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Bioética na odontologia: o que pensam os coordenadores dos cursos

Resumo

Este artigo analisa a importância que coordenadores dos cursos de odontologia brasileiros atribuem ao ensino da bioética e sua opinião sobre o perfil desejável para egressos desse curso. Trata-se de estudo exploratório, descritivo e transversal realizado com 130 coordenadores de cursos de odontologia brasileiros no qual foram realizadas análises descritivas e análise de conteúdo de Bardin. A grande maioria dos participantes atribui importância à bioética em diferentes situações e 23,8% deles consideram um perfil adequado o profissional com postura ética e humanizada, reflexivo e com competência técnica. A bioética está sendo inserida na matriz curricular dos cursos de odontologia, e a maioria dos coordenadores a considera importante em diferentes situações, mas nem todos os gestores entendem o que ela contempla.

Ensino; Currículo; Bioética; Odontologia

Abstract

This article analyzes the importance dentistry course coordinators attribute to bioethics teaching and their opinion on the expected graduate profile. An exploratory, descriptive cross-sectional study was conducted with 130 coordinators of Brazilian dentistry courses. Data underwent descriptive analysis and Bardin’s content analysis. Most participants attribute importance to bioethics teaching in different situations and 23.8% considered a professional with an ethical and humanized attitude, who is reflective and technically competent as a suitable profile. Dentistry courses are increasingly including bioethics in their curricula, and although most coordinators consider it important, not all understand its principles.

Teaching; Curriculum; Bioethics; Dentistry

Resumen

Este artículo analiza la importancia que los coordinadores de las carreras de Odontología en Brasil atribuyen a la enseñanza de la bioética y su opinión sobre el perfil deseable para los graduados de esta carrera. Se trata de un estudio exploratorio, descriptivo y transversal, realizado con 130 coordinadores de las carreras de Odontología de Brasil en el que se llevaron a cabo análisis descriptivos y análisis de contenido de Bardin. La mayoría de los participantes considera que la bioética es importante en diferentes situaciones, y el 23,8% de ellos estiman que un profesional con actitud ética y humanizada, reflexivo y técnicamente competente es un perfil adecuado. La bioética se está incluyendo en el plan de estudios de las carreras de Odontología, y la mayoría de los coordinadores la consideran importante en diferentes situaciones, pero no todos los directores entienden su alcance.

Enseñanza; Curriculum; Bioética; Odontología

As diretrizes curriculares nacionais (DCN) para o curso de odontologia, publicadas no ano de 2002, orientavam as instituições de ensino superior (IES) a formar profissionais com perfil generalista, humanista, crítico e reflexivo. Os profissionais deveriam ser preparados para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico, e capacitados para pautar suas ações em princípios éticos e bioéticos 11. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 19 de fevereiro de 2002. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de Graduação em Odontologia. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 42, p. 10-11, 4 mar 2002 [acesso 1 nov 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3uRSCib
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.

Quase duas décadas depois, foram publicadas novas DCN para o mesmo curso. Essas diretrizes aproximaram ainda mais a bioética do ensino da odontologia, incluindo em seu texto a atenção à dignidade da pessoa humana como característica necessária ao perfil do egresso e o objetivo de formar profissionais que atuem considerando a ética e as características de cada pessoa ou grupo 22. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 21 de junho de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 115, p. 77, 22 jun 2021 [acesso 20 nov 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3RsQkyU
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.

