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Ler com o corpo, escrever na pele: um caso de blast over com literatura, ilustração, edição e tattoo dentro

RESUMO

Inspirado pelo conceito usado na “cena da tatuagem” de blast over, e que designa o aproveitamento de espaços entre tatuagens para inserir outras, sem esconder nem disfarçar as anteriores, propõe-se um exercício de análise de um livro de artista, Coração com estrela-do-mar dentro, de Filipe Homem Fonseca (2019). O conceito surgiu de uma das páginas do livro para se tornar alvo de questões da leitura literária, de uma perspetiva também pragmática. A proposta seguirá um percurso: entrar no texto pelo objecto-livro que dá um lugar importante à ilustração, assinada por death_by_pinscher, retirá-lo de lá e voltar a incluí-lo para fazer a leitura global, no sentido de realçar a adesão do potencial leitor jovem também ao texto.

PALAVRAS-CHAVE:
Livro de artista; Literatura e juventude; Ilustração e tattoo; Terror e humor; Filipe Homem Fonseca

ABSTRACT

Inspired by the concept used in the “tattoo scene” of blast over, which designates the use of spaces between tattoos to add others, without hiding or disguising the previous ones, we propose an exercise of analysis of an artist’s book, Coração com Estrela-do-mar Dentro [Heart with Starfish Inside] by Filipe Homem Fonseca (2019). The concept emerged from one of the pages of the book to become a target of questions of literary reading, from a pragmatic perspective as well. The proposal will follow a route: enter the text through the book-object that gives an important place to the illustration, by death_by_pinscher, remove it from there and then include it again to make the global reading, in order to also enhance the appeal of the potential young reader to the text.

KEYWORDS:
Artist’s Book; Literature and Youth; Illustration and Tattoo; Horror and Humor; Filipe Homem Fonseca

Introdução

Parte-se de um livro de artista, Coração com estrela-do-mar dentro, e do conceito blast over, usado na “cena da tatuagem”, que designa o aproveitamento de espaços entre tatuagens para inserir outras, novas, sem esconder nem disfarçar as anteriores (veja-se um exemplo na Figura 2). Esta ligação surgiu de imediato no primeiro folhear do que classificamos como livro de artista, praticamente artesanal, como veremos mais adiante, quando o descrevermos.

O cruzamento que faremos neste texto a propósito de linguagens estéticas, suportes distintos e implicações sociais do objeto analisado, fá-lo-emos ao abrigo da imensa via aberta nos Estudos Literários pelos Estudos Comparatistas, também eles consequência lógica dos Estudos Culturais. Os primeiros, organizando e teorizando o tratamento de várias linguagens estéticas; os segundos, dando mais atenção às temáticas e respetivos contextos sociais, ambos obtêm da longa história da Filologia - passo inicial para o estudo de uma obra literária que lhe fixa o texto, lhe explica o pretexto autoral, descreve os contextos da criação e os que lhe sucedem de recepção - metodologias que não se limitam ao verbal, mas que resultam no que deveremos reclamar como uma leitura especializada, mais profunda, a que propomos chamar pragmaticamente leitura literária. É Claus Cluver quem maior impacto tem no amparo a legitimar-nos este cruzamento, ele que percorre um caminho de etapas que começa na intertextualidade, passa ao diálogo interartes e alcança o campo de estudos que designa por intermedialidade e que “diz respeito não só àquilo que nós designamos ainda amplamente de ‘artes’ (Música, Literatura, Dança, Pintura e demais Artes Plásticas, Arquitetura, bem como formas mistas, como Ópera, Teatro e Cinema), mas também às ‘mídias’ e seus textos (...)” (Cluver, 2006CLUVER, Claus. Inter textus / Inter Artes / Inter Media. Revista Aletria. Belo Horizonte, n. 14, p. 11-41, Julho 2006. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/18066/14856. Acesso em: 15 mar. 2023.
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, p. 18).

Assim, para a leitura que faremos do livro de artista escolhido, cruzamos - duas linguagens que se exprimem e relacionam para comunicarem com harmonia - conseguida neste caso, mas não em todos - num mesmo meio que é o próprio livro, exercício que é prática habitual nos estudos académicos do subsistema da literatura infantojuvenil, para o livro-álbum ou para o livro-objeto, em que o impacto dos aspetos gráficos e materiais na construção da narrativa - como espaçamentos, mancha gráfica e estilos tipográficos - são analisados em conjunto com as palavras e as imagens.

Mas para além desse exercício já clássico em que as materialidades da literatura ganham especial relevância no exercício de leitura, e consequente descoberta dos sentidos da obra, também com as aproximações à literatura de terror que se impõem, permitimo-nos fazer a ligação à “cena da tatuagem”. Aqui ouvimos Werner Wolf (2005WOLF, W. Intermediality. In: HERMAN, David; JAHU, Manfred; RYAN, Marie-Laure (eds.). Routledge Encyclopedia of Narrative Theory. New York: Routledge, 2005., p. 254) que afirmou, sobre a intermedialidade, que “a intermedialidade é pelo menos tanto um efeito de ‘leitura’ quanto um fato dos fenômenos em consideração”1 1 Tradução nossa. No original, em inglês: “intermediality is at least as much as a ‘reading’ effect as a fact of the phenomena under consideration”. .

E na sequência e consequência deste exercício que sai do livro para a pele numa extensão sociológica de identificação entre grupos sociais, e etários, quisemos deixar ao leitor deste texto um reafirmar da importância que o saber colocar aos textos, e outros objetos culturais de claras intenções estéticas, as perguntas que melhor lhe assentam. Trata-se não apenas da prática de uma análise factual, mas do próprio enriquecimento dessas “boas perguntas” que o exercício da leitura literária impulsiona, com a capacidade crítica e criativa a relacionarem-se proficuamente. Capacidade que parece estar a ser ameaçada, julgamos que apenas pelo deslumbramento da novidade, com o sucesso da inteligência artificial (IA).

Blast over, traduzido à letra, significa “explosão”, termo que, na nossa enciclopédia pessoal de leitora de livros recém-publicados e também a pensar no verbete dedicado à literatura juvenil contemporânea em Portugal, evoca de imediato a obra de Ana Pessoa, Supergigante (de 2014, publicada pelo Planeta Tangerina), à qual já dedicamos alguma, sempre insuficiente, investigação para propostas de leitura, análise, interpretação e discussão (Pereira, 2021PEREIRA, Cláudia Sousa. Corpo, espaço com tempo: as dores de crescimento em Supergigante de Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. São Paulo, n. 26, p. 116-130, 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.23925/1983-4373.2021i26p116-131. Acesso em: 28 dez. 2023.
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). Se naquele romance o título tem como referência imediata o campo da astronomia, onde, através da metáfora, se materializa o turbilhão de sentimentos e emoções características do adolescer, neste Coração com estrela-do-mar dentro de Filipe Homem Fonseca, com edição limitada de 24 exemplares assinados, de 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., mesmo no suporte dialogante do livro com a ilustração e design gráfico a reagirem-lhe, é o mundo da tatuagem a inferência quase imediata da nossa primeira leitura que nos pareceu plausível. Leituras posteriores, multimodais - texto, ilustração, arranjo gráfico -, trouxeram-nos até esta proposta, menos repentina, que não deixa de pragmaticamente pretender aproximar literatura e cultura juvenis contemporâneas.

