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Acessibilidade do termo de consentimento na pesquisa clínica no Brasil

Resumo

O termo de consentimento livre e esclarecido tem a função de informar o participante de pesquisas clínicas sobre a natureza da pesquisa e seus direitos, formalizando sua decisão de participar. Estudos indicam que esse documento é redigido de modo complexo, comprometendo a autonomia do participante. Para este trabalho, foram redigidos dois termos de consentimento da mesma pesquisa hipotética, com estilos de redação diferentes. Ambos os termos foram analisados pela ferramenta Coh-Metrix Port, que avalia métricas linguísticas e acessibilidade textual. A análise indicou que os textos são complexos e exigem alta escolaridade para serem entendidos. Esses achados reforçam a percepção de que, no Brasil, os termos de consentimento podem ter sua real função comprometida e apontam a importância de modificar sua forma de elaboração.

Consentimento informado; Protocolos clínicos; Ética em pesquisa; Termos de consentimento

Abstract

The informed consent form informs clinical research patients about the nature of the research and their rights, formalizing their decision to participate; however, studies show that this document is written in a complex manner, compromising patient autonomy. Two consent forms from the same hypothetical research were developed with different writing styles and analyzed by the Coh-Metrix Port tool, which evaluates linguistic metrics and textual accessibility. Results showed that both texts were complex and required high schooling level to be understood. These findings reinforce the perception that consent forms may have their real function compromised and point to the importance of changing its elaboration.

Informed consent; Clinical protocols; Ethics, research; Consent forms

Resumen

El formulario de consentimiento informado tiene la finalidad de mostrar la naturaleza de la investigación y sus derechos al participante de la investigación clínica para formalizar su decisión de participar en el estudio. Los estudios indican que la redacción de este documento es compleja, lo que compromete la autonomía del participante. Para este estudio se redactaron dos formularios de consentimiento de una misma investigación hipotética, con diferentes estilos de escritura. Para el análisis de ambos formularios se utilizó la herramienta Coh-Metrix Port, que evalúa las métricas lingüísticas y la accesibilidad textual. Los resultados apuntaron a que los textos son complejos, lo que requiere un alto nivel de educación para su comprensión. Estos hallazgos coinciden que, en Brasil, los formularios de consentimiento pueden tener su finalidad comprometida y señalan la necesidad de modificar su forma de elaboración.

Consentimiento informado; Protocolos clínicos; Ética en investigación; Formularios de consentimiento

A pesquisa clínica é instrumento cientificamente aceito para testar a eficácia e a segurança de novos tratamentos profiláticos ou curativos. Como sua execução envolve, em diferentes níveis, a participação de seres humanos, foi necessário estabelecer guias, regras ou mesmo legislação a fim de evitar que, em função da necessidade de desenvolver novas terapias, fossem cometidos abusos contra os participantes de estudos. Nesse contexto, algumas questões bioéticas passaram a receber especial atenção.

Com o Código de Nüremberg, de 1947 11. . The Nuremberg Code (1947). BMJ [Internet]. 1996 [acesso 24 jan 2022];313(7070):1448. DOI: 10.1136/bmj.313.7070.1448
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, a proteção à dignidade humana e a autonomia foram asseguradas. A Declaração de Helsinki, de 1964 22. . World Medical Association. Declaration of Helsinki: recommendations guiding physicians in biomedical research involving human subjects. JAMA [Internet]. 1997 [acesso 24 jan 2022];277(11):925-6. DOI: 10.1001/jama.1997.03540350075038
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, e suas versões subsequentes, bem como as Diretrizes Internacionais para Pesquisa Biomédica Envolvendo Seres Humanos, de 1983 33. Council for International Organizations of Medical Sciences. International ethical guidelines for biomedical research involving human subjects [Internet]. Geneva: CIOMS; 2002 [acesso 24 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/41fHMOp
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, complementam e atualizam os cuidados éticos que devem embasar as pesquisas clínicas. Mais atual que esses importantes documentos é a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, de 2005, proclamada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) 44. Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. Paris: Sessão da Conferência Geral; 2005 [acesso 24 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3wMwmnb
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. Cada país desenvolveu as próprias regulamentações e, no Brasil, as resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 55. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 1, de 1988. Aprova as normas de pesquisa em saúde. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 1988 [acesso 24 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/41dcp7j
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6. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 201, p. 21082-21085, 10 out 1996 [acesso 24 jan 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3zyvPH7
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7. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos e revoga as Resoluções CNS nos. 196/96, 303/2000 e 404/2008. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 59, 13 jun. 2013 [acesso 24 jan 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3w4T2yR
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-88. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 44-6, 24 maio 2016 [acesso 24 jan 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/41yYSXq
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, além do Código de Ética Médica 99. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica [Internet]. Brasília: CFM; 2018 [acesso 17 abr 2023]. Disponível: https://bit.ly/3kOv1qD
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, norteiam esses procedimentos 1010. Englev E, Petersen KP. ICH-GCP Guideline: quality assurance of clinical trials: status and perspectives. Ugeskr Laeg [Internet]. 2003 [acesso 24 jan 2022];165(16):1659-62. Disponível: https://bit.ly/40eObbh
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,1111. Guibu IA, Moraes JC, Guerra AA Jr, Costa EA, Acurcio FA, Costa KS et al. Main characteristics of patients of primary health care services in Brazil. Rev Saúde Pública [Internet]. 2017 [acesso 24 jan 2022];51(2):1s-13s. DOI: 10.11606/S1518-8787.2017051007070
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.

