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Tipologia do Contrato Didático: um estudo teórico

Tipología del contrato didáctico: un estudio teórico

Resumo

Este estudo teve como objetivo geral propor uma tipologia de Contrato Didático, considerando elementos da Didática da Matemática, da Psicanálise e da Relação ao Saber do Professor, no contexto da sala de aula de Matemática do Ensino Superior. O Contrato Didático se inscreve, indissociavelmente, na relação didática, envolvendo as inter-relações entre o professor, os alunos e o saber. Sem negar essa indissociabilidade, orientamo-nos a partir do olhar sobre o professor. Assim, focamos, principalmente, nos aspectos referentes às relações do professor ao aluno e ao saber. Foi nesse contexto, portanto, que a Relação ao Saber emergiu como uma noção-chave em nossa investigação. Ao considerar a natureza do contexto de nosso estudo, acreditamos que essa articulação entre Contrato Didático e Relação ao Saber permitiu dar conta de olhar a sala de aula como um espaço psíquico. A partir dessa configuração, identificamos, no estudo de Jacques Nimier, os modos de relação às Matemáticas, pertinência para nortear a construção da tipologia que almejávamos. Assim, estruturamos nossa investigação em dois momentos inter-relacionados. No primeiro momento, realizamos a fundamentação das bases teóricas para o esboço de modelização da Tipologia de Contrato Didático. No segundo momento, propomos o esboço de uma modelização da tipologia de Contrato Didático na qual estabelecemos quatro tipos de contratos: o Contrato Didático Projetivo; o Persecutório ou Perverso, o Narcisista e o Idealizado.

Contrato Didático; Tipologia de Contrato Didático; Sala de aula

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo proponer una tipología de Contrato Didáctico, considerando elementos de la Didáctica de la Matemática, del Psicoanálisis y de la Relación con el Saber del Profesor, en el contexto del aula de Matemática en la Enseñanza Superior. El Contrato Didáctico se inscribe, indisolublemente, en la relación didáctica, involucrando las interrelaciones entre el profesor, los alumnos y el saber. Sin negar esta inseparabilidad, nos orientamos a partir de la mirada sobre el profesor, por lo tanto, nos centramos, principalmente, en los aspectos relativos a las relaciones del profesor con el alumno y con el conocimiento. Fue en este contexto, por lo tanto, que la Relación con el Conocimiento surgió como una noción clave en nuestra investigación. Al considerar la naturaleza del contexto de nuestro estudio, creemos que esa articulación entre Contrato Didáctico y Relación con el Saber nos permitió mirar el aula como un espacio psíquico. A partir de esta configuración, identificamos, en el estudio de Jacques Nimier, los modos de relación con las Matemáticas, pertinencia para orientar la construcción de la tipología que pretendíamos. Así, estructuramos nuestra investigación en dos momentos interrelacionados. En el primer momento, realizamos la fundamentación de la base teórica para el esbozo modelador de la Tipología de Contrato Didáctico. En el segundo momento, proponemos el esbozo de modelización de la Tipología de Contrato Didáctico en el que establecemos cuatro tipos de contratos: el Contrato Didáctico Proyectivo; el Persecutorio o Perverso, el Narcisista y el Idealizado.

Contrato Didáctico; Tipos de Contrato Didáctico; Aula

1 Introdução

Entendemos que a sala de aula, além de ser um espaço de interações sociais, históricas e culturais, é, também, um espaço psíquico de transferência didática,1 1 Transferência didática – Força modeladora segundo a qual o professor molda o espaço no nível psíquico (Blanchard-Laville, 2005, p. 234). de projeções2 2 Projeções – operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo objetos que ele desconhece ou recusa em si mesmo. Trata-se, aqui, de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação particularmente na paranoia, mas, também, em modos de pensar normais, como a superstição (Laplanche; Pontalis, 1992, p. 374). e de fantasias3 3 Fantasias – roteiro imaginário em que o sujeito está presente e que representa, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente (Laplanche; Pontalis, 1992, p. 169). (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987.). Portanto, um espaço de desvelamento do inconsciente de professores e alunos, de suas subjetividades, revelando suas representações e atitudes (e nelas reveladas), uns em relação aos outros e ao saber envolvido. Também, é um espaço para uma prática pedagógica reflexiva e prática, por isso a importância de se discutir o Contrato Didático.

As discussões e os estudos que tratam do Contrato Didático têm sua origem na década de 70 do século passado, com proposição da Teoria das Situações Didáticas por Brousseau (2008)BROUSSEAU, G. Introdução ao Estudo da teoria das situações didáticas: conteúdos e métodos de ensino. Tradução Camila Bogea. São Paulo: Ática, 2008., doravante TSD. O Contrato Didático, que inicialmente estava incluído no cerne da TSD, se destaca como fenômeno que acontece na sala de aula e passa a configurar no panorama das pesquisas que buscam por soluções para o insistente fracasso propagado pela disciplina de Matemática e registrado pelos estudos oriundos da Didática da Matemática, nos quais nasceu a noção teórica aqui enfatizada.

Devido à profusão de estudos que surgiram nessa época, tendo a noção teórica no centro da discussão, parece que a temática já está ultrapassada e até mesmo esgotada. Contudo, essa percepção é enganosa, pois identificamos que há, ainda, uma real necessidade de aprofundamento teórico e estudos empíricos que descortinem os aspectos tácitos que envolvem o contrato e a sala de aula de Matemática.

Apesar de essa noção ter já sido bastante estudada e discutida, tanto por Brousseau (1996BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da didáctica da Matemática. In: Brun, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 35-113., 1998BROUSSEAU, G. Le contrat didactique: l’enseignant, l’élève et le milieu. In: Brousseau, G (org), Théorie des situations didactiques. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1998. p. 299-327., 2008BROUSSEAU, G. Introdução ao Estudo da teoria das situações didáticas: conteúdos e métodos de ensino. Tradução Camila Bogea. São Paulo: Ática, 2008.) quanto por vários outros pesquisadores que procuraram aprofundar a temática (Sarrazy, 1995SARRAZY, B. Note de synthèse [Le contrat didactique]. Revue française de pédagogie, Marseille, v. 112, n. 1, p. 85-118, 1995.; Jonnaert; Borght, 2002JONNAERT, P.; BORGHT, C. V. Criar Condições para Aprender: o socioconstrutivismo na formação de professores. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.; D’amore, 2007, entre outros), na atualidade, no âmbito da Didática da Matemática, não encontramos muitos estudos que avancem teoricamente além do que Brousseau já discutiu acerca do Contrato Didático.

O que temos percebido, em termos de estudos que relacionam o Contrato Didático, são aqueles que enfatizam cláusulas de contrato, expectativas, negociações, rupturas (Almeida; Lima, 2013ALMEIDA, F. E. L.; LIMA, A. P. A. B. Negociações do Contrato Didático na Passagem da Linguagem Natural para a Linguagem Algébrica e na Resolução da Equação no 8º Ano do Ensino Fundamental. Zetetiké, Campinas, v. 21, n. 39, p. 77-102, 2013.; Almeida, 2016ALMEIDA, F. E. L. O contrato didático e as organizações matemáticas e didáticas: analisando suas relações no ensino da equação do segundo grau a uma incógnita. 2016, 304 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Recife, 2016.; Araújo; Costa; Araújo, 2012; Arruda; Soares; Moretti, 2003, entre outros), entretanto, não temos visto estudos que avancem teoricamente. Isso se torna interessante, na medida em que se percebe a relevância do tema Contrato Didático, na busca pela melhoria do ensino e na superação do fracasso eletivo em Matemática (Brousseau, 1998BROUSSEAU, G. Le contrat didactique: l’enseignant, l’élève et le milieu. In: Brousseau, G (org), Théorie des situations didactiques. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1998. p. 299-327.). Logo, ainda há muito a ser explorado sobre o Contrato Didático.

A definição elaborada por Brousseau (1998)BROUSSEAU, G. Le contrat didactique: l’enseignant, l’élève et le milieu. In: Brousseau, G (org), Théorie des situations didactiques. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1998. p. 299-327., acerca do Contrato Didático, estabelece que este é um jogo de expectativas e negociações, envolvendo o comportamento do professor e do aluno na presença de um saber específico, no nosso caso, o saber matemático. Ao tomar por base essa definição, buscamos, no estudo sobre os modos de relação à Matemática dos professores, proposto por Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., categorias que dessem suporte à elaboração de uma tipologia do contrato didático de orientação psicanalítica.