Figura 1
Fotografia de capa

Figura 2
Fotografia com exemplo de blast over

Supergigante, apesar de se construir em torno da morte, acaba luminoso. Coração com estrela-do-mar dentro é um conto sombrio, do princípio ao fim. E até para lá dele, na reflexão, o que só se confirmará e provará depois do exercício da leitura, além da epidérmica, ou visceral, reação. Mas esta reação é a que se espera de um conto que se constrói em torno do que podemos chamar maldição, para evitarmos mencionar a palavra de uma forma de morte que não decorre do natural fim da vida. E esta é a voz de Filipe Homem Fonseca, autor que não parece preocupado em escrever a pensar na idade de quem o lê, mas nos universos surpreendentes que as palavras conseguem construir, a partir de realidades muitas vezes tão tristemente óbvias para os mais atentos e (pre)ocupados em ler o mundo e os indivíduos. Sobre este conto, e também sobre a dificuldade em dirigir-se literatura aos mais novos de idade, escreveu João Paulo Cotrim (2019COTRIM, João Paulo. O alvo que lhe deu o ser. Hoje Macau, Macau, 18 de dezembro de 2019. Disponível em: https://hojemacau.com.mo/2019/12/18/o-alvo-que-lhe-deu-o-ser/. Acesso em: 15 mar. 2023.
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) numa crónica do jornal eletrónico Hoje Macau:

No cruzamento que se instala, fui atropelado pelo mais negro dos contos para crianças, “Coração com estrela-do-mar dentro”, do Filipe [Homem Fonseca], com ilustrações realistas, e portanto, assustadoras de death_by_pinsher (estou-te a ver!), em edição de mil cuidados. Gozo, que este conto sobre manipulação genética dos imaginários e dos seres não se destina aos petizes, mas devia. Brinco, mas esta mistura de encanto e horror está mesmo a pedir uma infantil maldade.

Filipe Homem Fonseca nasceu em Lisboa, em 1974, ano do 25 de Abril e do início da Democracia em Portugal. Licenciado em Publicidade, para além de escritor, é argumentista, músico, realizador e humorista. Tem feito parte de inúmeros projetos de diversas áreas do audiovisual, para os quais escreve muitas vezes em equipa. Se conseguirmos limitar-nos à publicação da sua escrita literária, para além do conto que aqui tratamos, diremos que Filipe Homem Fonseca lança em 2013 o primeiro romance, intitulado Se não podes juntar-te a eles, vence-os, editado pela Divina Comédia. Em 2015 sai o segundo romance, Há sempre tempo para mais nada, publicado pela Quetzal, editora onde, em 2019, publica o terceiro romance, intitulado A imortal da graça. Escreve haikai, alguns dos quais já se encontram em livro intitulado conta gotas (2008, tea for one). Ainda poesia, tem e enquanto espero que me arranjem o esquentador penso em como será a vida depois do sol explodir (2015, do lado esquerdo). Foram também editados três contos seus em 2010, um no livro O fio à meada, outro no coletivo E outros belos contos de Natal, ambos da Escritório Editora, e o terceiro na Antologia de ficção científica fantasporto (Asa, 2012), editado em Portugal e no Brasil. Não escrevendo para jovens, o seu conhecimento dos públicos contemporâneos que aderem em massa aos objetos e fenómenos para os quais cria, explicará, em certa medida, a possibilidade de adesão de uma geração de leitores mais jovens. Esta será uma medida talvez parametrizada no domínio da sociologia da leitura que não exploraremos, mas sobre a qual é feita esta proposta de exercício. Leitura literária porque é criativa e recorre a metodologias da crítica e dos estudos literários contemporâneos.

No que respeita à atividade artística da tatuagem, esta é objeto de estudo marginal dos campos sempre cruzados das artes e da sociologia (Fischer, 2002FISHER, J. Tattooing the Body, Marking Culture. Body and Society, v. 8, n. 4, p. 91-107, 2002.; Atkinson, 2003ATKINSON, Michael. Tattooed: The Sociogenesis of a Body Art. Toronto: The University of Toronto Press, 2003.; Sanders; Vail, 2009SANDERS, Clinton R.; VAIL, D. Angus. Customizing the Body: The Art and Culture of Tattooing. Philadelphia: Temple University Press, 2009.; Ferreira, 2013). Na recensão de um estudo, já de 2000, da autora americana Margo DeMello, intitulado Bodies of Inscription: A Cultural History of the Modern Tattoo Community, pode ler-se este eloquente resumo das perspetivas envolvidas:

DeMello relata o processo pelo qual esta transformação de sentido aconteceu, dando particular atenção aos contornos com que uma comunidade americana de tatuagem se redesenhou com esse processo. Para explicar estas transfromações, DeMello recorre a ideias que nos são familiares: o corpo grotesco tratado por Bakhtin, a classificação de Bourdieu para corpo, o conceito de tradição inventada de Hobsbawm e o de comunidades imaginadas de Anderson (Mascia-Lee, 2000MASCIA-LEE, F. E. Bodies of Inscription: A Cultural History of the Modern Tattoo Community by Margo DeMello. American Journal of Sociology. Chicago, vol.106-3, p. 700-701, 2000., p. 700)2 2 Tradução nossa. No original, em inglês: “DeMello chronicles the process by which this transformation of meaning has taken place, paying particular attention to how the contours of an American tattoo community have been redrawn in the process. To explain these transformations, DeMello draws on familiar ideas: Bakhtin's grotesque body, Bourdieu's class body, Hobsbawm's invented tradition, and Anderson's imagined community”. .

Figura 3
Fotografia da página 3, página seminal do presente artigo

A expressão que é designação e simultaneamente conceito de blast over surgiu-nos inspirada numa página do livro de Filipe Homem Fonseca que se analisará (ver a figura seminal em Figura 3). Usá-la-emos para tratar as questões da leitura literária de objetos em que se cruzam linguagens (verbal, icónica e gráfica), criando um discurso que adensa enigmas, apesar da informação que a diversidade de signos escolhidos parece disponibilizar. E será de uma perspetiva pragmática que os objetivos deste estudo se alcançarão: interpretar o texto dentro do objeto, que é um livro, mas que pode ser apenas uma narrativa, de forma a transformá-lo numa espécie de memória descritiva de um corpo tatuado. O livro, animado pela leitura em cruzamento multimodal, graças à ilustração e design gráfico, voltará, em algum momento do percurso do seu leitor, a valorizar-se pelo literário da gramática verbal que, numa argumentação opinativa, sai mais acrescentado.

O artigo tenderá a seguir um percurso cuja pluralidade de linguagens poderá tornar algo sinuoso (como os pedaços de corpos enxertados em corpos inteiros que assim se marcam e passam a ser lidos de outra maneira ou com outra reação), pelo que dele se dá, nesta introdução, uma linha-guia orientadora. Essa linha-guia é também a metodologia de análise textual, literária e visual do livro, que foi seguida: entrar pelo texto no objecto-livro que dá um lugar importante à ilustração assinada por death_by_pinscher, retirá-lo de lá, analisá-lo, voltar a incluí-lo e fazer a interpretação, como leitura global, no sentido último, objetivo de realçar a potencial adesão do leitor jovem ao texto.

Assim, não esquecendo que uma análise literária é um exercício intelectual que pode partir de uma reação emocional da leitura feita de um objeto artístico, sobretudo quando a intenção criativa realça a publicação do texto literário na sua concretização material em livro, tenta-se alcançar, com esta abordagem, uma recontextualização intencional. Esta proposta de leitura recontextualizada, naturalmente, torna-se também ela um ato ficcional ainda que argumentado, já que não se confirma junto dos autores do texto, da ilustração ou do grafismo, qualquer intenção em relacionar o objeto com a “cena da tatuagem”.

