Acessibilidade / Reportar erro

Mudança e (re)organização social no artesanato tradicional de trançados do rio Arapiuns, Santarém, Pará

Change and social (re)organization in traditional braided crafts from the Arapiuns River region, Santarém, Pará

Resumo

A produção de objetos em palha de tucumã é histórica em comunidades às margens do rio Arapiuns, município de Santarém, Pará, e, em 2022, esse saber-fazer foi declarado patrimônio histórico, cultural e imaterial do município. Este artigo aborda mudanças na organização social e na produção artesanal dos trançados do Arapiuns, a partir da experiência da Associação de Artesãos e Artesãs das Comunidades de Nova Pedreira, Vista Alegre e Coroca (AARTA). Entrevistas semiestruturadas, conversas informais e análise de documentos indicaram que, a partir dos anos 2000, diversas instituições passaram a atuar na região, visando à geração de renda e à preservação cultural e ambiental. Essas instituições, juntamente com artesãs, possibilitaram o intercâmbio de saberes-fazeres, as variações na tipologia e no tingimento de peças, a organização formalizada das artesãs, além de mudanças nas formas de produção e comercialização do artesanato. A organização formal do grupo, a atuação da associação e o papel desempenhado por uma artesã específica consolidaram tais mudanças. Nesse processo, a AARTA materializou a valorização do artesanato pelas próprias artesãs e tem impulsionado a colocação dessa atividade em espaços que estimam os atributos de um artesanato tradicional, com melhores preços de venda, além de divulgar e permitir seu reconhecimento enquanto patrimônio municipal.

Palavras-chave
Associação comunitária; Patrimônio imaterial; Produção artesanal; Santarém; Tucumã

Abstract

Objects have long been made from the fibers of the tucumã palm in communities of the Arapiuns River in Santarém, Pará, and in 2022 this know-how was declared historical, cultural and intangible heritage of the municipality. This article addresses changes in social organization and artisanal production of braided crafts in Arapiuns from the experience of an association of crafters in the communities of Nova Pedreira, Vista Alegre, and Coroca (AARTA). Semi-structured interviews, informal conversations, and analysis of documents indicated that several institutions began to operate in the region in the 2000s in order to generate income and promote cultural and environmental preservation. These institutions, together with the artisans, enabled exchange of know-how, variations in types and dyeing of pieces, formalized organization of the artisans, as well as changes in the ways these crafts were produced and sold. The formal organization of the group, its activities, and the role played by a specific artisan consolidated these changes. During this process, AARTA encouraged the artisans to value their own crafts and drove placement of these products in spaces that add value to traditional crafts and provide better sales prices, along with dissemination and recognition of this municipal heritage.

Keywords
Community association; Immaterial heritage; Artisanal production; Santarém; Tucumã

INTRODUÇÃO

Os trançados do Arapiuns são produzidos, principalmente, no baixo curso do rio homônimo, no município de Santarém, Pará. ‘Tecer’, como dizem as artesãs, é a ação de confecção das peças, feita ao trançar as palhas retiradas de palmeiras de tucumã (Astrocaryum vulgare – Arecaceae) encontradas na região (Carvalho, 2011aCarvalho, L. G. (2011a). Tessume de histórias: os trançados do Arapiuns (1. ed.). IPHAN, CNFCP.).

Antes de tecer, é preciso identificar as ‘guias’ – prefoliações das palmeiras – aptas para retirada. Como é característico do gênero botânico Astrocaryum (Kahn, 2008Kahn, F. (2008). The genus Astrocaryum (Arecaceae). Revista Peruana de Biología, 15(1), 31-48. http://www.scielo.org.pe/pdf/rpb/v15s1/a04v15s1.pdf
http://www.scielo.org.pe/pdf/rpb/v15s1/a...
), os espinhos estão presentes em grande quantidade, nas diversas partes da palmeira; assim, a preparação das ‘guias’ envolve sua remoção, a separação dos folíolos e a secagem deles ao sol. Com a transformação dos folíolos em palhas secas, já é possível tecer peças ou, antes, tingi-las para confecção de peças coloridas artificial ou naturalmente (Arantes et al., 2021Arantes, A. C. V., Carvalho, L. G., & Rêgo, N. A. P. (2021, fev.). O uso de plantas na marca coletiva Trançados do Arapiuns. In Anais do I Seminário Internacional de Indicação Geográfica e Marcas Coletivas do Estado do Pará. Fórum Paraense IGMC, Belém.). Esse saber-fazer é transmitido, geralmente, de mãe para filha, sendo as mulheres as principais tecedeiras das famílias (Carvalho, 2011aCarvalho, L. G. (2011a). Tessume de histórias: os trançados do Arapiuns (1. ed.). IPHAN, CNFCP.).

As peças são feitas e comercializadas há gerações na região, como mostram os relatos de Medeiros (2012Medeiros, T. H. (2012). Artesanías em palha de tucumã e memória: tecendo territorialidade e relações socioculturais. Somanlu, 12(2), 151-173. https://www.periodicos.ufam.edu.br/index.php/somanlu/article/viewFile/446/277
https://www.periodicos.ufam.edu.br/index...
, 2013)Medeiros, T. H. (2013). Redes de sociabilidade e comércio na floresta: artesanías em palha de tucumã entrançam grupos e vidas nas enseadas do rio Arapiuns em Santarém/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/336...
e Silva (2021)Silva, A. A. (2021). Manejo, extração, uso e beneficiamento da palha do tucumã por mulheres da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, Pará, Brasil [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Oeste do Pará]. https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/handle/123456789/619
https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/h...
, sempre tendo as mulheres como protagonistas. Recentemente, em 2022, foi aprovado o projeto de lei n° 21.491, que declarou os ‘trançados do Arapiuns’ como patrimônio histórico, cultural e imaterial do município de Santarém (Santarém, 2022Santarém. (2022). Lei n° 21.491, de 06 de abril de 2022. Declara como patrimônio cultural, histórico e imaterial do município de Santarém os Trançados de Arapiuns e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Santarém.). Esse reconhecimento é fruto de articulações que remontam ao começo dos anos 2000 e envolvem diversos atores institucionais, além das comunidades locais.

Neste artigo, demonstramos que tais articulações não só promoveram a valorização do artesanato pelas próprias artesãs e suas comunidades, pelo mercado, por políticos e instituições públicas, mas também estimularam uma nova forma de organização social das artesãs, por meios formais e informais. As mudanças na organização coletiva, por sua vez, estiveram associadas a inovações no artesanato, refletidas na criação de uma variedade de peças, produzidas com novas formas de tingimento e formatos. Nessa conjuntura, o objetivo deste estudo é analisar o processo de valorização do artesanato conhecido como trançados do Arapiuns.

A confecção desse artesanato envolve coletivos formados em diversas comunidades e aldeias situadas nas duas margens do rio Arapiuns, os quais se distinguem uns dos outros em relação aos modos de organização, produção e comercialização artesanal. Há, por exemplo, coletivos compostos por pessoas de diferentes filiações étnicas (indígenas e não indígenas), grupos informais e formais (com estatuto jurídico de associação ou cooperativa), e de caráter mais ou menos duradouro, fechado ou aberto. Neste artigo, será considerada, em particular, a experiência do grupo que originou a Associação Trançados do Arapiuns, nome fantasia da Associação de Artesãos e Artesãs das Comunidades de Nova Pedreira, Vista Alegre e Coroca (AARTA), cuja sede fica na Vila Coroca (Figura 1).

Figura 1
Localização da Vila Coroca e Urucureá, no rio Arapiuns, em relação à cidade de Santarém.

Com foco na AARTA, pretende-se discutir, mais especificamente, o papel da organização formal de artesãs nas mudanças que levaram ao reconhecimento do valor patrimonial dos trançados do Arapiuns como um artesanato tradicional, na acepção que R. Lima (2005)Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
confere a essa expressão. A partir da análise de documentos de projetos desenvolvidos pela e com a AARTA, de entrevistas semiestruturadas e conversas realizadas com sócias da entidade – uma ex-pesquisadora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular/Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (CNFCP/IPHAN) e agentes de terceiro setor –, argumenta-se, neste artigo, que a atuação da referida associação foi imprescindível para a valorização dos trançados do rio Arapiuns em geral. Esta pesquisa foi analisada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), sob parecer n° 4.939.501.

O texto contém, além desta introdução, duas seções que antecedem as considerações finais. Primeiramente, a partir da literatura, são abordados alguns aspectos da produção artesanal tradicional, como sua íntima relação com modos de vida, expressão cultural, fortalecimento identitário e político, e interação com o mercado. Em seguida, percorrem-se as trilhas da valorização e das mudanças na produção artesanal em palha de tucumã no rio Arapiuns, tomando como objeto empírico a experiência da AARTA, que, para fins analíticos, é dividida em três fases.

ARTESANATO TRADICIONAL E ALGUMAS DE SUAS NUANCES

Uma definição de artesanato o caracteriza como um produto do fazer humano, elaborado basicamente pelas mãos, mas podendo envolver a utilização de equipamentos e máquinas submissas ao artesão (R. Lima, 2005Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
). Entre os vários tipos de artesanato, R. Lima (2005)Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
define o artesanato tradicional como aquele que expressa origem, identidade (individual ou coletiva) e cultura. Assim, um artesanato tradicional não é apenas mercadoria ou objeto utilitário e/ou decorativo, mas está investido de valores e crenças, carregando informações de quem o produziu (R. Lima, 2005Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
; Velthem, 2007Velthem, L. H. V. (2007). Trançados indígenas norte amazônicos: fazer, adornar, usar. Revista de Estudos e Pesquisas, 4(2), 117–146. http://dspace.sistemas.mpba.mp.br/jspui/handle/123456789/509
http://dspace.sistemas.mpba.mp.br/jspui/...
).

Imbuído de cargas identitárias e culturais, os artesanatos tradicionais levantam questões pertinentes para discussão acerca de preservação, consumo, comercialização, direitos intelectuais, demanda mercadológica, entre as quais algumas serão abordadas adiante. Nessa categoria de artesanato, os trançados do Arapiuns estão inclusos, carregando em si a identificação do local de origem, bem como um conjunto de informações culturais da região e dos modos de vida das pessoas que ali vivem e produzem as peças.

Muitos dos objetos que, atualmente, são identificados como artesanato são ou foram objetos utilizados no cotidiano de quem os produz ou produzia. Cerâmicas, cestarias e cuias, por exemplo, foram e ainda são, em alguns contextos, utilizadas nas atividades diárias de populações da Amazônia. Desse modo, diferencia-se artefato de artesanato, considerando que os primeiros são feitos para uso próprio e/ou familiar, e o segundo constitui uma ressignificação do artefato, porquanto produzido com vistas a ser comercializado, geralmente como objetos decorativos (D. Lima et al., 2006Lima, D., Sousa, M., Domingues, R., Marques, T., Raposo, C., Oliveira, F., . . . Guimarães, P. (2006). Artesanato e identidade cultural no médio Solimões: a promoção de técnicas e conhecimentos tradicionais em comunidades ribeirinhas das reservas Mamirauá e Amanã. Instituto Mamirauá/IPHAN.; M. Sousa, 2009Sousa, M. J. S. (2009). Etnografia da produção de artefatos e artesanatos em comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã – Médio Solimões. UAKARI, 5(1), 21-37.). Consideramos essa diferenciação simplesmente com o objetivo de ressaltar o aspecto comercial do artesanato, em relação ao artefato, pois esse aspecto é relevante no caso em estudo.