Dessa forma, e a partir do que refletimos acima, propomo-nos articular o Contrato Didático com a perspectiva psicanalítica da Relação ao Saber, uma vez que, conforme já discutimos, a sala de aula, onde o Contrato Didático se estabelece, é um espaço de subjetividade/intersubjetividade dos alunos e do professor, em estreita relação, constituindo, portanto, um contexto possível para uma proposta de tipologia para o Contrato Didático. Tais relações intersubjetivas se dão, particularmente, a partir das representações que tomam lugar como mediadoras das relações que se materializam e que são mediatizadas pelo Contrato Didático praticado pelo professor.

2 Uma discussão sobre Contrato Didático

A ideia de Contrato Didático foi desenvolvida por Brousseau, na década de 70 do século XX, como referência ao processo de aprendizagem da Matemática em sala de aula. O Contrato Didático envolve três dos elementos que configuram o sistema didático, quais sejam: o professor, o aluno e o saber. Essa relação se dá em um ambiente específico - a sala de aula - dentro de uma instituição que tem como papel social a transmissão do saber canônico acumulado.4 4 Chevallard vai denominar esse corpo de saber de savoir-savant, ou seja, “saber sábio”, saber de referência ou acadêmico, aquele que vai servir de ponto de partida à elaboração do saber dos livros didáticos, o savoir enseigné ou saber escolarizado, devidamente transformado para uso em sala de aula (Chevallard, 1985). Esse espaço é caracterizado como um ambiente onde se estabelecem interações sociais, históricas e culturais como um conjunto específico de pressupostos, de atitudes, normas e representações, e que, segundo Chevallard (1985CHEVALLARD, Y. La Transposicion Didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1985., p. 166), é uma vitrine na qual estão expostos os saberes escolhidos, aprovados e apoiados pela sociedade, ou seja, “um habitat com uma ecologia particular”.

O saber transposto é diferente para cada situação apresentada, uma vez que o saber que se legitima na sala de aula não é o mesmo que foi produzido na comunidade científica. Ele sofre deformações necessárias para se transformar em um saber a ser ensinado, que é diferente daquele da origem e “está relacionado, em um determinado sentido, a um contexto didático e social que institui que certos conhecimentos são os conhecimentos válidos e que precisam ser apropriados num determinado tempo e contexto histórico” (Menezes, 2006MENEZES, A. P. A.B. Contrato didático e transposição didática: inter-relações entre os fenômenos didáticos na iniciação à álgebra na 6ª série do Ensino Fundamental. 2006. 259 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, Recife, 2006., p. 31).

É nesse espaço de negociações que cada personagem (professor e aluno) assume a gerência de suas responsabilidades, por meio de atitudes e comportamentos emoldurados por regras e expectativas. Do professor, espera-se, entre outras coisas, que possa organizar as informações relevantes para que os alunos dominem os conceitos e as operações necessárias à compreensão dos conteúdos programados para o ensino. Também de acordo com a TSD, dos alunos, que entrem no jogo proposto pelo milieu.

Assim, o Contrato Didático diz respeito ao conjunto de regras explícitas e, principalmente, implícitas que regulam o funcionamento didático da sala de aula de uma escola. Inicialmente, tal noção se referiu à prática no plano específico de uma sala de aula de Matemática. Entretanto, como salienta Brousseau (1998)BROUSSEAU, G. Le contrat didactique: l’enseignant, l’élève et le milieu. In: Brousseau, G (org), Théorie des situations didactiques. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1998. p. 299-327., o contrato não se dá sem a existência de contradições que se expressam por meio de paradoxos. Em sua ação educativa, o professor não pode dar todas as informações daquilo que o aluno terá que fazer para resolver o problema, pois isso retiraria do aluno a possibilidade de mostrar o que já aprendeu e o que ainda precisa aprender.

O Contrato Didático nasce no bojo da relação didática e esta sintetiza uma série de relações sociais que se revelam no espaço sociotemporal e na ecologia da sala de aula, que envolve um professor, seus alunos e um objeto de saber. Todo contrato, segundo Brousseau (1996)BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da didáctica da Matemática. In: Brun, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 35-113., é único e instável, uma vez que os saberes5 5 “O ‘conhecimento’ é uma construção a partir de uma relação mais concreta e empírica entre o objeto de conhecimento e o indivíduo (na mesma linha do que propõe a perspectiva construtivista), o saber diz respeito a uma construção científica, histórica e cultural, mais descolada do mundo empírico, da experimentação imediata” (Menezes, 2006, p. 71). envolvidos na relação didática não são apenas aqueles que o professor quer que o aluno aprenda e que foram retirados dos referenciais curriculares, das produções científicas e dos livros didáticos. Há muito mais envolvido quando um professor e seus alunos se debruçam sobre um conteúdo (objeto de um saber, no caso, a Matemática), pois nenhum conhecimento que acontece em sala de aula é exatamente igual ao que foi criado na sua origem.

Esse saber de referência é transformado, a partir de um processo de transposição didática, e cada um dos sujeitos didáticos (professor e alunos) se relaciona, inicialmente de forma assimétrica, ou seja, o professor sabe alguma coisa que o aluno (ainda) não sabe. Tais relações com os saberes se transformam no decorrer do processo de ensino e aprendizagem, em virtude de como o jogo didático se estabelece. Elas evoluem e se modificam na relação, de tal forma que, ao final, nenhuma das partes mantém a mesma relação com o saber que tinha no início do processo.

Margolinas (1993)MARGOLINAS, C. De l’importance du vrai et du faux dans la classe de mathématiques. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1993. assegura que tal assimetria tende a desaparecer, ao final, quando do envelhecimento6 6 Compreende-se por envelhecimento da situação de ensino quando o professor reedita situações de ensino positivas de grupos anteriores para novos grupos, entretanto estas não surtem o mesmo efeito que quando trabalhadas em situações anteriores, fazendo o professor perceber que a situação envelheceu ( Menezes, 2006). da situação de ensino:

No estágio didático inicial, o professor mantém uma relação privilegiada ao saber. Do ponto de vista da relação ao saber, há uma dessimetria que é constitutiva do sistema didático. Nós não dizemos que o aluno não detém alguma relação ao saber antes do ensino, mas simplesmente que, no estágio inicial, esta relação é pouco ou não adequada (Margolinas, 1993MARGOLINAS, C. De l’importance du vrai et du faux dans la classe de mathématiques. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1993., p. 228).

Essa relação que os sujeitos estabelecem com os saberes é individual e intransferível, pois se vincula aos conhecimentos prévios, às percepções e ao envolvimento que cada sujeito estabelece com o saber de referência, tornando-o subjetivo e único. Assim, pode-se dizer que o Contrato Didático varia de uma sala de aula para outra, de um grupo de alunos para outro, de um professor para outro, mesmo considerando a similaridade dos saberes escolares de referência. É por isso que não se pode pensar em um contrato único para todos os grupos de alunos, mesmo que o professor seja o mesmo, pois a relação que ele estabelece com o saber é individual.

É evidente que, para planejar suas atividades, o professor vai buscar em fontes canônicas, como programas e manuais de referências, os subsídios necessários para organizar seu trabalho pedagógico. Ele utiliza critérios para orientar e encaminhar seus alunos. Entretanto, o saber que será transposto terá sempre a cara do professor que o está veiculando, em larga medida, determinada em função da relação ao saber do professor.

O Contrato Didático orienta essas relações particulares sem engessá-las em regras definitivas; ao contrário, ele coopera para a existência de uma tensão por meio de rupturas. Essas rupturas são pontos nevrálgicos que permitem que cada parceiro da relação didática modifique permanentemente as suas relações com o saber em foco. É das rupturas que a aprendizagem escolar se nutre.

Essa relação envolvendo o saber não é simétrica para os dois parceiros, conforme falamos anteriormente. É essa assimetria característica do Contrato Didático que impulsiona a relação didática. São essas relações desiguais e a possibilidade de mudança das relações com o saber e as rupturas que dinamizam a dialética professor, aluno e saber. Assim, “na ausência de relação com o saber, não há relação didática e, portanto, não há Contrato Didático” (Jonnaert; Borght, 2002JONNAERT, P.; BORGHT, C. V. Criar Condições para Aprender: o socioconstrutivismo na formação de professores. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002., p. 166). Dessa forma, apresentamos uma discussão acerca da construção da modelização da tipologia do Contrato de Didático, objeto deste estudo.