O principal parâmetro para avaliar sua factibilidade de estudos clínicos, do ponto de vista ético, é a análise da relação risco/benefício num contexto o mais amplo possível. No que diz respeito aos direitos dos participantes da pesquisa, um dos pontos de consideração obrigatória é a obtenção do consentimento esclarecido. Este é efetivado a partir de um processo em que os participantes manifestam sua decisão de participar ou não após serem esclarecidos sobre a natureza de sua participação na pesquisa 1212. Hochhauser M. Informed consent and patient’s rights documents: right, a rite, or a rewrite? Ethics Behav [Internet]. 1999 [acesso 24 jan 2022];9(1):1-20. DOI: 10.1207/s15327019eb0901_1
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,1313. Emanuel EJ. Ethical and regulatory aspects of clinical research: readings and commentary. Baltimore: Johns Hopkins University Press; 2003..

O consentimento é formalizado após leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), documento que surge em regulamentações e resoluções como fonte de esclarecimento sobre a pesquisa e os direitos do participante e como instrumento formal da expressão de sua decisão livre e autônoma. O TCLE não somente formaliza as condições em que se dá a atuação de investigadores patrocinadores, instituições e, principalmente, participantes do estudo, como também assume a função de esclarecer os participantes ao fornecer todas as informações pertinentes à pesquisa 1414. Murray B. Informed consent: what must a physician disclose to a patient? Virtual Mentor [Internet]. 2012 [acesso 24 jan 2022];14(7):563-6. DOI: 10.1001/virtualmentor.2012.14.7.hlaw1-1207
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15. Krumholz HM. Informed consent to promote patient-centered care. JAMA [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];303(12):1190. DOI: 10.1001/jama.2010.309
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-1616. Stacey D, Legaré F, Lewis K, Barry MJ, Bennett CL, Éden KB et al. Decision aids for people facing health treatment or screening decisions. Cochrane Database Syst Rev [Internet]. 2017 [acesso 24 jan 2022];4(4):CD001431. DOI: 10.1002/14651858.CD001431.pub5
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É essencial, então, ter em mente que o consentimento livre e esclarecido é um processo de tomada de decisão que, embora deva ser endereçado ao participante, precisa obviamente contar com o comprometimento do pesquisador. Este deve garantir que o processo seja focado nas preferências, necessidades e valores do participante, além de cumprir e apresentar tudo que é regulamentado 1717. Anandaiah A, Rock L. Twelve tips for teaching the informed consent conversation. Medical Teacher [Internet]. 2018 [acesso 24 jan 2022];41(4):465-70. DOI: 10.1080/0142159X.2018.1426844
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Embora se entenda o consentimento livre e esclarecido como processo que não se restringe a um documento escrito, não se pode negar a importância do TCLE como parte desse processo. Não são raras, na execução de estudos clínicos, situações em que esse termo é o único instrumento para esclarecer os participantes.

