Acessibilidade / Reportar erro

O (in)específico na análise do discurso literário

RESUMO

O objetivo deste artigo é problematizar algumas linhas de força da argumentação de Dominique Maingueneau sobre a constituição de um dispositivo teórico e metodológico para o estudo da literatura na perspectiva discursiva. Para isso, partimos do cotejamento de suas teses com pressupostos fundadores da análise do discurso de tradição francesa e com proposições coetâneas dos estudos literários. Se, por um lado, a proposta de Maingueneau figura como uma sistematização importante de concepções norteadoras de uma análise do discurso literário, por outro, posiciona-se lateralmente quanto à necessidade de consideração epistemológica pela especificidade do discurso literário, gerando o risco da descaracterização histórica e social da literatura.

PALAVRAS-CHAVE:
Discurso literário; Dominique Maingueneau; Literariedade

ABSTRACT

This paper aims to problematize some of Dominique Maingueneau’s lines of argument about the constitution of a theoretical and methodological device to study literature from a discursive perspective. To this end, we drew from the comparison of his theses using founding assumptions of French discourse analysis and contemporary propositions of literary studies. On the one hand, Maingueneau’s proposal represents an important systematization of guiding conceptions regarding the literary discourse. On the other hand, it is neutral concerning the need for an epistemological consideration given the specificity of literary discourse. Therefore, it risks a historical and social mischaracterization of literature.

KEYWORDS:
Literary discourse; Dominique Maingueneau; Literariness

Introdução

Embora sua incorporação já date da década de 1980, o texto literário se constitui como um objeto de pesquisa episódico na análise do discurso, sem consenso de método nem comum acordo sobre sua conveniência. As posições, hoje, permanecem orbitando no derredor de dois polos bem marcados que se esquivam mutuamente. Se, por um lado, os estudiosos da literatura são indiferentes aos apontamentos teóricos oriundos do campo da análise do discurso, valendo-se de métodos e conceitos desenvolvidos em seu próprio domínio e em diálogo com áreas como sociologia, psicanálise, história, outras artes e até mesmo com a linguística; por outro lado, os teóricos da análise do discurso relutam em se apropriar desses conceitos e métodos, procurando legitimar os seus próprios diante do objeto literário. Nisso, nada há de controverso. No entanto, no cenário teórico atual, a aproximação da análise do discurso com disciplinas como a sociologia, antropologia, psicanálise, retórica e as ciências políticas, por exemplo, suscita menos objeções que sua aproximação com a teoria literária ou com a teoria estética, o que se justifica, talvez, por uma necessidade de legitimar a autonomia de uma ciência do discurso frente às áreas que mais se avizinham dela por priorizarem também o estudo da linguagem. A meu ver, esse dualismo prejudica a compreensão abrangente do fenômeno artístico, humano e social da literatura e não contribui para o avanço da questão.

Neste artigo, a discussão em torno da constituição de um campo de análise discursiva da literatura será balizada pela proposta de Dominique Maingueneau, visto ser ele, seguramente, o mais conhecido pesquisador a se empenhar na sistematização teórica da relação entre análise do discurso e literatura, empreendimento que já alcança quase três décadas. A ideia é problematizar sua obra síntese (Discurso literário, 2006), que pretende estabelecer os alicerces da abordagem da literatura pelo viés teórico do discurso, pelo menos a partir da tradição francesa. Trata-se, portanto, de um quadro teórico representativo da abordagem discursiva da literatura. Nesta direção, buscamos problematizar a contribuição de Dominique Maingueneau para o estabelecimento e legitimação da literatura como objeto de uma abordagem discursiva, empenhando-nos para firmar com ele um diálogo produtivo, ao mesmo tempo replicando algumas de suas proposições em um debate que, por isso mesmo, reforça a importância de seu trabalho. Como reconhece o próprio pesquisador, o campo de estudo da literatura a partir do referencial discursivo ainda se acha em construção (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.7), configurando-se como espaço aberto inclusive ao contradito, fomentando a discussão em favor do fortalecimento da teoria como dispositivo adequado a ampliar o entendimento da literatura como fato social estilizado.

1 Análise do discurso literário segundo Maingueneau

O interesse pelo texto literário atravessa - ainda que sem exclusividade - toda a produção acadêmica de Maingueneau. Já na década de 1980 empenha-se em firmar o diálogo entre linguística e literatura com o seu Elementos de linguística para o texto literário (1986), que possuía ainda um aspecto de breviário de categorias linguísticas, ordenadas em um dispositivo para análise do texto literário a partir da matriz enunciativa. Depois disso, lançou uma série de títulos voltados para o assunto, dos quais destaco o Pragmática para o discurso literário, de 1990; O contexto da obra literária, três anos mais tarde; e, finalmente, o Discurso literário, em 2006. Este último configura-se como um apanhado das proposições anteriores, sistematizadas, agora, num projeto que parece almejar o lugar de matriz teórica de uma análise discursiva da literatura, atribuindo, neste caso, centralidade às condições de emergência das obras. Neste trabalho, Maingueneau reitera a validação da literatura como objeto de interesse para a análise do discurso, posicionando-se ostensivamente contra o que considera uma tendência institucional que relega a esse campo apenas os discursos ditos transitivos, que teriam uma continuação pragmática para além da base verbal que o ampara.

A fim de enraizar a análise discursiva da literatura na tradição mais abrangente dos estudos literários, o pesquisador resenha, de modo bastante sumário, outras frentes de estudo. No entanto, para resguardar a abrangência de suas afirmações, é preciso antes dizer que Maingueneau assenta suas proposições - tanto relacionadas ao quadro teórico que maneja, quanto às obras literárias que lhe servem de exemplos - no contexto francês. Assim, quando ataca correntes críticas como o estruturalismo, a estilística, a “abordagem marxista”, ou se aproxima de certos quadros epistemológicos, vale-se, na maioria das vezes, de compatrícios seus, como Émile Benveniste, Oswald Ducrot, Roland Barthes, Pierre Bourdieu, Theodor Todorov (embora búlgaro, radicado em Paris), Gilles Deleuze, Maurice Grammont, Pierre Guiraud, Gérard Genette, Michel Foucault, Louis Althusser, Lucien Goldmann, dentre outros que compõem seu universo referencial. Portanto, ao atacar a estilística, não o faz em absoluto, mas dirige-se com mais pontualidade a uma estilística francesa de Grammont e Guiraud (embora mencione Spitzer); quando o alvo é a crítica marxista, na verdade, refere-se à leitura de Goldman, Althusser e Balibar, e assim por diante. Nesse sentido, podemos dizer que sua crítica não é, pois, abrangente, já que essas correntes ultrapassam o referencial francês, o qual, por sua vez, apresenta características determinadas por uma tradição de pensamento delimitada.

Feita a ressalva, via de regra, a rede conceitual contra a qual investe Maingueneau, empenhando por se diferenciar, é o que julga ser o quadro das “representações impostas pela estética romântica”, para ele vigente até os dias de hoje. Como premissa maior dessa estética estaria a sacralização da obra literária, que “aspira[ria] a um estatuto de exceção”, contrapondo-se ao “burburinho de palavras vãs, ‘transitivas’, cuja finalidade se acha[ria] fora delas mesmas” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.59). Por esse ângulo, opõe-se enfaticamente a caracterizações como a do escritor literário imbuído de poderes místicos, cuja inspiração e destreza seriam dons reservados aos escolhidos; a da obra literária como cosmovisão de uma época, manifestação da consciência coletiva; e a do texto artístico como reflexo tangível das condições externas de sua produção.