3 Esboço de modelização a priori: por uma tipologia de Contrato Didático

É preciso ressaltar que o estudo de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. serviu como base, principalmente, por apresentar uma perspectiva psicanalítica sobre o trabalho dos professores, especialmente no aspecto concernente à relação ao saber matemático e às atitudes deles em relação aos seus alunos, pilares de sustentação do sistema didático, logo, do Contrato Didático. A elaboração da tipologia de Contrato Didático foi realizada, a priori, no sentido de que não foi consequência de um estudo empírico; dessa forma, tem natureza teórica. Assim, e para dar sustentação à nossa proposta de uma tipologia de Contrato Didático, apoiamo-nos nas categorias estabelecidas por Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., que serviram de base para o esboço de modelização que ora propomos. Sabendo que, em seu estudo, ele considerou um universo de mais de três mil (3.000) sujeitos, entendemos que a tipologia de Contrato Didático proposta neste estudo traz, no seu arcabouço, o respaldo de um estudo denso. Embora caracterizemos o esboço de modelização como tendo sido desenvolvido a priori, acreditamos que, por se referenciar num estudo com mais de três mil sujeitos, ele tem um potencial significativo de traduzir muitas das relações contratuais que podem ser estabelecidas no cenário didático.

3.1 Os modos de relação à Matemática: o estudo de Jacques Nimier

Como explicado anteriormente, apoiamo-nos nas categorias elencadas no estudo de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., e, dessa forma, neste tópico, optamos por discutir de maneira mais aprofundada as bases e os resultados do estudo de Nimier (1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988.), dada a sua relevância para a modelização da tipologia do Contrato Didático que estamos propondo.

Nimier (1987)NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987. argumenta que os conteúdos das disciplinas ensinadas e a ação didática desenvolvida pelo professor são os dois lados de uma mesma moeda, e que uma não existe sem a outra, ou seja, não se pode pensar em um saber sem pensar em como ensinar esse saber. Portanto, não se pode dizer que todos os professores que ensinam um determinado saber o fazem da mesma forma, mesmo que se utilizem das mesmas regras e teoremas, e que tenham os mesmos objetivos didáticos, ou seja, que ensinem a mesma Matemática, pois se assim acontecesse, seriam retiradas dos professores as características subjetivas e suas representações particulares em relação à disciplina que ensinam, uma vez que cada professor vive uma relação à Matemática particular e, da mesma forma, ensinam uma Matemática particular.

Nimier (1987)NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987. salienta que o conteúdo a ser ensinado e a didática utilizada para planejar as aulas dos professores de Matemática refletem-se na apresentação de sua disciplina, e que a forma de representar a Matemática está intimamente relacionada à apresentação dos conteúdos e à relação didática desses professores. Ainda segundo esse autor, os professores complexificam sua forma de ensinar com sua personalidade, suas concepções e crenças, e é baseados nelas que eles fazem escolhas, dando ênfase a alguns aspectos e omitindo aqueles em que não veem importância; abordando um determinado assunto mais cedo ou mais tarde; escolhendo a metodologia a ser utilizada de forma que facilite (ou dificulte) a aprendizagem do saber envolvido; focando sua atenção nos resultados dos exercícios ou, no rigor do raciocínio, na escrita Matemática ou na apresentação gráfica; transformando suas salas de aulas em momentos de seriedade, de jogos e brincadeiras ou de terror.

Em resumo, pode-se dizer que a comunicação que o professor estabelece com seus alunos acontece a partir do seu imaginário, das fantasias projetadas sobre a Matemática, de seus desejos de utilizar esse objeto com um objetivo ou com outro, extrapolando o nível da consciência e adentrando o conteúdo do inconsciente.

Para Nimier (1987)NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., o aluno também contribui para a unicidade da aula, pois ele não é neutro. Ele tem suas próprias representações da aula, do professor da disciplina, do saber envolvido, do seu papel na relação didática. Todas essas representações são comunicadas pelos alunos nas inter-relações que acontecem no momento da ação didática. Nesse espaço, eles comunicam seus desejos e seus medos, e cabe ao professor transformar toda essa comunicação em ações que mobilizem seus alunos na busca pelo sucesso, ou mesmo pelo fracasso, em sua disciplina, como frequentemente acontece.

Muitas vezes, o professor trata a Matemática como uma representação da verdade, ou seja, como um modo ideal de pensar e de alcançar a verdade. Para esses professores, a verdade existe e eles a encontraram na Matemática. Essa compreensão os torna intolerantes com as dúvidas e os erros de seus alunos, assim eles tendem a ser rigorosos e impacientes com aqueles que ainda não conheceram a riqueza da verdade (Matemática).

Portanto, quando se fala das representações dos professores em relação ao saber envolvido, fala-se, também, do revelar da personalidade desse professor, que, muitas vezes é desconhecida, inclusive para ele. Quatro diferentes percepções apresentadas pelos professores sobre a disciplina de Matemática serviram de base para a elaboração das representações dos modos propostos no estudo de Nimier (1987)NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987.. São elas:

A Matemática como objeto idealizado que leva a um mundo de milagres ou de refúgio;

Como um conjunto de regras – o domínio da lei;

Objeto interno ligado ao funcionamento do pensamento sem relação com a realidade;

Objeto externo ao homem ligado à realidade e ao serviço de outras ciências;

Objeto a ser construído ou verdade a ser descoberta (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., p. 58-60).

O autor elaborou, assim, bases sobre as quais os professores fundamentam suas representações acerca da Matemática. Na primeira modalidade, a Matemática é percebida como objeto mais ou menos idealizado. O autor argumenta que os professores que têm essa percepção representam-na como algo “belo”, “harmonioso”, agradável, e que os leva a “momentos maravilhosos” ou a “sentimentos de quietude”. Fazer Matemática é tão natural para alguns que parece que estão de férias, pois para estes, ela é “um refúgio que ajuda a viver” (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., p. 51).

Na segunda modalidade, a Matemática é percebida como uma lei, como um conjunto de regras no qual sua principal função seria a de estruturar o pensamento, logo é algo percebido como muito sério e coerente. Essa disciplina é, em certo sentido, “uma forma de funcionamento do pensamento” (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., p. 59), eles são experimentados como um “jogo da mente” (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., p. 59). É nessa representação que o rigor do raciocínio tem a maior importância. A realidade não intervém. Tudo acontece na mente daquele que está em atividade Matemática.

Outra modalidade (terceira) é aquela que concebe a Matemática como um objeto externo ao sujeito, opondo-se àqueles que a entendem como um objeto interno ao indivíduo. Para os primeiros, a realidade tem algo a ver com a Matemática. Para eles, fazer Matemática é uma atividade séria (e não um jogo), uma atividade que está principalmente a serviço de outras ciências. Assim, não é mais uma questão de inventar, mas de descobrir em contato com o real para usá-los no real. Aqui está um exemplo de Matemática concebida como uma atividade (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987.).

A quarta modalidade traz uma representação que se opõe àquela em que a Matemática é percebida como um objeto dado. Aqui ela é representada como uma verdade a ser descoberta, um objeto a ser conhecido, com um conjunto de elementos com os quais nós podemos construir, fabricar, produzir conhecimento. Nessa última modalidade, a Matemática é percebida como um objeto em permanente construção. A ideia é levar o aluno a acreditar que ele pode fazer Matemática em todas as situações, elaborando, por meio da linguagem, modelos formais para descrever e agir na realidade.

Essas diferentes representações mostram que a Matemática não é percebida de forma igual por todos os professores que a ensinam, tornando-se mais coerente que as representações da disciplina se reflitam na forma de cada um ensiná-la, expressando a subjetividade de cada professor. Logo, cada professor é único em seu método de ensino.

Em um outro estudo, publicado em 1988, tendo como referencial teórico a Psicanálise, Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. categorizou os modos de relação do professor à Matemática. Para a realização do estudo, aplicou um questionário que contemplou uma amostra de 2230 alunos da França, Canadá, Bélgica, Estados Unidos e Grã-Bretanha, e 1020 professores da França. Além de responder ao questionário, 64 alunos e 30 professores foram entrevistados, com o intuito de entender como profissionais (docentes) e estudantes percebiam a Matemática. Para isso, ele levou em consideração as representações dos pesquisados sobre a atividade matemática, o componente curricular, os alunos e os próprios professores na mediação do ensino de Matemática.