Em alguns casos, e por diferentes razões, o conteúdo do TCLE tende a ser muito extenso, sobrecarregado de informações, levando ao risco de comprometer ou mesmo prejudicar seu papel de esclarecer os participantes da pesquisa. Uma das principais razões para isso é que, em seu conteúdo, existem elementos intrinsecamente posicionados cujo principal objetivo é proteger o investigador de possíveis procedimentos legais 1818. Amorim KPC, Garrafa V, Melo AD, Costa AVB, Caldas G, Oliveira L et al. Perfil e vozes dos participantes de pesquisas clínicas no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2020 [acesso 24 jan 2022];28(4):664-73. DOI: 10.1590/1983-80422020284430
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.

Por essas e outras razões, não é incomum encontrar TCLE extremamente longos, com terminologia técnica ou legal. Esses elementos acabam transformando o termo em um contrato, mais do que um documento que visa garantir que o participante da pesquisa tenha sido adequadamente informado 1919. Castilho EA, Kalil J. Ética e pesquisa médica: princípios, diretrizes e regulamentações. Rev Soc Bras Med Trop [Internet]. 2005 [acesso 24 jan 2022];38(4):344-7. DOI 10.1590/S0037-86822005000400013
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,2020. Adami ER, Chemin MRC, França BHS. Aspectos éticos e bioéticos da pesquisa clínica no Brasil. Estudos de Biologia [Internet]. 2014 [acesso 24 jan 2022];36(532):SE07. DOI: 10.7213/estud.biol.36.SE.07
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Essa situação tem especial relevância em países emergentes, onde os participantes de pesquisas tendem a ter baixa escolaridade e pouca alfabetização em saúde, estando, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade social. Nesse contexto, é possível que o consentimento seja formalizado sem o devido esclarecimento, prejudicando frontalmente o pleno exercício da autonomia do participante 1818. Amorim KPC, Garrafa V, Melo AD, Costa AVB, Caldas G, Oliveira L et al. Perfil e vozes dos participantes de pesquisas clínicas no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2020 [acesso 24 jan 2022];28(4):664-73. DOI: 10.1590/1983-80422020284430
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Bioética

O Relatório Belmont 2121. The National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research. The Belmont report: ethical principles and guidelines for the protection of human subjects of research. HHS.gov [Internet]. 1979 [acesso 24 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3PYgUwP
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, publicado em 1979, propôs princípios para nortear a prática médica: respeito à pessoa humana, beneficência e justiça. Naquele mesmo ano, Beauchamp e Childress 2222. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 7ª ed. New York: Oxford University Press; 2013. acrescentaram mais um princípio, o da não maleficência, e renomearam o princípio do “respeito à pessoa humana” como “respeito à autonomia”.

Aplicado às condições de execução de uma pesquisa clínica, o princípio da autonomia é respeitado quando o participante, depois de esclarecido e ciente da natureza de sua participação e de possíveis riscos e benefícios, decide participar ou não da pesquisa. A beneficência e a não maleficência são refletidas na pesquisa pelos possíveis riscos que um tratamento novo pode oferecer, na tentativa de amenizá-los e não expor o participante a algo que pode ser evitado, atendendo e adequando-se a suas condições de saúde. Por fim, a justiça é vista no sentido de garantir igualmente cuidados e proteção a todos os participantes durante todo o processo de pesquisa 2323. Garcia D. Moral deliberation: the role of methodologies in clinical ethics. Med Health Care Philos [Internet]. 2001 [acesso 24 jan 2022];4(2):223-32. DOI: 10.1023/A:1011445128427
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Em conjunto com os princípios bioéticos, o método deliberativo de Diego Gracia 2323. Garcia D. Moral deliberation: the role of methodologies in clinical ethics. Med Health Care Philos [Internet]. 2001 [acesso 24 jan 2022];4(2):223-32. DOI: 10.1023/A:1011445128427
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corrobora a maneira de pensar e agir na tomada de decisões em saúde. A proposta desse método consiste em encontrar as decisões mais razoáveis para problemas éticos, contextualizando de maneira sistemática e objetiva.

O método deliberativo tem como objetivo ponderar os valores e deveres envolvidos em um problema ético, a fim de chegar à chamada “solução razoável e prudente”, que atenderia positivamente todos os valores envolvidos. Ao aplicar tal método ao processo de consentimento livre e esclarecido, a solução mais razoável e prudente, segundo o método deliberativo, seria aquela que respeitasse todos os valores da melhor maneira possível 2222. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 7ª ed. New York: Oxford University Press; 2013..