Com este artigo, apenas propomos isso mesmo: fazer um de muitos exercícios possíveis que a leitura polissémica de objetos estéticos, os que se constituem não na realidade, mas na possibilidade dos discursos figurativos ou evocativos que criem realidades percetíveis, permite. A nossa preocupação vai, em intenção, ao encontro da temática do dossiê, em cuja chamada se pede atenção a obras em que o texto literário “estabelece intenso e profícuo diálogo com outras linguagens, desafiando crianças e jovens a empreenderem uma leitura plurissemiótica”.

Desta forma, o artigo compreenderá quatro partes. Nas primeira e segunda partes, procederemos à análise formal e semântica dos textos que se entrelaçam no livro: primeiro o texto verbal, depois os textos icónico e gráfico. Na terceira parte, esclareceremos a intrusão do assunto da tatuagem no campo do livro, do texto literário e da leitura, no que é, afinal, o aspeto mais inovador de um texto teórico-prático que pertence e fala a partir do campo duplo, seccionado e partilhado, da literatura e cultura. Também aqui justificaremos a classificação do objeto escolhido como pertinente ao projeto do dossiê, no que diz respeito a essa condição etária prevista de potenciais leitores implícitos. Por fim, na conclusão, justificaremos a nossa proposta como exercício que não apenas valoriza este objeto-livro com um conto ilustrado dentro, mas o traz pragmaticamente para a corrente de produtos culturais criadores de afinidade entre jovens, leitura e educação para a crítica de processos estéticos com impacto individual e social.

Mas entremos no texto verbal do livro que nos tirou por momentos dos estudos literários e nos levou à cena da tatuagem, para logo de seguida enriquecermos essa leitura com as chamadas materialidades, em que a linguagem icónica, mais central, se condiciona com técnicas e opções de expressão, também elas por natureza materializadas para a concretização visual e contribuição para os sentidos que a obra dá a ler literariamente.

1 Nas histórias que a mãe contava...

O texto de Coração com estrela-do-mar dentro, como afirmámos, é um conto que poderíamos sem controvérsias classificar sob a designação estabelecida de literatura de terror, correspondendo à história consensual e geral do género: uma “forma simples” de ficção, narrativa, sintética, herdeira direta das ancestrais formas do contar oralmente. Os “contadores” são aqueles que por particular magia da voz e da imaginação, a sua imaginação, que esperavam que se encontrasse com a imaginação dos “ouvidores”. E estes reconstruiriam, com as palavras, factos ou acontecimentos, dando-lhes uma existência que, de tão sedutora, provavelmente poderiam ser repetidas, transformando-se em versões dominantes do que ou tinha acontecido ou bem podia acontecer.

A primeira frase do conto soa sibilante - “Sempre aquele som, como se alguma coisa se mexesse dentro da gaveta da mesa de cabeceira” (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 1) - a dar o tom para o ambiente em que o terror espera encontrar, no texto, o/a seu/sua leitor/a modelo. Um/a leitor/a que traz consigo um saber que sabemos de onde vêm - as histórias tradicionais populares ou contadas às crianças - e que lhe chega, à personagem e ao/à leitor/a que estabelecem de imediato uma relação de identificação, de forma tão atávica como o medo de que não sabemos a origem: “Nas histórias que a mãe contava, antes de a menina fingir adormecer, era de baixo da cama ou do interior do armário que vinham os sons esquisitos” (Fonseca, 2019, p. 1). E o texto verbal da primeira página, em que a ilustração ocupa três quartos de toda ela, fecha como uma legenda: “Mas ali, no seu quarto novo, era da gaveta” (Fonseca, 2019, p. 1).

Virada a página, temos os parágrafos que constituem a mancha de texto verbal mais longa e densa do livro, parágrafos que contextualizam o leitor quanto às circunstâncias que mantêm a personagem sem nome: uma menina com um medo que controla como uma heroína. Parágrafos graficamente difíceis de quantificar afirmam factos de forma direta e inequívoca, comentados com imagens retóricas poéticas, que funcionam como curiosas manipulações que adivinham possíveis sentimentos como reação dos leitores. A intenção criativa do efeito do texto para quem o lê empurra o que parece não causar dúvidas quanto a uma realidade que, ainda assim e de forma aparentemente natural, permite e deseja reações tão diferentes quanto próximas: o terror e o humor, ligados pelas possibilidades polissémicas, porque poéticas, das palavras. E começa assim o texto desta página:

A maior parte dos brinquedos ainda estava encaixotada.

Fora, só os preferidos, que ela soltou assim que se sentiu presa dentro da casa nova. Uma escova cor-de-rosa que tocava música quando ela se penteava, uma Barbie Mergulhadora sem um braço, e um espelho partido do qual só sobrara o plástico, mas onde a menina fingia ver ainda um reflexo, como fingia adormecer todas as noites. Não conseguia dormir sabendo que os sons da gaveta iam acordá-la. Iam fazê-la abrir a gaveta e ver um daqueles bichos esquisitos, sempre diferentes, o de ontem menos esquisito do que os de hoje, e por aí fora, até à esquisitice final que seria uma noite destas (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 2).

O ambiente é o que um leitor normalmente reconhece dos filmes de terror, como a música que, na escuridão ou penumbra, sai de objetos de forma inusual, seja porque não produzem normalmente música, como as escovas, ou porque, como quando há caixas de música ou aparelhos audiovisuais, se ligam sozinhos. A personagem é a de alguém capaz de ver o que não existe, não por ilusão própria, mas como forma de reconhecer que a sua realidade não é a realidade socialmente, e até psicologicamente, aceite: fingir não é o mesmo que imaginar, o que parece ser uma importante condição para ancorar o facto literário numa realidade que não desaparece por artes da escrita.

Mas o texto desta página introdutória continua dando-nos a conhecer a relação entre a personagem infantil e a mãe. A mãe é figura que parece começar por fazer o que é socialmente aceite e atribuído a essa relação, em ambas as direções, filha-mãe-filha: histórias contadas antes de ir dormir que se encontram em textos validados pela sua publicação por escrito, escolhidos pela destinatária. Os avisos que dividem responsabilidades nos efeitos dessa leitura partilhada, mais do que revelar a proximidade e intimidade exemplar dessa relação, talvez possam ser dissonantes do que, legalmente até, se chama “responsabilidade parental”. Esta é condição que regula a dura tarefa de fazer crescer e que não está protegida, inevitavelmente, das relações que quem cresce estabelece com o resto do mundo. E o texto continua assim:

A mãe avisava-a sempre, tens a certeza que é esta a história que queres que a mãe leia?, olha que isto mete medo, depois não consegues dormir, e quem é que te atura? Tu, mãe, respondia-lhe a menina, só lá estavam as duas na casa nova, as duas há doze noites, doze bichos esquisitos. Era a décima-terceira noite, e ela lembrava-se de qualquer coisa má acerca do número 13 numa das histórias que a mãe lhe lera antes de fingir adormecer. O bicho de hoje seria terrível.

Nunca conseguiu explicar à mãe que não tinha com que se preocupar: por mais assustadora que fosse a história lida, era a voz da mãe que a contava, a mesma voz que lhe dizia boa-noite antes do beijo na bochecha, que quase a fazia adormecer tal era a paz com que a enchia, antes de voltar a lembrar-se da gaveta e dos ruídos esquisitos que iam ouvir-se não tardava mesmo nada (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 2).

