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Testamento eternizado em escarlates letras: literariedade, materialidade e ilustração em A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho (2020)

RESUMO

A literatura, enquanto arte da palavra, apresenta seu texto em diferentes formas e linguagens. Seja através de sua potencialidade humanizadora ou, ainda, por sua característica de fabulação, ela alcança os leitores e lhes oferece uma pluralidade de ferramentas que criam textos, utilizando como argumento obras já consagradas, afinal, a literatura guarda em seu escopo narrativas que são verdadeiras preciosidades dispostas como testamento para toda a humanidade. Assim, neste artigo, nosso objetivo é analisar a obra literária A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho (2020), de Agnese Baruzzi e Sandro Natalini, apresentada em livro-objeto e de aguçada materialidade. Buscaremos compreender as características da obra que promovem a fruição estético-literária, afastando o livro de uma visão didático-moralizante. Para tanto, compreenderemos as particularidades do texto verbal, o imagético e as características de materialidade que permeiam a obra, compreendendo as técnicas, as ferramentas e as interações propostas, compreendendo, também, a capacidade multimodal do livro.

PALAVRAS-CHAVE:
Literatura infantil; Materialidade; Ilustração; Livro-objeto; Chapeuzinho Vermelho

ABSTRACT

Literature, as the art of words, presents its text in different forms and languages. Whether through its humanizing potential or, still, through its narrative quality, it reaches readers and offers them a plurality of tools to create texts, using established works as arguments. After all, literature holds within its scope narratives that are true treasures arranged as a testament for all of humanity. Thus, in this article, our goal is to analyze the literary work A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho [The True Story of Little Red Riding Hood] (2020)1 1 The English edition of the book is: BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. The True Story of Little Red Riding Hood. London: Templar, 2009. As the analysis is not a linguistic one, but mainly an imagetic one, the author opted for translating from Portuguese to English some passages in the book for the sake of illustration of the discussion. For this reason, whenever “see footnote 1” appears, it will, in fact, refer to Brazilian edition BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-book, 2020. by Agnese Baruzzi and Sandro Natalini, presented as a book-object with a keen materiality. We will seek to understand the characteristics of the work that promote literary aesthetic enjoyment, moving the work away from a didactic and moralizing perspective. To do so, we will comprehend the specificities of the verbal text, the imagery, and the materiality characteristics that pervade the work, understand the techniques, tools, and proposed interactions, as well as recognize the book’s multimodal capacity.

KEYWORDS:
Children’s literature; Materiality; Illustration; Book-object; Little Red Riding Hood

Da herança que nos foi deixada

A literatura, aqui entendida como a arte estética da palavra, apresenta uma qualidade excepcional em seus textos: não importa o quão antigos sejam, conseguem quebrar a linha do tempo e tornarem-se atemporais, sendo, então, como muito bem definido por Ana Maria Machado (2009MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009.), eternos, mas sempre novos. A ficção literária consegue ultrapassar barreiras temporais e culturais e se torna diversa e importante nas mais diferentes instâncias sociais.

Assim, o texto literário pode ser uma representação da sociedade ou um manifesto, mas sempre guarda em suas dobras da memória o fato de serem fabulação, compreendida, por Antonio Candido (2011CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. p. 171-194.), não só como uma necessidade do ser humano, mas, também, um direito fundamental e incompressível, ou seja, que não pode ser subtraído sob pena de comprometer direitos que são básicos à humanidade, compreendendo desde os escritos mais antigos aos mais recentes.

Ainda que a literatura seja um direito básico e que deva ser oferecida em boa quantidade e qualidade (Candido, 2011CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. p. 171-194.), por vezes é intricado o processo de distinção daquilo que é literário ou não, complexificando assim o que deveria ou não ser oferecido aos leitores. Antoine Compagnon (2010COMPAGNON, Antoine. A literatura. In: COMPAGNON, Antoine. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. p. 29-45.) aponta para a dificuldade de definição do que é ou não literatura, afinal, nas palavras do autor, “a definição de um termo como literatura não oferecerá mais que o conjunto das circunstâncias em que os usuários de uma língua aceitam empregar esse termo” (Compagnon, 2010, p. 44-45). Assim, as tentativas de se definir o que é ou não literatura partem mais de uma visão e compreensão do momento em que leitores e teóricos estão inseridos do que de uma verdade absoluta. Não há de ser cunhado um termo único e inflexível do que é literário.

Desta forma, o tempo reconfigura o que é entendido (ou não) como literatura, mas algumas obras parecem conseguir resistir ao desgaste temporal e se inscrever como se fossem um testamento à eternidade. Assim, estes livros vão para o espólio da memória universal, tornando-se clássicos, cânones que marcam tão profundamente a história e a memória que não são esquecidos e, assim, servem de linhas para que o tempo seja (re)contado.

Refletindo sobre este assunto, Italo Calvino (2007CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.) elabora algumas definições do que seria o clássico, entre elas a seguinte: “os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual” (Calvino, 2007, p. 10; grifos no original). Por esta perspectiva compreendemos que os clássicos resistem ao tempo, sendo influentes para a sociedade e para o indivíduo. Além disto, os clássicos:

são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precederam a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram (ou mais simplesmente na linguagem ou nos costumes) (Calvino, 2007CALVINO, Italo. Por que ler os clássicos. Tradução de Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das Letras, 2007., p. 11; grifos no original).

Desta feita, os clássicos, por vezes, recebem novas marcas do tempo, quer seja de novas culturas, quer seja das novidades da língua(gem).

Sendo os clássicos uma herança que nos foi deixada, é, então, nosso direito ter contato com eles também. Machado (2009MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009., p. 19) defende que “esse patrimônio está sendo acumulado há milênios” e se configura também como uma resistência: “direito e resistência são duas boas razões para a gente chegar perto dos clássicos. Mas há mais. Talvez a principal seja o prazer que essa leitura nos dá” (Machado, 2009, p. 19). Assim, compreendemos que temos direito à literatura e que o texto literário nos permite fabular e fruir esteticamente, em um processo de resistência que nos faz reclamar preciosidades que nos foram deixadas como herança.

Em se tratando de produção, a literatura deixou inscritas como testamento inúmeras obras para o legado humano, quer sejam elas potencialmente direcionadas aos pequenos, jovens ou mais velhos leitores. A produção literária dedicada às crianças e jovens configura extensa e importante parte do acervo, compreendida como fundamental e necessária no processo de formação de leitores (Hunt, 2010HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2010.), e que guarda, também, sua própria constelação de clássicos. Assim é o caso de muitos contos de fadas coletados ao longo da história da literatura infantil e juvenil por Charles Perrault (1628-1703), Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859) e, mais tarde, histórias escritas por Hans Christian Andersen (1805-1875), entre outros.