Habermas 2424. Habermas J. Teoria dell’agire comunicativo. Bologna: Il Mulino; 2017., em sua ética discursiva, defende que o processo deliberativo deve ocorrer por meio da troca de informações entre as partes, prezando pela liberdade (autonomia) e suprimindo qualquer tipo de coerção, ou seja, considerando todos os aspectos citados para a tomada de decisão. Ao considerar esse pensamento, o processo deve ser conduzido com um diálogo que aborde o participante considerando seus valores pessoais, escolaridade, a relação entre médico e participante e possíveis vulnerabilidades envolvidas.

O modelo de processo deliberativo de Habermas 2424. Habermas J. Teoria dell’agire comunicativo. Bologna: Il Mulino; 2017.propõe quatro condicionantes: 1) deliberação sem deformações internas ou externas; 2) livre expressão dos argumentos; 3) acolhimento de argumentações discordantes; e 4) busca por soluções razoáveis e prudentes. Assim, todo o processo de esclarecimento deveria ser pautado em diálogo, tornando o participante plenamente autônomo para decidir depois de entender a pesquisa.

Há carência de ferramentas, ou de seu uso, para avaliar com efetividade o processo de consentimento livre e esclarecido, o que acaba por influenciar os poucos estudos focados nesse aspecto da pesquisa clínica. Essa questão se deve, também, ao fato de tais ferramentas serem complexas e de, durante a construção desse documento, ele próprio não ser testado e aprimorado antes de ir a campo executar a pesquisa. Ferramentas como o Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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ajudam a avaliar legibilidade, leiturabilidade e inteligibilidade, assim como o MacCAT-CR 2626. Appelbaum PS, Grisso T. MacArthur competence assessment tool for clinical research (MacCAT-CR). Sarasota: Professional Resource Press; 2001., que avalia se o participante entendeu o que lhe foi explicado, apreciou devidamente o conteúdo e, por fim, teve competência para decidir sobre sua participação.

Este trabalho utiliza pela primeira vez a ferramenta Coh-Metrix para analisar os textos de TCLE utilizados no Brasil.

Método

Este trabalho utilizou análise documental de dois modelos de TCLE de um estudo fictício, buscando ferramentas que avaliassem métricas textuais e linguísticas, e aplicou essa ferramenta aos dois termos elaborados. Com isso, pretendeu-se avaliar a acessibilidade textual e linguística de TCLE utilizados em pesquisa clínica no Brasil.

Os dois TCLE foram redigidos com abordagens textuais diferentes, contudo, simulando o que acontece em uma pesquisa clínica real. O primeiro, aqui denominado “termo representativo”, foi redigido em forma de itens, contendo todas as informações da natureza do estudo. O segundo termo, denominado “termo modificado”, foi redigido mantendo as informações do termo representativo, porém, na forma de perguntas e respostas. Ambos os termos foram submetidos à apreciação de cinco avaliadores com experiência em ética em pesquisa clínica e considerados aptos a serem utilizados em situações reais.

As análises dos dois textos foram realizadas utilizando a ferramenta Coh-Metrix 2727. Graesser AC, Mcnamara DS, Louwerse, Max M, Zhiqiang C. Coh-Metrix: analysis of text on cohesion and language. Behav Res Methods Instrum Comput [Internet]. 2004 [acesso 24 jan 2022];36(2):193-202. DOI: 10.3758/BF03195564
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adaptada para uso em português: Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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. A versão adaptada empregada neste trabalho também está sendo utilizada e validada em outros contextos: análise automática de inteligibilidade de corpus (AIC) 2828. Maziero EG, Pardo TAS, Aluísio SM. Ferramenta de análise automática de inteligibilidade de córpus (AIC) [Internet]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2008 [acesso 24 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3UNUB08
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, Coh-Metrix-Dementia 2929. Cunha ALV. Coh-Metrix-Dementia: análise automática de distúrbios de linguagem nas demências utilizando processamento de línguas naturais [dissertação] [Internet]. São Carlos: Universidade de São Paulo; 2015 [acesso 24 jan 2022]. Disponível: https://bit.ly/3mH6KqQ
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e métricas psicolinguísticas 3030. Santos LB, Duran MS, Hartmann NS, Cândido A Jr, Paetzold GH, Aluísio SM. A lightweight regression method to infer psycholinguistic properties for Brazilian Portuguese. In: Ekštein K, Matoušek Václav, organizadores. Text, speech, and dialogue [Internet]. Cham: Springer; 2017. p. 281-9..

O Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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foi desenvolvido para que questões linguísticas pudessem ser simplificadas, facilitando o acesso à informação para mais pessoas, por questões sociais, escolares, médicas e de desenvolvimento. A ferramenta dispõe de 180 métricas, e este trabalho analisou as 83 que contam com estudos conclusivos sobre sua influência na complexidade de um texto. As métricas avaliam a presença e a ausência de elementos linguísticos, desde substantivos, verbos e advérbios, até a extensão de orações/sentenças, frases negativas e relação de elementos linguísticos. Cada métrica oferece um escore, que, em função de sua presença ou ausência em um texto, influencia sua complexidade. Logo, encontraram-se escores altos, que são bons, e também escores baixos.

A análise foi feita de duas maneiras distintas. Primeiro, analisaram-se os textos na íntegra; em seguida, os textos foram separados em quatro blocos de informações (Quadro 1), alinhadas com a Resolução CNS 466/2012 88. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 44-6, 24 maio 2016 [acesso 24 jan 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/41yYSXq
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. A separação em blocos foi feita para verificar se haveria uma classe de informações mais complexa. Considerou-se melhora ou piora a comparação do dado bruto de ambas as análises, sem teor classificatório ou de parâmetros.

Quadro 1
Descrição dos blocos de informações e itens correspondentes, conforme Resolução CNS 466/2012 88. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 44-6, 24 maio 2016 [acesso 24 jan 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/41yYSXq
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Avaliaram-se métricas básicas, como tamanho de sentenças, quantidade de sentenças, média de sentenças por parágrafo, quantidade de orações em sentenças, classes de palavras, pronomes, substantivos, adjetivos, advérbios e tempo verbal, verificando, ainda, se o texto indica diálogo com o leitor e palavras que antecedem verbos. Também foi possível aferir o parâmetro relacionado à idade de aquisição de classes de palavras pelo indivíduo, a idade em que se desenvolve a imageabilidade (capacidade de abstração) de palavras e a familiaridade com palavras de acordo com a idade. As idades indicadas são separadas da seguinte maneira: 1 (de 0 a 2 anos); 2 (de 3 a 4 anos); 3 (de 5 a 6 anos); 4 (de 7 a 8 anos); 5 (de 9 a 10 anos); 6 (de 11 a 12 anos); e 7 (13 anos ou mais).

O Coh-Metrix 2727. Graesser AC, Mcnamara DS, Louwerse, Max M, Zhiqiang C. Coh-Metrix: analysis of text on cohesion and language. Behav Res Methods Instrum Comput [Internet]. 2004 [acesso 24 jan 2022];36(2):193-202. DOI: 10.3758/BF03195564
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utiliza testes reconhecidos e fundamentados para complementar sua análise, como: Flesch 3131. Kincaid JP, Fishburne RP, Rogers RL. Derivation of new readability formulas (automated readability index, fog count and flesch reading ease formula) for navy enlisted personnel. Millington: Institute for Simulation and Training; 1975., índice de Brunet 3232. Brunet É. Le vocabulaire de Jean Giraudoux, structure et évolution. Genève: Slatkine; 1978., fórmula de Dale Chall 3333. Chall JS, Dale E. Readability revisited: the new Dale-Chall readability formula. Cambridge: Brookline; 1995. adaptada, fórmula de complexidade sintática de Frazier 3434. Dowty DR. Natural language parsing: psychological, computational and theoretical perspectives. Cambridge: Cambridge University Press; 2005., índice Gunning Fox 3535. Seely J. The Oxford guide to effective writing and speaking: how to communicate clearly. Oxford: Oxford University Press; 2013., estatística de Horoné 3636. Honoré A. Some simple measures of richness of vocabulary. Association for Literary and Linguistic Computing Bulletin [Internet]. 1979 [acesso 24 jan 2022];7(2):172-7. Disponível: https://bit.ly/3UOyvKP
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e fórmula de complexidade sintática de Yngve 3737. Yngve VH. A model and an hypothesis for language structure. Proc Am Philos Soc [Internet]. 1960 [acesso 17 abr 2023];104(5):444-66. Disponível: https://bit.ly/40fdY32
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.