As dinâmicas que levam artefatos a se tornarem artesanatos estão relacionadas, geralmente, com o interesse em salvaguardar conhecimentos e técnicas necessários à produção de objetos manufaturados de uso cotidiano, especialmente os de origem anterior à colonização (D. Lima et al., 2006Lima, D., Sousa, M., Domingues, R., Marques, T., Raposo, C., Oliveira, F., . . . Guimarães, P. (2006). Artesanato e identidade cultural no médio Solimões: a promoção de técnicas e conhecimentos tradicionais em comunidades ribeirinhas das reservas Mamirauá e Amanã. Instituto Mamirauá/IPHAN.). Tal interesse parte da compreensão de que esses conhecimentos e técnicas podem desaparecer, em razão da competição dos artefatos com objetos industrializados de funções semelhantes e de mudanças nos modos de vida dos próprios produtores, o que levaria à inutilidade de sua produção (Leite, 2005Leite, R. P. (2005). Modos de vida e produção artesanal: entre preservar e consumir. In Central ArteSol (Ed.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 27-42). Central ArteSol.; D. Lima et al., 2006Lima, D., Sousa, M., Domingues, R., Marques, T., Raposo, C., Oliveira, F., . . . Guimarães, P. (2006). Artesanato e identidade cultural no médio Solimões: a promoção de técnicas e conhecimentos tradicionais em comunidades ribeirinhas das reservas Mamirauá e Amanã. Instituto Mamirauá/IPHAN.).

D. Lima et al. (2006)Lima, D., Sousa, M., Domingues, R., Marques, T., Raposo, C., Oliveira, F., . . . Guimarães, P. (2006). Artesanato e identidade cultural no médio Solimões: a promoção de técnicas e conhecimentos tradicionais em comunidades ribeirinhas das reservas Mamirauá e Amanã. Instituto Mamirauá/IPHAN. afirmam que muitos artefatos outrora utilizados na vida cotidiana na Amazônia foram, de fato, substituídos por objetos industriais, enquanto outros foram transformados em artesanato, em versões em miniatura, decompostos ou inteiros. Entender o artesanato como um testemunho material do passado, que, por isso, deve ser preservado, é uma vertente de ações, discursos e políticas no ramo da valorização do artesanato. Nessa perspectiva, busca-se a preservação da peça, da arte original. Por outro lado, há perspectivas que buscam adequação e inovação do objeto, visando a atender às demandas do mercado e obter maior sucesso na comercialização (Leite, 2005Leite, R. P. (2005). Modos de vida e produção artesanal: entre preservar e consumir. In Central ArteSol (Ed.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 27-42). Central ArteSol.; R. Lima, 2005Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
; D. Lima et al., 2006Lima, D., Sousa, M., Domingues, R., Marques, T., Raposo, C., Oliveira, F., . . . Guimarães, P. (2006). Artesanato e identidade cultural no médio Solimões: a promoção de técnicas e conhecimentos tradicionais em comunidades ribeirinhas das reservas Mamirauá e Amanã. Instituto Mamirauá/IPHAN.; Reis, 2022Reis, D. (2022). (Arte)sanato tradicional: fricções entre matrizes de pensamento. Etnografica, 26(1), 209-231. https://doi.org/10.4000/etnografica.11464
https://doi.org/10.4000/etnografica.1146...
).

Em meio a programas, projetos e ações que as diferentes perspectivas embasam, o artesanato tradicional impõe desafios específicos àqueles que visam ao incentivo da produção, uma vez que exige sensibilidade e respeito para com os valores, saberes e códigos de comportamento do artesão, os quais permeiam toda produção e constituem, segundo R. Lima (2005)Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
, o seu ponto forte, a fonte do seu valor cultural. Assim, para o R. Lima (2005)Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
, o caminho para o equilíbrio entre as diferentes perspectivas é enxergar o objeto artesanal tradicional dentro das relações de mercado, para sua valorização econômica, mas respeitando a peculiaridade de sua dimensão cultural.

Embora seja visto por alguns como algo que deve ser preservado e protegido de mudanças, o artesanato tradicional é dinâmico e se modifica continuamente (R. Lima, 2005Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
). Como criação que traz referências do contexto em que foi produzida, é viva e cambiante, assim como seu contexto, a exemplo da cultura em que foi concebida (Leite, 2005Leite, R. P. (2005). Modos de vida e produção artesanal: entre preservar e consumir. In Central ArteSol (Ed.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 27-42). Central ArteSol.; Carneiro da Cunha, 2009Carneiro da Cunha, M. (2009). Etnicidade: da cultura residual mas irredutível. In Autor, Cultura com aspas (pp. 235-244). Cosac Naify.).

A título de exemplo, o antropólogo e ex-coordenador do programa “Sala do Artista Popular” (SAP)1 1 A SAP é apresentada como um “programa permanente voltado para a produção de arte popular e artesanato brasileiros, envolvendo ações de pesquisa, documentação, difusão e fomento. A partir de pesquisas de campo e documentação fotográfica, o programa realiza exposições com vendas dedicadas a artistas e comunidades produtoras de artesanato de cunho tradicional” (CNFCP, n. d.). Para uma análise do programa, ver Reis (2018, 2022). , R. Lima (2005)Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
, traz o histórico do artesanato de cuias2 2 Produzido a partir dos frutos da cuieira (Crescentia cujete), que recebem incisões ou pinturas e se transformam em objetos decorativos e/ou recipientes, como a própria cuia, utilizada para tomar tacacá, prato típico da região Norte (Carvalho, 2011b). produzidas na região do Aritepera, em Santarém. Em seu primeiro contato com as produtoras, elas comercializavam apenas as cuias tingidas e lisas, sem desenhos. O projeto “Cuias de Santarém”, desenvolvido com elas em 2002 e 2003, inventariou padrões de desenhos a partir de coleções particulares e institucionais, e que haviam sido registrados por viajantes e estudiosos, mas abandonados ao longo do tempo pelas mulheres. Além desses desenhos, que outrora foram comuns nas cuias, o projeto sugeriu a incorporação de grafismos encontrados em cerâmicas arqueológicas de Santarém, visto que era comum que cuias recebessem grafismos indígenas na decoração, quando confeccionadas e comercializadas por outros artesãos, fora de Santarém (Carvalho, 2011bCarvalho, L. G. (2011b). O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém (1. ed.). IPHAN, CNFCP.).

Outro aspecto relevante na produção do artesanato tradicional é que ele tem e exige um tempo de produção próprio. Como no caso dos trançados do Arapiuns, vários tipos de artesanato são produzidos no meio rural, onde o artesão exerce atividades além da criação de objetos para comercialização, a exemplo de criação animal, cultivo da roça e pesca, entre outras, que demandam tempo e recursos. Essas atividades são fortemente influenciadas pelas estações do ano e por eventos climáticos, que atuam igualmente sobre a disponibilidade e a adequação da matéria-prima para a produção artesanal, tal como ocorre com o látex da balata, da qual são feitas figuras representativas da Amazônia – um artesanato declarado patrimônio cultural do estado do Pará (Carvalho et al., 2018Carvalho, L. G., Souza, B. R. G., & Cunha, A. P. A. (2018). ‘Passaporte para a floresta’: a regulação do extrativismo de balata na Floresta Estadual do Paru, estado do Pará, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 13(2), 261-291. https://doi.org/10.1590/1981.81222018000200002
https://doi.org/10.1590/1981.81222018000...
).

O mercado, por sua vez, regularmente exige uma velocidade de produção que pode não ser atendida devido às dinâmicas do contexto em que as criações artesanais são produzidas, como sustenta R. Lima (2005)Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
. O autor destaca, então, que, nesses casos, é preciso um trabalho de conscientização do consumidor, visando à compreensão de que o objeto de interesse está inserido em um cenário social complexo, organizado em um ritmo diferente do vigente no meio urbano.

Velthem (2007)Velthem, L. H. V. (2007). Trançados indígenas norte amazônicos: fazer, adornar, usar. Revista de Estudos e Pesquisas, 4(2), 117–146. http://dspace.sistemas.mpba.mp.br/jspui/handle/123456789/509
http://dspace.sistemas.mpba.mp.br/jspui/...
alega que um objeto artesanal tem a capacidade de sintetizar propriedades derivadas de aspectos temporais, espaciais e sociais, mas, como ressalta Jamin (2004)Jamin, J. (2004). La règle de la boite de conserve. L’Homme, 170, 7-10., citado por Velthem (2012)Velthem, L. H. V. (2012). Cestos, peneiras e outras coisas: a expressão material do sistema agrícola no rio Negro. Revista de Antropologia, 55(1), 401-438. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.46970
https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.20...
, o objeto não é simplesmente uma expressão de relações, visto que sua forma e/ou função não definem decisivamente seu destino cultural. Assim, ao mesmo tempo em que expressam cultura, os artefatos, ora transformados em artesanato, assumem certa flexibilidade e expressam também capacidades de inovação e criatividade quanto às suas potenciais maneiras de apropriação e uso.

Em um movimento de valorização cultural e ambiental ocorrido no Brasil, a partir dos anos 19903 3 Especialmente a partir da década de 1970, a questão ambiental passou a estar presente em debates políticos mundiais e, na década de 1990, foi realizada, no Brasil, a Eco-92, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O evento estabeleceu acordos visando o desenvolvimento sustentável, incluindo o reconhecimento da importância das populações locais e seus modos de vida. Para detalhes, ver Guimarães e Fontoura (2012). , diversos artesanatos tradicionais passaram a figurar em políticas e projetos governamentais e não governamentais que buscavam superar gargalos nas respectivas cadeias produtivas (Medeiros, 2013Medeiros, T. H. (2013). Redes de sociabilidade e comércio na floresta: artesanías em palha de tucumã entrançam grupos e vidas nas enseadas do rio Arapiuns em Santarém/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/336...
). A título de exemplo, tal como no caso dos trançados do Arapiuns, o artesanato em fibra de cauaçu (Calathea lutea), produzido por mulheres do grupo Teçume D’Amazônia, foi objeto de projetos de apoio na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Amanã, no Amazonas (M. Sousa et al., 2016Sousa, M. J. S., Bezerra, N. P., Leoni, J. M., Oliveira, M. M. C., & Amaral, M. R. A. (2016). Teçume d’Amazônia: fortalecimento político das mulheres produzindo vitalidade de conhecimentos tradicionais. Amazônica - Revista de Antropologia, 8(2), 310-340. http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v8i2.5046
https://doi.org/10.18542/amazonica.v8i2....
).