Dentre as várias que poderíamos elencar para este estudo, uma história nos é motivo de destaque nas linhas da memória, sendo ela o clássico conto Chapeuzinho Vermelho, cujas origens são atribuídas ao século X. A história foi coletada, incialmente, por Charles Perrault e depois revisitada por Jacob e Wilhelm Grimm. Muitas versões da história foram contadas e recontadas, mas a que se mimetizou na memória coletiva ocidental foi a de uma garotinha e seu chapeuzinho vermelho a levar doces para sua avó, que morava do outro lado de um bosque. Chegando à casa de sua avó, percebeu que algo estava estranho e acabou sendo devorada por um lobo, que antes havia devorado a pobre velhinha. Ao fim, um lenhador salva a menina e a avó, matando o lobo.

Ao longo dos anos, muitas versões foram divulgadas desta história, recontadas de diversos modos, em diversos aportes. A que apresentaremos neste estudo se proclama A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho, divulgada originalmente em 2007, mas apresentada em uma reimpressão (a 10ª) no ano de 2020, pela editora Brinque-book, escrita e ilustrada por Agnese Baruzzi1 1 Autora também de A verdadeira história de cachinhos dourados (2014). e Sandro Natalini2 2 Ilustrador responsável também por A verdadeira história de cachinhos dourados (2014). , com diagramação de Mauricio Nisi Gonçalves3 3 Produtor gráfico de obras como Bagagem (2016) e Indiscotíveis (2015). e tradução de Índigo4 4 Responsável pela tradução de Amizade improvável: uma aventura urbana (2008), O livro sem figuras (2015), entre outros. . Esta versão brinca com a história conhecida da garota do chapéu escarlate, fabulando em conjunto com o leitor sobre o que teria acontecido antes de ter sido perpetuada a narrativa da menina e do lobo como hoje a conhecemos.

Nosso objetivo ao investigar esta obra é o de compreender se e como acontece o fomento à fruição estética, analisando as técnicas literárias que deram novos sentidos a um texto já conhecido. Assim, analisaremos o leque de estratégias literárias que são empregadas, as ilustrações da obra, reconhecendo as diversas técnicas e características empregadas, além de observarmos a forma que confere materialidade ao livro, observando as possibilidades interativas e de novos protocolos de leitura empregados.

Para melhor acesso às imagens e movimentos que aqui analisaremos, no corpo do estudo poderão ser encontrados QR Codes (Quick Response Codes, em tradução nossa, Códigos de Resposta Rápida). Estes QR Codes estarão sempre inseridos em instantes em que a obra apresenta algum elemento interativo de relevância, e irão direcionar o leitor para vídeos que mostram o movimento que está sendo descrito. Os vídeos estão hospedados na plataforma YouTube5 5 Plataforma para hospedagem e reprodução de vídeos sob responsabilidade da Google LLC, de acesso gratuito. em um canal de responsabilidade de um dos autores do estudo. O acesso a estes vídeos é restrito aos QR Codes aqui apresentados, ou seja, não é possível acessar os vídeos a partir de busca na plataforma supramencionada, sendo restritos e de uso exclusivamente acadêmico, para este artigo.

1 As múltiplas riquezas a serem herdadas

A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho (2020) oferece seu primeiro ponto de análise já na observação do formato em que é apresentado. Sua forma como livro é diferente, atraindo para ela uma concepção de materialidade que não era prevista na versão canônica do conto. Se, para Candido (2011CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. p. 171-194.), forma e conteúdo são dois elementos constituintes do livro e indissociáveis, aqui o conteúdo é apresentado em uma forma distinta, que conclama para ela o toque e a interatividade. Estamos, então, em contato com uma obra que se encaixa na qualidade de livro-objeto6 6 Para Eulalia Agrelo Costas e Isabel Mociño-González (2019, p. 67), tais livros “(...) sem perder sua consistência física dos livros da cultura letrada, por meio da materialidade de seus volumes, a renovada expressão gráfica de seus discursos e a inclusão de complementos muito diversos (tiras, rodas, lapelas, desdobramentos, invólucros, texturas, cheiros...) abrem ao leitor múltiplas experiências sensoriais e de pensamento, sempre sob os efeitos da ludicidade e da interação”. Tradução nossa. No original, em espanhol: “(...) sen perder a súa consistencia física dos libros da cultura letrada, mediante a materialidade dos seus volumes, a renovada plasmación gráfica dos seus discursos e a inclusión de complementos moi diversos (tiras, rodas, lapelas, despregables, envoltórios, texturas, olores...) lle abren ao lector múltiples experiencias sensoriais e de pensamento, sempre baixo os efectos do ludismo e a interacción”. .

Discutindo o tema, Eliane Debus, Maria Laura P. Spengler e Fernanda Gonçalves (2020DEBUS, Eliane; SPENGLER, Maria Laura P.; GONÇALVES, Fernanda. Para apresentar o livro objeto: modos de fazer e ler. In: DEBUS, Eliane; SPENGLER, Maria Laura P.; GONÇALVES, Fernanda. (orgs.). Livro objeto e suas arti(e)manhas de construção. Curitiba: MercadoLivros, 2020. p. 7-14., p. 10) compreendem que:

o livro objeto revela seu sentido por meio dos seus mecanismos materiais e visualidade, na medida em que o leitor manipula, por isso a necessidade de puxar, desdobrar, encaixar, desencaixar, dentre outras ações que demarcam uma interação intensa com o objeto.

Assim, o livro-objeto atrai para ele a materialidade, pois permite a manipulação do objeto que está à frente do leitor, despertando uma relação sensorial com aquela forma de apresentação do conteúdo literário, flexibilizando a leitura, que seria primordialmente visual, para outros sentidos, como o tato. Em se tratando de obras potencialmente direcionadas ao público infantil, como A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho (2020), doravante AVHCV, esta materialidade pressupõe a intensidade de um leitor sempre muito aberto à exploração. Destarte, para Odilon Moraes (2013MORAES, Odilon. O livro como objeto e a literatura infantil. In: DERDYK, Edith (org.). Entre ser um e ser mil: o objeto livro e suas poéticas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2013. p. 159-165., p. 165),

Essa atenção ao objeto, algo tão intimamente ligado hoje em dia ao infantil, tem sua razão. A relação da criança com o livro como objeto se dá de uma maneira muito mais natural que a do adulto. A falta de familiaridade com o livro é que abre para o pré-leitor a possibilidade de exploração desse objeto sem os vícios culturais que incidem sobre o leitor culto.

