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Trocas entre adultos e crianças e entre crianças: figuras de uma atividade responsiva

RESUMO

A primeira parte deste artigo traz algumas noções conhecidas dos trabalhos de Bakhtin e expõe outras inspiradas pela perspectiva bakhtiniana. Na segunda parte, o estudo proposto se centra sobre as diversas figuras da interação verbal que a noção de atividade responsiva de Bakhtin permitiu desenvolver. Em particular, as trabalhadas, entre outras, por Jacques Brès, de interdiscursividade, de interlocução e de intralocução, assim como as de movimento e de deslocamento que devemos a Frédéric François. Na terceira parte, esse conjunto nocional será testado em um corpus de interações verbais entre crianças pequenas e adultos, bem como entre apenas crianças. O estudo enfatiza a diversidade e o uso precoce dessas figuras na prática linguageira infantil. Ele mostra também o que uma abordagem bakhtiniana pode trazer aos trabalhos sobre a aquisição da linguagem.

PALAVRAS-CHAVE:
Dialogismo; Atividade responsiva; Aquisição da linguagem; Interações verbais

RÉSUMÉ

La première partie de cette contribution retient certaines notions connues des travaux de Bakhtine et en expose d’autres inspirées par la perspective bakhtinienne. Dans une deuxième partie, l’étude proposée se centre sur les diverses figures de l’interaction verbale que la notion d’activité responsive de Bakhtine a permis de développer. En particulier, celles travaillées, entre autres par Jacques Brès, d’interdiscursivité, d’interlocution et d’intralocution, ainsi que les celles de mouvement et de déplacement que l’on doit à Frédéric François. Dans une troisième partie, cet ensemble notionnel sera mis à l’épreuve d’un corpus d’interactions verbales entre de jeunes enfants et des adultes, ainsi qu’entre enfants. L’étude met l’accent sur la diversité et la précocité d’usage de ces figures dans la pratique langagière enfantine. Elle montre aussi ce qu’une approche bakhtinienne peut apporter aux travaux sur l’acquisition du langage.

MOTS-CLÉS:
Bakhtine; Dialogisme; Activité responsive; Acquisition du langage; Interactions verbales

ABSTRACT

The first part of this article relies on a number of well-known notions drawn directly from Bakhtin's work, while bringing to bear others inspired by the Bakhtinian perspective. The second part proposes a study dealing with the diverse kinds of verbal interactions rooted in Bakhtin's notion of responsive act. These include interdiscursivity, interlocution, and intralocution, elaborated by Jacques Brès among others, as well as moves and shifts, which we owe to Frédéric François. In the third part, this body of notions is tested on a corpus of verbal interactions between young children and adults, and between two or more children. The study stresses the diversity and early use of these different kinds of dialogical relations in children's language practices. It also shows how a Bakhtinian approach can contribute to research on language acquisition.

KEYWORDS:
Bakhtin; Dialogism; Responsive act; Language acquisition; Verbal interactions

Introdução

Mikhail Bakhtin foi uma importante fonte de inspiração do pensamento de Frédéric François (1992FRANÇOIS, F. Ébauche d’une dialogique. Connexions, 38, p.61-87, 1992. ), que lhe consagrou uma obra (FRANÇOIS, 2014)1 1 FRANÇOIS, F. Bakhtin completamente nu. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso, v. 9, n. SPE, p.47-172, 2014. . Nessa obra, ele retorna amplamente à noção de dialogismo, na qual ele reconhece “os infortúnios de um conceito quando ele se torna grande demais”. No entanto, ele conclui: “mas dialogismo de qualquer maneira!”. Esse conceito está no centro deste artigo.

A realidade efetiva da linguagem não é o sistema abstrato de formas linguísticas nem o enunciado monológico isolado, tampouco o ato psicofisiológico de sua realização, mas o acontecimento social da interação discursiva que ocorre por meio de um ou de vários enunciados. Desse modo, a interação discursiva é a realidade fundamental de língua.

Obviamente, o diálogo, no sentido estrito da palavra, é somente uma das formas da interação discursiva, apesar de ser a mais importante. No entanto, o diálogo pode ser compreendido de modo mais amplo não apenas como a comunicação direta em voz alta entre pessoas face a face, mas como qualquer comunicação discursiva, independentemente do tipo (VOLÓCHINOV, 2017, p.218-219)2 2 VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. [1929] .

Bakhtin foi primeiramente conhecido por seus trabalhos sobre o romance (Rabelais) e sobre a cultura popular (o carnaval). Uma grande parte de sua obra se encontra nesses domínios. Em seguida, ele se destacou como sociolinguista e fenomenólogo, se interessando pelo funcionamento dos discursos, em particular pela troca verbal. Desconsideramos aqui a dificuldade dos especialistas em distinguir dentre as publicações as que são efetivamente do autor e as que revelam sobretudo um pensamento de um círculo de intelectuais próximos, como Valentin Nikolaïevitch Volochinov ou Pavel Nikolaevič Medvedev.

Dos trabalhos de Bakhtin desde 1929, nós tomaremos aqui dois princípios. Primeiramente, que a comunicação humana deve ser estudada enquanto interação verbal; em seguida, que a pesquisa deve analisar as interações “espontâneas” antes das trocas “formalizadas”. A presente contribuição se situa nessa perspectiva.

De acordo com a perspectiva bakhtiniana, o discurso é sempre o produto da interação “entre dois indivíduos socialmente organizados” (2017, p.204)3 3 Para referência, ver nota de rodapé 2. . Essa afirmação apresenta um pressuposto cujas consequências analíticas não escaparam aos pesquisadores: todo discurso é, por natureza, dialógico em todos os aspectos da produção verbal. Obviamente, no caso do diálogo, toda réplica se articula àquilo que o interlocutor anterior acabou de dizer ou vai dizer. Mas também no caso do monólogo, seja ele oral ou escrito, pois tal produção também “responde, refuta ou confirma algo, antecipa as respostas e críticas possíveis, busca apoio e assim por diante” (2017, p.219)4 4 Para referência, ver nota de rodapé 2. . Podemos lembrar de outros níveis do funcionamento linguageiro geralmente citados, como os atos de linguagem, verdadeira ação linguageira cuja realização é modelada “pelo atrito da palavra com a palavra alheia” (2017, p.221)5 5 Para referência, ver nota de rodapé 2. . Ou, ainda, o nível da palavra em si, cuja significação é “produto das inter-relações do locutor com o ouvinte” (2017, p.205)6 6 Para referência, ver nota de rodapé 2. .

Desejo, neste artigo, retornar a certas noções bakhtinianas e àquelas que foram posteriormente por elas inspiradas. Meu objetivo é confrontá-las com trocas nas quais crianças pequenas estão em interação umas com as outras e com os adultos. Não se trata de trabalhar os usos infantis do diálogo em certa idade e menos ainda de apresentar um estudo sobre o desenvolvimento. Trata-se simplesmente de exemplificar a precocidade da capacidade das crianças pequenas de retomar e modificar, nos movimentos responsivos, a linguagem do outro.

1 O dialogismo bakhtiniano: relembrando de algumas noções

A noção de “dialogismo”, no sentido bakhtiniano, refere-se ao primado da interação verbal na linguagem e, de maneira mais geral, na natureza humana. Retomada nos trabalhos em ciências da linguagem, ela corresponde ao fato de que não existem discursos concebidos e produzidos por uma instância enunciativa que seja isolada da circulação dos discursos presentes, passados, futuros. Peytard escreveu: “um enunciado nunca está sozinho no mundo” (1999)7 7 No original: “un énoncé n’est jamais seul au monde (1999)”. . No que diz respeito às trocas linguageiras, um enunciado recebido não se interpreta de maneira literal, mas “responsiva”, posicionando toda tomada de palavra em referência aos outros, reais ou supostos.

A orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo discurso. Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus caminhos até o objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa (BAKHTIN, 1988, p.88)8 8 BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. São Paulo: Hucitec, 1988. p.71-210. .

O primeiro e mais importante critério de conclusibilidade do enunciado é a possibilidade de responder a ele, em termos precisos e amplos, de ocupar em relação a ele uma posição responsiva (BAKHTIN, 2003, p.280)9 9 BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [1979] .

Um enunciado qualquer é, assim, atravessado por diferentes vozes. As noções de dialogismo e “polifonia” se encontram, portanto, estreitamente ligadas e orientam, à sua maneira, os trabalhos que versam sobre as interações verbais (NOWAKOWKA, 2005NOWAKOWSKA, A. Dialogisme, polyphonie: des textes russes de M. Bakhtine à la linguistique contemporaine. In: Dialogisme et polyphonie: approches linguistiques. J. BRES et al (éds). Bruxelles: De Boeck Duculot, 2005. p.19-32.), especialmente, os trabalhos em aquisição da linguagem. Novas ferramentas descritivas se revelam úteis para analisar as trocas produzidas entre crianças e adultos e entre crianças. Além de lançar luz sobre o funcionamento dos diálogos, as análises mostram o que, na apropriação da linguagem, refere-se ao social (à socialização), ao cognitivo (às aprendizagens), ao afetivo (à construção de si).

A noção de dialogismo está também ligada à de gênero, que Bakhtin (2003)10 10 Para referência, ver nota de rodapé 9. trouxe do domínio da literatura para a vida cotidiana. Como sabemos, o uso dessa noção expandiu-se para categorizar os discursos cotidianos. Os diferentes gêneros estão ligados à atividade humana no seio das sociedades, alguns aparecem e outros tendem a desaparecer. Pudemos constatar isso, em um tempo relativamente curto, com a chegada das novas tecnologias e seu uso maciço, que, entre outras coisas, tornou as fronteiras entre os usos orais e escritos ainda menos claras. Os gêneros são, portanto, instáveis, evolutivos, criativos, ainda mais porque geralmente se apresentam de maneira híbrida. Sejam eles escritos, orais, gestuais, monologados, dialogados, plurissemióticos, os gêneros se misturam com os organizadores genéricos dominantes de outras sequências e estão na origem de múltiplos subgêneros. Esses subgêneros também não estão isentos de heterogeneidade, como se pode observar, por exemplo, na entrevista clínica (GROSSEN; SALAZAR ORVIG, 2006GROSSEN, M.; SALAZAR ORVIG, A. (dirs.). L’entretien clinique en pratiques. Analyse des interactions verbales d’un genre hétérogène. Paris: Belin, 2006.).

Os gêneros discursivos permanecem, no entanto, como tipos relativamente estáveis de discurso. São pontos de vista combinados por sua composição (configurações linguísticas gerais), por seu conteúdo (temáticas privilegiadas) e por seu estilo (colocação em palavras específicas); atendem, assim, a padrões e são reconhecíveis e reconhecidos por seus usuários que, ao fazer uso desses gêneros, os perpetuam e os transformam.

Se o dialogismo é inerente a toda atividade linguageira, podemos reservar o termo diálogo para um gênero do discurso particular que designa toda troca verbal entre dois ou mais interlocutores (dílogo, trílogo, polílogo etc.)11 11 N.T.: Os termos em francês são usados por linguistas conversacionais para designar trocas entre duas, três, quatro ou mais pessoas. Na versão em francês, constam os termos dilogue, trilogue, quadrilogue e plurilogue. Essa distinção em relação ao termo “diálogo” feita pela autora deve-se ao fato de este último não especificar o número de interlocutores. Isto porque os prefixos “dia” e "di" são muitas vezes confundidos e o termo “diálogo” pode assumir, equivocadamente, o significado de “troca a dois”. , bem como para todos os tipos de trocas (conversações comuns, entrevistas, negociações, confidências, interrogatórios etc.). Entretanto, ainda em uma perspectiva bakhtiniana, o diálogo cotidiano é considerado como um gênero primário, como o protótipo de todos os gêneros de produção verbal e, para o que nos interessa aqui, como a primeira figura discursiva da apropriação da linguagem pelas crianças. Bakhtin fala de gêneros secundários para se referir às formas modificadas do gênero primário, que vamos encontrar em todas as produções linguageiras formais.

2 O dialogismo bakhtiniano, ponto de partida de um dispositivo descritivo

2.1 Uma constatação: a diversidade do gênero

Cabe-nos apenas constatar e lembrar que a diversidade do gênero está ligada aos parâmetros do contexto, aos estatutos e aos papéis dos interlocutores: trocas aleatórias ou previstas, formais ou informais, finalizadas ou não etc. Os diálogos podem ocorrer de forma simétrica quando os interlocutores têm a possibilidade de intervir da mesma forma (todos colocam questões, respondem, falam sucessivamente etc.); de forma complementar quando se verifica uma clara distribuição de lugares enunciativos (um faz perguntas, o outro responde; um conta, o outro comenta). Em todos os casos, eles podem ser competitivos ou cooperativos, consensuais ou conflituais.

2.2 Processos externos e internos: o dialogal e o dialógico

O conceito de dialogismo implica que toda verbalização está fundamentalmente ligada às verbalizações do outro no diálogo imediato (que está acontecendo), mas também à distância (que aconteceu). A utilização dos dois é ainda mais facilmente reconhecível quando há um histórico conversacional entre os interlocutores. A análise dos diálogos deve, assim, levar em conta a familiaridade entre as pessoas que interagem, seja de forma oral ou escrita, o que representa uma fonte de um implícito em maior ou menor grau.

Algumas noções devem ser lembradas (BRÈS, 1999BRÈS, J. “Vous les entendez?” Analyse du discours et dialogisme. Modèles linguistiques, Association Modèles linguistiques/Editions des dauphins, 1999, XX (2), p.71-86., 2005BRÈS, J. “Savoir de quoi on parle: dialogue, dialogal, dialogique, polyphonie”. In: BRÈS et al. (éds). Dialogisme et polyphonie: approches linguistiques. Actes du Colloque de Cérisy-la-Salle. Bruxelles: De Boeck Duculot, 2005. p.47-62.). Nomeamos “dialogal” a dimensão das relações entre enunciados no diálogo imediato, e “dialógico” no diálogo à distância. O interesse dessa distinção é observar que, ainda que não haja o dialogal no diálogo à distância (in abstentia), há sempre o dialógico no diálogo imediato (in praesentia). O dialógico está presente em toda parte, mas, contrariamente ao dialogal, ele não é necessariamente visto, a menos que haja uma marcação explícita (citação, discurso relatado).

O diálogo, de fato, tem uma certa materialidade: nós “vemos” as palavras que são trocadas; quando dizemos que um monólogo retoma à distância a palavra de um outro indeterminado, não estamos no inverificável? (FRANÇOIS, 1988FRANÇOIS, F. Continuité et mouvements discursifs: un exemple chez des enfants de trois ans. Modèles linguistiques. tome X (fasc 2), p.17-36, 1988. , p.18)12 12 No original: “Le dialogue, de fait, a une certaine matérialité: on “voit” les paroles qui s’échangent; lorsqu’on dit qu’un monologue reprend à distance la parole d’un autre indéterminé, n’est-on pas dans l’invérifiable?” (FRANÇOIS, 1988, p.18). .