A fim de distanciar-se desse paradigma, Maingueneau advoga a favor da integração conceitual de autor, público e suporte material do texto; da indivisibilidade entre gênero textual e mensagem, entre vida do autor e estatuto do escritor e entre subjetividade criadora e atividade de escrita; defendendo, em última instância, o amálgama composto pelo espaço institucional e pelo texto literário. Seguindo esse raciocínio, a noção de instituição literária figuraria como eixo central da teorização proposta por ele, ao afirmar categoricamente, inclusive, que uma análise do discurso literário é “obrigada a introduzir um terceiro, que é a Instituição, para contestar essas unidades ilusoriamente compactas, que são o criador ou a sociedade [...]” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.98; grifo nosso).

Não há dúvida de que a avaliação equânime da composição estética do texto e dos vetores externos - de natureza vária - que a condicionam é uma aspiração comum à boa parte da crítica literária; seu alcance depende, no entanto, dos procedimentos analíticos postos em prática. Maingueneau, por exemplo, no aparente intuito de consumar esse compromisso, lança mão de uma série de constructos teóricos de natureza polivalente como, por exemplo, paratopia, cena da enunciação (cena englobante, cena genérica e cenografia), ethos, código de linguagem (plurilíngua, interlíngua, supralíngua, infralíngua) e posicionamento (do escritor) no campo estético, categorias que não garantem, no entanto, a consideração conjugada das duas dimensões da obra literária. Além do mais, ao tratar mais diretamente dos processos verbais do texto literário, serve-se de um conjunto de noções tradicionais das teorias enunciativas e pragmáticas como polifonia, embreantes, intertextualidade, processos argumentativos, relações anafóricas, máximas conversacionais e leis do discurso. De fato, a maioria desses conceitos, por generalistas que são, poderiam ser empregados na análise de boa parte da produção discursiva de uma sociedade, como afirma Maingueneau (2006, p.60), a depender do interesse de clarificação do analista. A questão que se coloca é se são suficientes para se acessar os sentidos que emergem da especificidade do discurso literário, considerado em sua relação dialética com a esfera de atividade humana que o desencadeia.

Ao retirar do escopo de uma análise da literatura a consideração por qualquer propriedade inerente1 1 Mais adiante, comentaremos a noção elaborada por Maingueneau de “língua literária” e “código de linguagem”, constructos linguísticos que seriam próprios do texto literário. No entanto, como também discutiremos mais adiante, o argumento é questionável devido ao papel diminuto atribuído ao trabalho de arte. , pode-se inferir que seu tratamento analítico não deve ser muito diferente daquele que recebe o discurso político, jornalístico e publicitário, por exemplo, visto que as singularidades seriam derivadas, em última análise, do quadro institucional de cada domínio discursivo2 2 No interesse de demonstrar a indistinção da “enunciação literária” em relação às demais manifestações discursivas, justificando o uso de categorias analíticas da pragmática, afirma: “Invoquem-se ou não as ‘leis do discurso’, os ‘contratos de fala’, as ‘ameaças de influência positiva ou negativa’. A enunciação literária não escapa à órbita de direito. Fala e direito à fala se entrelaçam. De onde é possível vir legitimamente a fala, a quem pretende dirigir-se, sob qual modalidade, em que momento, em que lugar - eis aquilo a que nenhuma enunciação pode escapar. E o escritor sabe disso melhor do que qualquer pessoa, ele cujo discurso nunca acaba de estabelecer seu direito à existência, de justificar o injustificável de que procede e que ele alimenta desejando reduzi-lo” (MAINGUENEAU, 2006, p.43). . Isso posto, Maingueneau preconiza como tarefa de uma análise do discurso literário o exame do entorno da obra, dos elementos que participam do “dispositivo de comunicação” desta casta de textos. Neste domínio, está incluído

[...] tudo o que é feito em torno das práticas de leitura e dos quadros sociais e históricos da recepção, das condições materiais de inscrição e de circulação dos enunciados, de discursos produzidos pelas diversas instituições que contribuem para avaliar e dotar de sentido a produção e o consumo de obras literárias (de modo particular, os meios de comunicação e a escola) (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.8).

Claro está, valendo-me fielmente das palavras de Maingueneau, que uma abordagem como esta não tem interesse em dizer “o que as obras significam, mas em que condições o fato literário é possível, e os textos literários podem abrir-se à interpretação” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.323). Todo destaque é necessário a este seu postulado - contra o qual convergirá o grosso das objeções desenvolvidas aqui - visto que condiciona o funcionamento de todo dispositivo metodológico criado a partir dele e, consequentemente, a apreensão do fato literário.

2 Literatura como discurso

O conceito de discurso - em sua acepção mais comum e corrente nos dias de hoje - é fruto da contemporaneidade. Como se sabe, o novo contorno do conceito nasce no quadro epistemológico do pós-estruturalismo francês dos anos de 1960, sendo gestado na confluência de debates que correlacionavam, sobretudo, sociologia, psicanálise e linguística no interior de um projeto maior de análise política.

Nesse cenário, destacam-se as contribuições de Louis Althusser, Michel Foucault e Michel Pêcheux, embora seja consensual hoje que muitas das proposições sustentadas por eles foram revistas a partir do diálogo mais íntimo com as teorias enunciativas, decorrentes do giro linguístico. Sem pretensão de discorrer aqui sobre o espólio de cada um, ou a precedência teórica de uns sobre outros para a constituição da análise do discurso, interessa-nos, no momento, apenas registrar o sentido de origem da noção atual de discurso, a fim de melhor avaliar as consequências da posposição do adjetivo literário.

Delimitar a origem da análise do discurso a uma linha teórica em particular (ou, como é mais comum, a uma combinação tripartite de estruturalismo saussuriano, psicanálise lacaniana e marxismo althusseriano) não é suficiente e pode levar a equívocos, uma vez que as mudanças de paradigmas, que de certo contribuíram para o seu surgimento como teoria ou disciplina, tiveram razões mais complexas e multifatoriais. Sua origem reflete as conturbações sociais e políticas ocorridas na França neste período, demarcadas inicialmente pela oposição ao centralismo do governo de Gaulle e o acirramento da luta de classes em contexto do redimensionamento do capitalismo, até uma revolta contra as estruturas acadêmicas conservadoras, o moralismo convencional excessivo, a rígida assimetria entre gerações, além de um autoritarismo difuso e amplo. Ao lado dessas ocorrências, e mesmo derivando delas, promove-se uma série de mudanças no campo teórico, notadamente o movimento que ficou conhecido como marxismo ocidental, com desdobramentos também na Inglaterra, Alemanha, Itália etc., e que visava uma reformulação ou atualização do marxismo clássico diante dos imperativos econômicos e culturais do capitalismo avançado3 3 Ver Anderson, 2004, p.45-67. . Louis Althusser foi - dentre outros nomes, com proposições diferentes e tão influentes quanto ele - um expoente importante desse movimento, responsável por desenvolver uma lógica de compreensão da realidade social com base mais nos fatores culturais (superestruturas, no dizer do próprio Althusser, em consonância com o jargão marxista geral) do que nos econômicos (infraestruturas)4 4 Ver, por exemplo, Althusser, 1992. .