A presença da bioética na graduação vem sendo apontada como essencial para o desenvolvimento ético e humanístico dos discentes 33. Musse JO, Boing AF, Martino FS, Silva RHA, Vaccarezza GF, Ramos DLP. O ensino da bioética nos cursos de graduação em odontologia do estado de São Paulo. Arq Ciênc Saúde [Internet]. 2007 [acesso 1 nov 2022];14(1):13-6. Disponível: https://bit.ly/46I5Yeo
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4. Garbin CAS, Gonçalves PE, Garbin AJI, Moimaz SAS. Evaluación de las metodologías de enseñanza-aprendizaje de la bioética en las facultades de odontología brasileñas. Educ Méd [Internet]. 2009 [acesso 3 nov 2022];12(4):231-7. Disponível: https://bit.ly/3Ru1vHR
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5. Gonçalves PE, Saliba Garbin CA, Isper Garbin AJ., Adas Saliba N. Análise qualitativa do conteúdo ministrado na disciplina de bioética nas faculdades de odontologia brasileiras. Acta Bioeth [Internet]. 2010 [acesso 10 nov 2022];16(1):70-6. DOI: 10.4067/S1726-569X2010000100010
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6. Finkler M, Caetano JC, Ramos FRS. Ética e valores na formação profissional em saúde: um estudo de caso. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [acesso 16 nov 2022];18(10):3033-42. DOI: 10.1590/S1413-81232013001000028
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7. Neves WA Jr, Araújo LZS, Rego S. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];24(1):98-107. DOI: 10.1590/1983-80422016241111
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8. Nacasato RP, Bomfim RA, De-Carli AD. Ethical and moral development: aspects relating to professional training in Dentistry. Rev Gaúch Odontol [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];64(1):43-9. DOI: 10.1590/1981-863720160001000063056
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- 99. Justen M, Pires FS, Warmling CM. Decisão diante de conflitos bioéticos e formação em odontologia. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 18 nov 2022]; 29(2):334-43. DOI: 10.1590/1983-80422021292471
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, pois contribui para o entendimento, por parte dos alunos, de que os direitos dos pacientes devem ser respeitados 99. Justen M, Pires FS, Warmling CM. Decisão diante de conflitos bioéticos e formação em odontologia. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 18 nov 2022]; 29(2):334-43. DOI: 10.1590/1983-80422021292471
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, tornando-se indispensável para a formação de profissionais com o perfil almejado pelas DCN.

Sua importância é ainda mais significativa em países como o Brasil, em que ainda existem grandes desigualdades sociais. Maluf e Garrafa destacam que o fortalecimento dos espaços para a discussão de temas bioéticos, aliado à construção de sólida formação teórico-crítica de estudantes, deve constituir uma prerrogativa indispensável 1010. Maluf F, Garrafa V. O core curriculum da Unesco como base para formação em bioética. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2015 [acesso 16 nov 2022];39(3):456-62. p. 460. DOI: 10.1590/1981-52712015v39n3e00832015
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. Para Justen, Pires e Warmling 99. Justen M, Pires FS, Warmling CM. Decisão diante de conflitos bioéticos e formação em odontologia. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 18 nov 2022]; 29(2):334-43. DOI: 10.1590/1983-80422021292471
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, a importância da bioética para os profissionais de saúde está relacionada também à possibilidade de capacitar o aluno a enxergar aquilo que não se costuma ver, ou seja, o que está por trás de um processo de adoecimento, por meio do desenvolvimento de solidariedade e empatia.

No entanto, Neves, Araújo e Rego 77. Neves WA Jr, Araújo LZS, Rego S. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];24(1):98-107. DOI: 10.1590/1983-80422016241111
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ponderam que, apesar da comprovada importância do ensino da bioética, seu fortalecimento enquanto campo de conhecimento e disciplina ainda é um desafio. De fato, considerando que mudanças em legislações não bastam para modificar efetivamente a formação profissional 1111. Campany LNS. O profissionalismo na formação superior em saúde: uma análise sobre a graduação em odontologia [tese] [Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2016 [acesso 16 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GupCQc
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, as orientações das DCN sobre o perfil desejável para os egressos podem não ser suficientes para gerar modificações nos projetos político-pedagógicos (PPP) dos cursos, tampouco na matriz curricular. É preciso que a formação de egressos com tais características seja prioridade também das IES.