Muitas obras são inventariadas como livro-objeto, compondo uma constelação que apresenta desde livros-brinquedo aos pop-ups. No que se refere à definição de um nome, AVHCV (2020) se encaixa numa posição híbrida, recebendo, conforme será analisado, elementos tanto de um livro-brinquedo7 7 Nas palavras de Eliane Debus, Maria Laura P. Spengler e Fernanda Gonçalves (2020, p. 09), “o livro brinquedo, com sua característica experimental, privilegia uma relação de proximidade com o leitor (...). Devido ao refinamento e sensibilidade nos projetos gráficos, seus artifícios engenhosos lhe conferem um caráter de exploração, que rompem a ideia de que devam ser ‘resguardados’ das crianças para que não estraguem (...). Suas características multifuncionais lançam um convite à brincadeira e ao manuseio (...). O livro brinquedo mobiliza afetos, sentimentos e impulsos por meio das relações sensoriais que emergem da interatividade”. quanto dos álbuns ilustrados8 8 Sendo sinônimo para livro ilustrado, estas obras constituem, para Douglas Menegazzi e Eliane Debus (2020, p. 16) “um dos principais formatos contemporâneos de livro infantil (...), já que este tem por característica apresentar linguagens dinâmicas e atrativas às crianças, principalmente por meio da junção de textos e imagens”. e até mesmo do pop-up9 9 Para Rui de Oliveira (2008, p. 55), os livros pop-up são um tipo de “livro especial em que os personagens e as peças dos cenários são parcialmente recortados, muitas vezes móveis. À medida que a criança vai virando as páginas, as peças vão se armando”. Ao abrir o livro as ilustrações se projetam em direção ao leitor, convertendo as imagens bidimensionais para tridimensionais. , indo ao encontro daquilo que Moraes (2013MORAES, Odilon. O livro como objeto e a literatura infantil. In: DERDYK, Edith (org.). Entre ser um e ser mil: o objeto livro e suas poéticas. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2013. p. 159-165.) afirma sobre os livros-objeto, que se posicionam entre ser um e ser mil, dadas as características e ferramentas que o formam. Não por acaso Ana Paula Mathias de Paiva (2010PAIVA, Ana Paula Mathias de. A aventura do livro experimental. Belo Horizonte: Autêntica Editora; São Paulo: Edusp, 2010., p. 91) complementa que os livros-objeto são “objetos que estabelecem uma nova emoção no leitor - informando, estimulando, intrigando, comovendo e entretendo”, afinal, eles podem oferecer novos rumos ao que é conhecido, oferecem novos horizontes. Em uma rápida folheada, a história de Baruzzi e Natalini (2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020.) apresenta, visualmente, uma quantidade de recursos plurais que podem ser analisados sob a vista de suas materialidades.

Sendo a capa de uma obra o primeiro contato do leitor com ela, a de AVHCV (2020) cumpre com o que Alan Powers (2008POWERS, Alan. Era uma vez uma capa. Tradução de Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2008., p. 06) elucida ao compreender que uma capa “pode servir de amostra das delícias que virão - uma espécie de janela para um mundo interior”. As bordas da capa se assemelham a um papel de presente (um presente que será entregue ao leitor) e em seu centro o desenho de uma árvore, uma menina de chapéu vermelho e um lobo são encontrados. Chamam atenção os relevos presentes na capa, como se o material que ali está tentasse se levantar sobre o livro, uma decisão editorial que faz com que o tato dos leitores seja acionado desde o momento de primeiro toque no livro. Além disto, detalhes em dourado, envernizados, ilustram e trazem brilho à narrativa. Ao fim, a sensação que tem o leitor é a de que um presente está entregue em suas mãos, colorido em tons alegres. Portanto, de certo modo, a cor avisa ao leitor que provavelmente o conteúdo que ali está pode ser um presente positivo, não algo dotado de tristeza. A escolha das cores não configura fruto do acaso, mas marca um provável adiantamento do que será visto.

Abrindo o livro, que não apresenta numeração de páginas10 10 Assim sendo, consideraremos a primeira página, de número 1, aquela que é encontrada imediatamente após abrir a capa do livro e que inicia, de fato, a história contada. , a primeira análise a ser realizada está no campo visual, das ilustrações. Entendida como um elemento muito importante e caro ao público infantil e juvenil, afinal, como assevera Gê Orthof (2020ORTHOF, Gê. Prefácio - Com olhos bem abertos. In: RAMOS, Graça. A imagem nos livros infantis: caminhos para ler o texto visual. Belo Horizonte: Autêntica, 2020. p. 9-12., p. p. 9), “o livro infantil apresenta-se como um dos poucos espaços na produção editorial onde a imagem se faz preservada”, elas podem antecipar as histórias que serão contadas (Oliveira, 2008OLIVEIRA, Rui de. Pelos jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.). Assim, observamos inicialmente como a linguagem visual é posicionada: ela está, sempre, envolta de uma moldura colorida, que define os campos de limite daquela cena que está sendo assistida. Esta decisão influencia até mesmo na forma como as ilustrações podem ser recebidas, pois os desenhos da moldura são constituídos de um tipo de padrão que se diferencia daqueles observados nas ilustrações, sendo (na moldura) sempre constituídos em figuras geométricas, o que faz com que o código visual seja lido mais por uma perspectiva teatral, como se o livro fosse uma caixa onde um recorte foi realizado para que vejam seu interior. Quando o leitor observa as cenas, ele percebe que os limites da moldura são rigorosamente respeitados. A perspectiva criada pelas cores e estilo dos desenhos faz com que o que está sendo visto seja submetido a certo distanciamento, como se a profundidade existisse e as imagens estivessem mais ao fundo que na borda da página. A perspectiva ajuda a constituir o pacto ficcional do que está sendo contado e, para Rui de Oliveira (2008, p. 54), “o ilustrador utiliza fundamentalmente diversos fatores, como a cor, a luz e, principalmente, a perspectiva, para construir o drama narrativo e suas ilustrações”. Assim, a perspectiva permite que o que está diante do leitor, neste livro, seja sempre efeito do drama, em seu contexto amplo, sinônimo de ficcional.

Logo abaixo da segunda página do livro, onde está novamente o título da história, como se em uma placa que foi colocada em uma parede, um grande envelope vermelho convida o leitor a abri-lo (QR Code 1), mesmo que para isso viole uma correspondência que está endereçada “para Chapeuzinho Vermelho” (Baruzzi; Natalini, 2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020., p. 2). Indo além do elemento que representa (o envelope e uma carta), a existência desta ferramenta caracteriza o primeiro momento em que o livro chama a interatividade do leitor, e mostra o quanto ela é importante: a história só pode ser plenamente continuada a partir da inferência e da ação do leitor em efetivamente ler a carta. Se ele não compactuar com este convite ao interagir, ele não saberá o motivo pelo qual a página seguinte se inicia com “Oi, Lobo. Li sua cartinha e vou ajudá-lo” (Baruzzi; Natalini, 2020, p. 3). O leitor ficaria se perguntando: ajudar com o que, o que aconteceu que não foi contado? Pois somente a partir da aceitação e da efetivação da interatividade estes detalhes serão descobertos e a proposta da obra contemplada.

QR Code 1
A carta do Lobo Mau para Chapeuzinho Vermelho.

Ao abrir o envelope, um papel pode ser retirado e configura uma mensagem do Lobo para Chapeuzinho Vermelho. No que diz respeito ao campo visual, a carta reproduz, em cores, o efeito de envelhecimento de uma folha, com alguns desenhos de coração. Logo, o efeito é de que se trata de um objeto feito para ser agradável aos olhos de quem o recebe, no caso, Chapeuzinho Vermelho e o próprio leitor do livro.