Os fenômenos dialogais afetam a estrutura externa, manifesta na superfície do enunciado; os fenômenos dialógicos, sua estrutura interna, profunda, secreta (BRES, 2005BRÈS, J. “Savoir de quoi on parle: dialogue, dialogal, dialogique, polyphonie”. In: BRÈS et al. (éds). Dialogisme et polyphonie: approches linguistiques. Actes du Colloque de Cérisy-la-Salle. Bruxelles: De Boeck Duculot, 2005. p.47-62., p.55)13 13 No original: “Les phénomènes dialogaux affectent la structure externe, manifeste de la surface de l’énoncé; les phénomènes dialogiques sa structure interne, profonde, secrète” (BRÈS, 2005, p.55). .

O analista pode identificar sem grande dificuldade a dimensão dialogal dos processos externos que remetem os discursos uns aos outros. Por outro lado, a tarefa é mais complexa quando se trata de processos internos. Mas isso não significa que eles sejam independentes do que é implementado, do ponto de vista do dialogismo, no diálogo efetivo. Interioridade e exterioridade das relações entre discursos se combinam, testemunhando uma atividade responsiva em vários níveis de temporalidade.

2.3 Figuras da atividade responsiva: o interdiscursivo, o interlocutivo, o intralocutivo

Podemos desenvolver a ideia de processos internos e externos especificando a natureza da orientação de um discurso sobre outros discursos (BRES, 1999BRÈS, J. “Vous les entendez?” Analyse du discours et dialogisme. Modèles linguistiques, Association Modèles linguistiques/Editions des dauphins, 1999, XX (2), p.71-86., 2005). O “dialogismo interdiscursivo”, a princípio, o mais generalizado, refere-se aos discursos anteriormente realizados por terceiros, mais frequentemente sobre conteúdos próximos. A atividade responsiva visa, assim, uma circulação dos discursos dos quais o locutor não é necessariamente consciente. Em seguida, o “dialogismo interlocutivo” refere-se aos turnos de fala anteriores do alocutário no diálogo efetivo. A atividade responsiva do locutor se baseia, nesse caso, nas verbalizações do alocutário, mas também nas representações que o locutor faz dele. A atividade responsiva pode, então, ter como objeto as respostas potenciais emprestadas pelo locutor ao seu interlocutor, que podemos qualificar de dialogismo interlocutivo antecipativo. Por fim, o “dialogismo intralocutivo” refere-se ao discurso sobre ele mesmo, o locutor sendo seu primeiro alocutário. Durante a verbalização de seu discurso, o locutor interage com o que ele disse anteriormente, com o que ele está dizendo e com o que ele vai dizer. O dialogismo intralocutivo insiste sobre a dimensão reflexiva do discurso, focalizando-se sobre a relação entre o sujeito falante e sua própria palavra.

2.4 Dinâmica da atividade responsiva: movimento e deslocamento discursivos

A expressão do enunciado, em maior ou menor grau, responde, isto é, exprime a relação do falante com os enunciados do outro, e não só a relação com os objetos do seu enunciado. As formas de atitudes responsivas, que preenchem o enunciado, são sumamente diversas e até hoje não foram objeto de nenhum estudo especial (BAKHTIN, 2003, p.298)14 14 Para referência, ver nota de rodapé 9. .

A questão do dialogismo, tal como pensada por François a partir das ideias de Bakhtin, o conduziu a trabalhar o problema das formas de reações-respostas e a propor, para avançar na reflexão, a noção de movimento e, mais precisamente, a de deslocamento. A questão é compreender de que forma, na dinâmica de uma troca, assim como em todas as intervenções, toda verbalização se situa em uma posição de resposta.

Não se trata de construir um sistema, mas de mostrar o que se passa quando falamos, mais especificamente, o que se passa em posição segunda em relação a qualquer coisa que acaba de ser dita, portanto, de descrever um movimento discursivo (FRANÇOIS, 1990FRANÇOIS, F. (éd.). La communication inégale, heurs et malheurs de l’interaction verbale. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1990., p.93)15 15 No original: “Il ne s’agit pas de construire un système mais de montrer ce qui se passe quand on parle, plus spécifiquement, ce qui se passe en position seconde par rapport à quelque chose qui vient d’être dit, donc de décrire un mouvement discursif”(FRANÇOIS, 1990, p.93). .

Um ponto de vista se opõe a outros pontos de vista. Ele retoma-modifica o discurso de outrem e, nesse sentido, sua forma de se manifestar não é indiferente, pois o que vai fazer sentido não é o enunciado como tal, mas seu movimento em relação ao que o precede, tanto no caso de um encadeamento in situ com um interlocutor real quanto no caso de uma relação com uma tradição cultural e com leitores ausentes (FRANÇOIS, 2005FRANÇOIS, F. Interprétation et dialogue chez des enfants et quelques autres. Lyon: ENS Éditions, 2005., p.65)16 16 No original: “Un point de vue s’oppose à d’autres points de vue. Il reprend-modifie le discours d’autrui et, en cela, sa façon de se manifester n’est pas indifférente, puisque justement ce qui va faire sens, ce n’est pas l’énoncé en tant que tel, mais son mouvement par rapport à ce qui précède dans le cas d’un enchaînement in situ à un interlocuteur réel comme dans le cas du rapport à une tradition culturelle et à des lecteurs absents” (FRANÇOIS, 2005, p.65). .

A noção de deslocamento discursivo especifica a de movimento na medida em que identifica as modalidades de produção do sentido (FRANÇOIS, 1988FRANÇOIS, F. Continuité et mouvements discursifs: un exemple chez des enfants de trois ans. Modèles linguistiques. tome X (fasc 2), p.17-36, 1988. , 1989FRANÇOIS, F. De quelques aspects du dialogue psychiatre-patient. Place, genres, mondes et compagnie. Cahiers d’acquisition et de pathologie du langage, 5, p.39-89, 1989.). É importante ressaltar que a ausência de produção de sentido pode existir nas trocas: uma sucessão de intervenções sem um contínuo compartilhado ou, ao contrário, uma total conivência de conteúdos, na qual o falante seguinte não acrescenta nada ao que disse o falante anterior. Por outro lado, o sentido é produzido quando o discurso retoma o já dito, imediatamente ou em um tempo mais distante, modificando-o de diversas maneiras pelo movimento discursivo. A atividade responsiva que disso resulta pode constituir uma retomada ou uma contra-palavra. Na verdade, todo movimento pode estar em continuidade ou em descontinuidade em relação ao que o precede (localmente ou globalmente), em convergência ou em divergência (segundo os pontos de vista). A continuidade refere-se ao que é retomado, mais ou menos modificado (por exemplo, a paráfrase). A descontinuidade, ao que é deslocado (por exemplo, as mudanças de mundo).

Tendo dito isso, podemos supor que não há um número infinito de procedimentos que permitem que um discurso se prenda a outro discurso e produza efeitos de sentidos, tanto na retomada quanto no deslocamento (adição, paráfrase, justificação, explicação, ajuste metadiscursivo, suporte enunciativo, mudança de mundo etc.).

