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Inovação e avaliação na cultura do ensino superior brasileiro: formação geral interdisciplinar

Innovation and evaluation in the brazilian higher education culture: general interdisciplinary education

Resumo

O texto tem por objetivo apresentar resultados parciais da avaliação do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (ProFIS) relacionados à proposta de formação geral interdisciplinar, a qual representa uma inovação na cultura do ensino superior brasileiro. A educação geral prevista pelo Programa preocupa-se em preparar os estudantes com maior conhecimento, senso crítico e maturidade a partir da ampliação de seu conhecimento e cultura, bem como prepará-los como cidadãos para as atividades que venham a desenvolver futuramente. Além da inovação curricular, o curso tem por objetivo estabelecer uma política de ação afirmativa diferenciada, na Universidade Estadual de Campinas- Unicamp, por meio da inclusão social de alunos da rede pública. Apresentamos brevemente a formação geral como ênfase curricular adotada por universidades em várias partes do mundo. Em seguida, apresentamos a proposta do ProFIS, seu estágio atual de desenvolvimento e analisamos os resultados parciais do processo de avaliação contínua que estamos desenvolvendo. O processo de avaliação é desenvolvido com professores, alunos e coordenador do curso.

Palavras-chave
Educação geral; Educação superior; Avaliação; Inovação curricular; Cultura universitária

Abstract

The text aims to present the partial results of evaluation form the Interdisciplinary Program of Higher Education (ProFIS) related to the interdisciplinary general education proposed, which represents an innovation in higher education culture of Brazil. The general education provided by the program is concerned in preparing students with greater knowledge, critical thinking by expanding their knowledge and culture, as well as preparing them as citizens for activities that they will develop in the future. Besides curricular innovation, the course aims to establish a policy of affirmative action through the inclusion of public school students. Briefly it presents the general education curriculum emphasis as adopted by universities in various parts of the world. Then, it presents the proposal of ProFIS, and its current stage of development and it is we analyzed the partial results of the ongoing evaluation process that it is been developed. The evaluation process is developed with teachers, students and the course coordinator.

Keywords
General education; Higher education; Assessment; Curriculum innovation; Culture university

1 Introdução

Desde 2011, a Unicamp desenvolve um curso que, com inovações em toda a sua estrutura, desenvolve uma nova forma de conceber a formação em educação superior e atende à política educacional brasileira de inclusão social. Trata-se do Programa de Formação Interdisciplinar Superior - ProFIS, um curso que apresenta inovações em vários aspectos: um primeiro é a composição de seu corpo docente que é oriundos de todas as áreas e unidades acadêmicas da Unicamp, é ministrado em tempo integral, sua composição curricular é de caráter interdisciplinar e sua estruturação é voltada para inserir o aluno em atividades de cultura geral focadas em questões científicas, sociais, humanas, culturais, econômicas, políticas e éticas. O corpo discente é totalmente formado por alunos de escola pública, seu processo seletivo se dá pelo uso da classificação dos alunos no Exame Nacional do Ensino Médio e sua duração é a de dois anos. O planejamento do curso se deu por meio da composição de uma Comissão Multidisciplinar e seu projeto foi discutido em todas as unidades da Unicamp. Assim, o curso tem grande aprovação por toda a comunidade acadêmica e reconhecimento público no meio educacional concretizado pela premiação obtida em abril de 2013, da Fundação Péter Murányi de São Paulo.

Ainda dentre as inovações que fazem do ProFIS um programa inovador está a organização de um processo de avaliação continuada, com estudos longitudinais, coordenado pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O processo é inédito em avaliação de cursos no Brasil por ultrapassar a simples verificação de satisfação de docentes e discentes e ser uma atuação sistemática que se inicia na matrícula dos alunos, acompanha-os durante o curso e na inserção no mercado de trabalho. A metodologia de avaliação contempla o acompanhamento dos alunos via dados de desempenho, atuação dos professores, entrevistas e questionários periódicos com docentes e discentes.

O Programa responde a uma política de inclusão social efetiva garantindo a permanência dos alunos por meio de atendimento às carências econômicas e dificuldades educacionais dos alunos. A política de inclusão social efetiva permite o acesso de uma clientela desfavorecida em termos socioeconômicos, selecionando-os por um sistema que combina, seleção de alunos oriundos das 95 escolas públicas de Campinas com boa classificação obtida no ENEM. São oferecidas 120 vagas anuais para os melhores alunos classificados pelo ENEM de cada uma das 95 escolas públicas de Campinas com ensino médio, garantindo a cada escola, pelo menos, uma vaga. Essa forma garante a representação geográfica das escolas públicas da cidade e o uso de um exame (ENEM) que é do universo escolar do aluno.