Cada escore do Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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tem uma análise específica, pois a presença ou ausência de determinado elemento textual pode aumentar ou diminuir a acessibilidade de um texto. Logo, a mera avaliação numérica dos escores não é adequada para interpretá-los.

Para entender a complexidade das palavras utilizadas no texto (substantivos, verbos, adjetivos e advérbios), empregam-se cálculos de idade de aquisição de palavras, imageabilidade e familiaridade, os quais são estabelecidos e aferidos pelo Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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Idade de aquisição é uma característica psicolinguística das palavras de conteúdo e representa o intervalo de idade em que a palavra foi adquirida. Familiaridade refere-se ao quanto os falantes de uma língua conhecem uma palavra e a utilizam em seu cotidiano. Imageabilidade significa o quanto uma palavra pode ser abstraída em imagens por falantes de uma língua, também interpretada com base na quantidade de significados de certa palavra.

Os valores dessas métricas consideradas na ferramenta variam de 1 a 7 – considerando as faixas etárias, conforme classificação apresentada anteriormente – e, quanto menor o valor, mais simples é o texto.

Resultados

Os resultados mostraram que, aparentemente, não houve mudanças dignas de nota com relação à melhora ou piora dos resultados quando se compara o desempenho dos dois textos. Apenas no bloco “Informações básicas ao participante” verificou-se piora, conforme expresso na Tabela 1.

Tabela 1
Resumo dos resultados encontrados com o uso do Coh-Metrix Port

Os resultados expressos na Tabela 2 indicam que a melhora do termo modificado em relação ao termo representativo não foi constante, tendo havido melhora em alguns parâmetros e piora em outros, quando os respectivos textos foram avaliados com base nos blocos de informações.

Tabela 2
Interpretação dos resultados comparativos entre os textos dos diversos blocos de informações de ambos os modelos de TCLE, utilizando critérios de imageabilidade, familiaridade e idade de aquisição de palavras

Ainda, ao considerar o índice Flesch, que faz parte dos subinstrumentos de avaliação contidos no Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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e indica quantos anos de estudo uma pessoa precisa ter para compreender um texto, o termo representativo foi qualificado como “muito difícil” (escore 28,99 – nível pós-graduação), ao passo que o termo modificado foi considerado “difícil” (escore: 39,93 – nível universitário). Ambos exigem grau elevado de escolaridade para serem compreendidos adequadamente.

Discussão

Este trabalho utilizou, de maneira inédita, a ferramenta Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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para avaliar, em múltiplos níveis de análise, as características dos textos de TCLE. Os dois TCLE foram redigidos de modo a representar o que acontece no contexto de pesquisa clínica no Brasil. Os tipos de redação são diferentes, mas ambos os estilos têm sido utilizados. Na comunidade de ética em pesquisa no Brasil, há um sentimento de que a redação de um TCLE em forma de perguntas e respostas favorece sua acessibilidade.

O Coh-Metrix 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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tem sido validado em publicações para avaliar textos com finalidades específicas. Este estudo não teve a pretensão de propor a validação dessa ferramenta para analisar a adequação dos textos dos dois TCLE, mas sim de ser uma primeira abordagem das características das palavras, sentenças e da relação entre as ideias que estão contidas nesses documentos.

Os escores obtidos nas análises contidas neste estudo não podem ser interpretados de modo abrangente, tampouco devem levar à criação de parâmetros de adequação textual de TCLE. A falta de referencial mais específico para avaliar a adequação de TCLE utilizando essa ferramenta prejudica a interpretação. Não existe um ponto de corte entre o que é adequado e o que deixa de ser.

Considerando a escolaridade da população brasileira que participa de pesquisa clínicas, os resultados apontam que esses dois termos não estão adequados para serem aplicados no processo de consentimento livre e esclarecido, embora seja possível perceber melhorias devidas ao fato de a extensão do documento ter diminuído e de ambos terem sido “devidamente avaliados e aprovados”. Os termos são considerados inadequados porque o perfil dos indivíduos que costumam participar desses estudos é constituído, em grande parte, por pessoas com ensino fundamental (53,7%). Ao considerar esse único parâmetro, é possível corroborar conclusões de estudos já publicados 1111. Guibu IA, Moraes JC, Guerra AA Jr, Costa EA, Acurcio FA, Costa KS et al. Main characteristics of patients of primary health care services in Brazil. Rev Saúde Pública [Internet]. 2017 [acesso 24 jan 2022];51(2):1s-13s. DOI: 10.11606/S1518-8787.2017051007070
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,1818. Amorim KPC, Garrafa V, Melo AD, Costa AVB, Caldas G, Oliveira L et al. Perfil e vozes dos participantes de pesquisas clínicas no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2020 [acesso 24 jan 2022];28(4):664-73. DOI: 10.1590/1983-80422020284430
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e verificar que as mudanças realizadas no termo modificado não foram capazes de torná-lo mais adequado ao entendimento da maioria dos participantes de pesquisas clínicas do Brasil.