Na RDS Amanã, a produção de artesanato de fibra de cauaçu teve papel de destaque no fortalecimento político e econômico das mulheres (M. Sousa et al., 2017Sousa, M. J. S. (2017). Teçumes e teçumeiras: etnografia da construção de identidade política das artesãs da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã - AM [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8280
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/828...
). Anteriormente à sua organização para aprimorar a produção artesanal, os conhecimentos necessários à confecção de artefatos com cauaçu estavam restritos a algumas idosas. Com o apoio do grupo de mulheres da RDS e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o grupo de artesãs Teçume D’Amazônia foi criado, e a comercialização do artesanato foi facilitada, gerando renda e maior independência econômica para várias mulheres, sendo esse fator crucial para justificar o trabalho do grupo diante de suas comunidades e famílias (M. Sousa, 2017Sousa, M. J. S. (2017). Teçumes e teçumeiras: etnografia da construção de identidade política das artesãs da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã - AM [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8280
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/828...
; M. Sousa et al., 2016Sousa, M. J. S., Bezerra, N. P., Leoni, J. M., Oliveira, M. M. C., & Amaral, M. R. A. (2016). Teçume d’Amazônia: fortalecimento político das mulheres produzindo vitalidade de conhecimentos tradicionais. Amazônica - Revista de Antropologia, 8(2), 310-340. http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v8i2.5046
https://doi.org/10.18542/amazonica.v8i2....
).

Outrossim, a realização de oficinas e reuniões no âmbito do grupo Teçume D’Amazônia favoreceu o exercício do diálogo e da troca de conhecimentos diversos entre as artesãs, o que se configurou como espaço de sociabilidades entre elas, reforçando também seu papel político. M. Sousa et al. (2016)Sousa, M. J. S., Bezerra, N. P., Leoni, J. M., Oliveira, M. M. C., & Amaral, M. R. A. (2016). Teçume d’Amazônia: fortalecimento político das mulheres produzindo vitalidade de conhecimentos tradicionais. Amazônica - Revista de Antropologia, 8(2), 310-340. http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v8i2.5046
https://doi.org/10.18542/amazonica.v8i2....
afirmam que esse exercício teve papel fundamental no posterior envolvimento das mulheres em espaços de decisão das comunidades e da unidade de conservação.

Na região do rio Arapiuns, os trabalhos de Medeiros (2012Medeiros, T. H. (2012). Artesanías em palha de tucumã e memória: tecendo territorialidade e relações socioculturais. Somanlu, 12(2), 151-173. https://www.periodicos.ufam.edu.br/index.php/somanlu/article/viewFile/446/277
https://www.periodicos.ufam.edu.br/index...
, 2013)Medeiros, T. H. (2013). Redes de sociabilidade e comércio na floresta: artesanías em palha de tucumã entrançam grupos e vidas nas enseadas do rio Arapiuns em Santarém/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/336...
trazem importantes contribuições acerca dos aspectos socioculturais da produção do artesanato em palha de tucumã, especialmente relacionados à mobilidade, à construção de comunidades, à territorialidade e ao saber-fazer do artesanato. Laços de parentesco e compadrio organizam as relações sociais e territoriais, de modo que se produziu um território onde as artesãs aperfeiçoaram e intensificaram a arte de fazer trançados, o qual a socióloga chama de “ponto difusor das artesanias” (Medeiros, 2013Medeiros, T. H. (2013). Redes de sociabilidade e comércio na floresta: artesanías em palha de tucumã entrançam grupos e vidas nas enseadas do rio Arapiuns em Santarém/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/336...
, p. 97). Em sua visão, o tucumãzeiro e os objetos produzidos a partir de sua palha são uma demarcação simbólica dos grupos sociais deste território.

A guinada na valorização e comercialização dos objetos em palha de tucumã em mercados externos ao Arapiuns, em parte, reflexo do movimento socioambientalista, também tem o caráter de diversificação das estratégias econômicas das famílias, segundo Medeiros (2013)Medeiros, T. H. (2013). Redes de sociabilidade e comércio na floresta: artesanías em palha de tucumã entrançam grupos e vidas nas enseadas do rio Arapiuns em Santarém/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/336...
. Entre os consumidores das peças no meio urbano, promovem-se o reconhecimento e a admiração por um produto que traz em si as noções de desenvolvimento sustentável e de distinção sociocultural de povos da Amazônia (Medeiros, 2012Medeiros, T. H. (2012). Artesanías em palha de tucumã e memória: tecendo territorialidade e relações socioculturais. Somanlu, 12(2), 151-173. https://www.periodicos.ufam.edu.br/index.php/somanlu/article/viewFile/446/277
https://www.periodicos.ufam.edu.br/index...
).

A TRAJETÓRIA DOS TRANÇADOS DO ARAPIUNS COM AS ARTESÃS DA AARTA

A produção de objetos em palha de tucumã é memorada até duas gerações anteriores das interlocutoras e dos interlocutores deste estudo. A lembrança compartilhada por essas pessoas é de ver as mulheres mais velhas da comunidade – mãe, sogra, tias, avós, madrinhas e outras conhecidas – tecendo. As artesãs, em geral, começaram a aprender o teçume entre oito e 13 anos de idade, ao tecerem pequenos balaios (cestos) para brincar. Mais tarde, com a técnica aperfeiçoada, já auxiliavam a mãe na produção do fundo4 4 O fundo é tecido a partir de um ponto central, o ‘miolo’. Em torno dele, é tecido um círculo, depois outro, e assim sucessivamente, sempre um círculo envolvendo o outro. Também chamados ‘rodas’, esses círculos concêntricos formam a base de inúmeros tipos de peças. ou do acabamento das peças para comercialização. Quando mais velhas, tornaram-se autônomas na produção desse artesanato. Há também mulheres que aprenderam o ofício já adultas, após a união com filhos ou irmãos de artesãs.

Quando as mulheres que, atualmente, compõem a AARTA iniciaram suas atividades com o tecido ou teçume, as peças produzidas eram usualmente chapéus e balaios, destinados tanto para uso familiar quanto para comercialização. Os balaios eram particularmente procurados, tinham tamanhos variados e eram usados para guardar roupas e objetos. Como veremos adiante, daquele período até meados dos anos 2000, as peças eram feitas majoritariamente com palha sem tingimento e, quando coloridas, o tingimento era feito com anilina, adquirida na cidade (Figura 2).

Figura 2
Produção de cesta, com predominância de palha natural. As palhas coloridas foram tingidas de anilina.

Para a venda de peças, o recurso a atravessadores, também chamados marreteiros, era comum, tal como ocorre no escoamento de outros produtos paraenses, quer da agropecuária familiar no sudoeste do estado (Herrera et al., 2014Herrera, J. A., Ramos, P., & Silva, J. U. B. (2014). Novas estratégias produtivas na Amazônia: estudo sobre os produtores agropecuários familiares no sudoeste paraense. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1), 223-242. https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600012
https://doi.org/10.1590/S0103-2003201400...
), quer da castanha na Calha Norte (Krag & Santana, 2017Krag, M. N., & Santana, A. C. (2017). A cadeia produtiva da castanha-do-brasil na região da Calha Norte, Pará, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais, 12(3), 363-386. https://doi.org/10.46357/bcnaturais.v12i3.377
https://doi.org/10.46357/bcnaturais.v12i...
; Silva et al., 2013Silva, A. A., Santos, M. K. V., Gama, J. R. V., Noce, R., & Leão, S. (2013). Potencial do extrativismo da castanha-do-pará na geração de renda em comunidades da mesorregião baixo Amazonas, Pará. Floresta e Ambiente, 20(4), 500-509. https://doi.org/10.4322/floram.2013.046
https://doi.org/10.4322/floram.2013.046...
), quer, ainda, de outros tipos de artesanato (Carvalho, 2011bCarvalho, L. G. (2011b). O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém (1. ed.). IPHAN, CNFCP.; Costa, 2021Costa, D. M. (2021). Marca coletiva e desenvolvimento local na Amazônia: o caso do sinal distintivo Aíra – Cuias de Santarém (PA) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Oeste do Pará]. https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/handle/123456789/825
https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/h...
). A propósito, nesse segmento econômico, a participação de atravessadores é frequente e amplamente debatida, embora haja especificidades regionais e relativas ao tipo de produção.

Um estudo do Banco do Nordeste (2002)Banco do Nordeste. (2002). Ações para o desenvolvimento do artesanato do Nordeste (2. ed.). Banco do Nordeste. revela a atuação desses personagens no campo do artesanato desde a década de 1950, por meio de um sistema semelhante ao do aviamento registrado na Amazônia (Weinstein, 1983Weinstein, B. (1983). The Amazon Rubber Boom, 1850-1920 (1. ed.). Stanford University.). Fornecendo antecipadamente matérias-primas aos artesãos, mantinham-nos comprometidos a oferecer-lhes, com exclusividade, sua produção. Adquirindo-a para revenda, dominavam o mercado de bens artesanais no Nordeste, deixando os produtores à margem da negociação de preços finais e afastados dos consumidores (Oliveira & Veiga Neto, 2008Oliveira, C. F., & Veiga Neto, A. R. (2008). A negociação do artesanato nordestino nos mercados internacionais. Revista Alcance, 15(3), 291-305. https://periodicos.univali.br/index.php/ra/article/view/761/615
https://periodicos.univali.br/index.php/...
). Como J. Sousa et al. (2020)Sousa, J. R. F., Sá, M., Souza, D. C., & Silva, S. K. (2020). Novos modos de fazer artesanato e desafios à manutenção econômica no Alto do Moura do século XXI. Read - Revista Eletrônica de Administração, 26(3), 557–585. https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98565
https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98...
observam, o papel de atravessador é, ainda, significativo na comercialização do artesanato nordestino, podendo ser desempenhado por membros da própria comunidade dos artesãos ou agentes externos. Em todo caso, os autores frisam que, “para alguns artesãos, esse é o principal ou o único comprador de suas peças” (J. Sousa et al., 2020Sousa, J. R. F., Sá, M., Souza, D. C., & Silva, S. K. (2020). Novos modos de fazer artesanato e desafios à manutenção econômica no Alto do Moura do século XXI. Read - Revista Eletrônica de Administração, 26(3), 557–585. https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98565
https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98...
, p. 571).

Nos limites do Arapiuns, havia atravessadores na comunidade Vila Coroca que revendiam as peças a moradores das cidades de Belterra e Santarém ou a outros atravessadores na orla de Santarém e em uma loja especializada em artesanato da Amazônia. Quando iam à cidade, as artesãs levavam grande quantidade de peças para vender, em geral, de 100 a 200 itens, entretanto, o valor pago por elas era ínfimo, considerando o tempo gasto em sua confecção, e cobria apenas a despesa com as passagens de ida e volta para a comunidade, mais alguns itens escolares para os filhos. Para não voltar para casa com os objetos, as artesãs tendiam a aceitar o valor oferecido pelos atravessadores, ainda que fosse aquém do justo.

Tecer palha fazia parte das atividades cotidianas das mulheres e a prática desse ofício ia além do aspecto econômico. Nos intervalos das atividades da roça, da escola, do cuidado com a casa e com os filhos, as mulheres teciam inclusive à noite, à luz de lamparina. Como seu Taquinho (comunicação pessoal, 24 nov. 2021) relembrou, tecer também era uma maneira de “não ficar aleia”, ou seja, desocupada.