E segue-se, ao longo do miolo do livro, entre as páginas 3 e 17, texto verbal intercalado, ou até mesmo interrompido, pelo texto icónico, não deixando dúvidas quanto à possibilidade da existência dos animais-mutantes que poderiam parecer viver apenas na imaginação da personagem principal. Criaturas que, entre outros que dependem de histórias de vidas e de culturas, povoam quer o universo de terror (aranha, morcego, corvo), quer o infantil (cão, gato e rato, por exemplo), parecem saídas não de uma gaveta, mas de um laboratório de experiências genéticas. A suspensão da descrença é assegurada pela presença, nesta galeria de monstros, do ratinho com orelha humana crescida no seu corpo, experiência documentada, divulgada de forma acessível a muitos espectadores de televisão ou frequentadores de outros ecrãs. Por mais bizarros que surjam, na imagem ilustrada ou na imaginação do leitor, o texto confere-lhes a verosimilhança necessária colocando no domínio da Ciência o efeito aterrorizador das aberrações. E fá-lo com o tom humorístico irónico que trata as “coisas sérias” como se fossem menores:

Na quarta noite, era o rato que o morcego não fôra. Todo branco, ar fofinho, e a menina até esteve para largar a Barbie Mergulhadora mutilada e pegar nele ao colo. Reparou então na orelha que o rato tinha nas costas. No dia seguinte, encontrou uma fotografia dele na internet - um rato famoso dentro da sua gaveta. A menina gritou-lhe ao ouvido a pedir um autógrafo, mas depois calou-se para não acordar a mãe. Sabia que a mãe tinha medo de ratos (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 6-7).

Repare-se na situação do cómico de linguagem com o uso da expressão “gritar ao ouvido” de um rato com uma orelha humana às costas, com o cómico de situação que representa a fama mediática de um rato tomado por toda a “classe” de ratos de laboratório, a resultarem na mimetização, significativa e séria, de um comportamento maternal da menina em relação à adulta, sua mãe.

Se o tempo da narrativa corresponde a uma analepse na linha do tempo do discurso - estamos no início da décima terceira noite e são-nos relatadas as doze noites anteriores -, esse efeito não descansa o leitor quanto ao possível desenlace, pois trata-se apenas do início de uma noite anunciada como final. Quanto ao espaço em que o conto se desenrola - velho apesar de acabado de abrigar estas duas personagens e os seus medos, vazio apesar das visitas que saem da gaveta, silencioso a permitir que se oiça até uma abelha a zumbir dentro dessa mesma gaveta -, coincide com a impressão com que ficamos da casa, previsivelmente pobre se tomarmos em conta o que o texto diz, na última página, a terminar o conto. Um parágrafo que volta a colocar os medos não na imaginação da personagem infantil, mas precisamente na casa assombrada por inquilinos herdados que, inesperadamente, parecem ser o resultado das experiências da ciência, esse lugar onde colocamos precisamente não os fantasmas do passado, mas as esperanças do futuro. Termina, assim o conto:

É bom que esta noite o bicho resulte, de outra maneira terão de abandonar a casa nova. É o que está combinado. O preço das casas está pela hora da morte. Dedos cruzados. Vai correr bem. O bicho de hoje é terrível. A menina vai gritar e pagar em medo aos velhos donos da casa (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 19).

Se o final permanece aberto, o início do fim, no que parece vir a ser a última noite e se tudo correr como nas histórias e na sua tradição, revela a figura materna como o mal que se diluiu ao longo das doze noites: o terror do género ficcional assim qualificado confirmar-se-á. Mas a revelação permite, simultaneamente, uma abertura para a incerteza do fim, também no plano textual: a voz do narrador parece distanciar-se da voz da personagem infantil para ouvir a voz da mãe. Afinal, parece que nem o narrador, como o leitor, sabem o que irá acontecer. O texto retoma, no princípio do fim, as palavras das duas páginas iniciais:

É a décima terceira noite e a menina lembra-se de qualquer coisa má acerca do número 13 numa das histórias que a mãe lhe leu antes de fingir adormecer. O bicho de hoje será terrível. Dentro da gaveta.

A menina vai abri-la (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 18-19).

E recai o foco sobre o que faz a mãe, imagem definitivamente cinematográfica que mexe na categoria do espaço para tornar simultâneo o tempo da ação de tormento da criança, a que fomos assistindo ao longo da história. O macabro confirma o terror, deixando de fora a tragédia pela inverosimilhança, mas sobretudo pela resistência salvadora do humor ácido. Desvenda-se isto mesmo, assim no texto:

Duas salas ao lado, a mãe aguarda sentada, com os dentes arranca crostas dos dedos furados por agulhas. Está a ficar sem ideias. Mais grave ainda, está a ficar sem cadáveres, sem moribundos de quem cortar pedaços para coser nas criaturas. De bicharada estão cave, sótão e jardim cheios, a casa é nova mas já muita coisa por cá vivia antes da mãe e da menina chegarem. O que falta é material humano, e com tanta trabalheira nas mudanças a mãe tinha lá tempo de sair à rua para matar. Canseira (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 19).

Naturalmente, como manda o género deste subsistema literário que é o do terror, não saberemos que bicho-aberração sairá da gaveta no quarto da menina, alimentando o medo que alimenta a relação entre filha e mãe através de histórias que, aparentemente, se tornam realidade. A nós, leitores, a aberração de que até também temos exemplos na internet já se revelou. Faltará, talvez, o exercício de imaginação dos leitores, para descobrir que possível história corresponderá a cada uma das combinações monstruosas, aparentes musas inspiradoras da mãe que, amorosamente, embala a filha que ouve e finge, amorosamente, serem perfeitas para adormecer.

Como o terror e o humor se cruzam nas palavras, o amor e o medo cruzam-se nas histórias de vidas trazidas para dentro dos livros. Neste exercício, depois de olharmos brevemente a seguir para os textos visual e gráfico, ficar-nos-emos pela história da décima segunda noite, a que pode resultar numa combinação diferente da das outras bizarrias: a história da estrela-do-mar que vive com um coração humano lá dentro e que terá alguma coisa a ver com o coração enxertado de estrela-do-mar que sai do fundo da gaveta.

2 Carimbar imaginação em imagens e palavras

Tendo sido o aspeto material que nos levou a este exercício de leitura de um conto, como se o resultado fosse uma “folha-de-sala” de um corpo humano tatuado, importa olharmos para essas características que, como sabemos de antemão, surgiram também de leituras do texto verbal. Não importa, até porque não o conseguiríamos provar, afirmar intenções coincidentes entre autores do conto, das ilustrações e da paginação, o que Luís Favas assume como da sua autoria na especificidade das artes gráficas escolhidas. O resultado quase artesanal e, como referia João Paulo Cotrim, numa “edição de mil cuidados” (Cotrim, 2019COTRIM, João Paulo. O alvo que lhe deu o ser. Hoje Macau, Macau, 18 de dezembro de 2019. Disponível em: https://hojemacau.com.mo/2019/12/18/o-alvo-que-lhe-deu-o-ser/. Acesso em: 15 mar. 2023.
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), permite perceber uma intencionalidade que parece, ao mesmo tempo, metarreferencial.

Numa composição quase em mise-en-abîme, o corpo do livro enxerta no texto verbal o texto visual, as imagens e a técnica com que se imprimem no papel, com que se ajeitam (a)os carateres tipográficos. Sabemos, e nota-se, que houve recurso à técnica de carimbos para as ilustrações e pode dar-se o caso de a risografia ter sido a opção técnica de impressão gráfica usada. Esta técnica de impressão usa o tipo de papel rugoso e absorvente desta publicação e os resultados deixam um aspeto artesanal, que também aqui é evidente. Uma técnica de duplicação (e multiplicação) que aparenta o único pela imperfeição, o que não poderia tornar mais semioticamente consonante forma e conteúdo.