Nas IES, os coordenadores dos cursos têm papel de destaque na administração acadêmica, com poder político para gerir a qualidade dos processos institucionais 1212. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. A aderência dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e odontologia às Diretrizes Curriculares Nacionais [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2006 [acesso 16 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GuWetd
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, a reorganização curricular e a elaboração e o acompanhamento do PPP 1313. Grunow A, Sabdin AL, Fassina PH, Domingues MJCS. Análise do perfil dos gestores do curso de ciências contábeis das IES – Instituições de Ensino Superior do estado de Santa Catarina [Internet]. In: Anais do 6º Congresso USP de Controladoria e Contabilidade; 27-28 jul 2006; São Paulo. São Paulo: USP; 2006 [acesso 13 jun 2020]. Disponível: https://bit.ly/3Tb2RZ1
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14. Delfino R, Candido MLB, Mota AC, Campos L, Dejuste MT. Ensino superior: o novo perfil do coordenador de curso [Internet]. In: Anais do 12º Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e 8º Encontro Latino Americano de Pós-Graduação; 2008; São José dos Campos: Universidade do Vale do Paraíba; 2008 [acesso 20 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3uMZjlS
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15. Walter SA, Schneider MA, Rocha DT, Domingues MJCS, Tontini G. Perfil intraempreendedor e ações dos gestores dos cursos de ciências contábeis da região oeste do Paraná. REPeC [Internet]. 2012 [acesso 20 nov 2022];6(1):73-89. Disponível: https://bit.ly/47EVNbR
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- 1616. Ferrari FC, Nascimento KA. Perfil dos coordenadores de cursos de uma instituição de ensino superior mineira. Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery [Internet]. 2014 [acesso 20 nov 2022];16:1-11. Disponível: https://bit.ly/47OqCeg
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. Pode-se inferir, portanto, que as prioridades na formação dos alunos estabelecidas por esses profissionais se reflete no perfil desejado para o egresso do curso que coordena. Nesse sentido, buscou-se analisar a importância atribuída pelos coordenadores dos cursos de odontologia brasileiros à bioética e a opinião desses profissionais sobre o perfil desejável para os egressos dos cursos.

Método

Este é um estudo exploratório, descritivo e transversal conduzido com coordenadores de cursos de odontologia das IES brasileiras. O contato com os participantes foi realizado pelo e-mail cadastrado no site do e-MEC, ou obtido nos sites das IES. Para os cursos em que essa informação não estava disponível nos sites do e-MEC nem da IES, foram enviados três e-mails à IES, e, posteriormente, estabelecido contato telefônico por três vezes solicitando contato da coordenação do curso de odontologia.

Ao final de todas as tentativas, obtiveram-se os endereços eletrônicos das coordenações ou dos coordenadores de 431 cursos de odontologia, o que representa 96,6% dos 446 cursos da área que estavam em funcionamento no período. A coleta de dados ocorreu entre os meses de setembro e dezembro de 2021, mediante questionários semiestruturados, autoadministrados e aplicados de forma remota, enviados aos e-mails das coordenações ou diretamente aos coordenadores dos cursos de odontologia do Brasil.

Foram enviados três e-mails explicando os objetivos da pesquisa e a importância da participação de cada um e encaminhado um link que, após direcionar o participante a um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) digital, levava ao questionário. Os participantes que concordaram com o TCLE e aceitaram participar da pesquisa tiveram acesso ao questionário semiestruturado. Ao final, aceitaram participar da pesquisa e responderam ao questionário 130 coordenadores, o que representa 30,2% da amostra.

Para a construção do questionário, foi utilizada a ferramenta Google Docs, serviço de armazenamento e sincronização de arquivos, escolhida por ser gratuita e de fácil acesso para pesquisadores e respondentes. Nesse tipo de questionário, pode-se incluir botões de opção e listas suspensas que permitem apenas uma resposta, caixas que possibilitam várias respostas e caixas de texto com número limitado ou ilimitado de caracteres 1717. Fleming CM, Bowden M. Web-based surveys as an alternative to traditional mail methods. J Environ Manage [Internet]. 2009 [acesso 16 nov 2022];90(1):284-92. DOI: 10.1016/j.jenvman.2007.09.011
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.

O questionário foi composto por 27 questões (abertas, de múltipla escolha e com respostas numéricas). As questões foram divididas em três blocos: 1) dados de identificação; 2) questões relacionadas à disciplina de bioética; e 3) questões referentes à opinião dos coordenadores sobre o ensino da bioética e o perfil dos egressos.

Os dados provenientes de questões de múltipla escolha, respostas numéricas e com respostas curtas foram processados e analisados no programa SPSS Statistics 23.0, e realizou-se análise exploratória visando obter estatísticas descritivas desses indicadores. As variáveis categóricas e de respostas curtas serão apresentadas por meio de frequências absolutas e relativas, e as variáveis contínuas serão apresentadas por médias, mediana, desvio-padrão e intervalo interquartil.

Para as questões abertas qualitativas utilizou-se a técnica de análise de conteúdo de Bardin 1818. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2016. , que propõe uma sequência para apreciação. Ela é baseada nas seguintes etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados e interpretação.