No processo de valorização do artesanato, porém, fazem-se sentir mudanças na própria concepção do trabalho artesanal, em sentido semelhante ao que Keller (2011)Keller, P. F. (2011). Trabalho artesanal e cooperado: realidades, mudanças e desafios. Sociedade e Cultura, 14(1), 29-40. https://doi.org/10.5216/sec.v14i1.15646
https://doi.org/10.5216/sec.v14i1.15646...
apontou no contexto de Barreirinhas, Maranhão. Tal como lá, pode-se identificar nos relatos das artesãs da AARTA a emergência de processos que indicam o início de um cultivo consciente de uma atitude empreendedora, o objetivo de eliminação dos atravessadores, uma maior atenção ao mercado e a ênfase na (re)organização do trabalho em bases associativas. Outrossim, de modo similar ao narrado por J. Sousa et al. (2020)Sousa, J. R. F., Sá, M., Souza, D. C., & Silva, S. K. (2020). Novos modos de fazer artesanato e desafios à manutenção econômica no Alto do Moura do século XXI. Read - Revista Eletrônica de Administração, 26(3), 557–585. https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98565
https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98...
sobre o Alto do Moura, um forte polo produtor de cerâmica em Caruaru, Pernambuco, notam-se esforços para associar a atividade artesanal ao mercado internacional e ao turismo no Arapiuns.

Para discutir como tais processos caracterizaram a recente trajetória do grupo que originou a AARTA, este tópico subdivide-se em três subitens, que representam três fases do artesanato em palha de tucumã do rio Arapiuns. É importante ressaltar que essas fases não são exatamente delimitadas, mas assim enquadradas para fins analíticos, e que as características de cada uma delas permeiam as demais.

FASE I (2000-2006): ENTRADA NO MUNDO DOS PROJETOS

Projetos sociais, culturais, econômicos, assistenciais, educativos e de outras naturezas se multiplicaram em Santarém a partir da década de 1990, com a expansão da atuação de organizações não governamentais (ONG) financiadas por agências internacionais e/ou pelo próprio Estado, no âmbito de políticas públicas dirigidas a diferentes setores. Um dos focos principais dos inúmeros projetos realizados desde então tem sido a indução de mudanças que promovam o desenvolvimento econômico a partir de técnicas de intervenção fundamentadas no reconhecimento (em maior ou menor grau) de determinantes sociais e culturais locais (Salviani, 2010Salviani, D. (2010). Desenvolvimento, antropologia e “participação”. Uma proposta de reflexão crítica. Anuário Antropológico, 35(1), 227-261. https://doi.org/10.4000/aa.840
https://doi.org/10.4000/aa.840...
). Dessa maneira, embora assumam objetivos e técnicas diversificadas, tais projetos compartilham lógicas e estéticas que conformam uma espécie de ‘moldura enquadradora’ (Carvalho, 2011bCarvalho, L. G. (2011b). O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém (1. ed.). IPHAN, CNFCP.; Landim, 2002Landim, L. (2002). “Experiência militante”. Histórias das assim chamadas ONGs. Lusotopie, 1, 215-239. http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/landim.pdf
http://www.lusotopie.sciencespobordeaux....
, p. 234).

Nesse sentido, para a compreensão dos processos induzidos por intervenções relativas ao artesanato de trançados do Arapiuns, é fundamental ressaltar a familiaridade pregressa de moradores da comunidade Vila Coroca com lógicas, estéticas e molduras de projetos de desenvolvimento local. Com efeito, desde o início dos anos 2000, eles vinham participando de uma série de atividades no âmbito de projetos de produção de mel e criação de peixes e quelônios para consumo e comercialização. Havia, ainda, a intenção de realizar projetos de turismo de base comunitária (Assis, 2021Assis, G. C. (2021). Turismo comunitário como sistema de dádivas na Amazônia: uma aliança entre reciprocidade e autonomia na gestão local do turismo em Anã e Coroca, Santarém, PA [Tese de doutorado, Universidade Federal do Pará]. https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14713
https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle...
). Dessa maneira, Vila Coroca já tinha infraestrutura e ambiência propícias ao acolhimento do projeto Trançados do Arapiuns quando este lhe foi apresentado, em 2004.

Proposto pelo CNFCP, do IPHAN, e pela Associação Cultural de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro (ACAMUFEC), em parceria com o governo da Finlândia, o projeto “Trançados do Arapiuns” seguia as diretrizes do Programa Artesanato Solidário (PAS), criado em 1998. Este, por sua vez, fora criado no âmbito de uma política do governo Fernando Henrique Cardoso, a “Comunidade solidária”. Em linhas gerais, o PAS e seus projetos buscavam fornecer a comunidades locais condições para superação de entraves à produção e à comercialização de artesanato tradicional, tomando como prioridades:

O saber-fazer artesanal enquanto fruto de passagem de saber entre gerações, a valorização da atividade artesanal de referência cultural brasileira, a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Intangível, e inclusão cidadã e produtiva dos artesãos ameaçada de extinção pelas mudanças ocorridas no mercado de trabalho

(Artesol, n. d.Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro (Artesol). (n. d.). https://redeartesol.org.br/
https://redeartesol.org.br/...
citado em Ramos, 2013Ramos, S. P. (2013). Políticas e processos produtivos do artesanato brasileiro como atrativo de um turismo cultural. Rosa dos Ventos, 5(1), 44-59. https://www.redalyc.org/pdf/4735/473547092005.pdf
https://www.redalyc.org/pdf/4735/4735470...
, p. 50).

Em Santarém, o projeto “Trançados do Arapiuns” foi precedido pelo “Cuias de Santarém”, também integrante do PAS e desenvolvido em 2002 e 2003, com o apoio das agências estadual e local do Sebrae (Carvalho, 2011bCarvalho, L. G. (2011b). O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém (1. ed.). IPHAN, CNFCP.), as quais tiveram papel decisivo na articulação com o governo finlandês, cujos técnicos viram no artesanato em palha de tucumã um atrativo capaz de incrementar o turismo comunitário na região. Assim, em 2004, a conjunção de interesses e recursos humanos e financeiros das diferentes instituições possibilitou iniciar o projeto em tela nas comunidades Tucumã, São Miguel e Nova Sociedade, localizadas na Reserva Extrativista (RESEX) Tapajós-Arapiuns, na margem direita do Arapiuns, e na Vila Coroca, Vila Brasil e Nova Pedreira, na margem esquerda do rio, na área posteriormente delimitada como Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Lago Grande.

O grupo reunido em torno do projeto “Trançados do Arapiuns” participou de reuniões, oficinas (de melhoria de produtos, atendimento, precificação, relacionamento interpessoal, controle de qualidade, associativismo, entre outras), feiras e exposições que revelaram novas perspectivas para a comercialização do artesanato, colocando em xeque o papel tradicional do atravessador. Em contrapartida, os novos mercados demandaram alterações na esfera da produção, sobretudo no que tange à qualidade do produto.

Em relação a este último ponto, era notório um desequilíbrio entre peças produzidas por diferentes artesãs e comunidades, principalmente no tingimento da palha e no acabamento dos trançados. Para lidar com esse problema, o projeto buscou auxílio de artesãs mais experientes na comercialização de peças para fora de Santarém, especificamente na comunidade Urucureá, também localizada no PAE Lago Grande.

Desde 1995, as artesãs de Urucureá vinham sendo apoiadas pelo Projeto Saúde e Alegria (PSA), uma organização não governamental sem fins lucrativos. Organizadas no grupo TucumArte, elas não só transitavam com mais desenvoltura entre projetos e agentes externos, como já haviam recebido vários cursos e oficinas (Silva, 2021Silva, A. A. (2021). Manejo, extração, uso e beneficiamento da palha do tucumã por mulheres da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, Pará, Brasil [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Oeste do Pará]. https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/handle/123456789/619
https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/h...
). Em uma delas, inclusive, uma designer havia desenvolvido um novo modelo de peças: as mandalas5 5 Objetos tecidos em círculo nos quais as linhas de palhas coloridas formam diversas figuras geométricas. Geralmente, são usados para fins decorativos, afixados na parede. , que eram muito bem recebidas no mercado externo a Santarém e até então não eram confeccionadas pelas artesãs do projeto “Trançados do Arapiuns”. O TucumArte também havia se aperfeiçoado no uso de pigmentos naturais, o que conferia uma qualidade diferenciada a seus produtos, diante de outros feitos com tintas industriais.

Enfim, as artesãs de Urucureá eram consideradas “exímias tecedeiras”, como descreveu a pesquisadora Thais Medeiros (comunicação pessoal, 5 dez. 2021), e por isso foram convidadas a oferecer uma oficina para as participantes do projeto “Trançados do Arapiuns”. Zenilda Bentes, membro da equipe executora do projeto, lembra-se de quando chegou à Vila Coroca, com algumas peças de Urucureá, e as mostrou para dona Conceição, a artesã mais idosa da comunidade naquela época. Enquanto tecia uma cestinha, a senhora falou:

“Professora... Nós não vamos mais vender nossos produtos”. Aí, eu disse: por quê, dona Conceição? “Porque o nosso produto tá muito feio, professora. Essas peças são muito bonitas. E se a gente for levar, entre as delas e as nossas, o pessoal vão comprar as coisas delas, que são bem bonitas, bem feitinhas, perfeitas”. Aí, as outras também concordaram. Eu disse: mas se acalmem, foi justamente, eu trouxe essas peças pra vocês verem que vocês podem chegar nesse nível de qualidade

(Z. B., comunicação pessoal, 29 abr. 2022).

O aprimoramento de técnicas de tingimento e acabamento de peças e o desenvolvimento de produtos foram, então, os principais objetivos da oficina, realizada na Vila Coroca. Em relação ao primeiro ponto, as integrantes do projeto “Trançados do Arapiuns” se aperfeiçoaram no manuseio de plantas para extração de tinturas. Embora já as usassem, de fato, também recorriam regularmente à anilina, misturando palhas coloridas natural e artificialmente nos trançados. Conquanto não fossem rejeitadas em Santarém, essas peças eram mal recebidas no mercado externo de artesanato, segundo a coordenadora do projeto. Fortemente influenciados pelo movimento global e nacional de valorização da natureza e das comunidades amazônicas, os consumidores de outras regiões do país, principalmente do Centro-Sul, em detrimento dos objetos em que notassem a presença de anilina, davam preferência àqueles confeccionados com matérias-primas e técnicas naturais, que agregam valor cultural, conectando-os aos territórios onde são produzidos. Além de serem mais vendáveis, os produtos sem anilina dispensam custos com aquisição desse produto, que passa a ser inteiramente substituído por vegetais retirados de quintais e matas próximas.

Em se tratando de inovações e desenvolvimento de peças artesanais, além da definição de padrões e tamanhos, uma importante característica para comercialização em alguns mercados é o destaque dado ao papel de designers no melhoramento dos produtos. Nesse sentido, a oficina com as artesãs de Urucureá possibilitou o aprendizado da confecção de mandalas e a criação de peças como o porta-cuia e o porta-joias, por exemplo. Como resultado de múltiplas interações que mediaram o intercâmbio de conhecimentos entre designers e artesãs mais ou menos experientes, bem como o compartilhamento de expertises, criatividade e curiosidade, as participantes do projeto “Trançados do Arapiuns” passaram a confeccionar grande variedade de objetos, além dos tradicionais chapéus e balaios.

As inovações não retiraram desse artesanato, entretanto, seu status de tradicional, como R. Lima (2005)Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
https://artesol.org.br/files/uploads/dow...
argumentou. Sugestões feitas por designers e outros atores foram dispensadas, aceitas, modificadas; as próprias artesãs também passaram a inovar, diante da previsão de interesse de um público diferenciado. Assim como no artesanato de cuias, no caso dos trançados do Arapiuns existe uma “permeabilidade . . . em relação a interferências externas relativas a inovações estéticas e nas práticas de ofício das artesãs” (Carvalho, 2011bCarvalho, L. G. (2011b). O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém (1. ed.). IPHAN, CNFCP., p. 22).