Após a análise dos questionários e entrevistas oriundos do amplo estudo, o autor definiu quatro modos de relação ao saber matemático, cuja nomenclatura apoiou-se na Psicanálise. São eles: Modo Persecutório, Modo Esquizoide, Modo Analítico e Modo de Autoridade. Para a proposição do modelo, Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. considerou oito dimensões: - quatro referentes às características da personalidade: representação da Matemática, atitudes a respeito dos alunos, instância dominante, natureza do conflito; - e quatro relativas aos mecanismos de defesa e às funções do objeto de saber: principal mecanismo de defesa a respeito da Matemática, principal mecanismo de defesa a respeito dos alunos, funções do objeto matemático, estrutura principal.

Tal estudo mostrou que existe uma profunda ligação da representação que o professor tem sobre a Matemática e a sua personalidade, e consequentemente do professor com seus alunos na relação didática. Além das representações da Matemática elaboradas pelos professores e suas atitudes em relação aos alunos, Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. traz uma reflexão sobre os mecanismos de defesa que os professores se imbuem, quando das suas relações em sala de aula, e que estão intimamente associados à forma como concebem a Matemática.

O Modo Persecutório de relação à Matemática, segundo Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., fornece uma representação negativa da Matemática, pois ela irá perseguir aqueles que não forem aptos a entender suas leis e princípios. Esse modo se utiliza do mecanismo da projeção7 7 Para Freud, o organismo está submetido a duas espécies de excitações geradoras de tensão: aquelas de que pode fugir e de que se pode proteger, e aquelas de que não pode fugir e contra as quais não existe inicialmente aparelho protetor ou pára-excitações. A Projeção aparece, então, como meio de defesa originário contra as excitações internas cuja intensidade as torna demasiadamente desagradáveis: o sujeito projeta-as para o exterior, o que lhe permite fugir (evitamento fóbico, por exemplo) e proteger-se delas (Laplanche; Pontalis, 1992, p.377). para dar à Matemática um status de perigosa. Esse perigo, por sua vez, está instalado nas fantasias de alunos e professores. Para os alunos, essa é uma Matemática que os transforma em máquinas que levam à destruição, que despoetizam as coisas. Para os professores, a Matemática é um objeto morto, que é preciso ressuscitar para que os alunos aprendam e não sejam mais selecionados como bons e maus alunos.

Essa representação leva os professores a buscarem novas estruturas pedagógicas para enfrentar a Matemática sem vida e que tenta tirar a vida dos seus alunos, causando ansiedade e, em casos extremos, uma agressividade nos professores em relação à aprendizagem dos alunos. Essa tendência à projeção faz com que o professor aceite o comportamento dos alunos como projeção de suas próprias pulsões,8 8 Pulsões – processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta (Laplanche ; Pontalis, 1992, p. 394). principalmente por causa da agressividade que ele projeta.

No Modo Esquizoide, a Matemática é vista de forma dúbia: às vezes, é percebida como um objeto do mal, causando obstáculos à sua aquisição; às vezes, como um bom objeto. Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. percebeu que a representação positiva era a mais frequente, uma vez que a Matemática, nesse modo de relação, pode permitir que o sujeito crie um domínio no qual ele será capaz de se sentir bem, diferente da ansiedade que ela causa no restante das pessoas. Nesse caso, a Matemática é encarada como um jogo solitário, um domínio pessoal, entretanto, há certo desinvestimento da função de ensino.

Os professores deste grupo preferem a Matemática ao ensino e estão entre os que estão mais distantes de seus alunos. De fato, o mundo deles é o mundo da Matemática e tudo o que não está neste mundo pode ocasionar problemas. Sua vocação era a de pesquisa em Matemática, e é aí que o desejo deles costuma estar. Esses professores afastam-se voluntariamente da realidade da classe, onde não conseguem satisfazer seus impulsos, mas encontram uma ligação com a realidade e, portanto, um equilíbrio no jogo matemático (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 239).

Assim, eles preferem se voltar mais para o objeto matemático do que para o ensino, os alunos e suas aprendizagens, pois o objeto matemático é, para ele, uma ligação com a realidade, uma garantia de equilíbrio e, ao mesmo tempo, uma possibilidade de ser subtraído da realidade. Nesse modo de relação, a ênfase está na construção de um mundo psíquico em que realidade e fantasia se complementam, dando a estabilidade e o equilíbrio para a vida em sociedade.

O mecanismo de defesa utilizado pelos professores, nesse modo de relação à Matemática, é a fuga à realidade, ou seja, uma tendência à negação da realidade imediata, transformando o objeto matemático em uma âncora, um equilíbrio.

No Modo Analítico, a Matemática é um suporte indispensável ao professor. Ela é percebida como um tecido, uma trama imbricada na vida de forma idealizada. “Ela pode se tornar um ponto de ancoragem na vida do sujeito, de modo que é uma verdade perfeita que lhe permite levar sua vida e dar-lhe significado; um bom raciocínio substitui um bom desempenho" (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 237).

A ideia é de uma Matemática bela, harmoniosa, unificada, que preencha todas as necessidades dos sujeitos. Uma Matemática que produz uma imagem sem falhas e que considera o ego do sujeito de forma ideal. É a ideia de suprir a falta inerente ao sujeito, que é substituída pela certeza de se ter todo o conhecimento à mão, favorecendo, assim, “a construção imaginária de um objeto ideal que participa do ideal do ego do sujeito” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 237).

Toda falta, segundo Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., remete à ferida narcísica,9 9 Ferida narcísica - “A base da ferida narcísica é estabelecida quando a mãe é incapaz de estabelecer limites dentro dos quais é permitido à criança experenciar-se; e quando a mãe é incapaz de participar com prazer do movimento espontâneo da criança. Isto é verdade porque a mãe, consciente ou inconscientemente, usa o vínculo com a criança como uma tentativa de curar suas próprias feridas narcísicas, sofridas nas mãos de seus próprios pais. A mãe precisa da criança para confirmar que é importante e assim reparar sua baixa autoestima. Isto é feito pela criança, seja ficando agarrada à mãe, seja permitindo-lhe que se encarregue de suas próprias explorações” (Hilton, 1988). e esta é preenchida pela suposta posse do objeto matemático, que parece trazer unidade à pessoa, revelada por uma sensação de poder e de alegria. Esse comportamento do professor é observado, também, em relação aos alunos, pois, para esses professores, é preciso que os alunos sejam preenchidos e que nenhum tipo de falta seja registrada, nem de conhecimento, nem afetiva. Trata-se, dessa forma, de uma peça teatral encenada na sala de aula, onde o professor apresenta uma imagem perfeita do objeto matemático.

No Modo de relação de Autoridade, segundo Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., a Matemática é considerada como uma forma de disciplinar o espírito, uma lei, um conjunto de regras que regulam a ação do sujeito no mundo. É um objeto confiável, que dá segurança na formação da personalidade. A autoridade é ansiada como forma de suprimir a expansão da criatividade, tão pouco incentivada pelos professores, pois, uma vez que a Matemática é representada como lei, é preciso segui-la tal qual ela é, sem desvios. Esse modo de perceber a Matemática tem uma importante ação na estruturação interna do sujeito e participa da resolução dos conflitos, levando em conta que conduz a vitórias sobre as extravagâncias geradas pela expansão da criatividade, dando os limites necessários à segurança no trabalho daqueles que têm essa representação.

O mecanismo de defesa que esse sujeito utiliza é a introjeção, que permite assimilar as qualidades de ordem e unidade atribuída à Matemática. Isso será percebido pela ideia de autoridade que o sujeito desenvolverá acerca de suas próprias ações. A ideia de que a Matemática tem o poder de disciplinar espíritos será passada para os alunos nas interações com o professor.

O estudo supracitado foi particularmente importante por trazer elementos relevantes para a construção da tipologia de Contrato Didático. A partir dele, pudemos retirar alguns aspectos, principalmente nas categorias organizadas pelo autor, como a representação à Matemática e a atitude dos professores em relação aos seus alunos, para elaborar os tipos de Contrato Didático que apresentamos adiante. Essas representações, discutidas por Nimier (1987)NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., permeiam o imaginário dos professores de Matemática sobre a disciplina que ensinam e como a representação desta está intimamente ligada à sua ação. Dessa forma, é possível ver a materialidade dessas modalidades nas relações com os alunos e nas práticas cotidianas dos professores, logo, no Contrato Didático.