Os resultados também demonstram que não é tarefa simples propor modificações num TCLE para torná-lo mais adequado à compreensão dos participantes. Entre outros motivos, é possível especular que isso ocorre não apenas para atender às normas de ética em pesquisa do CNS, mas também para que os departamentos jurídicos das indústrias farmacêuticas atendam ao regulamento vigente (Resolução CNS 466/2012) 88. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 44-6, 24 maio 2016 [acesso 24 jan 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/41yYSXq
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, que obriga que os TCLE contemplem significativa quantidade de informações. Além disso, tais informações, dada sua natureza, nem sempre podem ser expressas de modo mais simples em um texto.

A tarefa de redigir um TCLE acessível a qualquer pessoa é árdua, e isso tende a fortalecer a opinião de que sua importância relativa no processo de consentimento livre e esclarecido não deve ser tão significativa como é atualmente, pois um termo com alto grau de acessibilidade pode ser considerado não ético, por não preservar o princípio bioético da autonomia do participante de pesquisa ao não fornecer informações adequadamente. Com isso, a eticidade do processo estará comprometida, já o termo, além de legitimar uma decisão e um acordo do participante com o pesquisador, tem como principal função esclarecer a natureza de sua participação.

Portanto, considera-se que o participante de pesquisa é vulnerável pelas seguintes razões: condição que o levou a participar do estudo, eventual nível de escolaridade que possa afetar a compreensão das condições de sua participação em um estudo, leitura de um texto ou, ainda, possível temor de rotura de sua relação com seu médico. Assim, é necessário propor mudanças no processo de consentir, por exemplo, enfatizando que não somente um termo mais razoável pode ser a solução. Deve-se sempre buscar um processo mais deliberativo, em que se possa ser entendido e considerado o conhecimento prévio do participante sobre o assunto do estudo, as competências de leitura e compreensão, além das suas condições sociais.

Do ponto de vista bioético, o participante deveria ser o centro do processo de consentimento, que precisa ser estruturado de maneira deliberativa, com foco no participante e em sua participação. Ao pesquisador, cabe sempre cuidar para que o envolvimento de seres humanos em seus estudos seja sempre ético, sem desvios, intencionais ou não.

A relação médico-paciente, ou pesquisador- participante, é muitas vezes percebida pelos participantes como algo que envolve níveis hierárquicos, de modo que o que o médico ou pesquisador dizem seja tido como uma ordem inquestionável. Tal efeito pode agravar-se, a depender das condições sociais e de escolaridade do participante. Por isso, além de mudanças no conteúdo e na forma dos TCLE, o processo de consentimento livre e esclarecido deve ser pautado, principalmente, no diálogo entre pesquisador e participante, isto é, uma deliberação sobre a pesquisa.

A medicina defensiva tem seus fundamentos e propostas, mas, no caso de pesquisas clínicas, o médico-pesquisador e patrocinador, ao obter o TCLE assinado pelo participante, acredita estar protegido de qualquer processo judicial por imperícia, imprudência e/ou negligência. Mas o ordenamento jurídico brasileiro aplica a expressão erga omnes aos direitos de personalidade, de modo que são considerados irrenunciáveis e, portanto, garantem que nenhum participante de pesquisa pode abdicar deles, nem por vontade própria. Logo, tornar o processo mais ético e adequado é fundamental para beneficiar plenamente o participante e proteger devidamente o pesquisador 3737. Yngve VH. A model and an hypothesis for language structure. Proc Am Philos Soc [Internet]. 1960 [acesso 17 abr 2023];104(5):444-66. Disponível: https://bit.ly/40fdY32
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.