Sobre as formas de comercialização ensejadas pelo projeto, havia o incentivo para que o artesanato fosse destinado a segmentos de mercado que valorizassem tanto o produto quanto o saber-fazer das artesãs e o contexto ambiental e cultural de origem. Visando esses segmentos, o CNFCP promoveu uma exposição de trançados na SAP do Museu de Folclore Edison Carneiro, no Rio de Janeiro, em 2004, pouco após o início do projeto. Para as artesãs do Arapiuns, a SAP constituiria uma oportunidade singular para mostrar e vender sua produção em um local de referência nacional em artesanato e arte popular, de grande relevância cultural e comercial. Em contrapartida, seria preciso formar um estoque de peças para o evento, que duraria cerca de 45 dias, aos quais se seguiriam vendas contínuas em sistema de consignação. Para tanto, preços adequados à venda na SAP – consideravelmente melhores que aqueles cobrados aos atravessadores – foram sugeridos às artesãs, mas, apesar dos ganhos vislumbrados, grande parte delas hesitou em reservar peças e aderir ao sistema de consignação, acabando por recorrer aos atravessadores, quer por necessidade imediata de dinheiro, quer por desconfiança.

Realizada a SAP, as que tiveram suas peças expostas e vendidas por melhores preços – sobretudo as que também estiveram presentes na inauguração da exposição e visitaram lojas especializadas em artesanato no Rio de Janeiro – começaram a descortinar um mercado mais propício à sua produção. Desse modo, até o ano seguinte, ainda com apoio do projeto, seus trançados passaram a estar presentes em outros museus, em feiras e outros pontos de venda no país, como em Belo Horizonte, Belém e São Paulo, proporcionando melhoria na renda local.

Atuando nos eixos expostos e outros, o projeto “Trançados do Arapiuns” delineou um cenário propício a inovações na produção artesanal, e este foi acentuado pelo início de um projeto de turismo na Vila Coroca, ainda em 2004, quando os artesanatos do grupo abrangido pelo projeto começaram a ser vendidos na própria comunidade, embaixo de uma emblemática mangueira, para os turistas que vinham conhecer a região:

Quando o Sebrae ligava, ‘tá indo uma lancha com turista’, aí a gente colocava, carregava uma mesa, colocava a toalha e colocava todo o artesanato embaixo da mangueira, pra esperar. Que eles iam ver a abelha, as tartarugas e o artesanato

(N. P., comunicação pessoal, 15 jul. 2022).

O universo social estava se modificando, com a valorização do saber-fazer das artesãs e a inserção do artesanato em um roteiro turístico que o exibia como uma expressão tradicional local, fruto de saberes indígenas e potencialmente sustentável, como afirmava a etiqueta presente nas peças. Conforme se aproximava o encerramento do projeto, as seis comunidades nele reunidas articularam-se com o objetivo de manter conquistas desse coletivo, de maneira autônoma.

Para tanto, o Sebrae ofertou capacitações acerca de associativismo e cooperativismo, focando na organização social do grupo. Em 2005, com o encerramento do projeto e os bons frutos colhidos, parte das artesãs mostrou interesse em dar continuidade e estender os avanços obtidos. Embora não fosse algo esperado pelo projeto, as experiências anteriores da equipe em Santarém, com as artesãs de cuias, incentivaram a criação de uma associação, que poderia captar recursos e executar projetos próprios.

A criação dessa entidade, porém, não foi simples. A burocracia comum e os desafios de se iniciar uma associação comunitária fizeram com que artesãs de algumas comunidades desistissem do processo e outras fossem convidadas a participar dele. Ademais, a situação fundiária determinou a composição da associação: distanciaram-se aquelas localizadas na RESEX, e aproximaram-se as comunidades do PAE, talvez porque estas últimas tenham mais autonomia e independência de articulação com outros parceiros, com perfis diferentes daqueles atuantes em uma unidade de conservação, como a RESEX. Por fim, de cerca de 30 participantes do projeto Trançados do Arapiuns, 14 se mantiveram unidos no propósito de criar uma associação. A formalização do grupo ocorreu em 2006, com a fundação da AARTA.

FASE II (2007-2014)

Nas conversas e entrevistas sobre a AARTA e os projetos relativos ao artesanato na Vila Coroca, uma pessoa sempre era citada pelos interlocutores desta pesquisa: Dona Neida. Nascida e crescida na própria comunidade, Neida Pereira tinha uma longa trajetória de envolvimento com atividades comunitárias. Tendo participado de grupos da Igreja Católica desde criança, aos 15 anos, tornou-se coordenadora do distrito eclesiástico, o que lhe exigia deslocamentos regulares entre o interior e a cidade, além de articulações entre os membros da comunidade de fé. Seguiu ligada a causas comunitárias até quando, no início do projeto “Trançados do Arapiuns”, casada, com quatro filhas e o ensino fundamental ainda incompleto, se destacou novamente como uma líder local. Sua desenvoltura no exercício de funções de articulação e organização foi logo observada pela equipe do projeto e por membros de outras comunidades.

Tanto na formação do grupo inicial para participar do projeto, quanto na fundação da AARTA (da qual foi a primeira presidente), a mobilização de artesãs e artesãos foi realizada por ela. Quando a Vila Coroca ainda não dispunha de instalações específicas para atender aos turistas, sua moradia era disponibilizada para apoiar as atividades de recepção e organização das peças. Quando havia eventos que exigiam viagens, também era ela quem geralmente se dispunha a se ausentar de casa e a representar as artesãs6 6 Ausentar-se de casa era inviável para algumas mulheres, devido à rotina familiar e às atividades produtivas desempenhadas; algumas tinham receio de ir para cidades grandes e desconhecidas, pois essas viagens exigiam aptidão para se informar e se locomover com meios de transporte incomuns à realidade do interior da Amazônia. .

Em 2008, Neida e família se mudaram para Santarém. Como as atividades de gestão da AARTA exigiam cada vez mais dedicação, à medida que o artesanato ganhava novo alcance e trazia rendimentos às famílias do Arapiuns, Neida prosseguiu os estudos e, aos 38 anos, começou a cursar a graduação em Administração. Seu perfil de empreendedora e sua liderança foram se expandindo, dando o suporte necessário para as artesãs e a associação:

Comadre Neida que escrevia, porque a comadre Neida sempre ela teve por trás de tudo, né? Porque assim, tem uma coordenação, mas ela sempre esteve muito presente na situação né, de... De ficar encaminhando, dizendo como é que faz, né? Na verdade, ela tinha e tem mais conhecimento que a gente, né? Então ela ficava todo tempo dando suporte

(L. C., comunicação pessoal, 25 nov. 2021).

Estar na cidade facilitou o contato entre compradores e artesãs, que então passaram a se comunicar diretamente. Em seguida, era feito o repasse do ‘contrato’ para as artesãs, pelo telefone ou pessoalmente. Finalmente, as peças vindas das comunidades de artesãs associadas eram alocadas na casa de Neida na cidade, onde eram preparadas para serem enviadas ao destino final.

Ainda em 2008, dois eventos marcaram uma nova fase de divulgação e comercialização dos trançados do Arapiuns. O primeiro, a instalação de uma loja da associação em um ponto de comércio localizado na principal avenida de Santarém, alugado por intermédio de Neida. Substituindo sua própria residência como uma espécie de entreposto da AARTA no meio urbano, a loja não serviu apenas à comercialização, mas consolidou um lugar simbólico para os trançados do Arapiuns, já conhecidos fora da cidade, trazendo impactos positivos à organização e à distribuição da produção do artesanato e à estruturação da associação.

O segundo evento marcante foi a dupla premiação dos trançados do Arapiuns, representados pela AARTA e pela própria Neida, em um concurso nacional. Disputando com aproximadamente 2.000 associações do Brasil, a AARTA ganhou o “Prêmio SEBRAE Top 100 de Artesanato”, que tem por objetivo “identificar e premiar as unidades produtoras de artesanato mais competitivas do Brasil . . . . não somente pela qualidade dos seus produtos, mas também por suas práticas de gestão” (Sebrae, 2022Sebrae. (2022). Histórico do Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato. Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato. https://www.top100.sebrae.com.br/history.html
https://www.top100.sebrae.com.br/history...
). Nos anos de 2008, 2009 e 2011, ficaram entre as 100 unidades produtoras selecionadas. Para cada uma das três conquistas, o prêmio incluía a participação, durante dois anos, em rodadas de negócios. Nelas, as artesãs podiam negociar diretamente com lojistas, além de divulgar sua arte. Fechado o negócio, 30% do valor acordado era repassado à organização. Era o ‘contrato’, que mobilizava as artesãs por muitos meses, na produção de peças com formatos, cores, tamanhos e quantidades encomendadas pelos clientes.

Naquele mesmo ano, Neida ainda foi inscrita pelo Sebrae no “Prêmio Sebrae Mulher de Negócios”, que busca valorizar o empreendedorismo feminino. Ganhou o primeiro lugar no nível municipal e estadual, e ficou em segundo lugar no nível nacional. Em outro caso, a prefeitura de Santarém selecionou-a para concorrer ao prêmio promovido pelo Ministério da Cultura (MinC), “Mulher Empreendedora”. Novamente, dona Neida ganhou e decidiu utilizar o prêmio em dinheiro para construir a primeira loja da AARTA no Arapiuns, abordada adiante.

Tais premiações materializaram a percepção crescente entre as artesãs, de que sua produção tinha valor, no mercado de artesanato e também na conservação da sociobiodiversidade. Embora algumas delas tenham sido conquistadas individualmente por Neida, relacionam-se diretamente com a mobilização coletiva em proveito do teçume. Cabe frisar, ainda, que os papéis desempenhados por Neida, de mulher estudada e conhecedora, de artesã que mora na cidade, de criadora e executora de projetos, e de liderança comunitária, irrompem e se desenvolvem em um contexto forjado pelas famílias da Vila Coroca, como também pelas artesãs de outras comunidades ligadas à AARTA. Assim, as decisões tomadas por ela, mesmo quando executadas individualmente, acarretam diretamente na coletividade formada a partir da associação.

Foi assim que, com o valor do prêmio individual recebido por Neida, em 2008, as artesãs construíram, com as próprias mãos, como enfatizam, o barracão que passou a servir de loja na Vila Coroca.

Nos anos seguintes, como esse espaço de exposição e venda de trançados se consolidava como destino turístico no Arapiuns, embora fosse precariamente equipado, um novo projeto do CNFCP foi delineado para melhorar as condições locais de acolhimento aos visitantes. Desenvolvido em 2009 e 2010 no âmbito do Programa de Promoção do Artesanato de Tradição Cultural (Promoart), o projeto proveu estrutura física, equipamentos e embalagens para a loja construída pelas mulheres.