Com a seleção da primeira turma, em 2011, o impacto em termos de representação das escolas públicas na Unicamp foi imediato, uma vez que, até o oferecimento deste curso, mais da metade destas escolas não tinha aluno matriculado na Unicamp. Esta situação acontece porque, ou os alunos não conseguem passar no vestibular altamente concorrido da Unicamp, ou os alunos, deliberadamente, se autoexcluem, isto é, não têm o ingresso na Unicamp em seus horizontes de formação. A política de inclusão usado pelo ProFIS resultou na atração de alunos que são a primeira geração na família a frequentar o ensino superior (73% e 80% nestas duas turmas).

Ainda como política de inclusão social efetiva, todos os alunos recebem uma bolsa de estudos cuja verba vem do orçamento da Unicamp no primeiro ano e de bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do CNPq, no segundo ano. Recebem também bolsas alimentação e transporte e contam com o serviço de apoio psicológico, a assistência médica, odontológica e jurídica, que são apoios oferecidos a todos os alunos da Unicamp.

Este texto é composto por quatro seções. A primeira apresenta o Sistema de Avaliação contínua do ProFIS. Na segunda, apresentamos uma discussão sobre a formação geral como ênfase de formação universitária em universidades do mundo. Em seguida, apresentamos o projeto do ProFIS seguido da discussão dos resultados obtidos por meio da avaliação contínua relativos à formação geral e interdisciplinar oferecida. Por fim, traçamos considerações finais abordando os resultados e os desafios deste tipo de formação.

2 Sistema de Avaliação contínua do Programa

O desenvolvimento de um sistema de avaliação contínua é parte do planejamento do ProFIS e vem sendo implementado desde seu início. Este sistema configura-se em um processo que busca levantar dados com todos os agentes envolvidos no curso: coordenação, docentes, discentes e egressos, ao longo, pois está planejado para ser desenvolvido durante 10 anos. Pela sistemática avaliativa desenvolvida, são abertos diálogos com diferentes ênfases e em diferentes âmbitos do Programa e visa acompanhar os alunos desde o ingresso, durante o curso, em sua inserção profissional e posteriormente a ela. O processo oferece ao ProFIS dados sobre a adequação de seus objetivos, desenho curricular, trabalho pedagógico dos docentes, aprendizado do aluno, impactos em sua vida e sobre a política de inclusão do Programa. Busca colocar em relação e diálogo os dados de várias fontes, resultando em explicitações potentes para reafirmar e fortalecer os objetivos e práticas empregadas ou rever e reconstruir trajetórias, metas e políticas (MACDONALD, 1982)MACDONALD, B. Uma classificação política dos estudos avaliativos. In: GOLDEBERG, M.A.A; SOUZA, C. P. (Orgs.). Avaliação de programas educacionais; vicissitudes, controvérsias, desafios. São Paulo: EPU, 1982.. A sistemática de avaliação empreendida tem como base o entendimento de que avaliar é um processo que se realiza em contexto complexo e plural, atentando-se para que seu delineamento dê visibilidade às variáveis que o compõem.

A sistemática de avaliação empreendida reconhece a existência de um pluralismo de valores sustentados pelos diferentes agentes do curso (coordenadores, docentes, discentes e demais stakeholders) e tem o papel de intermediária no diálogo entre os diferentes agentes, revestindo-se de um caráter educacional, social, político, psicológico e cultural. A cultura universitária em geral, embora já esteja a algum tempo efetuando avaliações, ainda não estabeleceu uma cultura avaliativa de grande abrangência. A sistemática de avaliação utilizada no ProFIS representa um novo momento para transformar essa cultura.

Neste trabalho apresentamos resultados parciais da avaliação do ProFIS, com dados de alunos e professores, que se relacionam à questão da proposta de formação geral interdisciplinar do curso. Apresentamos dados sobre a avaliação do alcance da formação geral e da interdisciplinaridade. Busca-se responder, mesmo que de forma ainda preliminar, à primeira hipótese do sistema de avaliação contínua estabelecido com base no primeiro grande objetivo do curso que é a de que a formação geral interdisciplinar do ProFIS amplia o conhecimento e a cultura geral do aluno, favorecendo atitude investigativa, visão crítica e engajamento cívico.