Fechando esse breve raciocínio, a menção à articulação dos fundamentos da análise do discurso francesa com a epistemologia marxista, exige essa nota explicativa da natureza da aproximação. Trata-se aqui de um marxismo predominantemente conceitual e antiempirista, mais reformista que revolucionário, postura que gera consequências importantes para a teoria do discurso e, particularmente, para a análise do discurso literário. O marxismo ocidental foi, assim, uma reformulação do marxismo clássico em suas alegações fundamentais como, por exemplo, o primado do concreto e a noção de práxis, cuja inflexão dialética é desfeita ao se dar protagonismo à teorização e, nela, à superestrutura5 5 Ao comentar a leitura marxista empreendida por Althusser, José Guilherme Merquior afirma que “no seio de uma cultura marxista desse tipo, a originalidade de Louis Althusser (1918-1990) era dupla. Primeiro, ao contrário de muitos filósofos marxistas na França, Althusser não era, de modo nenhum, um comunista rebelde. Longe disso: levou sua lealdade ao partido, através de maio de 68 e do esmagamento da primavera de Praga, até bem metade da década seguinte. Nem sequer se tratava de um humanista. Embora partilhasse da rejeição generalizada das crenças historicistas, Althusser sustentava um franco anti-humanismo, altamente polêmico. O marxismo, dizia, era estritamente científico. Não tinha nada a ver com nebulosos humanismos” (MERQUIOR, 1987, p.205). . Esse posicionamento epistêmico-ideológico assume caráter reformista na medida em que desmancha as determinações objetivas, historicamente constituídas, e atenua o vínculo entre elas e a conformação discursiva, subsumindo a realidade no discurso sobre ela. Desse modo, legitima-se a concepção teórica segundo a qual “tudo é discurso”, não havendo possibilidade de reflexão crítica fora dele6 6 As proposições pós-estruturalistas, nascidas no contexto dos anos 60, como referido acima, assumem sua forma mais acabada sob a rubrica de “pós-moderno”. Jean Lyotard, herdeiro dessa discussão e de suas premissas, formulou de maneira programática os desdobramentos de tais mudanças, retomando as questões principais e sistematizando suas implicações nos diversos campos do saber. Ver Lyotard, 1986. . Tal concepção pode levar (e de fato levou) a uma rarefação do vínculo efetivo do enunciado com a substância histórica, política e social, sua interface com a materialidade das relações de poder e subordinação. Mais ainda, numa análise discursiva da literatura, um ponto de vista como esse pode priorizar a clarificação da engrenagem da linguagem, desprezando ou reduzindo o poder de representação social desse objeto cultural. Enfim, mais importante que optar por um dos lados, é imprescindível seguir o caminho ciente da direção escolhida e, na medida do possível, procurar integrar dialeticamente a complexidade de cada polo.

Feitas as devidas ressalvas, podemos dizer, em resumo, que o deslocamento das teorias da língua para as teorias do discurso se deu pari passu com o debate relacionado à interação verbal em um contexto de lutas ideológicas e sociais da França a partir do qual, ressalte-se, tais teorias vão formulando seus conceitos e modo de operação. Valendo-se dessas prerrogativas, o discurso vai adquirindo uma conotação política na medida em que é compreendido como manifestação material da ideologia e do posicionamento (consciente ou não) do sujeito. Desse modo, reclama para sua compreensão crítica uma abordagem linguística que ultrapassasse os limites conceituais estruturalistas em voga à época (embora a exigência não seja ainda de Althusser)7 7 Segundo Fernanda Mussalim: “A linguística, então, aparece como um horizonte para o projeto althusseriano da seguinte maneira: como a ideologia deve ser estudada em sua materialidade, a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a ideologia se materializa. A linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio da qual se pode depreender o funcionamento da ideologia” (2006, p.104). . É assim que, depois de seu estabelecimento como um projeto político nos moldes althusserianos, retomado em outros termos por Foucault, Pêcheux e continuadores (esses sim, defensores da ruptura epistemológica com a linguística estruturalista), a análise do discurso firma-se como um campo de superação da filologia e da hermenêutica estilística.

A análise do discurso francesa nasce, pois, como um dispositivo para abordar a política, ou seja, sua metodologia foi forjada em razão das especificidades desse campo de atuação humana8 8 Para maiores esclarecimentos, ver Maldidier, 1994. . Já desde aqui, acenamos nosso argumento de que a mudança de objeto reclama, inevitavelmente, alterações e novos arranjos nos dispositivos teóricos e metodológicos. Sob este ponto de vista, não me parece razoável aplicar as mesmas categorias analíticas e dirigir as mesmas questões a discursos da esfera política e discursos de natureza estética sem ajustes conceituais ou mesmo reformulações substanciais, resultantes do diálogo necessário com outros campos de estudo. Esse entendimento será retomado mais adiante; por ora, voltamo-nos ao percurso histórico do conceito de discurso.

Hoje, em poucas e acertadas palavras, pode-se definir discurso como o “efeito de sentido entre locutores” (ORLANDI, 2012ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 10 ed. Campinas, SP: Pontes, 2012., p.21), levando-se em conta a conjuntura psicossocial, cultural e histórica particular na qual emerge. Em outros termos, e valendo-me de uma elaboração conceitual mais próxima à época de origem, pode-se também definir discurso como uma “prática, resultante de um conjunto de determinações reguladas em um momento dado por um feixe complexo de relações com outras práticas, discursivas e não-discursivas” (MALDIDIER; NORMAND; ROBIN, 1994MALDIDIER, D.; NORMAND, C.; ROBIN, R. Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa. In: ORLANDI, E. P. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994. p.67-102., p.82). Uma noção como essa encampa facilmente uma profusão de abordagens teóricas que, excepcionalmente, faria comungar sociolinguística, pragmática, análise da conversação, teoria dos atos de fala, etnografia da comunicação, certas abordagens semânticas e até algumas literárias, para ficarmos em poucos exemplos. Por isso, Mussalim afirma que, num primeiro momento, falar em análise do discurso “praticamente pode significar qualquer coisa” (MUSSALIM, 2006MUSSALIM, F. Análise do Discurso. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. Ch. (org.). Introdução à linguística II: domínios e fronteiras. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p.101-142., p.101). Embora as ramificações posteriores tenham gerado abordagens muito diversas dentro do campo, a especificidade da análise do discurso francesa atual está justamente nas diretrizes ditadas em sua origem, mesmo que reconfiguradas. De lá para cá, muitos outros domínios discursivos foram incorporados pela área e hoje podemos falar, além da tradicional análise do discurso político, em análise do discurso midiático, publicitário, pedagógico, jurídico, religioso, publicitário, humorístico, de ódio e, dentre outras tantas possibilidades, em análise do discurso literário.