Meu objetivo agora é ver o que acontece, dentro dessa perspectiva, em se tratando de algumas crianças pequenas.

3 Diálogos nos quais as crianças são os interlocutores

Voltemos ao diálogo como gênero primário. A primeira coisa que chama a atenção do recém-nascido, em direção ao qual ele se orienta, é o rosto humano, o de um ser que lhe fala desde os primeiros instantes de sua existência. O adulto, mediador entre a criança e o mundo, é, entre outras coisas, um interlocutor. O diálogo se encontra, então, no início da experiência linguageira, e o monólogo vem em seguida, como interiorização das interações vividas.

3.1 Escolhas metodológicas

Apoiando-me em François, eu diria que duas armadilhas devem ser evitadas ao descrever o desenvolvimento da linguagem da criança. Em primeiro lugar, a de não levar em conta a diversidade das semióticas usadas nas trocas (os diversos meios não verbais para se referir ao mundo e aos outros). Em seguida, a de deixar de lado a anterioridade das competências interacionais (pragmáticas, sobretudo) em relação às competências linguísticas, como aquelas que se busca rapidamente quantificar. Para tratar disso sem rodeios, uma criança que não conquistou um estatuto de interlocutor e recursos comunicativos antes de dominar sua(s) língua(s) terá grande dificuldade para adquiri-la(s). François identifica, por exemplo, na criança muito pequena, capacidades de metalinguagem e de comentários fora de suas habituais formas linguísticas que parecerão ainda melhores se forem manifestadas em outra semiótica. Refiro-me a um caso (FRANÇOIS, 1994FRANÇOIS, F. Quelques remarques sur l’entrée de l’enfant dans le langage. L’enfance du langage. Les cahiers de Fontenay, 75, ENS Fontenay-Saint-Cloud, p.55-67, 1994. ) que qualquer adulto que lida com crianças pequenas conhece bem: o movimento repetitivo dos olhos que vai do objeto ao adulto e o sorriso provocador da criança que estende a mão para um objeto proibido! As crianças entram, portanto, na linguagem e depois na(s) sua(s) língua(s) pelas trocas nas quais a plurissemiótica evolui: visualidade, vocalidade, verbalidade agenciadas de múltiplas formas. Elas o fazem, a princípio, com os interlocutores privilegiados (pais, irmãos, parentes), em seguida, com pessoas mais distantes, até com estranhos, adultos e crianças.

Se, por um lado, a maior parte dos pesquisadores concorda ao reconhecer a necessidade de se registrar as interações “naturais” em situações variadas de trocas linguageiras, por outro, eles adotam metodologias de análise de dados diversas. Para não nos alongarmos neste ponto e retornarmos à questão do dialogismo, podemos opor uma abordagem dedutiva, que aplica aos dados um modelo construído hipoteticamente, a uma abordagem indutiva, que parte dos dados, identificando neles os processos graças às regularidades de uso, para então construir, em seguida, um modelo. O modelo hierárquico em suas diversas versões (segmentação em unidades de diferentes categorias: interação, sequência, troca, intervenção, ação) se opõe, assim, ao modelo dinâmico, que visa a funcionalidade dos encadeamentos. A diferença essencial é que, em um caso, a análise diz respeito a um todo acabado, o “produto” da interação; no outro caso, ao “processo” que constitui o desenrolar da troca. De um lado, o fato, de outro, aquilo que está se construindo. Essa segunda abordagem que, finalmente, tenta compreender a maneira pela qual um enunciado se entrelaça a um outro, “responde” a um outro, é mais adequada a uma perspectiva bakhtiniana.

3.2 Diversidade do dialogismo

Os exemplos tomados para este artigo foram retirados de registros em condições mais “naturais” possíveis17 17 Na França, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) (https://www.cnil.fr/fr/reglement-europeen-protection-donnees/chapitre1#Article4) entrou em vigor em 25 de maio de 2018. Os dados apresentados neste artigo foram coletados e analisados antes da entrada em vigor desta leiO corpus foi registrado por mim junto a famílias de uma rede de amigos e em classes de Educação Infantil às quais eu tive acesso durante minhas pesquisas. A apresentação dos dados obedece, ademais, ao artigo 4º do RGPD na medida em que não fornecem qualquer informação que permita identificar direta ou indiretamente as pessoas cujos discursos são apresentados. . São trocas comuns ligadas à convivência, apreendidas nas situações verbais conhecidas pelas crianças e com as quais elas têm uma experiência cotidiana. Essas crianças interagem com os pais ou entre elas e, nesse caso, já se conhecem e construíram rotinas conversacionais. Os lugares de cada um nessas interações têm, portanto, uma história, mas, como sabemos, tudo pode se rearranjar na dinâmica da troca.

Optei pela diversidade: privilegiando os contextos não institucionais DELAMOTTE, 2004DELAMOTTE, R. Un oral au quotidien: narration et explication dans des conversations enfantines. In: Interactions orales en contexte didactique. A. Rabatel (dir.). Lyon: PUL, 2004. p.91-114.), não negligenciando as trocas entre crianças (GARITTE, 1998GARITTE, C. Le développement de la conversation chez l’enfant. Paris Bruxelles: De Boeck Université, 1998.) e os trílogos (DELAMOTTE, 2009DELAMOTTE, R. Conduites explicatives dans des trilogues enfantins. In: A. SALAZAR ORVIG, E. VENEZZIANO (eds.). L’explication, enjeux communicationnels et cognitifs. Leuven, Belgium: Éditions Peters, 2009. p.28-42. , 2010DELAMOTTE, R. Interactions entre pairs dans des échanges ordinaires et développement du langage chez de jeunes enfants. Revue TRANEL, Interactions et Apprentissages, 44/45, Neuchâtel: Presses Universitaires, p.29-44, 2010. ), ambos menos trabalhados que os dílogos adulto/criança. Considerando os limites deste artigo, meu objetivo não é comparar esses diferentes contextos, mas descrever algumas figuras da atividade responsiva em ato nas crianças pequenas. Os exemplos que trago não têm necessariamente uma ligação entre eles, exceto pela presença dos movimentos do discurso teorizados anteriormente.

Vejamos, a princípio, dois exemplos18 18 A transcrição dos excertos do corpus escolhidos visa a uma facilitação da leitura. Para a criança mais nova (23 meses), a pronúncia e as expressões cristalizadas foram mantidas a mínima. de “dialogismo interlocutivo” capazes de explicar a escolha metodológica de análise.

Exemplo n°1: Clément tem 4 anos, ele está brincando com seus carros sobre o tapete e sua mãe, sentada no sofá, lê uma revista. A interação apresenta 8 intervenções, 4 para cada interlocutor.

1 - Clément: meu carro está quebrado19 19 No original: “1 - Clément: ma voiture elle est cassée / 2 - Mère: faut demander à papa / 3 - Clément: mais je lui ai dit / 4 - Mère: et ben c’est bien/ 5 - Clément : oui mais il a dit /on verra/ 6 - Mère: et ben tu vois! / 7 - Clément: oui mais / quand il dit ça / c’est qu’il fait pas! / 8 - Mère : donne / je vais la réparer!”.

2 - Mãe: tem que pedir pro papai

3 - Clément: mas eu falei pra ele

4 - Mãe: então tá bom

5 - Clément: sim mas ele disse / vamos ver /

6 - Mãe: viu só!

7 - Clément: sim mas / quando ele diz isso / quer dizer que ele não vai fazer!