O campo textual confirma aquilo que o imagético propõe. A carta é enviada pelo Lobo Mal11 11 A palavra “mal” é assim escrita propositalmente no livro, afinal, na própria carta que o lobo envia, ele trata de alguns desvios ortográficos. Assim, o desvio começa logo no nome do lobo, que escreve seu nome com L, invés da grafia com U. para a Chapeuzinho e se faz interessante observar o quanto a escrita se adequa à condição em que é enviada: o Lobo Mau é um personagem que quer ser melhor (em diferentes aspectos), e que se acha de certo modo rudimentar. Assim é sua entrada na narrativa:

Sei que voce vai levar um susto de resseber uma carta minha. Fomos inimigos durante muitos anos, mas estou canssado de ser mal o tempo todo e de nimgueim gostar de mim. Voce poderia, pooor favor, me mostrar como posso ser bomzinho que nem voce? Quero ter boms modos (e melhorar minha ortografia) e aprender a ser jentil uma vez na vida (Baruzzi; Natalini, 2019, p. 2; grifos nossos).

Existe, neste excerto, elementos que são muito caros para a nossa análise. Em primeiro plano analítico, chama atenção a lógica interna do texto verbal, que diz que o lobo precisa melhorar sua ortografia e, por isso, materializa na escrita erros ortográficos que ilustram o problema, que estão grifados no excerto acima. Palavras como “resseber”, “ningueim” e “jentil”, além da falta de acentuação, são escritas de forma ortograficamente inadequada em função de dar ao leitor uma proporção do problema que está sendo discutido e mostrar que o lobo, de fato, precisa melhorar a ortografia. Ao fazer isso, autores (e, também, tradutor12 12 As discussões sobre o papel da tradução e sua relevância são muito importantes, mas, pelas definições e objetivos deste estudo, não serão aqui contempladas. ) reportam à lógica do universo em que a narrativa está assentada. O texto verbal, ao propositalmente apresentar incoerências ortográficas, é coerente com a história que está sendo contada. Por outro lado, ao escrever a carta, é adotado um tom mais coloquial que formal, aproximando o texto da linguagem que seria mais natural a um lobo que não sabe muito bem as regras ortográficas e as deseja aprender. Além de ser um exemplo de bom manejo da língua, é também espelho do respeito da lógica interna do texto com a ideia geral da obra, afinal, seria estranho se o lobo, que diz ter estes problemas, escrevesse no mais alto padrão da norma culta.

O nível da interação é aqui elevado, dado que o leitor precisa usar o tato para abrir o envelope, depois abrir a carta e só então ter contato com o texto verbal. A amplitude de manipulação da obra se eleva, então, fazendo com que ela não requeira somente a interação tátil ao passar as páginas, mas também exigindo a manipulação do papel pelas mãos de quem lê, conferindo um protocolo de leitura em que, se o tato não for acionado, a recepção da literatura será comprometida.

Ao retirar algo de dentro da história, como a carta que a personagem Lobo Mau envia para a personagem Chapeuzinho Vermelho, e cujo sentido faz parte somente daquele pacto ficcional ali estabelecido, o livro propõe uma espécie de aproximação entre ficção e realidade, em que as fronteiras entre estes dois mundos é atenuada, pois faz ser possível a mão do leitor adentrar a história e dela tirar algo e levar com ele para o mundo real. Este processo, para Eulalia Agrelo Costas e Isabel Mociño-González e (2019COSTAS, Eulalia Agrelo; MOCIÑO-GONZÁLEZ, Isabel. Libro-obxecto: do artefacto às infinitas lecturas. In: MOCIÑO-GONZALES, Isabel. Livro-obxecto e Xénero: estudos ao redor do libro infantil como artefacto. Vigo: Universidade de Vigo, 2019., p. 105):

se trata de uma estratégia metaficcional que define a proposta discursiva daquelas obras que potenciam a vertente material do livro na criação de sentidos, através da qual se produz uma sobreposição de planos referenciais que anulam a separação entre realidade do leitor e a ficção do discurso. Assim, o leitor se integra no discurso, uma vez que se diluem os limites entre o espaço real e o próprio da ficção.

Desta feita, o recurso que é apresentado modifica a dinâmica entre a ficção e o leitor, modificando os espaços em que cada um destes se encontra. Rosa Tabernero-Sala (2018, p. 110) compreende que em casos assim “(...) os espaços do leitor e do livro se confundem, e as fronteiras entre realidade e ficção deixam de existir”. Este efeito, o de se confundirem as fronteiras entre a realidade e a ficção, não acontece somente nesta parte do livro. Outros exemplos podem ser encontrados e analisados, e demostram como a capacidade estética do livro é ampliada a partir desse jogo de interação.

Em uma determinada parte da obra, Chapeuzinho Vermelho define: “- Bem, você precisa de um banho” (Baruzzi; Natalini, 2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020., p. 5). Nesse instante, o lobo é retratado pela ilustração como se estivesse dentro de uma banheira, embaixo de uma ducha de água. A página mantém o padrão de apresentação de uma moldura, os limites ficcionais estão ali posicionados. A ilustração é colorida em cores quentes (há, nesta narrativa, um predomínio por cores quentes e de alto contraste, como o vermelho e o azul), e apresenta ainda elementos (bolhas) em acabamento holográfico13 13 Uma espécie de acabamento de pintura que produz um efeito metalizado e multicolorido. . Atentemos para a propriedade protagonista do campo visual, que faz de seu texto tão significativo quanto o campo verbal. Ao contar, por exemplo, que o lobo toma banho em uma banheira amarela, com uma ducha, não estão sendo acionadas letras e palavras para que isso seja dito. Compreende-se, logo, que se trata de uma ilustração narrativa (Oliveira, 2008OLIVEIRA, Rui de. Pelos jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.), pois a história está sendo narrada e descrita também pela ilustração. Ainda nesta parte da narrativa, a aproximação entre ficção e realidade acontece por conta de um elemento que é colado na página, mas que muito representa: uma cortina de tecido transparente, que faz tampar o lobo que toma banho.

A cortina que tampa o lobo, neste livro, não é representada somente em uma ilustração constituída digitalmente, mas sim em um tecido que é colado à página (QR Code 2). Ainda que translúcido, o tecido impede que seja contemplada totalmente a ilustração que ele esconde, sendo necessário que o leitor manipule o tecido em alguma direção, retirando-o da frente do lobo, e assim tendo acesso à cena completa. O ato de manipular esse elemento configura, novamente, o estreitamente entre ficção e realidade, afinal, novamente as mãos do leitor podem adentrar a narrativa e exercer ação sobre coisas que somente nela existem. Este recurso é utilizado novamente na página 7 da obra, momento em que o lobo está vestindo um avental para limpar a casa de Chapeuzinho Vermelho (QR Code 3).

QR Code 2
O lobo tomando banho.

QR Code 3
O avental do Lobo Mau.