Voltando à obra de Maingueneau dedicada a este último objeto, o autor inicia a discussão justamente a partir da problematização da noção de “discurso literário”, visto que, de acordo com sua leitura da tradição sobre o assunto, somente há cerca de dois séculos a produção literária passa a constituir um campo institucional bem delimitado, firmado por regras próprias de funcionamento (desde a criação, in-adequação às leis econômicas, editoração, circulação e consumo)9 9 É preciso deixar claro que, neste caso, Maingueneau considera apenas a literatura produzida no contexto da hegemonia burguesa. Outros raciocínios podem sustentar manifestações institucionais da literatura em outras conjunturas. (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.9). Diante disso, Maingueneau opta por estabelecer uma distinção conceitual entre discurso literário, que comportaria a literatura moderna, gerada no interior de uma instituição, e discursividade literária, que comportaria a dispersão de discursos literários produzidos em outros tempos e sob outras determinações. Com isso, aponta o inconveniente da generalização de sua proposta, sem ajustes, a qualquer obra, independentemente do tempo e espaço de sua criação (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.9). Ato contínuo, define então o discurso literário como um subconjunto do universo geral da enunciação que, como todo ato de fala, reclama de recursos com que se legitime. Em suas palavras:

[…] considerar o fato literário como “discurso” é contestar o caráter central desse ponto fixo, dessa origem “sem comunicação com o exterior” - para retomar uma célebre fórmula do Contra Sainte-Beuve, de Proust -, que seria a instância criadora. Fazê-lo é renunciar ao fantasma da obra em si, em sua dupla acepção de obra autárquica e de obra fundamental da consciência criadora; é restituir as obras aos espaços que a tornam possíveis, onde elas são produzidas, avaliadas, administradas. As condições do dizer permeiam o dito, e o dito remete a suas próprias condições de enunciação (o estatuto do escritor associado a seu modo de posicionamento no campo literário, os papéis vinculados com os gêneros, a relação com o destinatário construída através da obra, os suportes materiais e os modos de circulação dos enunciados...) (p.43).

A premissa maior, como se vê, é a indivisibilidade entre instituição literária e discurso, sendo a obra o “vetor de posicionamento” no próprio espaço de sua enunciação. No entanto, essa proposição, apresentada de maneira enfática, é suspensa pelo próprio autor, quando nega a pertinência de instâncias que caracteriza como “bastante afastadas da literatura” como “classes sociais, mentalidades, eventos históricos, psicologia individual”, estipulando, ao contrário, que “refletir em termos de discurso nos obriga a considerar o ambiente imediato do texto (seus ritos de escrita, seus suportes materiais, sua cena de enunciação...)” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.44). Existe aqui uma contradição de princípios, apresentada porém sem as mediações necessárias: ora os argumentos defendem a interação do interno e do externo da literatura e ora defendem sua peculiar independência. Salvo engano, a origem desse desacordo se encontra no caráter abstrato e geral que os conceitos de “ambiente”, “espaço”, “circulação” e “instituição literária” adquirem no sistema teórico mencionado; apesar de se constituírem no plano das relações sociais e culturais determinadas, contingenciadas por contradições históricas específicas, esses conceitos são despidos de sua essência objetiva, concreta, infensa a nominalismos. Não ficam claras as motivações que o levam a esse posicionamento que, a meu ver, se mostra passível de questionamento. Se a literatura, como enunciação, é criada no interior de uma rede complexa de determinações sociais, históricas, culturais, psicológicas e estéticas, então, também é capaz de representar o lastro de relações de classe, de mentalidades, de eventos históricos e da psicologia individual (para ficarmos nos exemplos de Maingueneau) e ainda muitas outras manifestações das relações intersubjetivas. Além disso, uma análise do discurso “obrigada”, como diz, a considerar apenas “o ambiente imediato do texto”, abranda a dimensão crítica desse conhecimento, contrariando, inclusive, a relação privilegiada entre análise do discurso e sociedade, historicamente estabelecida.

Com o propósito de diferenciar o método da análise do discurso de outras abordagens do texto literário, Maingueneau ajuíza que o primeiro apresentaria aproximações importantes com a sociologia do campo literário, de Pierre Bourdieu, mas dela se afastaria por fundar-se numa concepção da atividade discursiva que privilegia a enunciação, o texto e a relação entre texto e contexto; também se avizinha da sociopoética, ao mesmo tempo em que se diferencia, por não ser exclusiva do texto literário, já que é adaptação de métodos da análise dos discursos em geral; por fim, apresenta os pontos de contato com a arqueologia de Foucault, mas mantém sua singularidade pelo protagonismo atribuído às ciências da linguagem. Aqui ocorre o que me parece ser outra contradição do sistema teórico de Maingueneau: ele procura estabelecer procedimentos capazes de atribuir singularidade à análise do discurso literário, sem considerar, no entanto, a singularidade da própria literatura (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.46-55).

Por esse caminho, chega à formulação de discurso constituinte, noção que abarcaria igualmente o discurso literário, o religioso, o científico e o filosófico. O argumento funda-se no pressuposto de que esses discursos compartilhariam “certo número de invariantes”, “propriedades relativas às suas condições de emergência, de funcionamento e de circulação” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.60-61). Os discursos constituintes funcionariam como dínamos do sortimento de gêneros discursivos em uma sociedade, sendo concebidos como fonte irrefutável de formas e sentidos, uma vez que fabricariam sua própria cena enunciativa, autorizando-se, portanto. Falta na formulação de Maingueneau, porém, a ênfase necessária à historicidade dos discursos constituintes. Assim como o discurso filosófico, o científico e o religioso, também o discurso literário não se institui espontaneamente, mas é resultado de certo quadro da conjuntura social em que emerge. Mesmo obras que se configuram por uma cenografia intimista, de imersão psicológica, respondem a uma provocação de natureza social (histórica, política, cultural, estética, moral, ética, religiosa etc.), remetendo - e muitas vezes se subordinando - a outras fontes de discursividade.

Tais discursos tencionariam certos propósitos, como o de “dizer algo sobre a sociedade, a verdade, a beleza, a existência” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.68-69), arrogando para si uma posição privilegiada sobre as formas de conhecimento. Sob esse ponto de vista, um estudo dos discursos constituintes, portanto, “deve dar conta do modo de funcionamento de grupos que os produzem e gerem” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.69). Enfim, ainda segundo Maingueneau, uma análise do discurso literário deve investigar e discorrer sobre os modos de interação entre os sujeitos produtores (escritores) e os sujeitos administradores desse discurso (críticos, professores, livreiros, bibliotecários, editores etc.). Com isso, frequentamos, mais uma vez, o território do campo literário10 10 Apenas para lembrar, a noção de campo literário alberga todo o entorno da obra - autoria, processos de criação, circulação e consumo das obras -, movimento que a aproxima, de certo modo, da história literária, sendo rebatizada por Maingueneau como “parotopia”. , o escopo da enunciação, adiando, desse modo, o enfrentamento da urdidura do enunciado literário.

3 A querela da especificidade da literatura

Em termos de método, podemos dizer que, historicamente, os estudos literários se filiam a três principais abordagens: ora a ênfase recai sobre o contexto, ora sobre a materialidade verbal e, em outros casos, o esforço é justamente integrar uma e outra dimensão da obra no interesse da compreensão dialética. Cada uma dessas vias de acesso ao texto literário responde de modo diverso à evidência presumida da especificidade desse gênero de texto.