A pesquisa foi realizada respeitando as Resoluções CNS 466/2012 1919. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial União [Internet]. Brasília, 13 jun 2013 [acesso 16 nov 2022]. Disponível: http://bit.ly/1mTMIS3
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e 510/2016 2020. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 12, p. 59, 13 jun 2013 [acesso 31 out 2022]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2fmnKeD
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, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, e foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP-Fiocruz).

Resultados

As respostas referentes à identificação dos coordenadores (n=130) evidenciaram o perfil dos participantes: 59,2% eram do gênero feminino, 98,5% eram graduados em odontologia e 84,6% coordenavam cursos de odontologia em IES privadas ou filantrópicas. Além disso, 52,3% dos coordenadores já haviam atuado em outros cargos de gestão antes de coordenarem o curso de odontologia que representavam. Apenas seis coordenadores (4,6%) tinham formação em ética e/ou bioética.

A média de idade dos coordenadores foi de aproximadamente 44 anos, com desvio-padrão de 9 anos. Quanto ao tempo de atuação como coordenador de curso, a média foi de 3,8 anos, com desvio-padrão de 4,3 anos. A carga horária média semanal de dedicação à coordenação de curso foi de 27,3 horas (desvio-padrão de 10,6 anos).

A presença de disciplina de bioética na grade curricular dos cursos de odontologia foi relatada por 80 coordenadores (61,5%), sendo optativa em três cursos (2,3%), e havia maior frequência de oferecimento nos dois primeiros anos da graduação (36,9%). Dos coordenadores que responderam que não havia a disciplina específica de bioética na matriz curricular (38,5%), apenas um declarou que o conteúdo de bioética não estava incluído em outras disciplinas.

A pergunta “por qual(is) motivo(s) a disciplina de bioética ainda não foi inserida na matriz curricular?” foi direcionada aos coordenadores que responderam não ter a disciplina na matriz curricular (n=50). Desses, 22 (44%) justificaram que os conteúdos bioéticos já estavam contemplados em outras disciplinas; nove (18%) disseram que não havia disponibilidade de horário, devido à carga horária restrita do curso; e quatro (8%) disseram que o curso está passando por reestruturação curricular, mas não especificaram se a bioética passará a ser contemplada enquanto disciplina.

Ainda nesse grupo, três participantes (6%) responderam que não estava inserida por uma decisão institucional; dois (4%) disseram que não consideram a bioética importante; e um (2%) afirmou que não tinha a disciplina por norma das DCN. Quatro participantes (8%) disseram que não sabiam responder a essa pergunta, e cinco (10%) deixaram a questão em branco.

Também foi proposta a pergunta “qual a importância que atribui à bioética para a formação dos alunos?” a todos os participantes (n=130) e 77 (59,2%) responderam apenas que a consideravam “muito importante e/ou necessária e/ou imprescindível”, mas sem especificações. Sua importância foi atribuída à formação mais humanizada dos profissionais por 11 participantes (8,46%); oito (6,15%) responderam que é importante por contribuir para a melhoria do exercício clínico profissional. Por fim, oito coordenadores (6,15%) responderam que inúmeros fatores tornam a bioética importante e elaboraram respostas mais completas, conforme exemplificado na citação a seguir. Esses dados estão apresentados na Tabela 1 .

Tabela 1
Importância atribuída à bioética pelos coordenadores de curso para a formação dos alunos

“A bioética é fundamental para o exercício da profissão pois está diretamente relacionada ao direito da informação do paciente, bem como ao consentimento livre e esclarecido em relação ao tratamento. Além disso, muitos conflitos que envolvem a bioética são rotineiros no dia a dia da prática odontológica, sendo fundamental o conhecimento da bioética para a solução desses conflitos” (C2).

Perguntou-se também a todos os participantes “em que situações do cotidiano profissional do cirurgião-dentista você considera importante o conhecimento da bioética?”. Alguns coordenadores responderam mencionando apenas um tipo de situação, e outros citaram várias em uma única resposta. As situações foram categorizadas de acordo com a frequência em que apareceram. “Atendimento clínico e/ou planejamento de tratamento e/ou escolha de procedimentos” foi a categoria mais frequentemente citada (31,54%), seguida por respondentes que declararam “em todas as situações” (30,77%) e pela categoria “relações interpessoais” (23,85%). Os dados constam na Tabela 2 .