O avental é novamente feito de tecido, colado à ilustração, dessa vez não translúcido, mas sim em uma estampa florida. O tecido não esconde nenhum tipo de característica do lobo, é somente um convite à manipulação, como se brincasse com o leitor. Esse convite à brincadeira é muito importante e necessário, permitindo não só a criação de um vínculo entre a literatura e o leitor a quem ela potencialmente é direcionada, como é o público infantil e o juvenil, mas também com o adulto, que pode ser convidado a explorar estes novos sentidos. Cabe ressaltar que, por vezes, nenhum destes leitores está habituado com este tipo de interação, por isso Yolanda Reyes (2012REYES, Yolanda. Ler e brincar, tecer e cantar: apontamentos a partir da oficina de criação literária. In: REYES, Yolanda. Ler e brincar, tecer e cantar: literatura, escrita e educação. Tradução de Rodrigo Petronio. São Paulo: Pulo do Gato, 2012. p. 44-53., p. 52) compreende que:

saber ler e saber brincar (...) exigem uma educação que ainda não se introduziu ao nosso currículo acadêmico, desde a infância até a vida adulta. (Quão pouco se continua brincando nas escolas (...), que falta de graça no ensino escolar, e, sobretudo, no “ensino” do desejo e do prazer que são inerentes à experiência literária).

Assim, compreendemos que este jogo, essa brincadeira que é proposta ao leitor, não é uma ferramenta acessória, mas sim essencial à fruição da obra, sendo necessário que o leitor aceite o brincar e faça com que as particularidades constituídas por autores e diagramadores funcionem. Cabe ressaltar, ainda, que estes elementos até aqui descritos nunca estão soltos, mas sim integrados ao livro, somando forças para sua capacidade estética.

Ao unir, como já vimos até aqui, elementos verbais, imagéticos e materiais, o livro então consegue adquirir uma capacidade multimodal, que, nas palavras de Diana Navas (2020NAVAS, Diana. Era uma vez: a (re)leitura dos clássicos no livro-objeto. In: SILVA, Sara Reis da. Clássicos da literatura infantojuvenil em forma(to) de livro-objeto. [S. l.]: UMinho Editora, 2020. p. 113-124., p. 116), é entendida como “uma leitura simultânea das diferentes linguagens que a constitui”. Assim, ainda nas palavras da autora, este tipo de obra, como é AVHCV, “solicita um leitor mais interativo, que é convidado a jogar, a ler, a interpretar, a manipular” (Navas, 2020, p. 121). Desta feita, por ser uma obra multimodal, o leitor é convidado a observar o texto verbal, o imagético, e ainda interagir com os elementos materiais, em uma relação interativa intensa com a obra, o que resulta em um efeito que faz com que o leitor não somente leia a história, mas participe dela, quer seja tocando, quer seja fazendo escolhas que contemplem suas necessidades de leitura. Todos os elementos se entrelaçam para compor a força estética do que será lido, e todos são igualmente importantes para o sucesso da recepção daquela forma literária. Como resultado, em primeiro plano está uma capacidade de fabulação elevada, mas logo após, em segundo plano, também encontramos um processo que pode ser ainda mais prazeroso e exitoso na formação de leitores e de mediação de leitura, sustentado por essa maior habilidade em manter o texto literário próximo de quem o lê.

Tomando como norte esta habilidade multimodal da obra, outro elemento interativo muito presente em AVHCV é a interação frente a algum tipo de elemento estrutural que solicita ações. Ao observarmos a página 8, por exemplo, vemos que o Lobo está buscando Chapeuzinho e seus amigos em um ônibus escolar “- depois você pode pegar a gente na escola e levar para casa, como um bom lobo” (Baruzzi; Natalini, 2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020., p. 8). A ilustração de um pequeno ônibus amarelo é apresentada, em cores muito quentes, estilo dominante da obra. Chama a atenção uma pequena indicação à frente do ônibus, um pedaço de papel vermelho em que se lê, em imperativas letras, “puxe” (QR Code 4). Ao realizar a ação de puxar, o leitor verá, a partir da força empregada por seus dedos, o movimento simultâneo do automóvel e dos passageiros que estão nele. Sob uma perspectiva técnica, trata-se de um sistema de abas chamado aba de puxar com alavanca, uma estrutura que, a partir de um papel resistente, é puxada e dá efeito a um movimento de vai e vem na ilustração que sob ele foi construída (Carter; Diaz, 1999CARTER, David A.; DIAZ, James. The Elements of Pop-Up: A Pop-Up Book for Aspiring Paper Engineers. Nova York: Little Simon, 1999.). O efeito produzido pela técnica faz parecer que o objeto se movimenta, e fornece ao livro a experiência de um elemento que se anima na frente do leitor e de cujo movimento sua mão é a força motriz. Assim, o leitor que tiver contato com aquele elemento pode criar e recriar a animação proposta, em um vai e vem controlado por ele e de acordo com a velocidade que ele define. A história ganha, além de uma característica sensorial, a cinética, que é a força de movimento criada a partir de escolhas que este leitor faz com o objeto. Assim, configura ato proposital que esses elementos brinquem com a curiosidade de quem lê: ele apenas pede que “puxe”, mas não dá indícios do que acontecerá, deixando que o leitor se surpreenda com o que será realizado:

QR Code 4
O ônibus com o Lobo Mau e a Chapeuzinho Vermelho.

Outro momento em que a narrativa convida o leitor a movimentar seus elementos para que ele descubra o que está por vir reside na página 16, quase ao fim do livro. Neste instante, já sabemos que a vontade do Lobo Mau em se tornar um lobo bom está deixando Chapeuzinho enciumada. No intervalo de páginas que compõe este elemento (página 15 e 16), vemos uma menina que está querendo testar a bondade do lobo. A ilustração que acompanha a página, inclusive, mostra uma garota com um olhar malicioso, como quem está prestes a aprontar algo... E ela estava. Vendo a bondade do lobo como uma afronta ao seu próprio papel bondoso na história, Chapeuzinho então oferece um sanduíche ao animal. Nesse instante, dois elementos concorrem ao mesmo tempo. Primeiro, o texto verbal informa ao leitor que uma mudança ocorrerá com o Lobo: “assim que o Lobo deu uma mordida no sanduíche misterioso, ele voltou a ser o malvado de antes, perseguido pelo Lenhador ao redor da mesa até ser expulso da cidade” (Baruzzi; Natalini, 2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020., p. 16). O texto literário deixa evidente a mudança de comportamento da personagem, conta ao leitor o que acontecerá. A ilustração mostra o lobo de boca aberta prestes a comer um sanduíche, mas no próprio sanduíche se lê “Abra. Sanduíche misterioso”. O mistério do que o movimento despertará então fica no ar, fazendo leitores poderem se indagar: o que será que virá agora? O que mais este livro pode fazer?