8 - Mãe: dá / eu vou consertar!

Se nos ativermos à totalidade do produto acabado, podemos claramente isolar uma sequência de negociação no interior de uma troca: Clément mostra seu carro e chama atenção para o seu estado (em 1), sua mãe aceita consertá-lo (em 8). A sequência, ali inserida, é constituída de três trocas seguidas, construídas sobre o mesmo modelo, cada tentativa da mãe sendo contrariada por Clément (“mas”, “sim mas”). A análise dos atos de linguagem indica que se trata de uma negociação. Temos, então, uma troca equilibrada e perfeitamente estruturada.

A análise dos movimentos/deslocamentos nos diz outra coisa. A mãe interpreta a constatação de Clément como um pedido (deslocamento do ato linguageiro) que ela transfere para o pai (deslocamento de ator), deixando claro que o objeto carro está culturalmente mais relacionado a uma responsabilidade do pai do que da mãe. O encadeamento “carro” - “papai” comporta um forte implícito social. O deslocamento é, portanto, duplo: discursivo (constatação/pedido) e de mundo (mãe/pai). A resposta de Clément se encadeia sobre os dois aspectos do discurso (“diz”) e da pessoa (“ele”). A conjunção “mas”, cuja função coordenadora só é possível no início da intervenção em uma “posição responsiva”, constitui ao mesmo tempo um enriquecimento (a criança antecipou o implícito social formulado pela mãe) e uma objeção. A mãe encadeia, em seguida, em continuidade (“então”), a prosódia do “tá bom” tentando encerrar a interação. A retomada responsiva de Clément apresenta diversos movimentos: um encadeamento em continuidade (“sim”), seguido de uma objeção (“mas”) e um deslocamento de temporalidade do passado para o futuro (“ele disse”, “vamos ver”). Esse deslocamento dá ainda mais força ao argumento: nada ainda foi feito. A mãe encadeia, mantendo o mesmo processo de continuidade por essa repetição “então”, um marcador específico para levar em conta o que acaba de ser dito. Ela redobra essa marca de continuidade com uma segunda (“viu só”) que, mais uma vez, convida a um encerramento. Nova intervenção de Clément cujos primeiros movimentos são os mesmos que anteriormente, mas que ele completa com dois deslocamentos: um primeiro interdiscursivo, que retoma a palavra do pai; um segundo que troca de mundo, do dizer ao fazer. A resposta final da mãe está em total descontinuidade em relação aos movimentos anteriores e opera uma continuidade apenas com a primeira intervenção de Clément. Embora a análise pudesse ir bem mais longe, eu a encerro aqui. Eu acrescentaria, no entanto, que a dinâmica de interação também se deve ao fato de que os dois interlocutores não apenas encadeiam sobre a tomada da palavra do outro, mas também sobre a própria, cada um retomando o processo discursivo que já empregou anteriormente. Continuidade sobre o outro e continuidade sobre si.

No próximo exemplo, uma estruturação hierárquica é ainda mais difícil de identificar, pois os turnos estão diretamente associados à manipulação de objetos e também porque a criança é mais nova. Aqui, novamente as intervenções estão distribuídas igualmente entre o adulto e a criança. Como no exemplo anterior, é a criança que toma a iniciativa da interação.

Exemplo n°2: Dorian tem 23 meses. Ele está brincando no quarto de sua avó, que arruma as roupas.

1 - Dorian: ceviu cubo (você viu o cubo) - Dorian pega uma caixa que está sobre um aparador20 20 No original “1 - Dorian: tavu cube (tu as vu le cube) - Dorian prend une boîte posée sur un buffet / 2 - GM: fais attention c’est fragile / 3 - Dorian: equoiça? (c’est quoi ça?) / 4 - GM: une grosse boîte / 5 - GM: je l’ouvre? / 6 - Dorian: vi (oui) / 7 - GM: c’est joli ça? / 8 - Dorian: vi (oui) / 9 - Dorian: (il agite sa main au-dessus de la boîte) e bo / toutça! (c’est beau, tout ça) / 10 - GM: oui / c’est des bijoux de mamie / 11 - Dorian: donne a main (donne dans ma main) / 13 - GM: non / toi prends en un / mais doucement / 14 - Dorian: ayé suila (ça y est celui-là) - Dorian a pris une broche / 15 - GM: très bien / 16 - GM: maintenant remets dans le coffre / 17 - Dorian: apu (y’a plus)! - Dorian a posé délicatement la broche dans la boîte / 18 - Dorian: anko (encore)? / 19 - GM: encore quoi? / 20 - Dorian : biyou pu ma (un bijou pour moi) / 21 - GM: je te donne un autre? / 22 - Dorian: ma donne ot (donne-moi un autre) / 23 - GM: celui-là alors / il est beau - GM met dans la main de Dorian un pendentif turquoise / 24 - GM: tu vois la belle couleur? / 25 - Dorian: vi / e bleu (oui, il est bleu) / 26 - Dorian: (il remet le bijou dans la boîte) et voilà! / 27 - Dorian: fini mainan (fini maintenant) / 29 - GM: on ferme la boîte? / 30 - Dorian: non pas fem (non, on ne ferme pas) / 31 - Dorian: mont a lili (on montre à Elise - la grande soeur) / 32 - GM: d’accord”.

2 - Avó: toma cuidado que isso quebra

3 - Dorian: quéisso? (o que é isso)

4 - Avó: uma caixa grande

5 - Avó: posso abrir?

6 - Dorian: sim (sim)

7 - Avó: é bonito isso?

8 - Dorian: sim (sim)

9 - Dorian: (ele mexe sua mão em cima da caixa) é bonito / tudoisso! (é bonito, tudo isso)

10 - Avó: sim / são as joias da vovó

11 - Dorian: dá a mão (dá na minha mão)

13 - Avó: não / pega uma só / mas devagar

14 - Dorian: essaqui (essa aqui) - Dorian pegou um broche

15 - Avó: muito bem

16 - Avó: agora põe de volta no porta-joias

17 - Dorian: tem mais (tem mais) - Dorian colocou delicadamente o broche dentro da caixa

18 - Dorian: ota (outra)?

19 - Avó: outra o quê?

20 - Dorian: joia pa mim (uma joia pra mim)

21 - Avó: eu te dou outra?

22 - Dorian: dá ota (me dá outra)

23 - Avó: esse aqui então / ele é bonito - GM coloca na mão de Dorian um pingente turquesa

24 - Avó: tá vendo que cor linda?

25 - Dorian: sim / é azul (sim, é azul)

26 - Dorian: (ele coloca a joia na caixa) pronto!

27 - Dorian: acabo gora (acabou agora)

29 - Avó: vamos fechar a caixa?