Tabela 2
Situações do cotidiano profissional do cirurgião-dentista em que o coordenador considera importante o conhecimento da bioética

A pergunta “qual perfil profissional os cursos de odontologia brasileiros deveriam formar?” também foi direcionada a todos os participantes (n=130). A maioria (23,8%) descreveu um perfil que contemplava uma postura ética, humanista, crítica, reflexiva, generalista e com competência técnica; seguida dos que responderam apenas generalista (13,9%); humanista e ético (13,9%); e ético, com postura humanista, consciente do seu papel social e crítico, mas sem mencionar competência técnica (13,9%). Já outros participantes descreveram como perfil desejado apenas um profissional tecnicamente competente, sem mencionar ética ou humanização (11,5%) ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Perfil profissional que os cursos de odontologia brasileiros deveriam formar, de acordo com a opinião dos coordenadores dos cursos

Discussão

Considerando que pesquisas realizadas por meio de questionários costumam ter como desvantagem pequena adesão do público-alvo 2121. Marconi MA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas; 2003. , 2222. Vieira HC, Castro AE, Schuch VF Jr. O uso de questionários via e-mail em pesquisas acadêmicas sob a ótica dos respondentes [Internet]. In: Anais do 13º Seminários de Administração; 9-10 set 2010; São Paulo. São Paulo: FEA-USP; 2010 [acesso 23 nov 2022]. p. 1-13. Disponível: https://bit.ly/41fIMmE
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, com uma média de 25% na obtenção de respostas 2121. Marconi MA, Lakatos EM. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas; 2003. , pode-se considerar satisfatória a porcentagem de coordenadores que aceitaram participar desta pesquisa (30,2%).

Do total de coordenadores que participaram da pesquisa, 4,61% responderam ter formação – especialização, mestrado ou doutorado – nas áreas de ética e/ou bioética. Essa porcentagem é maior que a encontrada no levantamento realizado no currículo Lattes dos coordenadores – cadastrados no site do e-MEC – de cursos de odontologia em funcionamento no Brasil. O levantamento apontou que em apenas 1,1% dos currículos havia o registro de tal formação 2323. Colodette RM, Gomes AP, Moreira TR, Siqueira-Batista R. O perfil acadêmico dos coordenadores dos cursos de odontologia brasileiros: uma interface com a bioética. Rev Abeno [Internet]. 2023 [acesso 20 out 2023];23(1):2075. DOI: 10.30979/revabeno.v23i1.2075
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, o que pode indicar que profissionais com formação nesse campo podem ter respondido ao questionário por se identificarem com a temática da pesquisa.

Quando questionados se a bioética, enquanto disciplina, estava presente na matriz curricular do curso, 61,5% dos participantes responderam positivamente, e em 36,9% desses cursos a disciplina era ministrada nos dois primeiros anos letivos. Esse dado está de acordo a recomendação de alguns autores de que o ciclo básico de formação é o melhor período para ministrar bioética 33. Musse JO, Boing AF, Martino FS, Silva RHA, Vaccarezza GF, Ramos DLP. O ensino da bioética nos cursos de graduação em odontologia do estado de São Paulo. Arq Ciênc Saúde [Internet]. 2007 [acesso 1 nov 2022];14(1):13-6. Disponível: https://bit.ly/46I5Yeo
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, 55. Gonçalves PE, Saliba Garbin CA, Isper Garbin AJ., Adas Saliba N. Análise qualitativa do conteúdo ministrado na disciplina de bioética nas faculdades de odontologia brasileiras. Acta Bioeth [Internet]. 2010 [acesso 10 nov 2022];16(1):70-6. DOI: 10.4067/S1726-569X2010000100010
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, 77. Neves WA Jr, Araújo LZS, Rego S. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];24(1):98-107. DOI: 10.1590/1983-80422016241111
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, sendo notório o objetivo de que o ensino desse campo de conhecimento se torne, ao longo do curso, transversal, o que ocasiona aprendizagem mais significativa.