A partir de então, com maior ênfase na divulgação do turismo local, bem como do artesanato de trançados, a procura por passeios aumentou, não só na Vila Coroca, mas em outras comunidades do Arapiuns. As atividades receptivas, como o serviço de guias e o fornecimento de alimentação, também passaram a demandar maior envolvimento de mais famílias (Medeiros, 2013Medeiros, T. H. (2013). Redes de sociabilidade e comércio na floresta: artesanías em palha de tucumã entrançam grupos e vidas nas enseadas do rio Arapiuns em Santarém/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/336...
). As vendas de artesanato em palha de tucumã aumentaram, embora esse produto seja secundário no pacote turístico da comunidade (Assis, 2021Assis, G. C. (2021). Turismo comunitário como sistema de dádivas na Amazônia: uma aliança entre reciprocidade e autonomia na gestão local do turismo em Anã e Coroca, Santarém, PA [Tese de doutorado, Universidade Federal do Pará]. https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14713
https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle...
), que é centrado nas atividades de criação de quelônios e abelhas, mas com elas formam um conjunto único na região.

FASE III (2015): ATUALIDADE

Ultimamente, o artesanato tradicional em palha de tucumã confeccionado pelas artesãs da AARTA tem chegado a lugares distantes de Santarém, além de estar se consolidando como um elemento do patrimônio cultural local e estadual. Desde o Arapiuns, as dinâmicas do artesanato se desenvolvem em meio a relações comunitárias, na interface com o turismo e nos trânsitos para a cidade, a partir da qual chegam a diversos espaços acessíveis através da internet. Este subitem assinala duas inciativas da AARTA, ocorridas em 2015: a instalação de uma loja física no Centro de Artesanato do Tapajós Cristo Rei, no centro da cidade de Santarém, e a elaboração do protocolo de turismo da Vila Coroca.

De acordo com Rabelo (2022)Rabelo, F. (2022, jun. 24). Centro de Artesanato do Tapajós - Cristo Rei completa 7 anos. Prefeitura de Santarém. https://santarem.pa.gov.br/pautas/turismo/aniversario-de-7-anos-do-centro-de-artesanato-do-tapajos-cristo-rei-9r1cca?portal=institutional
https://santarem.pa.gov.br/pautas/turism...
, o Cristo Rei foi criado para “promover a cultura, alavancar o turismo e fomentar novos negócios . . . levando os turistas a conhecerem a história do município de Santarém contada pelas artes manuais”. Ainda durante a construção do centro, a prefeitura municipal comprometeu-se a disponibilizar um espaço para a AARTA, de modo que, tão logo ele foi inaugurado, a associação transferiu para lá a antiga loja que mantinha na avenida Tapajós. Em prateleiras de metal e madeira, bem como nas paredes, estão expostos trançados de diversos formatos, tamanhos e cores, de brincos a mandalas.

As peças expostas no Cristo Rei vêm das diferentes comunidades de sócias da AARTA. Quando chegam a Santarém, por via fluvial, a presidente da associação (na ocasião da pesquisa era Niete, filha de Neida) busca-as nos barcos, registra-as, organiza-as e identifica-as com etiquetas, para, então, serem direcionadas para a loja. Já o pagamento das artesãs varia conforme a elaboração da peça e o dinheiro disponível em caixa. Do valor das vendas, são abatidos 25%, destinados aos custos de comercialização no Cristo Rei.

Também é por intermédio de Niete que as vendas pela internet acontecem. Ela administra as redes sociais da AARTA, por meio das quais o artesanato é divulgado, e clientes podem fazer orçamento e pedidos, bem como definir detalhes como cores, tipo de trançado e tamanho de peças, além de data de entrega da encomenda. Depois, as encomendas são repassadas para artesãs nas comunidades, que decidem quem vai atender à encomenda, ou a distribuem entre o grupo, se a demanda for grande.

No que concerne ao protocolo de turismo da Vila Coroca, o documento foi elaborado pela Associação dos Produtores Rurais e Criadores de Peixes de Coroca (Aprucipesc) e apresentado para agências de turismo, demonstrando o que a comunidade tinha para oferecer ao turista: criação de abelhas e extração do mel, quelônios, artesanato em palha de tucumã, passeios de bajara7 7 Embarcação de pequeno porte. no rio e passeios de canoa no lago das corocas/tartarugas. Entre 2016 e 2018, Assis (2021)Assis, G. C. (2021). Turismo comunitário como sistema de dádivas na Amazônia: uma aliança entre reciprocidade e autonomia na gestão local do turismo em Anã e Coroca, Santarém, PA [Tese de doutorado, Universidade Federal do Pará]. https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14713
https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle...
observou um incremento de 92% na quantidade de turistas, o que, segundo ela, gerou impacto positivo na comercialização do artesanato local. O ano de 2019 foi identificado pelos interlocutores desta pesquisa como ainda mais expressivo em relação ao contingente de turistas, o que acarretou maior demanda por peças na própria comunidade.

Após conhecer a criação de abelhas e quelônios, o roteiro, normalmente, segue para a loja da AARTA, onde os turistas podem apreciar e comprar o artesanato tradicional, além de outros produtos elaborados ali, como sabonetes e derivados da apicultura (Figura 3).

Figura 3
Variedade de trançados do Arapiuns à venda na galeria Aripó.

Os ciclos de baixa e alta temporada influenciam a administração do espaço. Na baixa temporada, de março a junho, com a menor quantidade de turistas, as peças levam mais tempo para serem vendidas, o que faz com que a loja esteja constantemente repleta. A queda no número de clientes, a consequente demora para vender e a diminuição do valor a receber desestimulam as artesãs a tecerem. Como solução para esse problema, em 2022, a diretoria acordou que durante a baixa temporada faria o pagamento antecipado de 50% das peças entregues e o restante do valor seria pago quando a peça fosse vendida. Assim, consegue-se suprir a demanda de exposição, que, embora seja menor, mantém a loja ativa, e das famílias que recebem algum rendimento com periodicidade.

Já na alta temporada, de julho a fevereiro, para suprir a grande demanda, a diretoria ‘sai para fazer a coleta de peça’, visto que uma semana de espera para reposição de estoque é um intervalo grande, além disso, há dias em que faltam peças8 8 Durante os períodos de trabalho de campo nesta pesquisa, inclusive na baixa temporada, poucos foram os dias em que não apareciam turistas, mas, na alta temporada, após cada visitação, o esvaziamento da loja era notório. . Em contato com as coordenadoras nas comunidades de sócias, a equipe de apoio verifica se o conjunto das artesãs no local dispõe de uma quantidade de peças que justifique seu deslocamento, independente do dia, para disponibilizar o artesanato para os turistas. Neste período, o pagamento de peças ocorre semanalmente e 25% do valor de venda de cada peça fica com a associação, para cobrir custos e manter um fundo de caixa. Há uma articulação dos trabalhos desenvolvidos por membros da diretoria da AARTA que ficam na cidade com os desenvolvidos por quem fica na Coroca. Na cidade, com as expertises de Neida, por exemplo, buscam-se editais para execução de projetos que atendam a anseios e demandas coletivas. Assim foi feito para reforma e revitalização da loja na Vila Coroca, reinaugurada em julho de 2021. Nessa ocasião, o espaço recebeu um novo nome, Galeria Aripó, inspirado em uma tia de Neida e sócia-fundadora da AARTA, Maria dos Santos, que chamava aripó às peças que produzia: “ela dizia: ‘minha filha, já vim trazer meus aripó’... Se era chapéu, se era uma bolsa, balaio...” (N. P., comunicação pessoal, 15 jul. 2022).

A escolha do nome ‘galeria’, termo historicamente utilizado para espaços onde obras de arte são exibidas e comercializadas, é significativa, pois, como afirma R. Lima (2012)Lima, R. G. (2012). O povo do Candeal: caminhos da louça de barro (1. ed.). Aeroplano., o artesanato inserido em contextos de exposições em museus e galerias de arte é visualizado e valorizado como objeto cultural que se expressa como porta-voz de um grupo social. Ademais, reforça a compreensão das artesãs sobre a forma como as peças exibidas ali devem ser observadas e adquiridas. Nesse sentido, a galeria Aripó constitui um local onde os trançados do Arapiuns são objetos comercializáveis e, concomitantemente, representam as peculiaridades daquele contexto sociocultural.

Nas paredes da varanda anexa ao salão principal, cinco vitrines de madeira e vidro, contendo peças de até dez centímetros cada, com o nome de quem as produziu inscrito em plaquinhas de madeira, também sinalizam o senso artístico que as artesãs reconhecem em seus trançados. Para preencher esse espaço, chamado de ‘museuzinho’ ou ‘mostruário’, a diretoria da AARTA solicitou que cada sócia elaborasse uma ‘peça bem-feita’, e cada artesã teve liberdade de tecer o que achasse mais viável ou o que melhor a representasse. Assim, em constante renovação, a galeria Aripó reúne um acervo de peças icônicas e dá destaque às autoras de peças em tamanho real, passíveis de serem adquiridas por aqueles que se interessarem.

A galeria exibe e comercializa, atualmente, um variado repertório de peças, resultante da cocriação de artesãs e designers, do contato com outras artesãs, outros artesanatos e com o mercado externo à região, que passaram a acessar após a organização em grupo, ao qual novos objetos têm sido sucessivamente incorporados desde a oficina com as artesãs de Urucureá, em 2004. Integram o repertório: chapéus, descansos de panela de diferentes tamanhos, fruteiras, bandejas, bolsas, mandalas, porta-joias, porta-copos, luminárias, porta-cuias, balainhos, brincos de palha, pulseiras, cintos, puxa-saco, porta-papel higiênico e outros objetos, que as artesãs não cessam de criar, de acordo com pedidos ou com seus interesses e curiosidade.

No momento desta pesquisa, há mais de 100 sócias e sócios na AARTA, que ainda não suprem a necessidade de peças para manter os trançados do Arapiuns em exposição nos diversos locais de venda. Para suprir essa demanda, em alguns momentos, peças de artesãs não sócias são compradas pela AARTA para revenda na galeria Aripó.

Ao longo da trajetória analisada, importa ressaltar, ainda que brevemente, o protagonismo feminino, ou seja, a dimensão de gênero neste caso. Embora o ofício de tecer palha de tucumã seja predominantemente feminino, o protagonismo das artesãs se relaciona com aspectos internos e externos às comunidades, e individuais e coletivos. Inicialmente, cabe salientar que o primeiro projeto voltado ao artesanato na região não tinha como base a participação específica de mulheres, mas a geração de renda às comunidades artesãs, independente do gênero. No sentido oposto, por exemplo, no projeto que impulsionou a criação do grupo de artesanato Teçume D’Amazônia, que guarda semelhanças com o caso em tela, havia uma grande inclinação ao incentivo de participação das mulheres da RDS Mamirauá, tanto na produção artesanal para geração de renda, quanto para participação efetiva nas decisões da unidade de conservação (M. Sousa, 2017Sousa, M. J. S. (2017). Teçumes e teçumeiras: etnografia da construção de identidade política das artesãs da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã - AM [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8280
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/828...
). Atualmente, há uma atenção para se promover oportunidades para mulheres em projetos de geração de renda, editais de fomento, participação efetiva em espaços de diálogo e decisões etc., em contraposição ao histórico de participação e decisão masculina.