O próprio livro, enquanto objeto, brinca com esta qualidade de surpresa que ele comporta, como se guardasse sempre o segredo e deixasse que o leitor descobrisse pelas próprias mãos o que o movimento ou as estruturas farão acontecer. Ao abrir o sanduíche misterioso, novamente por uma aba para puxar, mas agora de movimento paralelo (Carter; Diaz, 1999CARTER, David A.; DIAZ, James. The Elements of Pop-Up: A Pop-Up Book for Aspiring Paper Engineers. Nova York: Little Simon, 1999.), ocorre um efeito na ilustração do lobo: conforme o leitor puxa a aba, os olhos do lobo, que são normais, redondos, são trocados por espirais, que indicam que ele está hipnotizado pelo que está em sua mão, tamanho o poder daquele alimento (QR Code 5). Enquanto o texto literário informa que se trata somente de um sanduíche misterioso, o detalhe final desta parte da história é narrado pelo conjunto interação e ilustração, pois só depois que o leitor interagir com o sanduíche é que se pode ver um cachorro-quente escondido. Assim, ilustração e movimento estabelecem novamente uma posição de narrar a história com seus próprios detalhes e linguagem, não dependendo do texto verbal para conseguirem contar sua parcela da narrativa. A ilustração, então, é figura que representa o que Oliveira (2008OLIVEIRA, Rui de. Pelos jardins Boboli: reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008., p. 31) compreende como elemento que “pode assumir um caráter de transcendência do texto, que não significa transgressão”. Ainda que a ilustração tenha contado por seus elementos a história, ela se manteve fiel ao que o texto verbal informava. A interatividade, tão cara a este instante da narrativa, também exerce um papel que transcende o texto, afinal, ela materializa o mistério e consegue criar no leitor a ansiedade necessária para que ele movimente as ferramentas do livro e faça com que novos recursos sejam acionados:

QR Code 5
O lobo descobrindo o sanduíche misterioso.

Antes de o lobo comer esse sanduíche, Chapeuzinho o havia chamado para uma festinha. Novamente, nesta página, o recurso de um envelope com uma carta que deve ser aberta pelo leitor foi utilizado. Mas desta vez a interação adotou um novo elemento. Quando a menina chama o animal para sua festinha, ela está muito brava com a popularidade positiva do lobo. Para ilustrar este momento, o desenho que retrata a menina mostra que ela está com os dentes cerrados, olhos e sobrancelhas franzidos e em seu rosto se encontra um acabamento de um material plástico. A página é toda colorida em tons vermelhos, com representações gráficas de raios saindo dela. Simbolicamente falando, o vermelho pode indicar um momento de batalha ou impulsividade à frente, já que para Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2020CHEVALIER, Jean; GHERRBRANT, Alain. Vermelho. In: CHEVALIER, Jean; GHERRBRANT, Alain. Dicionário de símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figuras, cores, números. Tradução de Vera da Costa e Silva [et al.]. 34. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2020. p. 1030-1031., p. 1030-1031), é “a imagem de ardor e de beleza, de força impulsiva (...) a cor guerreira. Assim, com essa simbólica guerreira, parece que o vermelho perpetuamente é o lugar da batalha”, informação que virá a se confirmar na história. Neste ínterim da narrativa, o leitor está acostumado a sempre procurar os pontos de interação - a história parece ensinar a quem lê que sempre haverá algo para tocar, puxar, abrir. Nesta procura, o leitor pode perceber que, além do envelope e da carta, uma espécie de engrenagem está posicionada no canto, na central da borda direita da página. Ali se encontra mais uma estrutura de movimentos.

Ao manusear a engrenagem, o leitor fará com que as cores no rosto de Chapeuzinho Vermelho mudem, em tons que podem ser verdes, amarelos, azuis, roxos ou vermelhos. A ferramenta que permite que isso aconteça é entendida como uma roda dupla (Carter; Diaz, 1999CARTER, David A.; DIAZ, James. The Elements of Pop-Up: A Pop-Up Book for Aspiring Paper Engineers. Nova York: Little Simon, 1999.), em que, ao ser manuseada, uma roda faz girar uma engrenagem interna da folha, que está ligada a um disco de plástico colorido, responsável por modificar as cores do rosto da garota. O efeito produzido é muito interessante para esse instante da narrativa: ao girar, o efeito mostra os tons de raiva da menina, que fica vermelha, azul ou até mesma roxa de raiva frente ao que está acontecendo (QR Code 6). A interatividade e a ferramenta que foi empregada conseguem imprimir isto na história sem que uma única unidade do texto verbal fosse necessária. Em momento algum os autores escreveram que Chapeuzinho Vermelho ficou roxa de raiva, por exemplo, pois não é necessário materializar em palavras aquilo que a interação, ilustração e cinética contarão. O nível interativo se eleva, uma vez que permite apreender não somente cenários, mas estados de espírito dos personagens, que muito interessam ao leitor, somente por sua linguagem. A interatividade, então, torna-se elemento constituinte da narrativa que, se subtraído, perderá um de seus pilares de construção do pacto literário da obra.

QR Code 6
O rosto de Chapeuzinho Vermelho trocando de cor.

Por outro lado, este momento da narrativa também interessa frente ao que o texto verbal produz, afinal, nesta parte da história, Chapeuzinho Vermelho está com raiva, enciumada e chega a se comportar de modo vingativo. O texto informa que “Chapeuzinho Vermelho começou a achar o comportamento do Lobo um pouco irritante...” (Baruzzi; Natalini, 2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020., p. 13). Além disto, a menina diz “- Chega! Isso foi longe demais. Eu é que deveria ser a pessoa mais popular aqui” (Baruzzi; Natalini, 2020, p. 14). Essa demonstração de sentimentos como a raiva e a inveja vão de encontro a uma Chapeuzinho Vermelho muito boazinha e pura, que apenas queria visitar sua vovozinha, sem nenhum pensamento de maldade ou menos nobre. Aqui, nesta narrativa, a menina é novamente humanizada, tornando-se passível de sentimentos complexos, e a história, por ser potencialmente direcionada a um público infantil e juvenil, relembra a estes indivíduos que tais emoções existem e que as pessoas as sentem. Isto faz com que a obra se aproxime então de uma paródia que, para Linda Hutcheon (1985HUTCHEON, Linda. Uma teoria da paródia. Tradução Teresa Louro Pérez. Rio de Janeiro: Edições 70, 1985., p. 13), “é uma das formas mais importantes de moderna auto-reflexividade; é uma forma de discurso interartístico”, fazendo assim com que um texto seja criado à luz de um anteriormente concebido, mas, como bem assevera Hutcheon (1985, p. 17) “a paródia é, pois, uma forma de imitação caracterizada por uma inversão irônica”. Assim, o texto estabelece essa ironia quando, por exemplo, faz com que a Chapeuzinho seja o personagem dotado de maldade, enquanto o Lobo é bonzinho e ajuda todo mundo, evidenciando uma escrita criativa dos autores, afinal, “a paródia torna-se aquilo a que um crítico chama uma abordagem criativa/produtiva da tradição” (Hutcheon, 1985, p. 19). Ao compreender uma narrativa de tradição já fixada, como é o clássico Chapeuzinho Vermelho, e promover essa inversão, a paródia modifica o que está estabelecido e cria novos sentidos e diferentes caminhos para o que já se encontra cristalizado numa espécie de memória universal leitora. Assim, estes caminhos confirmam o que Affonso Romano de Sant’Anna (2000, p. 13) elucida a respeito de que “na paródia, os dois planos devem ser necessariamente discordantes, deslocados”.