No miolo do livro, cujas dimensões são de 14x20 cm vertical, seis folhas cosidas à mão, em vez de agrafadas na dobra, resultam na capa, contracapa e 20 páginas. O texto tem o lugar certo de um livro-álbum, ou seja, não há linhas órfãs ou viúvas deixadas ao acaso das dimensões de espaçamento. Olharemos mais atentamente para três casos, escolhidos porque, para além de interferirem ou decorrerem do texto literário, se relacionam com elementos peritextuais e epitextuais.

Assim, na página 3 (Figura 3), o texto alinha-se em dois hemistíquios divididos pela aranha-enxertada-de-dedo, obrigando-nos a conviver com a repugnante criatura e a reparar nos detalhes da unha do dedo que a compõem. O texto verbal explica-nos o texto visual que, por sua vez, resulta da primeira leitura privilegiada do texto verbal pela ilustradora. Uma circularidade que nos demora na página, com evidentes efeitos reativos para além dos reflexivos. Como afirmamos e relembramos, esta articulação entre textos verbal e icónico, tão relacionados e, ao mesmo tempo, parecendo assíncronos na sua criação, foi também o que nos chamou a atenção para a solução da tatuagem que conta uma história que se relê com alterações e se vê constrangida ao espaço do corpo e à permanência das tintas indeléveis. O que se acrescenta, e/ou modifica, permanece legível e com intencionalidade semântica.

Figura 4
Fotografia da página 15

Na página 15 (Figura 4), a décima-primeira criatura, um cão da raça pinscher que apenas revela a sua deformidade quando se engasga ao ladrar, mostrando encravada na mandíbula um crânio humano, quase faz gritar a menina. Não tendo ainda, quase no final do conto, uma previsível noção de escala, porque não sabemos as dimensões daquela gaveta, ou porque quando aparece uma segunda tarântula constipada a menina lhe assoa o nariz enxertado, ou o gato-cão tem uma mão de homem a agarrá-lo, ficamos confusos quanto à real dimensão dos bichos. Mas aquele pinscher parecia poder engolir uma menina. Esta ilustração torna-se também uma referência à autoria do texto icónico, já que as ilustrações, como se indica na contracapa deste livro de autor(es), são de death_by_pinscher, nome que Ana Roque, a ilustradora, escolhe como assinatura.

Finalmente, a ilustração do que parece ser uma mesa-de-cabeceira com a gaveta onde se escondem os bichos mutantes, que surge na sétima noite (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 11), torna-se ilustração e logotipo da chancela: Edições Fundo-da-Gaveta. Como afirma Luís Favas, responsável pela paginação que, como vimos, faz toda a diferença na manipulação, no olhar e na leitura do objeto-livro: “Fiz o layout fazendo/quebrando uma grelha e encontrando um equilíbrio entre o texto, a ilustração e o espaço em branco”3 3 Tradução nossa. No original, em inglês: “I did the layout by making/breaking a grid and finding a balance between the text, illustration and white space”. Para ver perfil de Luís Favas na rede social Instagram, acesse https://www.instagram.com/p/Bkm3AHGgB-j/. .

Uma vez chegados à contracapa, confirmamos pela ausência de ISBN que este artesanal livro é um livro de artista. O livro não está à venda, talvez venha a ter uma edição registada com outras características que lhe permitam chegar a mais leitores. Esperemos que, mesmo alterando algumas características materiais, a relação entre literatura, ilustração e design gráfico não perca sentido, nem alivie a intensidade que faz da leitura de um corpo impresso com uma determinada intenção estética (entre outras intenções e perspetivas que já aqui estão vincadas), uma oportunidade de comunicação entre várias instâncias e planos, do mais público ao mais íntimo. O que se poderá fazer quer pela leitura de quem cria, como a de quem recebe, ativando o que é o alfa e o ómega do superpoder humano que importa desenvolver: a imaginação.

Com a imaginação no lugar da criatividade de quem dá e no diálogo com quem recebe, os patrimónios dos dois extremos do percurso de um objeto estético vivo acrescentam-se, a memória é posta em funcionamento para encontrar pontos de convergência, de confronto e de aprendizagem, e nela guarda-se o que está lido, apreendido, contestado, para criar património a acrescentar. É nesta teia de relações, nesta sobreposição de saberes-fazer e competências comunicativas que facilitam a compreensão e abrem espaço à argumentação, que vamos chegando à ilustração da capa, e do bicho da décima-segunda noite (Figura 1).

Fomos lidando com o medo da personagem da menina perante os monstruosos animais nos quais se enxertaram, à vez, partes de corpos humanos. A ilustração que nos mostra o que, diz o texto, foi o pior dos monstros, não engana o leitor que entrou no ritmo das noites de insónia da menina. Leitor atento que se vai aperfeiçoando ao adentrar no mundo engolidor do terror. O título do livro joga precisamente com esse equívoco, como um par de versos em linguagens diferentes (verbal e icónica) que formam um oxímoro ou, no mínimo, uma contradição. O que vemos, na capa, não é um coração com uma estrela-do-mar dentro; quando muito é um coração com uma estrela-do-mar em cima. Precisamos de chegar à penúltima noite sobrevivida para, talvez, encontrarmos o sentido, para entender o equívoco e/ou desambiguar o seu sentido:

O número doze foi o pior. A menina pensa: um ontem com tantos medos quer-se há uma vida de distância. E parece mesmo distante, pelo menos agora, enquanto a mãe lhe lê uma história horrível com a sua voz tranquilizadora. Ontem o bicho número doze foi uma estrela-do-mar dentro de um coração. Ambos pulsavam, ou talvez apenas um deles, a menina não sabia qual. Passou a noite toda a olhar para o coração-estrela, até ele parar de bater. Depois fechou a gaveta e esperou pela entrada da mãe no quarto, persianas abertas, esquecer aquilo tudo. Tanto quanto possível. Até à próxima noite. Esta (Fonseca, 2019FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019., p. 16).

Abre-se espaço e oportunidade para leituras pessoais, simbólicas, místicas, da psicanálise ou da mitocrítica, as que encaixam nas estruturas antropológicas do imaginário, nos comportamentos inconscientes, nas hereditárias e/ou atávicas reações: são as formas de arte que contam as histórias que a ciência não explica de outra forma, com outras provas, factos, amostras. No entanto, é no pensamento da menina, nas vinte sílabas cheias de poesia dentro, que talvez tenhamos a chave para perceber o suspense, o horror, o vazio da persistência neles, o inexplicável: “um ontem com tantos medos, quer-se há uma vida de distância”.

Nos versos, assumamos chamar-lhes assim, o tempo contado nas formulações escolhidas eufemiza a morte e a repetição de um ciclo de heranças, de patrimónios dispensáveis. O coração e a estrela-do-mar, o centro convencional dos sentimentos e o animal que se regenera apesar de todas as amputações, juntos a bater, imprimem-se na página do livro como num corpo que traz à pele a história que deseja, ou conta, e se passa dentro de si. O desenho a surgir como um complexo e visceral sistema desfibrilhador em que se coloca a esperança da sobrevivência e da cura, da regeneração. Um coração que, como a estrela-do-mar que lhe foi enxertada, anseia a cura e levanta mais perguntas do que respostas: o coração da menina ou da mãe? Ou dos sacrificados? Quando escrevemos a tinta e sangue na pele esses “enxertos” no corpo humano, ao tatuá-los acrescentaríamos, já interpretando, o que contamos de nós? Ou exorcizamos? Ou são só imagens de que gostamos e queremos guardar connosco, na nossa memória e, por isso, com significados próprios? Ou partilhados e com quem?