Foi pensando na Tipologia de Contrato Didático que vamos propor, e que buscamos no trabalho de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. acerca dos Modos de relação à Matemática dos professores, categorias que contribuíssem para olhar para o Contrato Didático, a partir da perspectiva do sistema didático, aspectos significativos, a partir do polo do professor, que favorecessem a elaboração de uma tipologia de Contrato Didático. Entre as categorias elencadas por Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., buscamos aquelas que enfatizam as representações dos professores no que se refere à Matemática (representações acerca do saber envolvido – professor-saber); e as atitudes desses professores em relação aos alunos (representação da relação professor-aluno) como base para fundamentar os tipos de Contratos Didático aqui apresentados. Enfatizamos, assim, que este estudo se concentra no professor, em suas representações e atitudes quando da vivência do Contrato.

A pesquisa de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., discutida nesta seção, configura-se, em nosso estudo, como a matéria-prima para a modelização de uma tipologia de Contrato Didático, tal como propomos. O aprofundamento teórico acerca do Contrato Didático nos possibilitou perceber que, na literatura sobre essa temática, não havia referências sobre o esboço de modelização de uma tipologia de Contrato Didático, embora tenhamos notado indícios de tentar sistematizar essa ideia, ao menos em parte, uma vez que existem tipos diferentes de contrato e que tais tipos configuram a relação didática, dando-lhe uma cara, uma identidade. Todavia, a pergunta que se faz é: quais seriam, então, os elementos determinantes de tal tipologia?

A literatura sobre Contrato Didático revela que a entrada no CD, para a Didática da Matemática, dá-se pelo polo do saber (Brousseau, 1996BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da didáctica da Matemática. In: Brun, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 35-113.). É consenso para os estudiosos dessa área que o saber determina, em larga medida, que regras nortearão o contrato. Mas, uma vez que o saber é o polo não humano da relação didática e está relacionado a uma epistemologia, aceitar que é o polo do saber que determina as relações contratuais poderia nos conduzir à afirmação equivocada de que, tomando um mesmo saber, mesmo em classes diferentes, o Contrato Didático seria o mesmo. Ora, essa questão já foi amplamente discutida por Brousseau (1996)BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da didáctica da Matemática. In: Brun, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 35-113., Jonnaert e Borght (2002)JONNAERT, P.; BORGHT, C. V. Criar Condições para Aprender: o socioconstrutivismo na formação de professores. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002., Menezes (2006)MENEZES, A. P. A.B. Contrato didático e transposição didática: inter-relações entre os fenômenos didáticos na iniciação à álgebra na 6ª série do Ensino Fundamental. 2006. 259 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, Recife, 2006., Almeida (2016)ALMEIDA, F. E. L. O contrato didático e as organizações matemáticas e didáticas: analisando suas relações no ensino da equação do segundo grau a uma incógnita. 2016, 304 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Recife, 2016., e facilmente essa ideia poderia ser rebatida. Por outro lado, se tomarmos que uma das palavras-chave, ou talvez a palavra-chave, do Contrato Didático seja negociação, logo entendemos que os outros polos são tão relevantes quanto o saber no CD, ainda que este seja a pedra de toque, tal como postularam Chevallard, Bosch e Gascón (2001).

Para avançarmos mais em nossa reflexão, é preciso entender que consideramos que é o professor quem, em última instância, gerencia a relação didática, cabendo a ele as escolhas sobre como ensinar, sobre o tempo que um saber ficará em cena, sobre as negociações a serem feitas. Podemos afirmar que o contrato tem, na figura do professor, o seu principal negociador. Assim, a nossa escolha de tomar o estudo de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. como a matéria-prima para a nossa proposição não se dá ao acaso. Nesse estudo, Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. traça um olhar sobre o professor e sobre os modos de relação com a Matemática e com os alunos. Encerra-se aí o triângulo das situações didáticas, que configura o sistema didático: professor, aluno e saber, numa relação estreita e intencional.

Desse modo, a tipologia proposta e discutida no tópico a seguir toma como ponto de partida o professor. Poder-se-ia pensar em outros elementos, para o caso de essa tipologia ser olhada a partir dos outros polos. Mas, acreditamos já havermos justificado suficientemente o porquê da escolha do polo do professor. Assim, consideramos, como já mencionamos no início desta sessão, prioritariamente duas das dimensões propostas por Nimier: representação da Matemática (polo do saber) e atitudes a respeito dos alunos (polo do aluno). Todavia, as outras dimensões inspiram, em certa medida, a tipologia proposta, já que Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. estabelece uma estreita articulação entre todas as dimensões por ele contempladas, e qualquer esfacelamento destas incorreria em uma inadequação e compreensão equivocada desses Modos.

Outro aspecto imprescindível, que aqui queremos destacar, é que, ainda que Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. proponha quatro Modos (Classes A, B, C e D) e nossa Tipologia também sugira quatro Tipos, não há uma sobreposição da Tipologia aos Modos de Nimier, conforme também mencionamos anteriormente. A seção a seguir traz uma discussão que é de natureza teórica e propositiva (no sentido de propor um esboço de modelo), como também se configura como o resultado principal do nosso estudo: a Tipologia de Contrato Didático.

4 Uma Tipologia para o Contrato Didático

A partir do que refletimos acima, propomo-nos a articular o Contrato Didático com a perspectiva psicanalítica, uma vez que, conforme já discutimos, a sala de aula onde o Contrato Didático se estabelece é um espaço de subjetividade/intersubjetividade dos alunos e do professor, em estreita relação. Tais relações intersubjetivas se dão, particularmente, a partir das representações que tomam lugar como veiculadoras das relações que se materializam e que são mediatizadas pelo Contrato Didático praticado pelo professor.

Apresentamos os quatro tipos de Contrato propostos neste estudo, antes, porém, trazemos as categorias que foram pensadas para fazer parte da estrutura de cada contrato. As categorias foram: Representação do professor em relação à Matemática; Atitudes do professor em relação aos alunos; Efeitos de Contrato mais evidenciados e Configuração do TSD.

Cabe destacar, de partida, que tal modelização não pretende encerrar tudo que pode ser dito em termos de tipos de contrato. Estudos posteriores, que partam do que ora propomos, podem identificar outras categorias ou, ainda, propor uma tipologia a partir de outra perspectiva, que não a psicanalítica (Beillerot, 1989BEILLEROT, J. Le rapport au savoir: une notion en formation. In: Beillerot, j. et al. (orgs). Savoir et rapport au savoir: élaborations théoriques e ciniques. Bégédis: Editions Universitaires, 1989. p. 165-202.). Todavia, compreendemos que este estudo não tem a pretensão de esgotar essa reflexão. Assim, e para concluir a parte de reflexão e justificativas acerca da Tipologia proposta, elencamos que os modelos propostos foram: Contrato Projetivo, Contrato Persecutório10 10 Muito embora esse Contrato Didático utilize o mesmo nome de um dos modos de relação à Matemática, discutido por Nimier (1988), ele não é uma cópia, pois nós o caracterizamos de forma diferenciada, como tipos de Contrato Didático. ou Perverso, Contrato Narcisista e Contrato Idealizado.

Cada categoria traz consigo elementos discutidos por Nimier (1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988.) - retomados na apresentação de cada uma delas - e elementos inerentes à noção de Contrato Didático, como a ideia de expectativas e efeitos de CD.

4.1 O Contrato Didático Projetivo

Esse tipo de Contrato Didático é caracterizado pelo professor de Matemática que, em seu percurso como aluno, teve um relacionamento com o saber matemático nem sempre harmonioso, contudo, essa experiência não o fez abandoná-lo. Borba e Costa (2018)BORBA, V. M. L.; COSTA, A. P. Sucesso e fracasso no ensino da Matemática: o que dizem futuros professores de uma IES?. Revista Brasileira de Educação em Ciências e Educação Matemática, v. 2, p. 55-76, 2018. e Souza (2017)SOUZA, L. S. S. Relação ao saber matemático de professores que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental: Estudo exploratório no Cabo de Santo Agostinho (Pernambuco - Brasil).2017. 380 f.. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) - Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Recife, 2017. sinalizam para esse comportamento. Em seu desenvolvimento estudantil, gostava de Matemática e tinha um bom desempenho, até pelo menos na Matemática ensinada na educação básica. Entretanto, ao adentrar o mundo da Matemática do Ensino Superior, no curso de Licenciatura em Matemática, passa a ter dificuldades e fracassar, ou mesmo não fracassando, seu entusiasmo inicial declina, deixando uma sensação de desgosto.