Entretanto, na prática, o projeto “Trançados do Arapiuns” proporcionou o protagonismo das mulheres, ao promover encontros de comunidades artesãs, reuniões com parceiros, viagens para exposição e comercialização artesanal, que, pela característica deste ofício, possibilitavam às mulheres exercerem tais atividades. M. Sousa (2017)Sousa, M. J. S. (2017). Teçumes e teçumeiras: etnografia da construção de identidade política das artesãs da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã - AM [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8280
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/828...
relata que encontros de artesãs antes da criação do grupo de artesanato permitiam conversas sobre atividades cotidianas, planejamento de atividades coletivas etc. De igual modo, no Arapiuns, alianças entre mulheres artesãs puderam ser estabelecidas através do projeto. As viagens para cidades desconhecidas para tratar do artesanato também foram mecanismos de incentivo e treinamento para as mulheres se posicionarem e se verem como autoras de um processo.

Outro aspecto relevante no protagonismo assumido pelas artesãs é a função que a renda obtida com o artesanato exerce em suas famílias e comunidades. Não adentramos neste tema, porém relatos que enfatizavam a importância de ter o ‘próprio dinheiro’ foram recorrentes entre as artesãs. Fernandes e Mota (2014)Fernandes, T., & Mota, D. M. (2014). “É sempre bom ter o nosso dinheirinho”: sobre a autonomia da mulher no extrativismo da mangaba no Pará. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1), 9-24. https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000100001
https://doi.org/10.1590/S0103-2003201400...
afirmam que, no extrativismo, as mulheres têm mais possibilidades de serem autônomas. Nele, elas possuem maiores possibilidades de organizar e praticar a atividade e, em muitos casos, gerir a renda obtida, em oposição à agricultura, em que, geralmente, o homem tem controle em todas as etapas. Analisando a produção artesanal em palha de tucumã, de fato, são as mulheres quem avaliam e decidem quando, quanto e onde obter palha, quando e quais objetos produzir, sendo responsáveis pela entrega e pelo recebimento de objetos e dos rendimentos na AARTA.

Como relatado, historicamente, a renda obtida com o artesanato lhes permitia comprar itens para os filhos pequenos e, atualmente, os relatos mostraram que elas a utilizam para comprar itens de interesse próprio, como cosméticos, itens de cozinha, roupas etc. Conforme Bose et al. (2017)Bose, P., Larson, A. M., Lastarria-Cornhiel, S., Radel, C., Schmink, M., Schmook, B., & Vázquez-García, V. (2017). Women’s rights to land and communal forest tenure: a way forward for research and policy agenda in Latin America. Women’s Studies International Forum, 65, 53-59. https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.10.005
https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.10.0...
e M. Sousa (2017)Sousa, M. J. S. (2017). Teçumes e teçumeiras: etnografia da construção de identidade política das artesãs da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã - AM [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8280
https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/828...
, a geração de renda independente promove valorização e melhor posição social, assim como visibilidade econômica diante de suas famílias e comunidades. Nesse sentido, a renda obtida pode ser vista como um fator de empoderamento das artesãs, em que, ao mesmo tempo em que é fruto da organização coletiva delas, também mostra, para si mesmas e para a comunidade, a relevância e a necessidade de sua organização social.

Como uma das consequências da organização das artesãs, em 2022, os Trançados do Arapiuns foram declarados como patrimônio histórico, cultural e imaterial do município de Santarém, mediante aprovação do Projeto de Lei n° 21.491 (Santarém, 2022Santarém. (2022). Lei n° 21.491, de 06 de abril de 2022. Declara como patrimônio cultural, histórico e imaterial do município de Santarém os Trançados de Arapiuns e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Santarém.). A chancela reconhece esse saber-fazer como um bem a ser preservado em seu contexto sociocultural, propõe a continuidade do ofício artesanal e eleva esse artesanato a um símbolo de identidade e pertencimento à cultura santarena.

Tal nível de reconhecimento dos trançados do Arapiuns abre novas perspectivas para o avanço da produção e da organização social das artesãs. Embora seja um processo em curso, já é possível assinalar que ele representa para elas o coroamento de uma longa jornada, cujos produtos e conquistas são elaborados pelas próprias mãos, elevando sua autoestima e a das comunidades. Conquanto não implique automaticamente valorização comercial, favorece a captação de recursos mediante projetos e editais, e dá à AARTA e aos trançados do Arapiuns maior projeção estadual, nacional e internacional. Tem, ainda, o potencial de impulsionar o movimento de organização social e a adoção de boas práticas de manejo das matérias-primas, o que fortalece vínculos territoriais e culturais dessas artesãs com as particularidades da região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A histórica produção de objetos em palha de tucumã nas margens do rio Arapiuns passou por intensas mudanças. De um saber-fazer transmitido por gerações, e comercializado por valores ínfimos, a patrimônio municipal, sua função como troca com o meio urbano continuou a existir, mas ganhou novas configurações. As vendas, depois dos atravessadores, alcançaram o mercado externo a Santarém, para depois retornarem à cidade com valor considerável e mais justo.

A atuação de atores governamentais e não governamentais, entidades religiosas e privadas, ora articulada, ora não, foi o estímulo para que este artesanato adquirisse novos contornos materiais e imateriais, a começar pela própria nomeação dos objetos, que até então eram chamados apenas de ‘tecido’ pelas mulheres e comunidades. Esses diferentes atores, com diferentes interesses no Arapiuns, na Vila Coroca, no artesanato e na cultura local, construíram, juntos, um cenário que deu as ferramentas, o apoio, o pessoal para o aperfeiçoamento e as mudanças nos modos de produção, de organização social, de estruturação de infraestrutura, de treinamentos e de cursos.

Inicialmente, a experiência prévia da comunidade da Vila Coroca com projetos atraiu o CNFCP para um projeto específico de artesanato naquela comunidade; posteriormente, a organização social em torno do tecido, que reuniu artesãs de diferentes comunidades para formar uma única comunidade, a AARTA, permitiu a ampliação de conquistas. Premiações, ingresso em circuitos de feiras e exposições nacionais e internacionais e melhoria dos preços de comercialização das peças trouxeram novas lógicas de produção, comercialização e distribuição do artesanato. A demanda aumentou, e mais artesãs, de diferentes comunidades, se associaram à AARTA.

Nessa trajetória, houve permanência nas técnicas de obtenção das ‘guias’ e dos trançados, mas também surgiram mudanças na técnica de tingimento, inovações nos trançados e objetos produzidos. A tipologia de peças se modificou, tendo atualmente múltiplos objetos possíveis de produção, a coloração das peças adquiriu tons naturais e os grafismos se tornaram mais complexos. Mudanças na produção artesanal são parte da constituição do artesanato, produto de um contexto social dinâmico. Embora permaneçam se modificando, os trançados do Arapiuns seguem sendo artesanato tradicional, expressando sua origem, sua cultura e sua identidade.

Em 17 anos de formalização, a associação das artesãs promoveu e aprimorou mudanças no design, na organização da produção, nas formas e nos preços das peças, como também nas relações interpessoais. Nesse sentido, enquanto a AARTA é um coletivo formalizado, o grupo de artesãs pertencentes a ela é um coletivo onde há troca de técnicas, experiências e saberes para o artesanato, que coloca em movimento relações entre familiares, comadres e vizinhas.

De um grupo que se originou para a execução de um projeto, a associação atualmente é proponente e executora de projetos próprios. Através da AARTA, as artesãs têm tido oportunidades de fazer intercâmbios com outras artesãs, compartilhando seus saberes e práticas, de descobrir como a arte produzida é valiosa enquanto símbolo cultural, identitário da Amazônia e de Santarém. Conquistas como a construção, a estruturação e a reforma da galeria Aripó na Vila Coroca, que atualmente é o principal local de vendas do artesanato, só foram possíveis porque as artesãs reconheceram o valor simbólico e econômico do seu tecido. Como consequência, o reconhecimento dos trançados do Arapiuns como patrimônio municipal de Santarém é mais um coroamento do histórico e empenhado trabalho das artesãs.

  • 1
    A SAP é apresentada como um “programa permanente voltado para a produção de arte popular e artesanato brasileiros, envolvendo ações de pesquisa, documentação, difusão e fomento. A partir de pesquisas de campo e documentação fotográfica, o programa realiza exposições com vendas dedicadas a artistas e comunidades produtoras de artesanato de cunho tradicional” (CNFCP, n. d.Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP). (n. d.). Sala do Artista Popular. IPHAN. http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=50
    http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_S...
    ). Para uma análise do programa, ver Reis (2018Reis, D. (2018). Programa Sala do Artista Popular: um espaço de encontros, trocas e democratização de culturas. E-cadernos CES, 30, 125-151. https://doi.org/10.4000/eces.3924
    https://doi.org/10.4000/eces.3924...
    , 2022)Reis, D. (2022). (Arte)sanato tradicional: fricções entre matrizes de pensamento. Etnografica, 26(1), 209-231. https://doi.org/10.4000/etnografica.11464
    https://doi.org/10.4000/etnografica.1146...
    .
  • 2
    Produzido a partir dos frutos da cuieira (Crescentia cujete), que recebem incisões ou pinturas e se transformam em objetos decorativos e/ou recipientes, como a própria cuia, utilizada para tomar tacacá, prato típico da região Norte (Carvalho, 2011bCarvalho, L. G. (2011b). O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém (1. ed.). IPHAN, CNFCP.).
  • 3
    Especialmente a partir da década de 1970, a questão ambiental passou a estar presente em debates políticos mundiais e, na década de 1990, foi realizada, no Brasil, a Eco-92, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). O evento estabeleceu acordos visando o desenvolvimento sustentável, incluindo o reconhecimento da importância das populações locais e seus modos de vida. Para detalhes, ver Guimarães e Fontoura (2012)Guimarães, R. P., & Fontoura, Y. S. R. (2012). Rio + 20 ou Rio - 20? Crônica de um fracasso anunciado. Ambiente & Sociedade, 15(3), 19-39. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2012000300003
    https://doi.org/10.1590/S1414-753X201200...
    .
  • 4
    O fundo é tecido a partir de um ponto central, o ‘miolo’. Em torno dele, é tecido um círculo, depois outro, e assim sucessivamente, sempre um círculo envolvendo o outro. Também chamados ‘rodas’, esses círculos concêntricos formam a base de inúmeros tipos de peças.
  • 5
    Objetos tecidos em círculo nos quais as linhas de palhas coloridas formam diversas figuras geométricas. Geralmente, são usados para fins decorativos, afixados na parede.
  • 6
    Ausentar-se de casa era inviável para algumas mulheres, devido à rotina familiar e às atividades produtivas desempenhadas; algumas tinham receio de ir para cidades grandes e desconhecidas, pois essas viagens exigiam aptidão para se informar e se locomover com meios de transporte incomuns à realidade do interior da Amazônia.
  • 7
    Embarcação de pequeno porte.
  • 8
    Durante os períodos de trabalho de campo nesta pesquisa, inclusive na baixa temporada, poucos foram os dias em que não apareciam turistas, mas, na alta temporada, após cada visitação, o esvaziamento da loja era notório.

AGRADECIMENTOS

Esta pesquisa foi realizada com apoio financeiro da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Agradecemos ainda à Associação de Artesãos e Artesãs das Comunidades de Nova Pedreira, Vista Alegre e Coroca (AARTA) pelo acolhimento e interlocução.