Quando um objeto livro nos dá a ler tantos espaços entre o que diz, textual ou visualmente, permite-nos uma explosão, e voltamos ao blast over, de propostas que lhe deem em cada leitura outro ou o mesmo sentido, o que se move ou permanece consoante o contexto dessas leituras, com a certeza dos textos que ali permanecem disponíveis. E, quando coerente, mas sem sentido obrigatório, atribuindo um pretexto ao tempo da sua criação a que habitualmente chamamos a intenção do autor. São estas possibilidades de leituras plurais que, na nossa opinião, constituem o caminho que leva o leitor jovem ao objeto estético com o qual as afinidades podem ser também só uma questão de escolha das possibilidades de leituras oferecidas. Sem recados explícitos, sem perguntas retóricas com finalidades apenas didáticas.

3 A cena da tatuagem: inscrição, escrita artística e blast over

Num texto já com dez anos, resultado de investigação e estudo empírico, Vítor Ferreira conclui que, na história dos tatuadores em Portugal, não muito diferente do que acontece no mundo ocidental de referência,

insatisfeitos com as limitações expressivas das tradicionais artes institucionalizadas, a tatuagem também alicia estes jovens enquanto forma de arte gráfica original e pouco explorada, disponível a caminhos mais iconoclastas de um ponto de vista estético (Ferreira, 2010, p. 56).

Julgamos que estas inferências não se alteraram muito, para além do natural aumento da faixa etária dos tatuadores (tattooists) e alastrar dos corpos tatuados (tattooees). O que nos pareceu importante foi tomarmos como ponto assente que a tatuagem é uma prática que cria objetos e segue processos que, para além de fenómenos circunstanciados, tem um lugar na sociedade que, cruzando o campo da estética, não escapa ao domínio do civilizacional da vida social em progresso:

Encontrar um tatuador que esteja disposto a ensinar e a trabalhar com um aprendiz pode ser crucial para que alguém se estabeleça no mercado, e as mulheres são muitas vezes desencorajadas a frequentar essa aprendizagem (...) As aspirações de um tatuador tendem a seguir numa de duas categorias (ou ambas): ser dono de uma loja rentável e o reconhecimento como artista (Fischer, 2002FISHER, J. Tattooing the Body, Marking Culture. Body and Society, v. 8, n. 4, p. 91-107, 2002., p. 97-98)4 4 Tradução nossa. No original, em inglês: “Finding a tattooist who is willing to teach and work with an apprentice can be crucial to establishing oneself in the trade, and women are often discouraged from serving an apprenticeship. (…) Tattooists’ aspirations tend to fall into one (or both) of two categories: owner of a profitable shop and recognition as an artist.” .

A cena da tatuagem, expressão que é usada pelos seus estudiosos nesta zona cruzada pela sociologia e pela arte, vai para além dos domínios do ritual ou do marginal, da religião ou das sociedades, onde permaneceu para além de avaliações estéticas durante séculos. Essa abordagem que recentra a observação do fenómeno nas questões estéticas é, pois, muito recente, embora as leituras feitas da expressão artística, também no próprio ato criativo, não descartem vestígios de evocações espirituais e motivos que misturam a intimidade pessoal e a cumplicidade relacional entre indivíduos. Vejamos o que nos confirma Fischer (2002FISHER, J. Tattooing the Body, Marking Culture. Body and Society, v. 8, n. 4, p. 91-107, 2002., p. 100-101) sobre esta cena aparentemente tão longe dos estudos literários:

Quer Blanchard (1994), quer Sanders (1989) identificam quatro funções cumulativas da tatuagem. A primeira é a função da tatuagem como ritual. Numa cultura em que há poucos rituais ou ritos de passagem fora da religião, a tatuagem pode servir (como serviu nos povos indígenas que usavam a tatuagem) como uma marca física de um acontecimento da vida. Estes acontecimentos são interpretados como significativos para quem está tatuado, se não pela própria sociedade, e podem variar desde uma vitória de um evento desportivo ou uma competição, até à conclusão de um divórcio ou à remissão de um cancro (tornando-se um “sobrevivente”). A tatuagem também funciona como um identificador. Inscrevendo símbolos convencionados no corpo, o/a tatuado/a identifica-se como parte de um determinado grupo. Os grupos podem ser mais gerais, como “Americano”, ou mais específicos, como uma família ou o nome de um/a companheiro/a. A terceira função é a de proteção.

A tatuagem pode ser um símbolo ou um talismã para proteger quem a tem contra uma ameaça geral ou específica. Sanders (1989) realça uma entrevista com um homem que tinha uma tatuagem de uma abelha, muito feroz e zangada, num braço. O homem disse a Sanders que era alérgico a abelhas e que já tinha sido tantas vezes picado que o seu médico receava que a picada seguinte fosse fatal. Decidindo que precisava de proteção contra abelhas, o homem decidiu arranjar uma abelha tatuagem/talismã que assustasse e afastasse as abelhas de si para sempre. Finalmente, a quarta função das tatuagens é a decorativa. Independentemente da sua função psicossocial para o indivíduo, as tatuagens são imagens (até as palavras se tornam imagens como/enquanto tatuagens). Ao modificar o corpo com tatuagens, o indivíduo escolheu acrescentar uma decoração permanente ao seu corpo5 5 Tradução nossa. No original, em inglês: “Both Blanchard (1994) and Sanders (1989) identify four primary overlapping functions of the tattoo. First, the tattoo functions as ritual. In a culture in which there are few rituals or rites of passage outside religion, the tattoo can serve (as it did for indigenous people who practiced tattooing) as a physical mark of a life event. These life events are interpreted as significant by the bearer, if not by society, and can vary from the winning of a sporting event or competition to the completion of a divorce to the remission of cancer (becoming a ‘cancer survivor’). The tattoo also functions as identification. By inscribing established symbols on the body, the tattooee is identifying him/herself as part of a given group. Groups can be as broad as ‘American’ to the very specific, such as a family or partner’s name. A third function of tattooing is protective. The tattoo can be a symbol or talisman to protect its bearer from general or specific harm. Sanders (1989) relates an interview with a man who had a tattoo of a fierce and angry bee inscribed on his arm. The man told Sanders that he was allergic to bees and had been stung so much that his physician feared the next sting might prove fatal. Having decided he needed protection against bees, the man decided to get a bee tattoo/talisman to frighten the bees from stinging him again. Finally, the fourth function of tattoos is decorative. Regardless of their particular psychosocial function for the individual, tattoos are images (even words become images as/within tattoos). By modifying the body with tattoos, the individual has chosen to add permanent decoration to his/her body.” .