Dessa forma, quando ele se torna professor, projeta nos alunos seus medos e angústias em relação à Matemática, não desejando que eles passem pelas mesmas dificuldades, tentando evitar, nos alunos, as decepções que ele teve com o saber matemático, seu objeto de desejo (Beillerot, 1989BEILLEROT, J. Le rapport au savoir: une notion en formation. In: Beillerot, j. et al. (orgs). Savoir et rapport au savoir: élaborations théoriques e ciniques. Bégédis: Editions Universitaires, 1989. p. 165-202.). Há, aqui, uma identificação do professor com seus alunos, tornando-o mais próximo destes, entretanto, por tentar facilitar as situações para os alunos, por vezes, se afasta e os afasta do saber, dos aspectos mais formais da Matemática, afastando-se, também, dessa expressão do saber. Esse professor pode utilizar excessivamente, em sala de aula, analogias (Brousseau, 1998BROUSSEAU, G. Le contrat didactique: l’enseignant, l’élève et le milieu. In: Brousseau, G (org), Théorie des situations didactiques. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1998. p. 299-327.) ou ainda aceitar explicações e justificativas simples dos alunos acerca do saber matemático, bem como induzi-los a determinadas respostas (esperadas), com o objetivo de diminuir o sofrimento dos alunos no processo de aprendizagem (Borba, 2018BORBA, V. M. L. A sala de aula como espaço psíquico: articulações entre a didática, a psicanálise e a relação ao saber na proposição de uma tipologia de contrato didático. 2018. 212 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências) – Universidade Federal Rural de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências, Recife, 2018.).

O professor pode querer desenvolver no aluno o mesmo desejo/gozo que ele tem ao se relacionar com a Matemática; inconscientemente, ele quer projetar no aluno essa representação de desejo/gozo. De toda forma, para esse professor, a Matemática é percebida como um objeto que está no mundo e tem uma função determinada, ou seja, ela serve às ciências com o intuito de desenvolver a sociedade, por isso é importante se apropriar dela para entender o que se passa no seu entorno. Duas das falas extraídas do amplo estudo de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988. mostram bem o que se quer dizer sobre esse tipo de Contrato: “Para mim, o relacionamento com os alunos é mais importante do que o que eu ensino” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 171).11 11 Pour moi, les rapports avec les élèves comptent plus que ce que j´enseigne. “Fazer matemática sempre foi para mim uma necessidade de provar a mim mesmo que eu era capaz de fazer algo” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 188).12 12 Faires des mathématiques a étè souvent pour moi le besoin de me prouver que j´était capable de faire quelque chose.

Nesse contrato, o professor procura preencher os alunos de todas as formas, tentando não deixar qualquer dúvida em relação ao conteúdo trabalhado. Em sua percepção, ele tem que suprir a falta inerente ao sujeito, fornecendo-lhe ferramentas conceituais para que não falte conhecimento para ser acessado. Na relação triangular, poder-se-ia dizer que o professor estaria mais próximo do aluno do que do saber.

Nesse tipo de Contrato Didático, o professor pode ter como cláusula implícita responder a todos os questionamentos dos alunos, não os deixando com a mínima dúvida, pois seu desejo de preenchimento das faltas o levará a responder a toda e qualquer pergunta. Este tipo de atitude contraria a ideia defendida por Brousseau (1998)BROUSSEAU, G. Le contrat didactique: l’enseignant, l’élève et le milieu. In: Brousseau, G (org), Théorie des situations didactiques. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1998. p. 299-327. de que o professor, em sua ação educativa, não pode dar todas as informações daquilo que o aluno terá que fazer para resolver o problema. Isso retiraria do aluno a possibilidade de mostrar o que já aprendeu e o que ainda precisa aprender.

4.2 O Contrato Didático Persecutório ou Perverso

No contrato caracterizado como persecutório ou perverso, o professor tem uma atitude protetora em relação à Matemática, ou seja, durante sua história com essa disciplina, ele vivenciou sofrimentos e precisou se esforçar, de maneira significativa, para obter sucesso (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987.). Isso provocou um certo ressentimento de quem não valoriza ou faz pouco caso em aprendê-la. A ideia é que a história de sofrimento para apreender a disciplina pode deixar marcas psíquicas, fazendo-o agir de forma perversa e persecutória com seus alunos. Por causa disso, ele complexifica ao máximo o ensino da Matemática, causando efeitos na aprendizagem desse saber pelos alunos. Aqui, há certa identificação com os professores que lhe causaram sofrimento em seu desenvolvimento enquanto aluno. Ações como a explicitada acima podem ser entendidas, também, como um mecanismo de defesa, em que o professor deseja que os alunos fracassem no que ele fracassou, diminuindo assim a sua sensação de fracasso, pois, como aconteceu com ele, seria esperado que acontecesse com os outros.

Na sua relação com os alunos, ele deixa claro que não irá facilitar para os alunos, exigindo cada vez mais deles e sem dar muito em troca, pois entende que só com o esforço próprio o aluno irá adentrar o mundo da Matemática. Se para ele foi difícil, é porque a Matemática é para poucos e, portanto, não é seu papel facilitar. Assim, ele percebe a Matemática como algo que é interno ao sujeito, sem ter necessariamente que se expressar na realidade, pois ela estruturaria o pensamento. Pode-se dizer que, diferentemente do professor do Contrato Didático Projetivo, aqui o professor tem uma atitude de revanche, pois quer que os alunos sofram o que ele sofreu e, por isso, é implacável em sua relação com os alunos.

Ele se identifica com todos os professores de Matemática que passaram em sua vida e apresentaram uma Matemática dura, vista como uma lei inquestionável, gerida por um conjunto de regras que não podem ser burladas nem adaptadas para o mundo externo. Remete ao mecanismo de identificação com o agressor, descrito na Psicanálise13 13 Mecanismo de defesa do Ego, que faz com que o sujeito desenvolva comportamentos e formas de funcionamento psíquico que remetem ao que viveu e sofreu, quase sempre protagonizado por alguma figura de identificação. (Rodrigues, 2009RODRIGUES, C. V. L. C. L. Ensaio sobre o mecanismo de defesa identificação com o agressor. 2009, p. 90. Dissertação de Mestrado (Mestrado em Psicologia Aplicada) - ISPA – Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lisboa, Portugal 2009.). A Matemática tem seu próprio reinado. As falas apresentadas a seguir, retiradas das entrevistas realizadas por Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., revelam o pensamento do professor que tem, como Contrato Didático, o Contrato Persecutório ou Perverso. Elas apresentam sua preocupação com o tipo de Matemática que é importante para ele: “O que eu gosto na matemática é o seu rigor” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 203); “Para mim, fazer matemática é uma atividade científica em séria” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 203).

Nesse tipo de Contrato Didático, diferentemente do anterior, o professor poderia utilizar como cláusula a postura de não responder a perguntas enquanto os alunos não tivessem se debruçado e se esforçado para responder aos problemas propostos, uma vez que, para esse professor, o aluno tem que compreender a Matemática com esforço próprio. Isso seria, inclusive, condição para a aprendizagem da disciplina: buscar descobrir os caminhos para a compreensão da disciplina sozinho, como ele mesmo o fez.

4.3 Contrato Didático Narcisista

Nesse tipo de Contrato Didático, o professor tem um relacionamento prazeroso com a Matemática, deixando claro para que todos vejam seu prazer em saber e o reconheçam em sua competência. Esse saber o diferencia da maioria das pessoas, tornando-o o centro das atenções por onde passa. Seu desempenho se pauta em mostrar o quanto ele sabe, e quer ser admirado por isso. A sala de aula é um teatro em que o professor é o ator e os alunos, a plateia – os espectadores. Entretanto, ele não tem muitas preocupações com a aprendizagem de seus alunos, até porque, se o aluno aprende, ele pode construir uma relação mais estreita com a Matemática, dessa forma, poderá ameaçar seu lugar de sujeito do suposto saber (conceito cunhado por Lacan em 1964). Sua percepção da Matemática é que ela é “como objeto idealizado que leva a um mundo de milagres ou de refúgio” (Nimier, 1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., p. 51). E ele se refugia nesse mundo ideal para escapar da dificuldade de conviver com pessoas menos habilidosas.