30 - Dorian: não fecha (não, não vamos fechar)

31 - Dorian: mostra lili (vamos mostrar pra Elise - a irmã mais velha)

32 - Avó: tá bom

De maneira geral, e isso está ligado à atividade em curso, os deslocamentos dizem respeito à ação (ver, fazer, dar, pegar, ouvir, fechar, colocar, acabar). Entretanto, é a quantidade de retomadas e de retomadas-modificações em todos os níveis da verbalização que garante a dinâmica rígida da interação. Eu escolhi esse excerto do corpus por causa de sua diferença em relação ao excerto anterior. Em termos de movimento, a diferença marcante em relação ao exemplo de Clément é o número de autoencadeamentos (13 das 32 intervenções), divididos da seguinte maneira: dois para a avó: 4/5, 15/16 e nove para Dorian: 8/9, 17/18, 25/26/27, 30/31. Para não tornar a análise muito cansativa, vamos pegar apenas o primeiro autoencadeamento de Dorian. Em 7, a avó pergunta “é bonito esse?”, que leva, sem surpresa, à resposta “sim”. Entretanto, a criança opera sobre a sua própria intervenção um deslocamento semântico, em 9, por uma retomada-modificação de “bonito” em “é bonito / tudo isso”, que amplia a qualificação dos objetos do porta-joias. A avó retomará “bonito” em 23. A análise deve, nesse nível, levar em conta a dimensão da entonação: enquanto “bonito” da avó é dito de forma neutra com uma entonação banalmente ascendente de questão, o “é bonito” de Dorian é uma exclamação de admiração amplificada por “tudo isso”. Podemos atribuir ao deslocamento de Dorian o deslocamento responsivo da avó de “isso”, utilizado desde o começo, para “joias”, palavra que será retomada por Dorian em 20.

O interessante do exemplo a seguir está no surgimento do “dialogismo interdiscursivo” como um organizador dominante da interação. Na verdade, 4 das 8 intervenções retomam explicitamente os discursos anteriores (o “dito”), produzidos seja pelo grupo presente, seja pela professora ausente. E se consideramos que a última intervenção “é a regra” retoma também uma construção discursiva anterior, apenas 3 de 8 intervenções escapam a esse domínio (1, 4, 5). Poderíamos também considerar um fato anterior, cujo conteúdo não sabemos exatamente, a intervenção 4 (“eu já fiz isso”). Permanece, assim, à favor do hic et nunc a primeira e a quinta intervenções de Oscar que, finalmente, é o único a realizar seu discurso no presente (“você vai procurar”, “eu pulo a minha vez”, “Aline que vai”).

Exemplo n°3: As crianças têm 5 anos e estão sentadas ao redor de uma mesa na sala de aula.

1 - Oscar: você / você vai procurar os marcadores e as tesouras21 21 No original: “1 - Oscar: toi / tu vas chercher les feutres et les ciseaux / 2 - Tom: non / on a discuté / on a dit que c’était à tour de rôle / 3 - Oscar: oui mais / aujourd’hui c’est moi le responsable a dit la maîtresse / 4 - Tom: oui mais / moi je l’ai déjà fait / 5 - Oscar: alors / je saute mon tour et c’est Aline qui va / 6 - Aline: d’accord / mais on dit que demain tu reprends ton tour / 7 - Tom: obligé / parce que c’est la maîtresse qui l’a dit / 8 - Aline: c’est la règle”.

2 - Tom: não / a gente conversou / a gente disse que era um de cada vez

3 - Oscar: sim mas / hoje sou eu o responsável a professora disse

4 - Tom: sim mas / eu já fiz isso

5 - Oscar: então / eu pulo a minha vez é a Aline que vai

6 - Aline: tudo bem / mas fica combinado que amanhã é a sua vez de novo

7 - Tom: com certeza / porque foi a professora que disse

8 - Aline: é a regra

No exemplo n° 4 que segue, é a aparição de um “dialogismo intralocutivo” que chama a atenção. Ele é, sem dúvida, favorecido pelo fato de que as duas meninas (5 anos) estão desenhando lado a lado e olham com atenção para as folhas de desenho, indo de uma à outra, sem trocas de olhares entre si.

1 - Muriel: olha / a menina está colhendo flores22 22 No original: “1 - Muriel: regarde / la fille elle cueille des fleurs / 2 - Sophie: moi aussi elle cueille des fleurs / 3 - Muriel: mais c’est pas les mêmes hein / 4 - Sophie: ah non pas les mêmes / j’ai dit moi aussi mais moi c’est sur les arbres / 5 - Sophie: elle a une belle robe ta tienne / 6 - Muriel: non ça c’est une jupe 7 - Sophie: moi c’est une robe / 8 - Muriel: ah oui une robe / je dirai une longue robe / 9 - Sophie: Je vais faire main(te)nant des p’tits oiseaux dans les arbres / 10 - Muriel: moi aussi des gros / comment je vais faire y’a pas d’arbre / 11 - Sophie: tu peux pas le faire / 12 - Muriel: ben non / c’est dommage / ben si / un gros qui vole”.

2 - Sophie: a minha também ela está colhendo flores

3 - Muriel: mas não são as mesmas né

4 - Sophie: ah não, não são as mesmas / eu disse que a minha também mas a minha está em cima das árvores

5 - Sophie: ela está com um vestido bonito a sua

6 - Muriel: não isso é uma saia

7 - Sophie: da minha é um vestido

8 - Muriel: ah sim um vestido / eu diria um vestido longo

9 - Sophie: eu vou fazer agora uns passarinhos nas árvores

10 - Muriel: eu também grandes / como que eu vou fazer não tem árvore

11 - Sophie: você não pode fazer

12 - Muriel: ah não / que pena / ah sim / um grande voando

13 - Sophie: eu também posso fazer um grande voando

A interação se refere ao que é igual e ao que é diferente na descrição dos desenhos que estão sendo feitos. A continuidade se dá nos movimentos de retomada das verbalizações do que é igual e nos deslocamentos de formulação do que é diferente. O discurso descritivo feito em conjunto por Muriel e Sophie se distribui tanto na interlocução por encadeamento de uma criança sobre a outra quanto na intralocução de uma criança sobre ela mesma. É dessa forma em 4, onde Sophie retoma seu próprio discurso para contestá-lo; em um mesmo movimento, ela se cita (“eu também”), se refuta (“mas”) e se justifica (“está em cima das árvores”). É assim em 10 e em 12, onde Muriel se interroga (“como”) e debate consigo mesma a possibilidade de desenhar pássaros (“ah sim”, “ah não”). Esse caso é particularmente interessante por seu aspecto reflexivo, pois o locutor se volta sobre seu enunciado e cria uma distância enunciativa interna em relação a seu próprio discurso. Uma figura mais complexa de intralocução concerne a intervenção 8, em que Muriel reformula, tanto para Sophie (intervenção 7) quanto para si mesma, “vestido” por “vestido longo”. Na reformulação de Sophie que precede a de Muriel, a retomada-modificação de Muriel passa a ser imediata e duplamente responsiva.

Para fechar sem concluir

Frédéric François (1991FRANÇOIS, F. Le dialogue en maternelle. Mise en mots et enchaînements. In: M.WIRTHNER, D. MARTIN, P. PERRENOUD (dirs.). Parole étouffée, parole libérée. Fondements et limites d'une pédagogie de l'oral. Neuchâtel et Paris: Delachaux et Niestlé, 1991. p.55-74.) define como “espaço de jogo” a dupla relação entre a manutenção do campo temático e os efeitos dos múltiplos deslocamentos discursivos. Ele ressalta a importância daquilo que constitui os verdadeiros “jogos de linguagem” e que enriquece nossas interações com as crianças e entre as crianças. Eles exploram, na verdade, para nossa grande felicidade, o vasto dialogismo da dimensão metalinguageira que faz dialogar a língua com ela mesma. As “palavras de crianças” remetem ao talento precoce do deslocamento do sentido das palavras, verdadeira “arte da réplica” no diálogo (DELAMOTTE, 2007DELAMOTTE, R. Des connaissances conversationnelles ignorées: l’art de la réplique chez de jeunes enfants. In: M. C. PENLOUP, (dir.) Les connaissances ignorées: approches interdisciplinaires de ce que savent les élèves. Lyon: INRP, 2007. p.45-75. , 2008DELAMOTTE, R. Dans les interstices du dialogue: jeux de langage et confidences enfantines. In: R. DELAMOTTE, C. HUDELOT, A. SALAZAR ORVIG (éds.). Dialogues, mouvements discursifs, significations. Paris: EME Éditions, 2008. p.177-190. [Collection Sciences du langage]).