Os coordenadores (38,5%) que responderam que a bioética não estava presente como disciplina no curso foram questionados sobre o motivo dessa ausência na matriz curricular e a maioria (44%) afirmou que os conteúdos da bioética eram contemplados por outras disciplinas. A associação entre bioética e conteúdos normativos, dentro de uma mesma disciplina, não é o indicado 77. Neves WA Jr, Araújo LZS, Rego S. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];24(1):98-107. DOI: 10.1590/1983-80422016241111
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, pois, apesar de serem apresentadas temáticas complementares, diferentes disciplinas têm finalidades distintas na formação profissional 2424. Siqueira JE. O ensino da bioética no curso médico. Bioética [Internet]. 2003 [acesso 13 nov 2022];11(2):33-42. Disponível: https://bit.ly/41aGAMV
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. Os objetivos da bioética incluem a conscientização dos estudantes sobre a importância de respeitar os direitos dos pacientes 99. Justen M, Pires FS, Warmling CM. Decisão diante de conflitos bioéticos e formação em odontologia. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 18 nov 2022]; 29(2):334-43. DOI: 10.1590/1983-80422021292471
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, o que contribui para a formação moral dos alunos, e por isso sua presença efetiva na matriz curricular, na forma de disciplina, é importante 77. Neves WA Jr, Araújo LZS, Rego S. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];24(1):98-107. DOI: 10.1590/1983-80422016241111
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.

Alguns participantes que deram a justificativa de que o conteúdo era contemplado por outras disciplinas relataram também que esses temas eram trabalhados de forma transversal. De fato, vários autores têm publicado artigos ressaltando a importância de conteúdos bioéticos serem abordados de forma transversal durante a graduação 66. Finkler M, Caetano JC, Ramos FRS. Ética e valores na formação profissional em saúde: um estudo de caso. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [acesso 16 nov 2022];18(10):3033-42. DOI: 10.1590/S1413-81232013001000028
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, 2525. Freitas SFT, Kovaleski DF, Boing AF. Desenvolvimento moral em formandos de um curso de odontologia: uma avaliação construtivista. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2005 [acesso 30 nov 2022];10(2):453-62. Disponível: https://bit.ly/47Ztkgw
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26. Rego S, Gomes AP, Siqueira-Batista R. Bioética e humanização como temas transversais na formação médica. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2008 [acesso 16 nov 2022];32(4):482-91. DOI: 10.1590/S0100-55022008000400011
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27. Bello Barrios SC, Urdaneta García M, Bracho Faría MC, Weir Cuenca LA, Ferrer Carrizo DB. La bioética como eje transversal en el pensum de estudio de la Facultad de Odontología de la Universidad del Zulia Venezuela. Acta Odontol Venez [Internet]. 2013 [acesso 14 out 2022];51(1):5. Disponível: https://bit.ly/419D8lV
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https://doi.org/10.4067/S1726-569X201400...
- 2929. Warmling CM, Pires FS, Baldisserotto J, Levesque M. Ensino da bioética: avaliação de um objeto virtual de aprendizagem. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 3 dez 2022];24(3):503-14. DOI: 10.1590/1983-80422016243150
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. No entanto, apesar de ser interessante o ensino transversal da ética, é necessário ponderar sobre seu real alcance.

Há profissionais que ainda associam ética à aplicação do Código de Ética Odontológica (CEO) 3030. Rego SA. A formação ética dos médicos: saindo da adolescência com a vida (dos outros) nas mãos [Internet]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003 [acesso 3 dez 2022]. DOI: 10.7476/9788575413241
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e professores que consideram que ensinar ética se resume às normativas do código 77. Neves WA Jr, Araújo LZS, Rego S. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];24(1):98-107. DOI: 10.1590/1983-80422016241111
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. Não contemplar a bioética em uma disciplina autônoma, relegando a discussão ética a outras disciplinas, mesmo que de forma transversal, poderia desviar seu real objetivo. Para Rego 3030. Rego SA. A formação ética dos médicos: saindo da adolescência com a vida (dos outros) nas mãos [Internet]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003 [acesso 3 dez 2022]. DOI: 10.7476/9788575413241
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, o ensino transversal da ética é necessário no sistema de ensino, mas deve ser uma alternativa a ser pensada a longo prazo.

Cabe destacar que 18% dos participantes alegaram que a bioética não está presente no currículo por restrição de carga horária do curso; 4% responderam que não consideram a bioética importante; e 2% que não está presente por orientação das DCN. Esses dados revelam falta de priorização da bioética em alguns cursos de odontologia e até desconhecimento das orientações das DCN, publicadas desde 2002 11. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 19 de fevereiro de 2002. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de Graduação em Odontologia. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 42, p. 10-11, 4 mar 2002 [acesso 1 nov 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3uRSCib
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.