Diferentemente do que foi visto no Contrato Projetivo, a atitude do professor com relação à aprendizagem de seus alunos no Contrato Narcísico é de rigidez, pouca interação e, menos ainda, preocupação com o que seus alunos aprenderão. Sua postura será a de apresentar o conteúdo de forma o mais complexa possível para mostrar a todos que ele sabe muito. Nesse caso, o saber matemático se torna um instrumento para admiração e reconhecimento pelos outros e para sua própria autoadmiração. As falas selecionadas para exemplificar o Contrato Narcisista representam um professor que busca a completa atenção de seus alunos para mostrar-lhes o quanto ele deve ser admirado por conseguir desvendar os mistérios da Matemática: “O silêncio de meus alunos é essencial para uma boa recepção de minhas aulas” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 203)14 14 Le silence de mes élèves est indispensable pour une bonne réception de mon cours. . “Quando encontro a solução para um problema, sei que é uma boa solução” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 192).15 15 Quand j´ai trouvé la solution d´un problème, je sais qu´elle est bonne. .

A configuração do triângulo das situações didáticas, no caso desse contrato, é das mais frágeis. Há quase uma ausência de relação (didática) do professor com os alunos, que saem da condição de alunos para tornarem-se meros expectadores da cena didática, protagonizada pelo professor. Os alunos também se distanciam do saber matemático, a exemplo do que acontece no tipo descrito anteriormente, mas oscilam entre o fascínio e a apatia, decorrente da posição que o professor ocupa na relação didática. Entre os tipos de CD propostos neste estudo, este tipo seria o que aponta para uma relação ao saber do aluno mais frágil e comprometida.

Aqui, uma cláusula possível é a de que nenhum aluno poderia interromper o professor quando ele estivesse expondo o assunto, atitude evidenciada na abordagem tradicional, quando o professor assume o papel de “ator principal da aula magistral” (Mizukami, 1986MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: as abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986. (Temas básicos da educação e ensino)). Cabe a ele, também, como reflexo da abordagem supracitada, eleger os aspectos mais próximos dos conteúdos produzidos pelos matemáticos na noosfera (Chevallard, 1985CHEVALLARD, Y. La Transposicion Didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1985.) – esfera da produção do conhecimento – pois apresenta uma Matemática complexa e distante dos seres humanos ordinários. Essa atitude tem como objetivo revelar sua condição de Mestre no saber, afastando-o daqueles que não têm propriedade daquele conhecimento.

4.4 Contrato Didático Idealizado16 16 A ideia aqui é de um contrato que seja o ideal das atuais propostas de ensino da Matemática.

Neste contrato, o professor percebe a Matemática como existente no mundo, uma ciência nascida da necessidade humana, logo em construção. Um objeto que faz parte do cotidiano e, portanto, de forma mais ou menos intensificada, todas as pessoas se utilizam dela.

Para esse professor, o aluno é plenamente capaz de fazer Matemática, já que lida com ela desde a mais tenra idade. Fazer Matemática é, assim, mais uma forma de expressão, uma linguagem a mais para compreender o mundo real. Parte-se do princípio de que todas as pessoas precisam desse saber para se movimentar no mundo, num processo mesmo de apreensão deste. Compreender a Matemática significaria utilizar seu potencial explicativo para agir e transformar o mundo, e este seria o ideal de todo professor que se propõe a ensiná-la. O professor irá, portanto, incentivar seus alunos a buscarem modelos que possam estimular a aprendizagem com significado e referências. Entretanto, é possível que, nessa busca de referências, o professor tenda a simplificar demais o conhecimento utilizando-se dos efeitos de contrato.

Essas falas, que caracterizam o professor que representa o Contrato Didático Idealizado, mostram um professor que está mais comprometido com o aprendizado dos alunos, pois entende que a Matemática é plural, pois pode ser reconhecida e utilizada em vários espaços. Com essa atitude, seu foco está na aprendizagem do conteúdo e na forma como os alunos irão articulá-los com sua vida, dentro e fora da escola. Assim, pode-se ver uma preocupação com o significado atribuído aos conteúdos e, também, na relação que cada aluno terá com o saber: “Em matemática, estou interessado em uma determinada maneira de pensar, o conteúdo parece secundário para mim” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 193);17 17 En mathématiques, je m´intéresse à une certaine forme de fonctionnement de la pensée, le contenu me paraît secondaire. “Acho que é importante lutar pela unidade na classe, é importante que não haja divisões entre os alunos ou entre os alunos e eu” (Nimier, 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., p. 203).18 18 Je trouve important de rechercher l´unité de la classe, il est important qu´il n´y ait pas de division entre les élèves, ou entre les élèves et moi.

Nesse tipo de contrato, a relação triangular professor-aluno-saber revela um professor próximo do aluno e próximo a um saber matemático que não é, estritamente, o saber contemplado em sua epistemologia e formalismos. Ele não se relaciona com o saber matemático em si, mas com uma idealização desse saber, criada a partir de sua própria subjetividade. Isso também tem implicações na relação ao saber do aluno, que passa a se relacionar com o saber idealizado pelo professor.

Uma cláusula possível é a de que o aluno deverá questionar absolutamente tudo o que está sendo produzido em termos de saberes na sala de aula de Matemática. Nenhuma dúvida deverá ser guardada, pois a compreensão é de que o conhecimento está em fase de construção, logo é preciso fazer com que os alunos o apreendam a partir de suas próprias referências. Isso quer dizer que as experiências pessoais intervirão nas escolhas dos caminhos adotados nas resoluções de problemas, propostos pelo professor, mas aceitos, ou não, pelos alunos para responder.

É importante salientar que as experiências pessoais darão o formato do aprendizado, entretanto, isto não quer dizer que não haja fundamentos científicos na construção do saber. O professor tem sua própria forma de ver e entender o processo de aquisição desse conhecimento, mas ela estará pautada nas bases epistemológicas, sem, contudo, ser rígida e inflexível, uma vez que há uma idealização do saber pelo professor e, posteriormente, pelo aluno.

A partir das reflexões acima, organizamos o Quadro 1, que resume as principais características dos contratos acima citados.

Quadro 1
Tipologia do Contrato Didático

5 Considerações finais

Com o intuito de contemplar o objetivo geral deste estudo, que foi o de propor uma tipologia de Contrato Didático a partir das categorias: representação dos professores acerca da matemática e as atitudes desses professores em relação aos alunos, propostas por Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., em articulações com elementos da Didática, da Psicanálise e da Relação ao Saber, fomos à procura de material teórico que desse suporte à proposição da tipologia por nós preconizada. Para isso, aprofundamos a compreensão acerca do Contrato Didático, nascido no bojo da Teoria das Situações Didáticas, proposta por Brousseau na França, na década de 70 do século passado. Essa noção desempenhou um papel central no nosso estudo, uma vez que o desafio era subsidiar a elaboração de uma tipologia de Contrato Didático.

A partir do triângulo das relações didáticas, no qual professor, aluno e saber se inter-relacionam no espaço chamado sala de aula, buscamos elementos que dessem suporte à nossa proposição. Dessa forma, focamos nosso olhar sobre o professor e, a partir dele, olhamos para as representações construídas com relação ao saber matemático no ensino superior e às atitudes em relação aos alunos.

Na nossa busca, encontramos o estudo de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., que discute os Modos de Relação ao Saber Matemático dos professores de Matemática. Esse estudo, respaldado em uma extensa amostra de professores e alunos, serviu como fio condutor para o aprofundamento das reflexões, pois traz em seu bojo categorias que articulam as contribuições da Didática, da Psicanálise e da Relação ao Saber do professor, tecendo um tecido teórico que fundamenta e constitui a base necessária para o esboço de uma tipologia de Contrato Didático.

Do estudo de Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., utilizamos as categorias que evidenciam as representações dos professores com relação à Matemática (representações acerca do saber envolvido – professor-saber) e as atitudes desses professores em relação aos alunos (representação da relação professor-aluno), com a intenção de propor uma tipologia de Contrato Didático, a partir da perspectiva do triângulo das situações didáticas, considerando os polos do aluno e do saber a partir do polo do professor.