A partir da observação deste excerto, compreendemos, então, que a obra, ao apresentar tais comportamentos e sentimentos, consegue alçar um caráter humanizador nos moldes preconizados por Candido (2011CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2011. p. 171-194.), para quem a humanização relembra a quota de humanidade que existe em cada pessoa - o que inclui aqueles que não são adultos. Ao retratar a raiva, a inveja e outros sentimentos semelhantes, considerados por vezes delicados e polêmicos, a obra se afasta daquilo que Aparecida Paiva (2008) denomina assepsia temática em busca de um tom instrutivo, de uso educacional, de conotação moralizante. Para ela,

temas como a morte, medo, abandono, separação e sexualidade confrontam a criança em seu cotidiano. Em outras palavras: a escola opta pela literatura de entretenimento que melhor se adapta à função de coadjuvante pedagógico; censura os temas que considera delicados, polêmicos, perigosos, ousados; promove uma assepsia temática em seu diálogo com a literatura; coíbe a discussão dos enigmas da existência humana e da complexidade das relações sociais que poderiam ser problematizadas por meio da ficção (Paiva, 2008, p. 45).

Assim, a construção da história é realizada considerando que seu público é humano, logo, tem sentimentos complexos e de difícil compreensão. A obra, portanto, não nega essa característica humana, mas a apresenta dialeticamente ao leitor, que, pelo efeito da catarse, poderá compreender espelhado na literatura aquilo que sua vida real apresenta.

A forma como a narrativa é criada também é de interesse para a análise. O livro realiza uma espécie de reconto da história que já é conhecida, mas abrindo caminhos, concomitantemente, para uma criação do que existiu antes do conto canônico, usando a paródia como norte para delinear novos fatos da história. Os personagens principais são os mesmos, mas o centro da história muda para uma linha temporal em que o Lobo Mau deixou de ser mau e a Chapeuzinho Vermelho é quem foi tomada pela maldade. Ao inverter estes papéis, a literatura faz uma quebra de valores e de expectativas em cima daqueles personagens que poderiam ser considerados concluídos, mostrando que eles não são acabados, outras tantas histórias podem caber neles. Ao brincar de inverter as funções canônicas das personagens, os autores abrem um novo horizonte em que o clássico é revisitado, mas sem perder sua essência: ele continua estabelecido como ele é, afinal, a história contada acontece em um período antes daquele momento em que o clássico é narrado. Entretanto, nesta história, o livro perde sua visão de conto de encantamento (Coelho, 2012COELHO, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos - mitos - arquétipos. São Paulo: Paulinas, 2012.), quebrando com os exemplos morais que se conhece. Recuperando os personagens, brincando com os elementos das histórias, criando caminhos para o que estava canonicamente escrito, uma nova herança é criada, e o clássico, então, mostra sua característica de atemporalidade, confirmando o que Machado (2009MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009., p. 15) assegura: “clássico não é um livro antigo e fora de moda. É livro eterno que não sai de moda”. Além disto, faz valer o que é uma característica fundamental dos contos de fadas, que são “livros eternos que os séculos não conseguem destruir e que, a cada geração, são redescobertos e voltam a encantar leitores ou ouvintes de todas as idades” (Coelho, 2012, p. 27).

O texto verbal encerra a obra dando conta de que o livro foi inserido novamente no universo clássico já conhecido: “Chapeuzinho Vermelho ficou muito contente de voltar a ser a pessoa mais boazinha da Floresta. Para provar, ela foi levar uma cesta de guloseimas para a Vovozinha. Quanto ao que aconteceu depois... Bem, você conhece a história oficial” (Baruzzi; Natalini, 2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020., p. 18). Destacamos, neste excerto, o fato de que o texto verbal mais sugere que conta. Ao afirmar “quanto ao que aconteceu depois...”, com o uso de reticências, o texto deixa uma sugestão para aquilo que o leitor sabe - afinal, diferentes histórias podem vir depois dessa, não sendo exatamente a canônica. Assim, ao finalizar a obra, o texto verbal sugere que algo aconteceu, mas não delimita, deixa em aberto e é função do leitor finalizar ou abrir novamente este ciclo contado. Ainda que depois seja dito “Bem, você conhece a história oficial”, isso dependerá da carga de leitura do leitor para que seja concluído, dando margem não para um final, mas sim para finais. Se pensarmos que o texto é aquele em que o lobo come a menina e sua avó, percebemos, por fim, que a maldade inoculada por Chapeuzinho Vermelho consome o Lobo até que ele, então, queira consumir a menina.

Por outro lado, o texto verbal é o que por último deixa mais tênue o véu que separa ficção e leitor. Ao construir a frase “bem, você conhece a história oficial”, há uma comunicação direta com quem lê, usando o pronome pessoal “você”, que comunica diretamente com o leitor, funcionando como o olhar de um personagem para uma câmera, ou seja, mais uma aproximação entre ficção e leitor. Além do fato de ser uma aproximação com o leitor, é uma ferramenta de estilo que chama a atenção de quem lê, fazendo com que a narrativa dialogue de forma direta com quem sobre ela se debruce.

Muitos outros pontos de análise da obra poderiam ser elencados, em análises tantas que não cabem no espaço deste artigo, ficando a herança para que nós ou pesquisadores outros reclamem para si esta tarefa. No que compete ao bosque que adentramos para conhecer a história, nosso estudo se aproxima de suas considerações últimas, os proclames finais do testamento que nos cabe.

2 Um silencioso legado: as palavras finais como herança

Mediante o apresentado, compreendemos, então, que a obra, por meio de vários recursos, tem características que promovem a fruição estético-literária, o que a torna um instrumento de grande valia em sua leitura, apresentando qualidades tanto na escala do texto verbal quanto do imagético e de suas materialidades.

No que diz respeito ao código verbal, este se apresenta com coesão e coerência com a narrativa, sendo utilizado para dar vida a um novo texto literário que foi planejado à luz de um conto clássico já estabelecido na memória universal da literatura infantil e juvenil. O que reforça esta qualidade são tanto as propriedades estéticas do texto quanto a forma de construção de sua linguagem, que é fiel à lógica do universo literário apresentado.

Os aspectos do campo imagético foram construídos levando em conta uma visão de protagonismo da história em comunhão com os outros códigos apresentados. A ilustração, pois, constituiu texto narrativo da obra, contando a história por meio de seus elementos, explorando recursos que lhe são particulares (como perspectivas e cores), e, assim, transcendendo o texto verbal, não sendo reduzida a uma mera reprodução dele.

Dado o uso plural e multifacetado das ferramentas de materialidade, é possível afirmar que elas produziram, também, voz decisiva no texto apresentado, sendo portadoras de significados e sentidos que somente por meio dos recursos materiais foram formalizados. São acionados vários recursos, como tecidos, ferramentas que interagem e fazem movimento pelo uso do toque, abas que quando puxadas fazem as ilustrações se modificarem, transmutando-as de estáticas a algo maleável, modificável. Assim, são propostos novos sentidos ao que se lê e novos protocolos de leituras são adotados a partir da manipulação e da materialidade que o livro imprime. Além disso, a capacidade de interação apresentada promoveu maior aproximação entre leitor e ficção, contribuindo para que os protocolos de leitura do livro fossem alterados de uma concepção primordialmente visual para uma relação tátil-visual da obra, fazendo com que fossem possíveis novas visões que não se encontravam na amplitude original do que foi coletado e então materializado em escrita por Charles Perrault.