Como se sabe, foram os formalistas russos que deram novo enfoque à questão, desvinculando-se da matriz impressionista dos estudos literários que vigorou até o início do século XX, cujo juízo estético fundava-se mais na erudição do analista que em conceitos definidos e métodos claros. Na verdade, desde o final do século XIX procurou-se estabelecer conceitos e métodos específicos para o estudo do fenômeno linguístico por iniciativa da escola de Genebra. Em meados da década de 1910, formaram-se na Rússia dois importantes centros de pesquisa que deram continuidade e desdobramento àquele esforço inicial: o Círculo Linguístico de Moscou, que teve Roman Jakobson como um dos fundadores, e a Sociedade para o Estudo da Linguagem Poética (OPOIAZ), em São Petersburgo. Apesar de se estabelecerem em cidades diferentes (dois importantes centros culturais, com universidades bem constituídas e com estudos avançados em fonética e fonologia) e de manifestarem interesses distintos de estudo da linguagem, existiu uma colaboração profícua entre os dois centros, o que já indica o teor da mudança teórica em curso: os estudos linguísticos levavam em conta o fator de invenção da linguagem, tal como priorizada na literatura, e os estudos literários partiam de pressupostos técnicos da língua como meio de dimensionar o problema da forma e do estilo. No que diz respeito ao método de análise que aqui merece destaque, o esforço do grupo promotor da escola formalista consistia em delimitar premissas de análise. Boris Eikhenbaum coloca a questão nos seguintes termos, a prenunciar a acepção moderna de crítica literária: “o objeto da ciência literária deve ser o estudo das particularidades específicas dos objetos literários, distinguindo-os de qualquer matéria.” (1976, p.8) Sua tese se encontra amparada pelas conquistas da escola de estudos linguísticos em Moscou, como ele mesmo indica na citação logo em seguida de um texto de Jakobson, no qual advogava em favor da literariedade ou literaturidade, como aparece na tradução: “o objeto da ciência literária não é a literatura, mas a ‘literaturidade’ (literaturnost), ou seja, o que faz de uma obra dada uma obra literária” (1976, p.8)11 11 Jakobson, 1921 apudEikhenbaum, 1976 [1925], p.8. .

Com o propósito de engendrar um dispositivo apto a revelar os elementos distintivos do texto literário, os formalistas partiram do cotejamento entre a linguagem poética e a linguagem prática, cotidiana e ordinária. Chklovsky, por exemplo, previne que um texto possa ser criado como prosaico e ser percebido como poético e vice-versa, destacando, desse modo, a proeminência da percepção na constituição estética de um objeto, em detrimento de uma literariedade a priori de seus elementos constituintes. Por essa via, ele destaca o caráter de estranhamento e a função de desautomatizar percepções, que seriam próprios da arte literária. Vale a pena a citação longa de um trecho de seu conhecido artigo A arte como procedimento, de 1917:

‘Se toda a vida complexa de muita gente se desenrola inconscientemente, então é como se esta vida não tivesse sido’.

E eis que para devolver a sensação de vida, para sentir os objetos, para provar que pedra é pedra, existe o que se chama arte. O objetivo da arte é dar a sensação do objeto como visão e não como reconhecimento; o procedimento que consiste em obscurecer a forma, aumentar a dificuldade e a duração da percepção. O ato de percepção em arte é um fim em si mesmo e deve ser prolongado; a arte é um meio de experimentar o devir do objeto, o que é já ‘passado’ não importa para a arte (CHKLOVSKY, [1917] 1976CHKLOVSKY, V. A arte como procedimento. In: EIKHENBAUM, B. et al. Teoria da Literatura: formalistas russos. Tradução Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al. Porto Alegre: Editora Globo, 1976. p.39-56., p.45).

Assim, o produto artístico passa a ser concebido como o resultado de procedimentos particulares empregados com o objetivo de garantir sua percepção estética, ou seja, trata-se mais de uma combinação intencional e persuasiva de elementos materiais que, isolados, perderiam qualquer dimensão estética. Seguindo esse raciocínio, torna-se inoperante qualquer tentativa de listar recursos linguísticos, figuras de linguagem, classe de metáforas, arranjos sintáticos, figuração imagética e mimetismo a fim de descrever, em abstrato, uma peculiaridade do literário, misturando, para isso, critérios funcionais, formais, temáticos, institucionais etc. Como avalia Stempel,

[...] ninguém mais hoje quer ou pode defender a concepção de uma poeticidade temática ou ligada a elementos. Em consequência, não se pode atribuir de antemão a característica ‘poético’ a motivos determinados ou talvez a palavras determinadas, a encadeamentos de palavras, etc. (1983, p.411).

Nesse caso, ou o analista se contenta com reformulações constantes do conceito ou renega a realidade objetiva da obra em proveito da teoria pura. Ou seja, a rede valorativa que classifica os textos em literários e não literários é circunstancial, envolvendo uma cadeia complexa de determinações próprias da conjuntura do instante histórico em que o conceito é formulado. Como efeito, o arbítrio sobre a densidade estética de um texto vai depender do sistema de relações humanas vigente, das representações coletivas, das balizas éticas e estéticas, dos rituais estilísticos da moda, da engrenagem institucional que o regula, da qualidade da recepção leitora, dentre outros constrangimentos aos quais a literatura está sujeita e diante da qual mostra o contraditório. Uma vez assim configurado, o discurso literário age reversamente sobre a espessura social que a produziu e, inclusive, sobre os contextos subsequentes, já que tem o poder de se ressignificar em outros horizontes de recepção, como consequência das camadas de sentido superpostas12 12 Ver estudo fundamental de Iser (1999); e ver também, um estudo mais abrangente sobre as origens, influências e desdobramentos em Gómes (1989). . Essa aparente indeterminação não autoriza, no entanto, a negativa cabal da especificidade do discurso literário, apenas a destitui do conforto positivista que prevê a elaboração de inventários que aprisionariam o objeto em categorias predefinidas, conferindo ar de cientificidade ao método e legitimidade ao analista.

Retomando, muitos foram os expedientes eleitos para atestar o conceito de literariedade, arrolando-se no texto literário características como sua natureza mimética, seu caráter ficcional, sua função catártica ou o efeito de fruição e sinfronismo, o uso sistemático do símbolo, da alegoria, da imaginação e das palavras polivalentes, o deslocamento de sentidos, a fabricação de imagens que geram estranhamento e desautomatização da percepção, a combinação particular do eixo sintagmático e do eixo paradigmático, a predominância da função poética sobre as demais funções da linguagem, o arranjo de ritmos e sons intensificadores de sentidos num concerto harmônico e evocativo, conciliação de morfemas e sintagmas em favor de um plano estético bem urdido, e inúmeros outros traços supostamente distintivos do texto literário13 13 Ver artigos da primeira parte da coletânea de textos formalistas fundadores: EIKHENBAUM et al. (1976). . Se em um primeiro momento as teses enfatizavam o deslocamento dos estudos literários com relação ao esteticismo, ao historicismo e ao psicologismo e se orientava para a linguística (“ciência paralela à poética”, no dizer de Eikhenbaum)14 14 EIKHENBAUM (1976, p.9). , aos poucos, devido ao próprio desenvolvimento dessa “ciência literária”, os estudos estéticos, históricos e psicológicos foram reincorporados ao eixo fundamental da análise da literatura. Isso não significa que tenham retrocedido; na verdade, nesse movimento ocorreu uma mudança qualitativa, consoante as transformações históricas coetâneas.