Não se pretende utilizar os resultados deste estudo para argumentar sobre o nível de influência que os TCLE utilizados no Brasil exercem sobre a eticidade das pesquisas clínicas no país. Com o conhecimento atual, constatou-se que não há parâmetros objetivos que possam separar o adequado do não adequado. Talvez a questão a ser discutida aqui seja a superestimação do TCLE no processo de consentimento, a busca por um meio de encontrar um caminho que leve à elaboração de um termo mais razoável e acessível.

Ainda assim, não se deve menosprezar a importância do TCLE no contexto ético de execução das pesquisas clínicas. Portanto, é legítimo, de todos os modos, preocupar-se com a maneira como ele é redigido. Em equipes que desenham um protocolo de ensaio clínico, raramente se encontra alguém especializado em linguística que se encarregue dessa parte do trabalho ou que seja consultado para verificar se o termo está adequado. Do mesmo modo, o documento não é testado antes de ser utilizado, ou seja, ele é redigido, aprovado pelos órgãos responsáveis e logo utilizado.

Também não costumam ser utilizados instrumentos para avaliar a competência dos participantes em tomar uma decisão acerca de sua participação num estudo clínico. Ao considerar esses fatores, reiteram-se, uma e outra vez, a preocupação com o verdadeiro exercício da autonomia pelos participantes de pesquisas clínicas e a importância de criar um modelo de TCLE e de processo que abranja essas situações, a fim de tornar o processo mais acessível e ético.

Urge propor mudanças nesse cenário e, nesse sentido, sugerir a utilização de ferramentas como o Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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para avaliar rotineiramente a complexidade dos textos dos TCLE, bem como sua adequação ao perfil da maioria dos participantes das pesquisas clínicas, é algo a ser considerado. A avaliação da eticidade do processo passa, também, por recomendar o uso de instrumentos que avaliem a competência dos participantes no que se refere à tomada de decisão autônoma após adequado esclarecimento. Tais ferramentas estão disponíveis, e uma delas é o já mencionado MacCAT-CR 2626. Appelbaum PS, Grisso T. MacArthur competence assessment tool for clinical research (MacCAT-CR). Sarasota: Professional Resource Press; 2001., que infelizmente ainda não foi validado para uso no Brasil.

Considerações finais

Este estudo é uma primeira abordagem sobre o uso da ferramenta Coh-Metrix Port 2525. Scarton CE, Aluisio SM. Análise da inteligibilidade de textos via ferramentas de processamento de língua natural: adaptando as métricas do Coh-Metrix para o português. Linguamática [Internet]. 2010 [acesso 24 jan 2022];2(1):45-61. Disponível: https://bit.ly/3mH3onK
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para analisar termos de consentimento livre e esclarecidos utilizados no Brasil. Ainda que os resultados não levem a conclusões mais genéricas de adequação e parâmetros textuais para TCLE, é importante chamar a atenção para a necessidade urgente de repensar a redação desses documentos.

Mesmo a mudança de redação de texto corrido para um formato de perguntas e respostas não tornou o texto tão mais acessível. Aponta-se, então, a necessidade de mudança por parte do patrocinador, para não descambar o TCLE para o viés jurídico; do pesquisador, para não tornar o TCLE um documento para sua proteção; e do sistema Comitês de Ética em Pesquisa (CEP)/Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que deve rever a postura de detalhamento excessivo no documento. Somente assim, abandonando o conceito jurídico e a visão detalhista, será possível construir um TCLE mais simples e que atenda às reais necessidades dos participantes de pesquisas.

Mais estudos são necessários para estabelecer parâmetros métricos. Para isso, alicerçar essa ferramenta com outras que avaliem a competência de decisão do participante de pesquisa após esclarecido pode fornecer resultados não somente sobre os textos, mas sobre os participantes e sua relação com o processo.

Pode-se supor que a principal contribuição deste estudo seja a de se juntar a tantos outros, que de maneiras distintas têm constantemente demonstrado que o processo de consentimento livre e esclarecido, em muitos casos e por diversos motivos, transformou-se em mera formalidade, uma peça de defesa de pesquisadores e patrocinadores, tendendo a se desvirtuar de sua verdadeira finalidade.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Sidney Leal, doutorando em processamento de língua natural na Universidade de São Paulo, por sua solicitude, disponibilidade e instrução quanto ao uso do Coh-Metrix Port e análise de suas variáveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    7 Jun 2021
  • Revisado
    14 Mar 2023
  • Aceito
    18 Mar 2023
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