma relação dialógica em sala de aula que permita superar qualquer poder estabelecido e, consequente uma dissonância entre teoria e prática.

Aplicamos outro questionário ao final do segundo bimestre letivo e ele foi respondido por 38 alunos (isso corresponde a 79% da sala). Esse segundo questionário teve como objetivo confirmar as respostas dadas ao primeiro e acompanhar o andamento das atividades na visão dos alunos. As perguntas que o compuseram tiveram pequenas modificações em relação às colocadas no primeiro questionário, tais modificações tiveram como base as colocações feitas pelos alunos anteriormente.

Na primeira questão acrescentamos um comparativo relacionado aos itens Metodologia, organização do site, Vídeoaulas, Motivação e Autoavaliação. Nela tivemos o objetivo de destacar a melhora, piora ou constância do andamento da disciplina. A partir desse enfoque, a questão (1) foi elaborada da seguinte maneira: Dê uma nota de 0 a 10 a cada item a seguir e, em seguida, o compare em relação ao primeiro bimestre no que se refere aos itens:

  1. Metodologia: nota______ ( ) melhorou ( ) piorou ( ) mesma coisa.

  2. Organização do site: nota______ ( ) melhorou ( ) piorou ( ) mesma coisa.

  3. Vídeo-aulas: nota______ ( ) melhorou ( ) piorou ( ) mesma coisa.

  4. Motivação: nota______ ( ) melhorou ( ) piorou ( ) mesma coisa.

  5. Autoavaliação: nota______ ( ) melhorou ( ) piorou ( ) mesma coisa.

Se piorou, por favor, explique no verso o motivo:

No primeiro questionário verificamos que os alunos apontaram que uma duração de 20 minutos era suficiente para as vídeoaulas relacionadas ao conteúdo do curso. No site então foram selecionadas aulas que tivessem essa característica. Outro ponto verificado foi o de que os alunos acessavam pouco as vídeoaulas no primeiro bimestre alegando que essas eram longas e cansativas. Desse modo, no questionário relativo ao segundo bimestre elaboramos a seguinte questão (2): As vídeo-aulas do segundo bimestre que duravam de 20 a 25 minutos, você assistiu: ( ) < 20% ( ) entre 20% e 40% ( ) entre 40% e 60% ( ) entre 60% e 80% ( ) > 80%.

Solicitamos ainda para que fossem indicados os seguintes pontos relacionados às vídeoaulas: Pontos positivos das vídeoaulas; Pontos negativos das vídeoaulas; Na sua opinião, quanto tempo, em média, as vídeoaulas deveriam ter: ( ) 10 min. ( ) 20 mim. ( ) 30 min.

Ainda com o objetivo de identificar a aceitação dos alunos em relação à nova metodologia aplicada foi colocada a questão (3): Nas aulas presenciais, você prefere: ( ) que os alunos façam os exercícios em grupo; ( ) exposição do professor; OBS: Marque uma única opção.

Os resultados obtidos após a aplicação desse questionário são apresentados nas tabelas a seguir.

Em relação à:

Questão (1)

Notas:

Tabela 8
Descrição dos resultados da questão (1)

Comparação do aluno em relação ao bimestre anterior:

Tabela 9
Descrição dos resultados da questão (1)

Questão (2)

Tabela 10
Descrição dos resultados da questão (2)

Observação: 5,2% dos alunos não responderam

Questão (3)

Tabela 11
Descrição dos resultados da questão (3)

Observação: 2,6% dos alunos não responderam

Um primeiro aspecto que merece ser levado em consideração sobre as respostas obtidas nesse questionário é o grande número de alunos que não responderam partes das questões, ou mesmo a questão toda. Entendemos que isso se deve ao fato da maneira com que foi solicitado o seu preenchimento. No primeiro questionário, foi disponibilizada uma parte da aula para que os alunos o respondesse. Já no segundo, foi solicitado seu preenchimento junto com a segunda avaliação bimestral, os alunos estavam cansados e não tiveram tanto empenho em suas respostas como no primeiro.

Nesse contexto, podemos observar que um grande número de alunos não colocou a nota solicitada em relação aos itens: metodologia, organização do site, vídeoaulas, motivação, autoavaliação. Mas, ao fazermos a média dos que responderam a este item, não percebemos grande variação. Chamamos a atenção novamente ao item vídeoaulas, já que percebemos que 21% dos alunos indicaram uma melhora das vídeoaulas no segundo bimestre, mas, mesmo assim, 57,98% dos alunos assistiram a menos de 20% das vídeoaulas. Esse resultado aponta para um real problema com esse recurso didático.

A questão (3) confirmou o interesse dos alunos em continuar com a nova metodologia.