Em resposta à questão “qual importância atribui à bioética para a formação dos alunos?”, a grande maioria dos participantes (59,2%) respondeu, sem detalhamento, que considerava a bioética muito importante e/ou necessária e/ou imprescindível na formação dos alunos. Os demais descreveram as circunstâncias em que atribuíam importância à bioética, sendo formação mais humanizada a mais citada (8,46%). Chamou a atenção o fato de 6,2% dos participantes relacionarem sua importância apenas à melhoria do exercício clínico profissional, e 3,1% ao conhecimento do CEO e dos processos éticos, o que sugere falta de conhecimento sobre a abrangência dos conteúdos de bioética.

As respostas dadas a essa pergunta podem ser comparadas às do questionamento sobre o motivo pelo qual a disciplina de bioética não havia sido inserida na matriz curricular, respondida pelos coordenadores dos cursos que declararam ausência da bioética (n=50). A partir da comparação, é possível inferir que, apesar de a grande maioria dos coordenadores atribuir importância à bioética na formação dos alunos, parte deles ainda não a considera prioritária ou entende que apenas o suposto ensino de seus conteúdos por meio de outras disciplinas é suficiente.

As respostas à pergunta “em que situações do cotidiano profissional do cirurgião-dentista você considera importante o conhecimento da bioética?” são também significativas. Assim, 30,8% responderam apenas que a consideravam importante em “todas” as situações, enquanto outros participantes especificaram os tipos de situações em que consideram a bioética importante, pontuando uma ou mais, agrupadas de acordo com a frequência em que apareciam nas respostas.

As situações mais frequentemente citadas foram atendimento clínico, planejamento de tratamento e escolha de procedimentos (31,5%). Essas respostas podem estar associadas à questão cultural, relacionada ao tradicional ensino tecnicista da odontologia 88. Nacasato RP, Bomfim RA, De-Carli AD. Ethical and moral development: aspects relating to professional training in Dentistry. Rev Gaúch Odontol [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];64(1):43-9. DOI: 10.1590/1981-863720160001000063056
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e ao próprio desconhecimento, por parte desses coordenadores, do que representa a bioética.

As respostas à pergunta “qual perfil profissional os cursos de odontologia brasileiros deveriam formar?” foram analisadas e agrupadas de acordo com o sentido das frases e a frequência em que apareciam. De todas as categorias resultantes, “um perfil humanizado, reflexivo, com postura ética e competência técnica” foi a mais frequentemente citada (23,8%). Esse perfil está de acordo com as recomendações para o curso de odontologia das DCN de 2002 11. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES nº 3, de 19 de fevereiro de 2002. Institui diretrizes curriculares nacionais do curso de Graduação em Odontologia. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 42, p. 10-11, 4 mar 2002 [acesso 1 nov 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3uRSCib
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, reiteradas nas DCN de 2021 22. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução nº 3, de 21 de junho de 2021. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Odontologia e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 115, p. 77, 22 jun 2021 [acesso 20 nov 2022]. Seção 1. Disponível: https://bit.ly/3RsQkyU
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, cuja definição de profissional adequado contempla todas as dimensões da formação técnica, humanista, reflexiva, crítica e ética.

Chamou atenção o fato de 11,5% dos participantes responderem que atingir a excelência técnica seria o perfil almejado para os egressos, sem mencionar qualquer característica humanista ou ética. A odontologia brasileira já é reconhecida por sua excelência técnica 3131. Secco LG, Pereira MLT. Formadores em odontologia: profissionalização docente e desafios político-estruturais. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2004 [acesso 16 nov 2022];9(1):113-20. DOI: 10.1590/S1413-81232004000100011
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, no entanto esse modelo de ensino tecnicista vem sendo criticado e apontado como insuficiente para garantir um serviço de qualidade 3232. Al-Zain SA, Al-Sadhan SA, Ahmedani MS. Perception of BDS students and fresh graduates about significance of professional ethics in dentistry. J Pak Med Assoc [Internet]. 2014 [acesso 5 dez 2022];64(2):118-23. Disponível: https://www.jpma.org.pk/PdfDownload/5933
https://www.jpma.org.pk/PdfDownload/5933...
, além de incapaz de contemplar as atuais exigências para um atendimento completo e humanizado 88. Nacasato RP, Bomfim RA, De-Carli AD. Ethical and moral development: aspects relating to professional training in Dentistry. Rev Gaúch Odontol [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];64(1):43-9. DOI: 10.1590/1981-863720160001000063056
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. Para atingir tais objetivos, é necessário que as IES se comprometam – e priorizem – também a formação moral e ética dos seus alunos 1111. Campany LNS. O profissionalismo na formação superior em saúde: uma análise sobre a graduação em odontologia [tese] [Internet]. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz; 2016 [acesso 16 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GupCQc
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e que os gestores entendam que um perfil humanizado é tão essencial para os profissionais de saúde quanto as habilidades técnicas 1212. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério da Educação. A aderência dos cursos de graduação em enfermagem, medicina e odontologia às Diretrizes Curriculares Nacionais [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2006 [acesso 16 nov 2022]. Disponível: https://bit.ly/3GuWetd
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.