A partir da existência de múltiplas ferramentas de interação que se relacionam na obra, é possível perceber que ela é híbrida, mas atendendo ao título de livro-objeto, utilizando elementos tanto de livros-brinquedo (como o uso de diferentes tecidos e, por consequência, texturas e modos de interação), quanto recursos que são ferramentas normalmente atribuídas aos livros pop-up. Além disso, o livro apresenta uma multiplicidade de linguagens que caracteriza sua qualidade multimodal e multissensorial, reforçando as várias facetas que a obra analisada apresenta.

Por fim, a obra se posiciona frente ao texto clássico do qual ela foi inspirada sendo, além de uma releitura, um novo livro que também utiliza aquela narrativa já estabelecida como seu norte de criação. Chapeuzinho Vermelho e o Lobo invertem momentaneamente seus papéis, dando origem a um universo que não cabe na história cânone, mas que existe até a última página de AVHCV, ocasião em que o livro é reposicionado na “história original” conhecida. Cabe ao leitor, então, decidir, em uma estrada rumo a casa da vovozinha, qual caminho seguir.

REFERÊNCIAS

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  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    Autora também de A verdadeira história de cachinhos dourados (2014).
  • 2
    Ilustrador responsável também por A verdadeira história de cachinhos dourados (2014).
  • 3
    Produtor gráfico de obras como Bagagem (2016) e Indiscotíveis (2015).
  • 4
    Responsável pela tradução de Amizade improvável: uma aventura urbana (2008), O livro sem figuras (2015), entre outros.
  • 5
    Plataforma para hospedagem e reprodução de vídeos sob responsabilidade da Google LLC, de acesso gratuito.
  • 6
    Para Eulalia Agrelo Costas e Isabel Mociño-González (2019, p. 67), tais livros “(...) sem perder sua consistência física dos livros da cultura letrada, por meio da materialidade de seus volumes, a renovada expressão gráfica de seus discursos e a inclusão de complementos muito diversos (tiras, rodas, lapelas, desdobramentos, invólucros, texturas, cheiros...) abrem ao leitor múltiplas experiências sensoriais e de pensamento, sempre sob os efeitos da ludicidade e da interação”. Tradução nossa. No original, em espanhol: “(...) sen perder a súa consistencia física dos libros da cultura letrada, mediante a materialidade dos seus volumes, a renovada plasmación gráfica dos seus discursos e a inclusión de complementos moi diversos (tiras, rodas, lapelas, despregables, envoltórios, texturas, olores...) lle abren ao lector múltiples experiencias sensoriais e de pensamento, sempre baixo os efectos do ludismo e a interacción”.
  • 7
    Nas palavras de Eliane Debus, Maria Laura P. Spengler e Fernanda Gonçalves (2020, p. 09), “o livro brinquedo, com sua característica experimental, privilegia uma relação de proximidade com o leitor (...). Devido ao refinamento e sensibilidade nos projetos gráficos, seus artifícios engenhosos lhe conferem um caráter de exploração, que rompem a ideia de que devam ser ‘resguardados’ das crianças para que não estraguem (...). Suas características multifuncionais lançam um convite à brincadeira e ao manuseio (...). O livro brinquedo mobiliza afetos, sentimentos e impulsos por meio das relações sensoriais que emergem da interatividade”.
  • 8
    Sendo sinônimo para livro ilustrado, estas obras constituem, para Douglas Menegazzi e Eliane Debus (2020, p. 16) “um dos principais formatos contemporâneos de livro infantil (...), já que este tem por característica apresentar linguagens dinâmicas e atrativas às crianças, principalmente por meio da junção de textos e imagens”.
  • 9
    Para Rui de Oliveira (2008, p. 55), os livros pop-up são um tipo de “livro especial em que os personagens e as peças dos cenários são parcialmente recortados, muitas vezes móveis. À medida que a criança vai virando as páginas, as peças vão se armando”. Ao abrir o livro as ilustrações se projetam em direção ao leitor, convertendo as imagens bidimensionais para tridimensionais.
  • 10
    Assim sendo, consideraremos a primeira página, de número 1, aquela que é encontrada imediatamente após abrir a capa do livro e que inicia, de fato, a história contada.
  • 11
    A palavra “mal” é assim escrita propositalmente no livro, afinal, na própria carta que o lobo envia, ele trata de alguns desvios ortográficos. Assim, o desvio começa logo no nome do lobo, que escreve seu nome com L, invés da grafia com U.
  • 12
    As discussões sobre o papel da tradução e sua relevância são muito importantes, mas, pelas definições e objetivos deste estudo, não serão aqui contempladas.
  • 13
    Uma espécie de acabamento de pintura que produz um efeito metalizado e multicolorido.

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Parecer I

A proposta do artigo é de realizar uma análise interpretativa com foco na materialidade da obra A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho, de Agnese Baruzzi e Sandro Natalini (2020BARUZZI, Agnese; NATALINI, Sandro. A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho. Tradução de Índigo. São Paulo: Brinque-Book, 2020.). O texto sustenta sua análise em estudos sobre materialidade de obras para crianças e jovens, bem como dialoga com a teoria literária de modo geral. Todo o aporte teórico é pertinente, demonstrando domínio de conceitos consolidados pela crítica especializada em literatura infantil e juvenil. A análise, porém, não se restringe à aplicação de conceitos: consegue, além de propiciar um parecer crítico sobre a narrativa, apontar categorizações importantes para melhor compreendermos o livro-objeto, livro-brinquedo e álbum-ilustrado como obras literárias de valor para leitores infantis, seja no ambiente escolar, seja fora dele. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    26 Dez 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O artigo propõe uma análise interpretativa da estética literária e da materialidade da obra A verdadeira história de Chapeuzinho Vermelho (2020), reeditado em sua 10a edição. Tendo em vista o objetivo, cumpre com seu propósito e realiza a análise de maneira bastante minuciosa, sistematizada e bem documentada ao leitor, inclusive oportunamente inserindo QR Codes para a visualização de vídeos da interação com os mecanismos do livro-objeto. As referências bibliográficas e teóricas de base são coerentes e foram articuladas entre si de forma a dar boa sustentação para a análise e relato de relevâncias. As considerações e interpretações são significativas do ponto de vista da análise literária e da linguagem, bem como apresenta uma perspectiva, mesmo que única, da audiência. Contudo, nas considerações finais, ou tópico equivalente, pouco foi sistematizado quanto à variedade da materialidade enquanto recurso narrativo e quais são estes recursos que ampliam e reforçam a narrativa como uma variação da obra original de Charles Perrault. Ademais. sugiro revisar o abstract e alguns espaços extras entre palavras ao longo do texto. Também, o título parece funcionar melhor se for mais objetivo, uma sugestão é retirar o trecho antes dos dois pontos. Estas melhorias são sugestões, pois o texto está muito bem resolvido e pode contribuir muito com outros pesquisadores e especialmente com professores e mediadores de leitura para a infância; assim, se acatadas, parece-me que ficará ainda melhor. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    09 Jan 2024

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    08 Nov 2023
  • Aceito
    23 Fev 2024
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