Outro resultado que se tornou importante, como já apontamos anteriormente e devido ao valor que os alunos tradicionalmente na Instituição atribuem a ela, foi o resultado da avaliação presencial. Como foi colocado, todas as quatro turmas da disciplina de Cálculo I realizam a mesma avaliação bimestral, e a turma que desenvolveu o curso a partir da Sala de Aula Invertida foi a que conseguiu a maior média 8,4. Como nos estudos de Moran e Milsom (2014), os alunos que participaram desta experiência também obtiveram um melhor desempenho em suas avaliações.

5 Conclusão

Discutimos neste trabalho uma experiência em sala de aula que utiliza o conceito de Sala de Aula Invertida (ou flipped classroom) na disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I de um Curso Fundamental em Engenharia.

A Sala de Aula Invertida possibilita ao professor desenvolver atividades de aprendizagem interativa em grupo na sala de aula e orientações baseadas em tecnologias digitais fora de sala de aula, tendo como característica marcante não utilizar o tempo em sala com aulas expositivas.

A disciplina de Cálculo Diferencial e Integral I foi a escolhida para desenvolver tal experiência por motivos diversos, dentre eles, a disposição do professor em inovar sua atividade pedagógica de ensino e a importância da disciplina para curso de Engenharia.

A partir dos dados coletados percebemos a ansiedade dos alunos por mudanças relacionadas ao processo de ensino e de aprendizagem, bem como a motivação destes diante de uma metodologia inovadora. Mas também foi alvo de análise desta experiência, a dependência dos alunos em relação à aula expositiva.

Tal necessidade pode ser amenizada por meio de uma postura do professor em sala de aula que mostre ao aluno a necessidade dos estudos que precedem a aula presencial e que, havendo qualquer dificuldade, o professor estará presente como apoio, independente de haver aulas expositivas. Entendemos como Leite (2006)LEITE, S. A. da S. Dimensões afetivas na relação professor-aluno. In: TASSONI, E. C. M. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. São Paulo: Ed. Casa do psicólogo, 2006. p. 18-34., quando destaca que a sala de aula é um espaço onde professores e alunos convivem diariamente, onde o sujeito aprende e se envolve ativamente no processo de ensino aprendizagem por meio das interações sociais que mantém com os outros e com os objetos do conhecimento. No entanto, o sucesso dessa construção vai depender basicamente da qualidade dessas relações (LEITE, 2006LEITE, S. A. da S. Dimensões afetivas na relação professor-aluno. In: TASSONI, E. C. M. A afetividade em sala de aula: as condições de ensino e a mediação do professor. São Paulo: Ed. Casa do psicólogo, 2006. p. 18-34.). Desse modo, a presença da afetividade positiva tanto nas relações entre professor e aluno, como na prática pedagógica assumidas favorece o estabelecimento de uma relação positiva entre o sujeito e os conteúdos acadêmicos, que foi o ocorrido nesse estudo de caso.

Outro ponto que merece destaque é a importância de se ter um material de apoio consistente para o andamento dos estudos dos alunos, nesse caso optamos pelo desenvolvimento de um site da disciplina onde foram disponibilizados vídeoaulas, listas e materiais para leituras complementares. Identificamos que as escolhas feitas para essa experiência não foram satisfatórias, emergindo a necessidade de repensar sobre a sua estrutura, conteúdos e tecnologias utilizadas para que se possa suprir os problemas que surgiram, como, por exemplo, o tempo das vídeoaulas, a didática do professor desse vídeo, enfoque da aula, entre outros.

Desse modo, entendemos que o conceito de Sala de Aula Invertida é uma alternativa interessante para o desenvolvimento da disciplina de Cálculo, mas que exige mudanças importantes na postura do professor perante as aulas presenciais, escolha e elaboração de material didático eficiente e também mudanças nas posturas dos alunos da turma.

Verificamos também que nesta experiência conseguimos atingir uma das características mais marcantes da Sala de Aula Invertida, de acordo com Bishop e Verleger (2013)BISHOP, J. A Controlled study of the flipped classroom with numerical methods for engineers. 2013. 284 f. Tese (Doutorado em Ensino de Engenharia) - UTAH State University, Logan, 2013. Disponível em: <http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=3011&context=etd>. Acesso em: 20 abr.2015.
http://digitalcommons.usu.edu/cgi/viewco...
, não usar o tempo de sala de aula para aulas expositivas, mas sim para as atividades interativas em grupo.

Independente das dificuldades enfrentadas no decorrer da experiência, existe uma necessidade de atitudes inovadoras em sala de aula, e que estas reflitam diretamente na postura dos alunos e no aproveitamento dos seus estudos em prol de um melhor significado dos conteúdos envolvidos e de uma formação profissional de mais qualidade.

  • 1
    Day & Foley, 2006.
  • 2
    Enfield (2013).
  • 3
    Informações retiradas do site: http://www.ita.br/info.
  • 4
    Fonte: relatório ENADE 2011.
  • 5
    Em 2016 foram mais de 100 candidatos por vaga.
  • 6
    Nessa experiência foi utilizado o ambiente Moodle, já institucionalizado.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    Maio 2016
  • Aceito
    Out 2016
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