  • Arantes, A. C. V., Carvalho, L. G., & Nascimento, V. B. (2024). Mudança e (re)organização social no artesanato tradicional de trançados do rio Arapiuns, Santarém, Pará. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20220088. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0088.

REFERÊNCIAS

  • Arantes, A. C. V., Carvalho, L. G., & Rêgo, N. A. P. (2021, fev.). O uso de plantas na marca coletiva Trançados do Arapiuns. In Anais do I Seminário Internacional de Indicação Geográfica e Marcas Coletivas do Estado do Pará. Fórum Paraense IGMC, Belém.
  • Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro (Artesol). (n. d.). https://redeartesol.org.br/
    » https://redeartesol.org.br/
  • Assis, G. C. (2021). Turismo comunitário como sistema de dádivas na Amazônia: uma aliança entre reciprocidade e autonomia na gestão local do turismo em Anã e Coroca, Santarém, PA [Tese de doutorado, Universidade Federal do Pará]. https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14713
    » https://repositorio.ufpa.br/jspui/handle/2011/14713
  • Banco do Nordeste. (2002). Ações para o desenvolvimento do artesanato do Nordeste (2. ed.). Banco do Nordeste.
  • Bose, P., Larson, A. M., Lastarria-Cornhiel, S., Radel, C., Schmink, M., Schmook, B., & Vázquez-García, V. (2017). Women’s rights to land and communal forest tenure: a way forward for research and policy agenda in Latin America. Women’s Studies International Forum, 65, 53-59. https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.10.005
    » https://doi.org/10.1016/j.wsif.2017.10.005
  • Carneiro da Cunha, M. (2009). Etnicidade: da cultura residual mas irredutível. In Autor, Cultura com aspas (pp. 235-244). Cosac Naify.
  • Carvalho, L. G. (2011a). Tessume de histórias: os trançados do Arapiuns (1. ed.). IPHAN, CNFCP.
  • Carvalho, L. G. (2011b). O artesanato de cuias em perspectiva – Santarém (1. ed.). IPHAN, CNFCP.
  • Carvalho, L. G., Souza, B. R. G., & Cunha, A. P. A. (2018). ‘Passaporte para a floresta’: a regulação do extrativismo de balata na Floresta Estadual do Paru, estado do Pará, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 13(2), 261-291. https://doi.org/10.1590/1981.81222018000200002
    » https://doi.org/10.1590/1981.81222018000200002
  • Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP). (n. d.). Sala do Artista Popular IPHAN. http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=50
    » http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=50
  • Costa, D. M. (2021). Marca coletiva e desenvolvimento local na Amazônia: o caso do sinal distintivo Aíra – Cuias de Santarém (PA) [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Oeste do Pará]. https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/handle/123456789/825
    » https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/handle/123456789/825
  • Fernandes, T., & Mota, D. M. (2014). “É sempre bom ter o nosso dinheirinho”: sobre a autonomia da mulher no extrativismo da mangaba no Pará. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1), 9-24. https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000100001
    » https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000100001
  • Guimarães, R. P., & Fontoura, Y. S. R. (2012). Rio + 20 ou Rio - 20? Crônica de um fracasso anunciado. Ambiente & Sociedade, 15(3), 19-39. https://doi.org/10.1590/S1414-753X2012000300003
    » https://doi.org/10.1590/S1414-753X2012000300003
  • Herrera, J. A., Ramos, P., & Silva, J. U. B. (2014). Novas estratégias produtivas na Amazônia: estudo sobre os produtores agropecuários familiares no sudoeste paraense. Revista de Economia e Sociologia Rural, 52(1), 223-242. https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600012
    » https://doi.org/10.1590/S0103-20032014000600012
  • Jamin, J. (2004). La règle de la boite de conserve. L’Homme, 170, 7-10.
  • Kahn, F. (2008). The genus Astrocaryum (Arecaceae). Revista Peruana de Biología, 15(1), 31-48. http://www.scielo.org.pe/pdf/rpb/v15s1/a04v15s1.pdf
    » http://www.scielo.org.pe/pdf/rpb/v15s1/a04v15s1.pdf
  • Keller, P. F. (2011). Trabalho artesanal e cooperado: realidades, mudanças e desafios. Sociedade e Cultura, 14(1), 29-40. https://doi.org/10.5216/sec.v14i1.15646
    » https://doi.org/10.5216/sec.v14i1.15646
  • Krag, M. N., & Santana, A. C. (2017). A cadeia produtiva da castanha-do-brasil na região da Calha Norte, Pará, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Naturais, 12(3), 363-386. https://doi.org/10.46357/bcnaturais.v12i3.377
    » https://doi.org/10.46357/bcnaturais.v12i3.377
  • Landim, L. (2002). “Experiência militante”. Histórias das assim chamadas ONGs. Lusotopie, 1, 215-239. http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/landim.pdf
    » http://www.lusotopie.sciencespobordeaux.fr/landim.pdf
  • Leite, R. P. (2005). Modos de vida e produção artesanal: entre preservar e consumir. In Central ArteSol (Ed.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 27-42). Central ArteSol.
  • Lima, R. G. (2005). Artesanato de tradição: cinco pontos de discussão. In Central ArteSol (Org.), Olhares itinerantes: reflexões sobre artesanato e consumo da tradição (pp. 13-26). Central ArteSol. https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
    » https://artesol.org.br/files/uploads/downloads/Olhares-Itinerantes.pdf
  • Lima, R. G. (2012). O povo do Candeal: caminhos da louça de barro (1. ed.). Aeroplano.
  • Lima, D., Sousa, M., Domingues, R., Marques, T., Raposo, C., Oliveira, F., . . . Guimarães, P. (2006). Artesanato e identidade cultural no médio Solimões: a promoção de técnicas e conhecimentos tradicionais em comunidades ribeirinhas das reservas Mamirauá e Amanã Instituto Mamirauá/IPHAN.
  • Medeiros, T. H. (2012). Artesanías em palha de tucumã e memória: tecendo territorialidade e relações socioculturais. Somanlu, 12(2), 151-173. https://www.periodicos.ufam.edu.br/index.php/somanlu/article/viewFile/446/277
    » https://www.periodicos.ufam.edu.br/index.php/somanlu/article/viewFile/446/277
  • Medeiros, T. H. (2013). Redes de sociabilidade e comércio na floresta: artesanías em palha de tucumã entrançam grupos e vidas nas enseadas do rio Arapiuns em Santarém/PA [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
    » https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/3360
  • Oliveira, C. F., & Veiga Neto, A. R. (2008). A negociação do artesanato nordestino nos mercados internacionais. Revista Alcance, 15(3), 291-305. https://periodicos.univali.br/index.php/ra/article/view/761/615
    » https://periodicos.univali.br/index.php/ra/article/view/761/615
  • Rabelo, F. (2022, jun. 24). Centro de Artesanato do Tapajós - Cristo Rei completa 7 anos. Prefeitura de Santarém https://santarem.pa.gov.br/pautas/turismo/aniversario-de-7-anos-do-centro-de-artesanato-do-tapajos-cristo-rei-9r1cca?portal=institutional
    » https://santarem.pa.gov.br/pautas/turismo/aniversario-de-7-anos-do-centro-de-artesanato-do-tapajos-cristo-rei-9r1cca?portal=institutional
  • Ramos, S. P. (2013). Políticas e processos produtivos do artesanato brasileiro como atrativo de um turismo cultural. Rosa dos Ventos, 5(1), 44-59. https://www.redalyc.org/pdf/4735/473547092005.pdf
    » https://www.redalyc.org/pdf/4735/473547092005.pdf
  • Reis, D. (2018). Programa Sala do Artista Popular: um espaço de encontros, trocas e democratização de culturas. E-cadernos CES, 30, 125-151. https://doi.org/10.4000/eces.3924
    » https://doi.org/10.4000/eces.3924
  • Reis, D. (2022). (Arte)sanato tradicional: fricções entre matrizes de pensamento. Etnografica, 26(1), 209-231. https://doi.org/10.4000/etnografica.11464
    » https://doi.org/10.4000/etnografica.11464
  • Salviani, D. (2010). Desenvolvimento, antropologia e “participação”. Uma proposta de reflexão crítica. Anuário Antropológico, 35(1), 227-261. https://doi.org/10.4000/aa.840
    » https://doi.org/10.4000/aa.840
  • Santarém. (2022). Lei n° 21.491, de 06 de abril de 2022 Declara como patrimônio cultural, histórico e imaterial do município de Santarém os Trançados de Arapiuns e dá outras providências. Prefeitura Municipal de Santarém.
  • Sebrae. (2022). Histórico do Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato Prêmio Sebrae Top 100 de Artesanato. https://www.top100.sebrae.com.br/history.html
    » https://www.top100.sebrae.com.br/history.html
  • Silva, A. A., Santos, M. K. V., Gama, J. R. V., Noce, R., & Leão, S. (2013). Potencial do extrativismo da castanha-do-pará na geração de renda em comunidades da mesorregião baixo Amazonas, Pará. Floresta e Ambiente, 20(4), 500-509. https://doi.org/10.4322/floram.2013.046
    » https://doi.org/10.4322/floram.2013.046
  • Silva, A. A. (2021). Manejo, extração, uso e beneficiamento da palha do tucumã por mulheres da Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, Pará, Brasil [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Oeste do Pará]. https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/handle/123456789/619
    » https://repositorio.ufopa.edu.br/jspui/handle/123456789/619
  • Sousa, J. R. F., Sá, M., Souza, D. C., & Silva, S. K. (2020). Novos modos de fazer artesanato e desafios à manutenção econômica no Alto do Moura do século XXI. Read - Revista Eletrônica de Administração, 26(3), 557–585. https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98565
    » https://doi.org/10.1590/1413-2311.295.98565
  • Sousa, M. J. S. (2009). Etnografia da produção de artefatos e artesanatos em comunidades da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã – Médio Solimões. UAKARI, 5(1), 21-37.
  • Sousa, M. J. S., Bezerra, N. P., Leoni, J. M., Oliveira, M. M. C., & Amaral, M. R. A. (2016). Teçume d’Amazônia: fortalecimento político das mulheres produzindo vitalidade de conhecimentos tradicionais. Amazônica - Revista de Antropologia, 8(2), 310-340. http://dx.doi.org/10.18542/amazonica.v8i2.5046
    » https://doi.org/10.18542/amazonica.v8i2.5046
  • Sousa, M. J. S. (2017). Teçumes e teçumeiras: etnografia da construção de identidade política das artesãs da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã - AM [Tese de doutorado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8280
    » https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/8280
  • Velthem, L. H. V. (2007). Trançados indígenas norte amazônicos: fazer, adornar, usar. Revista de Estudos e Pesquisas, 4(2), 117–146. http://dspace.sistemas.mpba.mp.br/jspui/handle/123456789/509
    » http://dspace.sistemas.mpba.mp.br/jspui/handle/123456789/509
  • Velthem, L. H. V. (2012). Cestos, peneiras e outras coisas: a expressão material do sistema agrícola no rio Negro. Revista de Antropologia, 55(1), 401-438. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.46970
    » https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.46970
  • Weinstein, B. (1983). The Amazon Rubber Boom, 1850-1920 (1. ed.). Stanford University.

Editado por

Responsabilidade editorial: Lucia Hussak van Velthem

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Dez 2022
  • Aceito
    28 Ago 2023
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br