Essas mudanças de paradigmas no âmbito dos estudos da linguagem ocorrem simultaneamente a decisivas transformações históricas - tanto políticas, quanto econômicas e culturais - e com elas se correspondem de maneira pouco óbvia, formando uma totalidade multifacetada e multideterminada. A eclosão da Primeira Guerra (e os fatos que levaram a ela, como o desenvolvimento das técnicas de produção, a luta geopolítica por mercados e o redimensionamento do capital), a Revolução Russa e a emergência de um código estético disruptivo com as vanguardas são eventos correlacionados. O surgimento de uma teoria da linguagem (literária ou não) como instância autossuficiente, isto é, universo que cria o seu próprio significado, tende a desmanchar os vínculos com esses fatos, dos quais, entretanto, a própria teoria depende. Desse ponto de vista, a insurgência teórica contra a rotinização da linguagem se mostra como parte da crítica ao status quo cultural criado pelo capitalismo.

Após o arroubo necessário e alguns descomedimentos teóricos dos primeiros tempos, o enquadre da questão foi gradualmente se deslocando para uma noção mais complexa e dinâmica de “forma literária”, colocando em segundo plano a questão da literariedade e procurando reconhecer e compreender os laços com as transformações da realidade social. Esse deslocamento ocorre no interior do próprio campo formalista, que não era homogêneo e abrigava o contraditório - com Bakhtin, Medvedev, Trotsky e outros - e se acelerou com os expurgos promovidos pelo stalinismo que dissolveu o grupo.

Maingueneau, por sua vez, investe na busca pela materialidade de uma “língua literária”, consumada em um “código de linguagem”, afirmando que “as línguas dispõem de marcadores especializados na apreensão, se não literária, ao menos estética do mundo” 15 15 Ao que parece, essa opção teórica corrobora com a intenção de aplicar uma “teoria do texto” ao discurso literário, procedimento que constata faltar em muitas abordagens tradicionais do texto literário. (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.204). Elenca uma série de fenômenos linguísticos (compilados do francês) como certos tempos verbais, grupos nominais com artigo indefinido associados a um substantivo não-contável, uma série de adjetivos, grupos preposicionais e alguns plurais, por exemplo, como índices patentes do discurso literário (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.204-205). Para ele, “a produção literária, queira ou não, tende a produzir, ao se acumular, feixes de marcas linguísticas que marcam o pertencimento à literatura, a determinados gêneros literários ou posicionamentos” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.205). Advoga, portanto, a favor da existência de uma “série limitada de modos de dizer” de natureza lexical, discursiva e gramatical em um mesmo “padrão literário” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.208), desviando-se, com isso, a meu ver, do real específico da literatura.

O discurso literário é um signo cultural complexo e movente, dificilmente apreensível por meio de “invariantes” que supostamente pudessem discipliná-lo em um discurso constituinte. Nas palavras bem calibradas de Candido (1993)CANDIDO, A. O mundo desfeito e refeito. In: CANDIDO, A. Recortes. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.30-34., trata-se de um “sistema específico de sentido, que pode ser convergente, paralelo ou divergente em relação ao sistema do mundo” (p.31-32). Ainda que consideremos o papel das redes institucionais que regulam o discurso literário e por ele são reguladas, estaríamos caracterizando-o pelo seu negativo, isto é, pelo que menos o representa como objeto simbólico de fabricação humana de sentidos e o qualifica diante dos leitores reais. Por esse ângulo, a literariedade e a percepção estética de um dado discurso só se realizam, de fato, na cadeia formal de cada enunciado particular - incluindo-se aí as possibilidades de sua recepção -, uma vez que são refratárias a generalizações conceituais. Se o discurso literário é aquele que pode mimetizar, imitar, reproduzir, deformar e reformar todas as dicções, dialetos, gêneros, fórmulas e estilos, então o método de acesso a seus sentidos pode valer-se, igualmente, de uma epistemologia ventilada, pluralista, e, portanto, compatível com as premissas da análise do discurso que, a despeito de todas as variações, se caracteriza essencialmente pela interdisciplinaridade. Não podemos perder de vista, porém, que, ao sorver os variados modos discursivos da interação humana (o que justificaria seu tratamento indiscriminado), o regime literário o faz vazando-os numa moldura estética, capaz, por si só, de os reconfigurar.

Coerente com sua proposta de servir-se das categorias gerais da análise do discurso para compreensão do fato literário, Maingueneau defende, como procedimento metodológico, o uso de categorias da pragmática, por entender que o discurso literário está sujeito às mesmas determinações que o discurso prosaico da vida cotidiana. Nesse caso, as constantes transgressões às máximas conversacionais, típicas do discurso literário, sofreriam uma espécie de “hiperproteção” da parte do crítico, que assim tenderia a absolver qualquer falha de composição, pressupondo uma intencionalidade latente (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.86). Ou seja, a manifestação de transgressão de um princípio conversacional, como a “digressão”, o “repisar” ou o “hermetismo” - exemplos citados por Maingueneau (1996)MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário. Tradução Marina Appenzeller. Revisão da tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996. - acionariam, imediatamente, uma leitura que identificasse ali um “sentido oculto”. Desconsidera, nesses termos, toda a tradição de estudos da forma literária e da teoria estética16 16 Seria por demais extenso retomar autores e obras que se dedicam à questão. Basta, para situar a dimensão da longa tradição estabelecida, desde a Poética de Aristóteles e a República de Platão (especialmente capítulos III e VII). que investiga a representatividade simbólica e em alguns casos alegórica de opções composicionais que participam da organicidade da obra e que independem de correspondências na esfera das interações discursivas cotidianas17 17 Haja vista exemplos como Ulysses (1922), de James Joyce e O som e a fúria (1929), de William Faulkner, ou ainda os nossos Memórias sentimentais de João Miramar (1924), de Oswald de Andrade e Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa que, em termos pragmáticos, violariam uma série de leis do discurso e princípios conversacionais, mas o fazem no interior de um projeto estilístico e estético que os justificam. .

Sem minorar a importância das contribuições de Maingueneau para o estabelecimento do campo, contudo, julgamos que o ponto alto de seus estudos sobre o discurso literário incide sobre a noção de cenografia. Estreitamente vinculada ao sentido de ação dramática, a cenografia seria o enquadramento enunciativo móvel que a própria efabulação instaura e com a qual o leitor tem contato primeiro. Assim, um determinado conteúdo temático pode ser enunciado por meio de uma cenografia de diário íntimo, relato de viagem, conversa ao pé da fogueira, correspondência, dentre outras incontáveis possibilidades, estatuindo a posição dos sujeitos da enunciação, o tempo, o espaço (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.252) e também a rede referencial de valores, crenças, conhecimentos e posicionamentos engendrados pela obra.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a cenografia não corresponde a uma moldura estática no interior da qual a enunciação literária se exprimiria, mas atua como quadro e como processo simultaneamente. Para o autor, “o ‘conteúdo’ aparece como inseparável da cenografia que lhe dá suporte” (MAINGUENEAU, 2008MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação. Tradução Maria Cecília P. de Souza-e-Silva. São Paulo: Parábola Editorial, 2008., p.51). A relevância elucidativa do conceito para o texto literário só é efetiva, no entanto, se o “conteúdo” for concebido como peça estruturada no interior de uma forma dinâmica. Mesmo em um dos poucos trechos em que se pode inferir uma preocupação como essa, a relação estabelecida entre obra e sociedade é tênue e pouco sistemática:

[...] a cenografia deve estar ativa e diretamente vinculada à configuração histórica na qual aparece. Os tipos de cenografias mobilizadas dizem obliquamente como as obras definem sua relação com a sociedade e como se pode, no âmbito dessa sociedade, legitimar o exercício da fala literária (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.264).