Exemplo n°5: Margot, 3 anos e meio de idade, brinca com seus pais de “Em que animal eu estou pensando”.

1 - Margot: papai está pensando em um animal / mamãe, você pode falar uma pergunta?23 23 No original: “1 - Margot: papa, il a un animal dans la tête / maman, tu peux lui parler une question? / 2 - Mère: je cherche / mais on dit poser une question / alors, voyons, est-ce qu’il a des cornes? / 3 - Margot: à toi papa de poser ta réponse! / 4 - Père: oui, il a des cornes / mais, tu vois, là, on dit donner une réponse / 5 - Margot: zut alors / c’est trop difficile ce jeu avec papa, maman!”.

2 - Mãe: estou pensando / mas a gente diz fazer uma pergunta / então, vejamos, ele tem chifres?

3 - Margot: sua vez papai de fazer sua resposta!

4 - Pai: sim, ele tem chifres / mas, tá vendo, aí a gente diz dar uma resposta

5 - Margot: puxa vida / é muito difícil esse jogo com o papai, mamãe!

O que importa nesse pequeno diálogo não é contabilizar o número de atos de linguagem no interior de cada intervenção, nem categorizar a natureza da passagem de uma troca a outra, mas constatar como interagem linguageiramente dois mundos, o do jogo e o da língua, com o deslocamento de um sobre o outro concentrado na última intervenção inesperada (para um adulto) de Margot.

O último exemplo, por sua vez, centra-se mais especificamente na língua, através de um encadeamento de formas linguísticas em uma espécie de escalada oratória cujo desenrolar produz uma sequência experimentada como cômica pelos três interlocutores.

Exemplo n°6: Camille e Pierre, gêmeos de 5 anos, fazem em casa fantoches para a aula.

1 - Pai: não tem fantoches na escola?24 24 No original: “1 - Père: y’a pas de marionnettes à l’école? / 2 - Camille: non / y’en a pas / c’est nous qui les font! / 3 - Père: qui les faisons / 4 - Pierre (un ton plus haut) non, qu’on les font ! 5 - Père: (criant et riant) qu’on les fait! / 6 - Camille: (hurlant et chantant) ainsi font font font les petites marionnettes!”.

2 - Camille: não / não tem / somos nós que fazem!

3 - Pai: que fazemos

4 - Pierre: (em tom mais alto) não, que a gente fazem!

5 - Pai: (gritando e rindo) que a gente faz!

6 - Camille: (gritando mais alto e cantando) assim fazem fazem fazem os fantochinhos!25 25 Cantiga infantil conhecida: “Ainsi font font font les petites marionnettes”.

Como se pode observar, a ideia central deste artigo foi mostrar, sob o ângulo da atividade responsiva, o que uma abordagem bakhtiniana pode trazer aos estudos sobre a aquisição da linguagem pela criança. O último exemplo nos lembra que Bakhtin apresentava a interação linguageira como um apaixonante “embate dialógico” no qual a voz de cada um se depara e se mistura necessariamente às dos outros. Ele também escreveu, ampliando seu argumento:

Eu vivo em um mundo das palavras do outro. E toda a minha vida é uma orientação nesse mundo; é reação às palavras do outro (uma reação infinitamente diversificada), a começar pela assimilação delas [...] e terminando na assimilação das riquezas da cultura humana... (2003, p.379)26 26 BAKHTIN, M. Apontamentos de 1970-1971. In: BAKHTIN. M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [1979]