Por outro lado, toda a inscrição - monumento ou documento - é uma marca e um marco que assinalam momentos ou períodos, que não escapam ao tempo, e cujos traços ou vestígios revelam uma luta em defesa da memória contra o esquecimento. Simultaneamente, a cada vez maior disponibilidade de acesso aos factos passados também criou a necessidade de abrir um parêntesis, ou exceção, a esta perdurabilidade do tempo passado, com o que se chama o direito ao esquecimento. “Para sempre” tornou-se uma forma adverbial de semântica pesada nos atuais tempos da velocidade e da voragem dos suportes, em que se fazem suceder informação e contrainformação, facto e opinião, novidade após novidade. E, por isso, a inscrição na pele parece assumir uma forma de resistência contemporânea, não clandestina e confundindo-se até com uma forma de estar a par de tendências do mundo da moda. Nesta confusão que, normalmente, desagrada a quem vê convicções serem confundidas com distrações, existe até uma solução que dá a opção de haver em alternativa às verdadeiras tatuagens, as temporárias, uma espécie de contrafação de produto, ou processo, que se deseja preservar na sua identidade original ou fundamental.

O corpo humano, na cena da tatuagem, transforma-se em tela, estuque ou folha de papel onde se imprime, a tinta, com um prazo de validade que é o do tempo de vida do tatuado, uma representação intencional que comunica algo com quem se torna suporte dessa representação. Mas comunica também com quem lê esse corpo, no detalhe ou no todo. Expressão e comunicação marcam a cena da tatuagem, como a de qualquer outra arte, quando o estético é também intencional, ou como testemunho, como o de qualquer monumento ou documento que guarda para o futuro, ou para o ausente, um momento ou uma história. E estas inscrições relativizam-se com o tempo, ganhando ou perdendo importância: culturalmente dinâmicas, como objetos que correspondem a gestos sociais ritualísticos, interrompíveis ou descontinuados no mercado de sucessos validados por grupos, ou porque as histórias, das vidas também, têm os seus twists e o direito ao esquecimento.

Se pensarmos na técnica do palimpsesto, por exemplo, enquanto materialização de uma intenção de trocar o menos pelo mais importante, seja por que motivo for até mesmo o financeiro (pensemos na indisponibilidade, do mercado ou do bolso, do material para pergaminho), perceberemos que a pele de uma pessoa que encomenda um trabalho artístico a um tattooist não escapa a esse tipo de escolhas. Escolhas que, para além da motivação financeira, podem resultar de arrependimentos, se nos ativermos ao sentimental, ou no encaixe de uma nova camada de comunicação dessa expressão de emoções com a ponderação do aspeto estético desse “acrescento” intencional que, para além de ser isso mesmo, acaba por resultar em reescrita. E, como tal, se presta a uma outra leitura que corrige, mas não apaga, a leitura proposta anteriormente. É o que acontece com o blast over na cena da tatuagem.

Quando certos momentos da vida, tal como certos episódios de uma narrativa, marcam como se se estivesse a ler com o corpo, reagindo-lhes com terror, ou amor, ou humor, o registo parece merecer tornar-se obrigatório - tal como a pergunta que o tenta compreender mais naturalmente surge - e parece ser esse motivo suficiente para o escrever na pele. Talvez deixando, inclusivamente, espaço para o blast over, ou seja, para que outros momentos, ou episódios, possam vir a ser também esses desenhos escritos a que, quando feitos na pele, se chamam tatuagens. Como um leitor compulsivo e atento não consegue deixar de ler, mas consegue escolher o que merece ficar na sua memória, o vício de tatuar o corpo parece prosseguir um comportamento semelhante.

Conclusão

E com este assunto básico da fixação da memória em livro ou na pele, comecemos o desenlace deste artigo precisamente pelo que acaba de aparecer de novo no Mundo, fruto da intervenção do ser humano e com impactos quer individuais, quer sociais. Ao introduzirmos agora o assunto da inteligência artificial (IA), que anunciámos no início, também o fazemos tendo em conta os conselhos de Werner Wolf (2005WOLF, W. Intermediality. In: HERMAN, David; JAHU, Manfred; RYAN, Marie-Laure (eds.). Routledge Encyclopedia of Narrative Theory. New York: Routledge, 2005., p. 252), ao afirmar:

embora o termo “intermedialidade” originário do meio da literatura e se use principalmente na relação com a literatura, já ultrapassou os limites do campo literário. É também por isso que, no discurso, os objetos que estão ligados ou se caracterizam pela intermedialidade devem designar-se “complexos ou entidades semióticas”, uma designação que inclui não apenas géneros e grupos de textos mas também artefactos, performances, instalações, e outros6 6 Tradução nossa. No original, em inglês: “although the term ‘intermediality’ originated in a literature-centred milieu and is still used mostly in relation to literature, it has far transcended the boundaries of the literary field. This is also why, strictly speaking, the objects that are linked or characterized by intermediality should be called ‘semiotic complexes or entities’, a designation that includes not only various genres and groups of texts but also artefacts, performances, installations, and so on.” .

O surgimento de uma ferramenta tecnológica, para além do que acontece nas Humanidade Digitais, que facilitam o trabalho filológico e o acesso às obras, tem, com a IA, intervenção na criação que emula obras de arte, um terreno a desbravar. Mas terá, sobretudo, um impacto que consideramos significativo e preocupante nas propostas de leitura de textos literários sobre os quais a IA parece oferecer apenas respostas como se se tratasse de leituras oficiais. E já não contando com os erros que nem as HD conseguem debelar. Não estamos ainda em condições de apresentar estudos sobre esses impactos, mas não queremos colocar-nos de fora deste assunto, trazendo para a discussão o contributo da leitura literária e, eventualmente, fazer repensar o rumo dos estudos literários, aprofundando mais um tipo de abordagem aos corpora do que outros.

Nascido em 2022, e tendendo a tornar-se viral a partir deste 2023 nos escaparates frequentados por internautas, o programa de IA disponível na aplicação de plataformas digitais é conhecido por ChatGPT ou AIChatbot. Trata-se de uma ferramenta informática que coloca a pessoa a interagir, em diálogo escrito ou com voz, num número considerável de idiomas disponibilizados, com um bot - diminutivo de robô em inglês - dotado da dita inteligência. Esta é a que usa toda a informação de que dispõe, introduzida por mão humana, para a conjugar no contexto das perguntas colocadas. As palavras da pergunta funcionam como palavras-chave que, detetadas na sua conjugação e formulação, permitem ao bot compilar o que pareça mais acertado, expresso de forma muitíssimo concisa, quase como uma entrada de dicionário, não tão extensa como a de uma enciclopédia. Não há lugar a impressões, nem epidérmicas, nem viscerais, embora, se fosse um instrumento perfeito, pudesse compilar apenas o que é factual e histórico, guardado numa memória invejável. Ora, como sabemos e já desenvolvemos, a leitura literária faz-se com mais do que esta possível - repetimos, se fosse um instrumento perfeito - demonstração de erudição.

Mas com o uso da IA também confirmamos o que já sabíamos a propósito da leitura crítica e literária: mesmo para aceder à informação, o importante é saber fazer as perguntas certas. Mais: se ter acesso facilitado à informação mais precisa e completa equivale a termos uma memória invejável, é o que fazemos com essa informação, é o uso que damos à memória usando a criatividade para além do plano estético replicável, ou seja, um uso condicionado ao concreto da vida e da história, que o criador conta e o leitor recebe com maior ou menor imaginação, que nos distingue do bot.

E o tempo que ganhamos a receber a informação é o tempo que podemos usar, de preferência com prazer, para conversarmos e opinarmos sobre essa informação. O belo, de tão discutível, é um ótimo ponto de partida para esse tempo ganho com a tecnologia. Como o é também a ideologia, de tão criadora tanto de afinidades como de conflitos: de gerações, de culturas. E as tatuagens, como o que é difícil de aceitar ou compreender, são sempre motivos para uma boa conversa. Como a conversa que resulte da leitura de um livro ou de um corpo escrito e ilustrado, ou seja, de uma obra de arte:

Alguns tatuadores lutam por um conceito de arte mútua (Sanders, 1989). Esta pode ser caracterizada como um processo no qual tatuador/a e cliente projetam uma tatuagem baseada quer na personalidade individual do/a cliente, quer no corpo do/a cliente, usando os contornos naturais do corpo para fazer uma tatuagem mais bonita. Este processo está muitas vezes condicionado pelas disponibilidades em relação ao custo que o/a cliente está disposto/a a pagar e da vontade de saber, exatamente, qual será o resultado acabado no final.