Ainda assim, Maingueneau não leva o axioma às devidas consequências, já que não apresenta propriamente um programa de pesquisa voltado para a investigação da relação estabelecida entre forma literária e processo social, caminho que poderia ampliar o entendimento da discursividade literária sem amputar nenhum membro do objeto de estudo em proveito da integridade da teoria18 18 Sobre a relação entre a forma literária e o processo social, existe uma importante rede de autores que se dedicaram à questão e a enfocaram pelo prisma da dialética. Entre eles, destaco György Lukács, Erich Auerbach, Theodor Adorno, Walter Benjamin e os brasileiros Antonio Candido e Roberto Schwarz. . Além disso, uma abordagem como essa possibilitaria o manejo de todo repertório epistemológico da análise do discurso que, em termos objetivos, se interessa por um “interno” e por um “externo” da linguagem, conjugados na análise e não pareados artificialmente. Em outras palavras, uma abordagem do texto literário que busque a acomodação dialética de um externo em um interno por meio da noção operacional de cenografia mostra-se extremamente oportuna tendo em vista a singularidade teórica e metodológica da análise do discurso desde suas origens materialistas.

Sem macerar a reflexão com uma classe de “categorias de análise” prescritas independentemente da feição apresentada pela obra particular, o analista do discurso literário pode se valer de uma série de premissas discursivas que garantam a manutenção da integridade de sentido da obra, mesmo após sua análise em laboratório. O mais elementar, talvez, seja o esforço por manter os vínculos primais entre o enunciado literário e a sociedade que o anima.

Ao fim e ao cabo, estamos ainda no princípio

A recusa da especificidade do enunciado literário, ou sua consideração em termos de “língua literária” ou “código de linguagem”, faz corresponder análise discursiva da literatura à aplicação, aos textos, de uma série de categorias generalistas, assentes nos ritos genéticos que envolvem a criação artística e na análise de seu reflexo nas obras, sem a necessária mediação19 19 Faço aqui concessão, dentre outras inúmeras contribuições, ao conceito de “cenografia”, discutido por Maingueneau, pleno de consequências explicativas para o texto literário em sua dimensão discursiva. . Além do mais, tais procedimentos geram o risco de tratar a literatura como corpus decorativo no interior do “campo literário”, este sim, aceite como objeto adequado para uma análise do discurso. Como consequência desses postulados, a excessiva prescrição de procedimentos metodológicos que garantiriam o pertencimento a um campo (o da análise do discurso) pode limitar irremediavelmente o alcance explicativo deste mesmo campo, reduzindo sua operacionalidade se o objetivo é ampliar os efeitos sociais, emocionais, culturais e estéticos que a obra, graças à especificidade da forma assumida, guarda em potência.

Se o método atribui protagonismo aos constrangimentos institucionais experimentados pelo fato literário, então, a despeito de todas as negativas de Maingueneau, o que temos aqui é uma abordagem discursiva da sociologia literária. Se, por outro lado, o cerne da teoria é de fato o discurso literário, considerado em sua função humanística, como linguagem emoldurada no interior de uma esfera de atuação humana, perpassada por um complexo de outras esferas, então, o protagonismo deve ser o da função social da obra, considerada a partir da singularidade constitutiva de sua forma estética. Fazendo eco à percepção de Maingueneau, de fato, estamos ainda transitando em território aberto, um campo em constituição e, portanto, um domínio de experimentações metodológicas.

Nesse caso, podemos dizer que uma abordagem discursiva da literatura também é, sem necessidade de ineditismos teóricos, um tipo de crítica literária, pensada como uma prática de interpretação, neste caso, alicerçada, majoritariamente, nos princípios enunciativos e discursivos da linguagem humana. O que não se pode admitir é o descaso pela particularidade do fato literário que, não sendo “sagrado” nem tendo “origem xamânica”, nem por isso é indiferenciado de outros tipos de discurso como o publicitário, o jornalístico, o familiar, o filosófico, o científico, cada qual com sua demanda própria de acesso aos sentidos veiculados, rigorosamente porque matiz de uma gradação maior da enunciação humana. Não podemos perder de vista, por fim, que a teoria não deve preceder o objeto se esta se quer crítica e útil para além dos exercícios retóricos do círculo fechado da academia.

Por fim, se necessária ainda for alguma prescrição em matéria de método, a meu ver, a única “obrigação” de uma análise do discurso literário deve ser - com os meios que lhe são próprios - a de ampliar os sentidos de seu objeto de análise: a obra literária e a vida que circula em suas linhas.