Uma pequena porcentagem respondeu que o perfil desejado para o egresso seria um profissional que guiasse suas condutas com base no CEO, em normativas e leis. O CEO constituiu a base para o ensino da ética por muito tempo 3333. Creutzberg M, Funck L, Kruse MHL, Mancia JR. A construção do compromisso ético na formação dos acadêmicos do curso de Enfermagem da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM. In: Temas do 56° Congresso Brasileiro de Enfermagem; 24-29 out 2004; Gramado. Brasília: ABEn; 2005. , e de fato sua discussão na formação dos alunos é indispensável, já que está ligada à regulamentação da prática profissional. No entanto, não é suficiente para proporcionar aos alunos a compreensão do que é ética 77. Neves WA Jr, Araújo LZS, Rego S. Ensino de bioética nas faculdades de medicina no Brasil. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2016 [acesso 16 nov 2022];24(1):98-107. DOI: 10.1590/1983-80422016241111
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, tampouco para contemplar a formação humanística necessária aos profissionais 3434. Siqueira JE, Sakai MH, Eisele RL. O ensino da ética no curso de medicina: a experiência da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bioética [Internet]. 2002 [acesso 5 dez 2022];10(1):85-95. Disponível: https://bit.ly/3RhagDU
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e, além disso, o entendimento puramente deontológico da ética pode levar a consequências desastrosas no manejo de conflitos éticos reais 66. Finkler M, Caetano JC, Ramos FRS. Ética e valores na formação profissional em saúde: um estudo de caso. Ciênc Saúde Colet [Internet]. 2013 [acesso 16 nov 2022];18(10):3033-42. DOI: 10.1590/S1413-81232013001000028
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.

Considerações finais

Esta pesquisa evidenciou que a bioética vem sendo incluída na matriz curricular dos cursos de odontologia brasileiros, mas que em grande parte das IES seu conteúdo ainda é ministrado dentro de outras disciplinas. Além disso, a maioria dos coordenadores atribui importância à bioética em diferentes situações na formação profissional e contempla, no perfil descrito como o adequado para os egressos, uma formação ética, humanizada, crítica e reflexiva.

No entanto, preocupa o fato de 13,9% dos participantes responderem que o perfil desejado para o egresso seria apenas o de profissional generalista; 11,5% acreditarem que somente a competência técnica bastaria; e 2,3% responderem que seria um profissional que guiasse suas condutas pelo CEO, e/ou por normativas e leis. A análise das respostas sugere que alguns coordenadores não têm conhecimento das orientações das DCN para o perfil dos egressos, ou que simplesmente ignoram tais orientações.

Como pondera Rego 3030. Rego SA. A formação ética dos médicos: saindo da adolescência com a vida (dos outros) nas mãos [Internet]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2003 [acesso 3 dez 2022]. DOI: 10.7476/9788575413241
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, não se pode desconsiderar a reconhecida distância entre teoria e prática, pois a matriz curricular acadêmica não representa a realidade, mas expressa tão somente a ideologia dos seus formuladores e a intenção do curso em questão. Nesse sentido, a formação dos alunos não corresponde necessariamente ao perfil idealizado pelos coordenadores e pelas IES no que diz respeito à dimensão ética, humanística, crítica, reflexiva, ou mesmo à competência técnica. Entretanto, se tais características sequer fizerem parte da idealização dos formuladores, das matrizes curriculares e do PPP dos cursos, a formação de egressos com o perfil orientado nas DCN estará ainda mais fora de alcance.

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  • Aprovação CEP-ENSP-Fiocruz 4.649.129

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    7 Jun 2023
  • Revisado
    5 Set 2023
  • Aceito
    18 Out 2023
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