Estão clientes assim à procura de arte? Como é que escolhem não apenas uma tatuagem, mas também um/a tatuador/a? Como é que vislumbram a tinta no seu corpo? (Fischer, 2002FISHER, J. Tattooing the Body, Marking Culture. Body and Society, v. 8, n. 4, p. 91-107, 2002., p. 99)7 7 Tradução nossa. No original, em inglês: “Some tattooists have a concept of mutual artistry for which they often strive (Sanders, 1989). This can best be characterized as a process in which the tattooist and client design a tattoo based on the individual personality of the client and based on the client’s body, using the natural contours of the body to make a more beautiful tattoo. This process is often restricted by the client’s cost considerations and his/her desire to know exactly how the finished product will look in the end.” “Are these clients seeking art? How do they choose not only a tattoo, but also a tattooist? What are the ways in which they envision the ink on their body?” .

Quando os leitores encerram a leitura de Coração com estrela-do-mar dentro, obrigam-se a revisitar o início, a preencher as sinapses e encontrar os missing links que o suspense, ou o efeito a que chamamos literatura, criaram. O exercício que propusemos sobre este conto ilustrado e publicado, lendo-o como se se tratasse de uma tatuagem feita e explicada num corpo humano é tanto só mais um exemplo da importância e riqueza de leituras multimodais de objetos que convocam, cruzam e realçam diálogos entre linguagens diferentes mas afins, como uma sugestão para quem, não esquecendo potenciais leitores/espectadores de obras de arte, não esqueça sobretudo a qualidade na especificidade (textos, pretextos, contextos) dessas obras. É o que consideramos uma boa, se não a única, via para a formação de leitores mais críticos e, como tal, exigentes. Da crítica e da exigência nasce, partilhada entre autores e leitores, a qualidade da arte.

REFERÊNCIAS

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  • CLUVER, Claus. Inter textus / Inter Artes / Inter Media. Revista Aletria. Belo Horizonte, n. 14, p. 11-41, Julho 2006. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/aletria/article/view/18066/14856 Acesso em: 15 mar. 2023.
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  • COTRIM, João Paulo. O alvo que lhe deu o ser. Hoje Macau, Macau, 18 de dezembro de 2019. Disponível em: https://hojemacau.com.mo/2019/12/18/o-alvo-que-lhe-deu-o-ser/. Acesso em: 15 mar. 2023.
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  • FISHER, J. Tattooing the Body, Marking Culture. Body and Society, v. 8, n. 4, p. 91-107, 2002.
  • FONSECA, Filipe Homem. Coração com estrela-do-mar dentro. Lisboa: Edições Fundo-da-Gaveta, 2019.
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  • MASCIA-LEE, F. E. Bodies of Inscription: A Cultural History of the Modern Tattoo Community by Margo DeMello. American Journal of Sociology. Chicago, vol.106-3, p. 700-701, 2000.
  • PEREIRA, Cláudia Sousa. Corpo, espaço com tempo: as dores de crescimento em Supergigante de Ana Pessoa e Bernardo P. Carvalho. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em Literatura e Crítica Literária da PUC-SP. São Paulo, n. 26, p. 116-130, 2021. Disponível em: http://dx.doi.org/10.23925/1983-4373.2021i26p116-131 Acesso em: 28 dez. 2023.
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  • SANDERS, Clinton R.; VAIL, D. Angus. Customizing the Body: The Art and Culture of Tattooing. Philadelphia: Temple University Press, 2009.
  • WOLF, W. Intermediality. In: HERMAN, David; JAHU, Manfred; RYAN, Marie-Laure (eds.). Routledge Encyclopedia of Narrative Theory. New York: Routledge, 2005.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    Tradução nossa. No original, em inglês: “intermediality is at least as much as a ‘reading’ effect as a fact of the phenomena under consideration”.
  • 2
    Tradução nossa. No original, em inglês: “DeMello chronicles the process by which this transformation of meaning has taken place, paying particular attention to how the contours of an American tattoo community have been redrawn in the process. To explain these transformations, DeMello draws on familiar ideas: Bakhtin's grotesque body, Bourdieu's class body, Hobsbawm's invented tradition, and Anderson's imagined community”.
  • 3
    Tradução nossa. No original, em inglês: “I did the layout by making/breaking a grid and finding a balance between the text, illustration and white space”. Para ver perfil de Luís Favas na rede social Instagram, acesse https://www.instagram.com/p/Bkm3AHGgB-j/.
  • 4
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Finding a tattooist who is willing to teach and work with an apprentice can be crucial to establishing oneself in the trade, and women are often discouraged from serving an apprenticeship. (…) Tattooists’ aspirations tend to fall into one (or both) of two categories: owner of a profitable shop and recognition as an artist.”
  • 5
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Both Blanchard (1994) and Sanders (1989) identify four primary overlapping functions of the tattoo. First, the tattoo functions as ritual. In a culture in which there are few rituals or rites of passage outside religion, the tattoo can serve (as it did for indigenous people who practiced tattooing) as a physical mark of a life event. These life events are interpreted as significant by the bearer, if not by society, and can vary from the winning of a sporting event or competition to the completion of a divorce to the remission of cancer (becoming a ‘cancer survivor’). The tattoo also functions as identification. By inscribing established symbols on the body, the tattooee is identifying him/herself as part of a given group. Groups can be as broad as ‘American’ to the very specific, such as a family or partner’s name. A third function of tattooing is protective. The tattoo can be a symbol or talisman to protect its bearer from general or specific harm. Sanders (1989) relates an interview with a man who had a tattoo of a fierce and angry bee inscribed on his arm. The man told Sanders that he was allergic to bees and had been stung so much that his physician feared the next sting might prove fatal. Having decided he needed protection against bees, the man decided to get a bee tattoo/talisman to frighten the bees from stinging him again. Finally, the fourth function of tattoos is decorative. Regardless of their particular psychosocial function for the individual, tattoos are images (even words become images as/within tattoos). By modifying the body with tattoos, the individual has chosen to add permanent decoration to his/her body.”
  • 6
    Tradução nossa. No original, em inglês: “although the term ‘intermediality’ originated in a literature-centred milieu and is still used mostly in relation to literature, it has far transcended the boundaries of the literary field. This is also why, strictly speaking, the objects that are linked or characterized by intermediality should be called ‘semiotic complexes or entities’, a designation that includes not only various genres and groups of texts but also artefacts, performances, installations, and so on.”
  • 7
    Tradução nossa. No original, em inglês: “Some tattooists have a concept of mutual artistry for which they often strive (Sanders, 1989). This can best be characterized as a process in which the tattooist and client design a tattoo based on the individual personality of the client and based on the client’s body, using the natural contours of the body to make a more beautiful tattoo. This process is often restricted by the client’s cost considerations and his/her desire to know exactly how the finished product will look in the end.” “Are these clients seeking art? How do they choose not only a tattoo, but also a tattooist? What are the ways in which they envision the ink on their body?”

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2023
  • Aceito
    11 Jan 2024
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