  • 1
    Mais adiante, comentaremos a noção elaborada por Maingueneau de “língua literária” e “código de linguagem”, constructos linguísticos que seriam próprios do texto literário. No entanto, como também discutiremos mais adiante, o argumento é questionável devido ao papel diminuto atribuído ao trabalho de arte.
  • 2
    No interesse de demonstrar a indistinção da “enunciação literária” em relação às demais manifestações discursivas, justificando o uso de categorias analíticas da pragmática, afirma: “Invoquem-se ou não as ‘leis do discurso’, os ‘contratos de fala’, as ‘ameaças de influência positiva ou negativa’. A enunciação literária não escapa à órbita de direito. Fala e direito à fala se entrelaçam. De onde é possível vir legitimamente a fala, a quem pretende dirigir-se, sob qual modalidade, em que momento, em que lugar - eis aquilo a que nenhuma enunciação pode escapar. E o escritor sabe disso melhor do que qualquer pessoa, ele cujo discurso nunca acaba de estabelecer seu direito à existência, de justificar o injustificável de que procede e que ele alimenta desejando reduzi-lo” (MAINGUENEAU, 2006MAINGUENEAU, D. Discurso literário. Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006., p.43).
  • 3
    Ver Anderson, 2004ANDERSON, P. O advento do marxismo ocidental. In: ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental; Nas trilhas do materialismo histórico. Tradução Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2004. p.45-67., p.45-67.
  • 4
    Ver, por exemplo, Althusser, 1992ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado. Tradução Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1992..
  • 5
    Ao comentar a leitura marxista empreendida por Althusser, José Guilherme Merquior afirma que “no seio de uma cultura marxista desse tipo, a originalidade de Louis Althusser (1918-1990) era dupla. Primeiro, ao contrário de muitos filósofos marxistas na França, Althusser não era, de modo nenhum, um comunista rebelde. Longe disso: levou sua lealdade ao partido, através de maio de 68 e do esmagamento da primavera de Praga, até bem metade da década seguinte. Nem sequer se tratava de um humanista. Embora partilhasse da rejeição generalizada das crenças historicistas, Althusser sustentava um franco anti-humanismo, altamente polêmico. O marxismo, dizia, era estritamente científico. Não tinha nada a ver com nebulosos humanismos” (MERQUIOR, 1987MERQUIOR, J. G. O marxismo ocidental. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987., p.205).
  • 6
    As proposições pós-estruturalistas, nascidas no contexto dos anos 60, como referido acima, assumem sua forma mais acabada sob a rubrica de “pós-moderno”. Jean Lyotard, herdeiro dessa discussão e de suas premissas, formulou de maneira programática os desdobramentos de tais mudanças, retomando as questões principais e sistematizando suas implicações nos diversos campos do saber. Ver Lyotard, 1986LYOTARD, J-F. O pós-moderno. Tradução Ricardo Correia Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986..
  • 7
    Segundo Fernanda Mussalim: “A linguística, então, aparece como um horizonte para o projeto althusseriano da seguinte maneira: como a ideologia deve ser estudada em sua materialidade, a linguagem se apresenta como o lugar privilegiado em que a ideologia se materializa. A linguagem se coloca para Althusser como uma via por meio da qual se pode depreender o funcionamento da ideologia” (2006, p.104).
  • 8
    Para maiores esclarecimentos, ver Maldidier, 1994MALDIDIER, D. Elementos para uma história da análise do discurso na França. In: ORLANDI, E. P. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994. p.15-28..
  • 9
    É preciso deixar claro que, neste caso, Maingueneau considera apenas a literatura produzida no contexto da hegemonia burguesa. Outros raciocínios podem sustentar manifestações institucionais da literatura em outras conjunturas.
  • 10
    Apenas para lembrar, a noção de campo literário alberga todo o entorno da obra - autoria, processos de criação, circulação e consumo das obras -, movimento que a aproxima, de certo modo, da história literária, sendo rebatizada por Maingueneau como “parotopia”.
  • 11
    Jakobson, 1921 apudEikhenbaum, 1976EIKHENBAUM, B. A teoria do “método formal”. In: EIKHENBAUM, B. et al. Teoria da literatura: formalistas russos. Tradução Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al. Porto Alegre: Editora Globo, 1976. p.3-38. [1925], p.8.
  • 12
    Ver estudo fundamental de Iser (1999)ISER, W. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999.; e ver também, um estudo mais abrangente sobre as origens, influências e desdobramentos em Gómes (1989).
  • 13
    Ver artigos da primeira parte da coletânea de textos formalistas fundadores: EIKHENBAUM et al. (1976)EIKHENBAUM, B. A teoria do “método formal”. In: EIKHENBAUM, B. et al. Teoria da literatura: formalistas russos. Tradução Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al. Porto Alegre: Editora Globo, 1976. p.3-38..
  • 14
    EIKHENBAUM (1976, p.9)EIKHENBAUM, B. A teoria do “método formal”. In: EIKHENBAUM, B. et al. Teoria da literatura: formalistas russos. Tradução Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al. Porto Alegre: Editora Globo, 1976. p.3-38..
  • 15
    Ao que parece, essa opção teórica corrobora com a intenção de aplicar uma “teoria do texto” ao discurso literário, procedimento que constata faltar em muitas abordagens tradicionais do texto literário.
  • 16
    Seria por demais extenso retomar autores e obras que se dedicam à questão. Basta, para situar a dimensão da longa tradição estabelecida, desde a Poética de Aristóteles e a República de Platão (especialmente capítulos III e VII).
  • 17
    Haja vista exemplos como Ulysses (1922), de James Joyce e O som e a fúria (1929), de William Faulkner, ou ainda os nossos Memórias sentimentais de João Miramar (1924), de Oswald de Andrade e Grande sertão: veredas (1956), de João Guimarães Rosa que, em termos pragmáticos, violariam uma série de leis do discurso e princípios conversacionais, mas o fazem no interior de um projeto estilístico e estético que os justificam.
  • 18
    Sobre a relação entre a forma literária e o processo social, existe uma importante rede de autores que se dedicaram à questão e a enfocaram pelo prisma da dialética. Entre eles, destaco György Lukács, Erich Auerbach, Theodor Adorno, Walter Benjamin e os brasileiros Antonio Candido e Roberto Schwarz.
  • 19
    Faço aqui concessão, dentre outras inúmeras contribuições, ao conceito de “cenografia”, discutido por Maingueneau, pleno de consequências explicativas para o texto literário em sua dimensão discursiva.

REFERÊNCIAS

  • ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de estado Tradução Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro. Rio de Janeiro: Graal, 1992.
  • ANDERSON, P. O advento do marxismo ocidental. In: ANDERSON, P. Considerações sobre o marxismo ocidental; Nas trilhas do materialismo histórico Tradução Isa Tavares. São Paulo: Boitempo, 2004. p.45-67.
  • CANDIDO, A. O mundo desfeito e refeito. In: CANDIDO, A. Recortes São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.30-34.
  • CHKLOVSKY, V. A arte como procedimento. In: EIKHENBAUM, B. et al. Teoria da Literatura: formalistas russos. Tradução Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al Porto Alegre: Editora Globo, 1976. p.39-56.
  • EIKHENBAUM, B. A teoria do “método formal”. In: EIKHENBAUM, B. et al. Teoria da literatura: formalistas russos. Tradução Ana Mariza Ribeiro Filipouski et al Porto Alegre: Editora Globo, 1976. p.3-38.
  • GÓMEZ, L. A. El lector y la obra: teoria de la recepción literária: Madrid: Editorial Gredos, S. A., 1989.
  • ISER, W. O ato da leitura: uma teoria do efeito estético. Tradução Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999.
  • LYOTARD, J-F. O pós-moderno Tradução Ricardo Correia Barbosa. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986.
  • MAINGUENEAU, D. Pragmática para o discurso literário Tradução Marina Appenzeller. Revisão da tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
  • MAINGUENEAU, D. Discurso literário Tradução Adail Sobral. São Paulo: Contexto, 2006.
  • MAINGUENEAU, D. Cenas da enunciação Tradução Maria Cecília P. de Souza-e-Silva. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
  • MALDIDIER, D. Elementos para uma história da análise do discurso na França. In: ORLANDI, E. P. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994. p.15-28.
  • MALDIDIER, D.; NORMAND, C.; ROBIN, R. Discurso e ideologia: bases para uma pesquisa. In: ORLANDI, E. P. (org.). Gestos de leitura: da história no discurso. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1994. p.67-102.
  • MERQUIOR, J. G. O marxismo ocidental 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.
  • MUSSALIM, F. Análise do Discurso. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. Ch. (org.). Introdução à linguística II: domínios e fronteiras. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2006. p.101-142.
  • ORLANDI, E. P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 10 ed. Campinas, SP: Pontes, 2012.
  • STEMPEL, W-D. Sobre a teoria formalista da linguagem poética. Tradução Luiza Ribeiro e Regina Sunko; revisão da tradução Fernando Augusto Rodrigues. In: LIMA, L. C. (org.). Teoria da literatura em suas fontes 2 ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1983. v.1, p.387-435.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2019
  • Aceito
    09 Abr 2020
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com