  • Tradução de Rosângela Nogarini Hilário - ronogarini@gmail.com
  • Revisão técnica de Alessandra Del Ré - del.re@unesp.br
  • 1
    FRANÇOIS, F. Bakhtin completamente nu. Bakhtiniana: Revista de Estudos do Discurso, v. 9, n. SPE, p.47-172, 2014.
  • 2
    VOLÓCHINOV, V. (Círculo de Bakhtin). Marxismo e filosofia da linguagem. Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Tradução, notas e glossário Sheila Grillo; Ekaterina V. Américo. Ensaio introdutório Sheila Grillo. São Paulo: Editora 34, 2017. [1929]
  • 3
    Para referência, ver nota de rodapé 2.
  • 4
    Para referência, ver nota de rodapé 2.
  • 5
    Para referência, ver nota de rodapé 2.
  • 6
    Para referência, ver nota de rodapé 2.
  • 7
    No original: “un énoncé n’est jamais seul au monde (1999)”.
  • 8
    BAKHTIN, M. O discurso no romance. In: BAKHTIN, M. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução de Aurora Fornoni Bernardini et al. 7. São Paulo: Hucitec, 1988. p.71-210.
  • 9
    BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [1979]
  • 10
    Para referência, ver nota de rodapé 9.
  • 11
    N.T.: Os termos em francês são usados por linguistas conversacionais para designar trocas entre duas, três, quatro ou mais pessoas. Na versão em francês, constam os termos dilogue, trilogue, quadrilogue e plurilogue. Essa distinção em relação ao termo “diálogo” feita pela autora deve-se ao fato de este último não especificar o número de interlocutores. Isto porque os prefixos “dia” e "di" são muitas vezes confundidos e o termo “diálogo” pode assumir, equivocadamente, o significado de “troca a dois”.
  • 12
    No original: “Le dialogue, de fait, a une certaine matérialité: on “voit” les paroles qui s’échangent; lorsqu’on dit qu’un monologue reprend à distance la parole d’un autre indéterminé, n’est-on pas dans l’invérifiable?” (FRANÇOIS, 1988FRANÇOIS, F. Continuité et mouvements discursifs: un exemple chez des enfants de trois ans. Modèles linguistiques. tome X (fasc 2), p.17-36, 1988. , p.18).
  • 13
    No original: “Les phénomènes dialogaux affectent la structure externe, manifeste de la surface de l’énoncé; les phénomènes dialogiques sa structure interne, profonde, secrète” (BRÈS, 2005BRÈS, J. “Savoir de quoi on parle: dialogue, dialogal, dialogique, polyphonie”. In: BRÈS et al. (éds). Dialogisme et polyphonie: approches linguistiques. Actes du Colloque de Cérisy-la-Salle. Bruxelles: De Boeck Duculot, 2005. p.47-62., p.55).
  • 14
    Para referência, ver nota de rodapé 9.
  • 15
    No original: “Il ne s’agit pas de construire un système mais de montrer ce qui se passe quand on parle, plus spécifiquement, ce qui se passe en position seconde par rapport à quelque chose qui vient d’être dit, donc de décrire un mouvement discursif”(FRANÇOIS, 1990FRANÇOIS, F. (éd.). La communication inégale, heurs et malheurs de l’interaction verbale. Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1990., p.93).
  • 16
    No original: “Un point de vue s’oppose à d’autres points de vue. Il reprend-modifie le discours d’autrui et, en cela, sa façon de se manifester n’est pas indifférente, puisque justement ce qui va faire sens, ce n’est pas l’énoncé en tant que tel, mais son mouvement par rapport à ce qui précède dans le cas d’un enchaînement in situ à un interlocuteur réel comme dans le cas du rapport à une tradition culturelle et à des lecteurs absents” (FRANÇOIS, 2005FRANÇOIS, F. Interprétation et dialogue chez des enfants et quelques autres. Lyon: ENS Éditions, 2005., p.65).
  • 17
    Na França, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) (https://www.cnil.fr/fr/reglement-europeen-protection-donnees/chapitre1#Article4) entrou em vigor em 25 de maio de 2018. Os dados apresentados neste artigo foram coletados e analisados antes da entrada em vigor desta leiO corpus foi registrado por mim junto a famílias de uma rede de amigos e em classes de Educação Infantil às quais eu tive acesso durante minhas pesquisas. A apresentação dos dados obedece, ademais, ao artigo 4º do RGPD na medida em que não fornecem qualquer informação que permita identificar direta ou indiretamente as pessoas cujos discursos são apresentados.
  • 18
    A transcrição dos excertos do corpus escolhidos visa a uma facilitação da leitura. Para a criança mais nova (23 meses), a pronúncia e as expressões cristalizadas foram mantidas a mínima.
  • 19
    No original: “1 - Clément: ma voiture elle est cassée / 2 - Mère: faut demander à papa / 3 - Clément: mais je lui ai dit / 4 - Mère: et ben c’est bien/ 5 - Clément : oui mais il a dit /on verra/ 6 - Mère: et ben tu vois! / 7 - Clément: oui mais / quand il dit ça / c’est qu’il fait pas! / 8 - Mère : donne / je vais la réparer!”.
  • 20
    No original “1 - Dorian: tavu cube (tu as vu le cube) - Dorian prend une boîte posée sur un buffet / 2 - GM: fais attention c’est fragile / 3 - Dorian: equoiça? (c’est quoi ça?) / 4 - GM: une grosse boîte / 5 - GM: je l’ouvre? / 6 - Dorian: vi (oui) / 7 - GM: c’est joli ça? / 8 - Dorian: vi (oui) / 9 - Dorian: (il agite sa main au-dessus de la boîte) e bo / toutça! (c’est beau, tout ça) / 10 - GM: oui / c’est des bijoux de mamie / 11 - Dorian: donne a main (donne dans ma main) / 13 - GM: non / toi prends en un / mais doucement / 14 - Dorian: ayé suila (ça y est celui-là) - Dorian a pris une broche / 15 - GM: très bien / 16 - GM: maintenant remets dans le coffre / 17 - Dorian: apu (y’a plus)! - Dorian a posé délicatement la broche dans la boîte / 18 - Dorian: anko (encore)? / 19 - GM: encore quoi? / 20 - Dorian : biyou pu ma (un bijou pour moi) / 21 - GM: je te donne un autre? / 22 - Dorian: ma donne ot (donne-moi un autre) / 23 - GM: celui-là alors / il est beau - GM met dans la main de Dorian un pendentif turquoise / 24 - GM: tu vois la belle couleur? / 25 - Dorian: vi / e bleu (oui, il est bleu) / 26 - Dorian: (il remet le bijou dans la boîte) et voilà! / 27 - Dorian: fini mainan (fini maintenant) / 29 - GM: on ferme la boîte? / 30 - Dorian: non pas fem (non, on ne ferme pas) / 31 - Dorian: mont a lili (on montre à Elise - la grande soeur) / 32 - GM: d’accord”.
  • 21
    No original: “1 - Oscar: toi / tu vas chercher les feutres et les ciseaux / 2 - Tom: non / on a discuté / on a dit que c’était à tour de rôle / 3 - Oscar: oui mais / aujourd’hui c’est moi le responsable a dit la maîtresse / 4 - Tom: oui mais / moi je l’ai déjà fait / 5 - Oscar: alors / je saute mon tour et c’est Aline qui va / 6 - Aline: d’accord / mais on dit que demain tu reprends ton tour / 7 - Tom: obligé / parce que c’est la maîtresse qui l’a dit / 8 - Aline: c’est la règle”.
  • 22
    No original: “1 - Muriel: regarde / la fille elle cueille des fleurs / 2 - Sophie: moi aussi elle cueille des fleurs / 3 - Muriel: mais c’est pas les mêmes hein / 4 - Sophie: ah non pas les mêmes / j’ai dit moi aussi mais moi c’est sur les arbres / 5 - Sophie: elle a une belle robe ta tienne / 6 - Muriel: non ça c’est une jupe 7 - Sophie: moi c’est une robe / 8 - Muriel: ah oui une robe / je dirai une longue robe / 9 - Sophie: Je vais faire main(te)nant des p’tits oiseaux dans les arbres / 10 - Muriel: moi aussi des gros / comment je vais faire y’a pas d’arbre / 11 - Sophie: tu peux pas le faire / 12 - Muriel: ben non / c’est dommage / ben si / un gros qui vole”.
  • 23
    No original: “1 - Margot: papa, il a un animal dans la tête / maman, tu peux lui parler une question? / 2 - Mère: je cherche / mais on dit poser une question / alors, voyons, est-ce qu’il a des cornes? / 3 - Margot: à toi papa de poser ta réponse! / 4 - Père: oui, il a des cornes / mais, tu vois, là, on dit donner une réponse / 5 - Margot: zut alors / c’est trop difficile ce jeu avec papa, maman!”.
  • 24
    No original: “1 - Père: y’a pas de marionnettes à l’école? / 2 - Camille: non / y’en a pas / c’est nous qui les font! / 3 - Père: qui les faisons / 4 - Pierre (un ton plus haut) non, qu’on les font ! 5 - Père: (criant et riant) qu’on les fait! / 6 - Camille: (hurlant et chantant) ainsi font font font les petites marionnettes!”.
  • 25
    Cantiga infantil conhecida: “Ainsi font font font les petites marionnettes”.
  • 26
    BAKHTIN, M. Apontamentos de 1970-1971. In: BAKHTIN. M. Estética da criação verbal. Introdução e tradução do russo de Paulo Bezerra. Prefácio à edição francesa de Tzvetan Todorov. São Paulo: Martins Fontes, 2003. [1979]

RÉFÉRENCES

  • BAKHTINE, M. Esthétique et théorie du roman Traduit du russe par Daria Olivier. Préface de Michel Aucouturier. Paris: Éditions Gallimard, 1978. [1975]
  • BAKHTINE, M. Esthétique de la création verbale Traduit du russe par Alfreda Aucouturier. Préface Tzvetan Todorov. Paris: Éditions Gallimard, 1984. [1979].
  • BAKHTINE, M. (VOLOCHINOV, V, N). Le marxisme et la philosophie du langage: Essai d’application de la méthode sociologique en linguistique. Traduit du russe et presenté par Marina Yaguello. Préface de Roman Jakobson. Paris: Minuit, 1986. [1929]
  • BRÈS, J. “Vous les entendez?” Analyse du discours et dialogisme. Modèles linguistiques, Association Modèles linguistiques/Editions des dauphins, 1999, XX (2), p.71-86.
  • BRÈS, J. “Savoir de quoi on parle: dialogue, dialogal, dialogique, polyphonie”. In: BRÈS et al. (éds). Dialogisme et polyphonie: approches linguistiques Actes du Colloque de Cérisy-la-Salle. Bruxelles: De Boeck Duculot, 2005. p.47-62.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2020
  • Aceito
    15 Out 2020
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