Acerca da tipologia, elaboramos quatro tipos de Contratos Didáticos, que nomeamos de: Contrato Projetivo, Contrato Persecutório ou Perverso, Contrato Narcisista, Contrato Idealizado, cada um com características extraídas da literatura sobre o Contrato Didático, (Brousseau, 1996BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da didáctica da Matemática. In: Brun, J. (org.). Didáctica das Matemáticas. Tradução de: Maria José Figueiredo Lisboa: Instituto Piaget, 1996. p. 35-113., 1998BROUSSEAU, G. Le contrat didactique: l’enseignant, l’élève et le milieu. In: Brousseau, G (org), Théorie des situations didactiques. Grenoble: La Pensée Sauvage. 1998. p. 299-327., 2008BROUSSEAU, G. Introdução ao Estudo da teoria das situações didáticas: conteúdos e métodos de ensino. Tradução Camila Bogea. São Paulo: Ática, 2008.; Schubauer-Leoni, 1988; Sarrazy, 1995SARRAZY, B. Note de synthèse [Le contrat didactique]. Revue française de pédagogie, Marseille, v. 112, n. 1, p. 85-118, 1995.; Jonnaert; Borght, 2002JONNAERT, P.; BORGHT, C. V. Criar Condições para Aprender: o socioconstrutivismo na formação de professores. Trad. Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002.), articulados à noção de Relação ao Saber, com ênfase na abordagem psicanalítica (Beillerot, 1989BEILLEROT, J. Le rapport au savoir: une notion en formation. In: Beillerot, j. et al. (orgs). Savoir et rapport au savoir: élaborations théoriques e ciniques. Bégédis: Editions Universitaires, 1989. p. 165-202.), aos elementos da Psicanálise (Blanchard-Laville, 2005BLANCHARD-LAVILLE, C. Os professores: entre o prazer e o sofrimento. São Paulo: Loyola, 2005.) e com o respaldo e a categorização dos Modos de Relação ao Saber Matemático proposta por Nimier (1987NIMIER, Jacques. L'enseignant et la représentation de sa discipline. Recherche & formation, v. 1, n. 1, p. 51-61, 1987., 1988NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988.).

Acreditamos que há importantes aspectos ainda a serem contemplados e investigados no âmbito de uma pesquisa empírica, com uma amostra considerável de professores, no que diz respeito à proposição de uma Tipologia de Contrato Didático. Todavia, entendemos que a modelização ora proposta se configura como um ponto de partida crucial para os estudos que pretendam se debruçar sobre essas questões.

Referências

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  • 1
    Transferência didática – Força modeladora segundo a qual o professor molda o espaço no nível psíquico (Blanchard-Laville, 2005BLANCHARD-LAVILLE, C. Os professores: entre o prazer e o sofrimento. São Paulo: Loyola, 2005., p. 234).
  • 2
    Projeções – operação pela qual o sujeito expulsa de si e localiza no outro – pessoa ou coisa – qualidades, sentimentos, desejos e mesmo objetos que ele desconhece ou recusa em si mesmo. Trata-se, aqui, de uma defesa de origem muito arcaica, que vamos encontrar em ação particularmente na paranoia, mas, também, em modos de pensar normais, como a superstição (Laplanche; Pontalis, 1992LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 1992., p. 374).
  • 3
    Fantasias – roteiro imaginário em que o sujeito está presente e que representa, de modo mais ou menos deformado pelos processos defensivos, a realização de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente (Laplanche; Pontalis, 1992LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 1992., p. 169).
  • 4
    Chevallard vai denominar esse corpo de saber de savoir-savant, ou seja, “saber sábio”, saber de referência ou acadêmico, aquele que vai servir de ponto de partida à elaboração do saber dos livros didáticos, o savoir enseigné ou saber escolarizado, devidamente transformado para uso em sala de aula (Chevallard, 1985CHEVALLARD, Y. La Transposicion Didactique: du savoir savant au savoir enseigné. Grenoble: La Pensée Sauvage, 1985.).
  • 5
    “O ‘conhecimento’ é uma construção a partir de uma relação mais concreta e empírica entre o objeto de conhecimento e o indivíduo (na mesma linha do que propõe a perspectiva construtivista), o saber diz respeito a uma construção científica, histórica e cultural, mais descolada do mundo empírico, da experimentação imediata” (Menezes, 2006MENEZES, A. P. A.B. Contrato didático e transposição didática: inter-relações entre os fenômenos didáticos na iniciação à álgebra na 6ª série do Ensino Fundamental. 2006. 259 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, Recife, 2006., p. 71).
  • 6
    Compreende-se por envelhecimento da situação de ensino quando o professor reedita situações de ensino positivas de grupos anteriores para novos grupos, entretanto estas não surtem o mesmo efeito que quando trabalhadas em situações anteriores, fazendo o professor perceber que a situação envelheceu ( Menezes, 2006MENEZES, A. P. A.B. Contrato didático e transposição didática: inter-relações entre os fenômenos didáticos na iniciação à álgebra na 6ª série do Ensino Fundamental. 2006. 259 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Pernambuco, Programa de Pós-Graduação em Educação, Recife, 2006.).
  • 7
    Para Freud, o organismo está submetido a duas espécies de excitações geradoras de tensão: aquelas de que pode fugir e de que se pode proteger, e aquelas de que não pode fugir e contra as quais não existe inicialmente aparelho protetor ou pára-excitações. A Projeção aparece, então, como meio de defesa originário contra as excitações internas cuja intensidade as torna demasiadamente desagradáveis: o sujeito projeta-as para o exterior, o que lhe permite fugir (evitamento fóbico, por exemplo) e proteger-se delas (Laplanche; Pontalis, 1992LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 1992., p.377).
  • 8
    Pulsões – processo dinâmico que consiste numa pressão ou força (carga energética, fator de motricidade) que faz o organismo tender para um objetivo. Segundo Freud, uma pulsão tem a sua fonte numa excitação corporal (estado de tensão); o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua meta (Laplanche ; Pontalis, 1992, p. 394).
  • 9
    Ferida narcísica - “A base da ferida narcísica é estabelecida quando a mãe é incapaz de estabelecer limites dentro dos quais é permitido à criança experenciar-se; e quando a mãe é incapaz de participar com prazer do movimento espontâneo da criança. Isto é verdade porque a mãe, consciente ou inconscientemente, usa o vínculo com a criança como uma tentativa de curar suas próprias feridas narcísicas, sofridas nas mãos de seus próprios pais. A mãe precisa da criança para confirmar que é importante e assim reparar sua baixa autoestima. Isto é feito pela criança, seja ficando agarrada à mãe, seja permitindo-lhe que se encarregue de suas próprias explorações” (Hilton, 1988HILTON, R. Narcisismo e a resistência do terapeuta em trabalhar com o corpo. Clinical Journal of International Institute for Bioenergetics Analysis, New York, v. 3, n. 2, p. 78, 1988.).
  • 10
    Muito embora esse Contrato Didático utilize o mesmo nome de um dos modos de relação à Matemática, discutido por Nimier (1988)NIMIER, J. Les modes de rélations aux mathématiques. Paris: Méridiens-Klincksieck,1988., ele não é uma cópia, pois nós o caracterizamos de forma diferenciada, como tipos de Contrato Didático.
  • 11
    Pour moi, les rapports avec les élèves comptent plus que ce que j´enseigne.
  • 12
    Faires des mathématiques a étè souvent pour moi le besoin de me prouver que j´était capable de faire quelque chose.
  • 13
    Mecanismo de defesa do Ego, que faz com que o sujeito desenvolva comportamentos e formas de funcionamento psíquico que remetem ao que viveu e sofreu, quase sempre protagonizado por alguma figura de identificação.
  • 14
    Le silence de mes élèves est indispensable pour une bonne réception de mon cours.
  • 15
    Quand j´ai trouvé la solution d´un problème, je sais qu´elle est bonne.
  • 16
    A ideia aqui é de um contrato que seja o ideal das atuais propostas de ensino da Matemática.
  • 17
    En mathématiques, je m´intéresse à une certaine forme de fonctionnement de la pensée, le contenu me paraît secondaire.
  • 18
    Je trouve important de rechercher l´unité de la classe, il est important qu´il n´y ait pas de division entre les élèves, ou entre les élèves et moi.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    09 Mar 2023
  • Aceito
    22 Jul 2023
  • Corrigido
    16 Fev 2024
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