3 A Formação Geral e a Formação Interdisciplinar

O tema da formação geral e da formação interdisciplinar se reveste de grande importância no cenário atual da educação superior, embora desde a formulação da universidade moderna há um permanente debate sobre o papel e a função da universidade: favorecer a formação ampla e cultural ou a formação específica e técnica; formar o cidadão-profissional ou o profissional especializado; formar para o mundo do trabalho ou para o mercado profissional.

A preocupação com uma educação geral não é nova. Ela tem sido uma constante no processo de formação do estudante da instituição “universidade” desde os seus primórdios, até os dias de hoje. Notadamente na contemporaneidade, ela tem sido apontada como uma das contribuições mais valorosas que a universidade pode fazer para o bem do aluno e da sociedade em geral, e é essencial para uma sociedade que se quer livre, democrática e justa. O entendimento sobre a necessidade de uma formação mais ampla tem sido debatido com mais intensidade nos dias atuais e tem sido mais considerado na estruturação das universidades tanto no mundo ocidental como no oriental.

Neste cenário, segundo Peterson (2012)PETERSON, P. M. A global framework: liberal education in the undergraduate curriculum. In.: PETTERSON, P. M. Confronting challenges to the liberal arts curriculum: perspectives of developing and Transitional Countries. Routledge: New York; London, 2012., universidades em todo o mundo têm procurado, das mais diversas formas e composições, oferecer aos estudantes uma educação geral. O autor apresenta que países desenvolvidos ou em desenvolvimento estão revitalizando a Educação Geral de alguma forma. Em seu livro “A global framework: Liberal Education in the Undergraduate Curriculum” apresenta experiências em Hong Kong, Singapura, Austrália, Suécia, Japão, Rússia, Bangladesh, Polônia, África do Sul e Turquia, além de países da Europa Central.

Embora o entendimento sobre a importância da educação geral, a finalidade e objetivos sejam os mesmos, isto é, formar um indivíduo com mais amplo conhecimento das inter-relações do conhecimento e deste com as questões humanas, culturais e naturais, a forma da composição curricular é própria de cada país e de cada instituição.

Na opinião de Nussbaum (1997)NUSSBAUM, Martha. Cultivating humanity: a classical defense of reform in liberal education. Boston: Harvard University Press, 1997. a educação geral retoma Sócrates que dizia que a vida para ter sentido deve ser guiada por um exame interno e que isso é própria de indivíduos que ultrapassam do terreno estreito da profissionalidade, a análise de suas ações. Carvalho (1997)CARVALHO, A. P. et al. Arte retórica e arte poética. 17. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005., expõe que também para Aristóteles a formação geral propunha “uma disposição suscetível de criação acompanhada de razão verdadeira e a capacidade de produzir com raciocínio correto”.

De forma geral podemos destacar quatro abordagens principais de estruturar o currículo de educação geral (NEWTON, 2000)NEWTON, R. R. Tensions and models in general education planning”. Journal of General Education, Pennsylvania, v. 49, n. 3, p. 165-181, 2000.. São elas: a) centrada nos Grandes Livros; b) centrada em disciplinas acadêmicas; c) centrada na formação efetiva do cidadão e d) centrada na abordagem Interdisciplinar. Cada abordagem traz a sua compreensão do que deve fazer para formar o estudante como um homem educado e de como desenvolver o currículo para atingi-lo.

A abordagem centrada nos Grandes Livros é voltada para a formação intelectual do homem e tem convicção de que, pelo conhecimento das ideias contidas nos livros clássicos de todas as áreas, o estudante adquire um amplo conhecimento da cultura. Entende que o homem deve ter em seu poder ideias próprias a partir do conhecimento da herança cultural. Para esta abordagem, as obras clássicas examinam questões fundamentais e perenes sobre o universo, o homem e a sociedade, de forma integrada e favorecem a compreensão de como as questões do mundo em sua história se apresentam na atualidade. Para esta, a análise, o estudo, a discussão de grandes obras filosóficas, científicas, literárias, artísticas, que se tornaram clássicas, desenvolvem as habilidades intelectuais dos alunos e os prepara para os desafios do mundo atual. Esta abordagem é hoje utilizada por várias universidades e colleges americanos como: Universidade de Dallas (Texas); Universidade de Notre Dame (Indiana); Kansas State University; Saint John’s College (Annapolis, Maryland); Gutemberg College (Oregon); St Mary’s College e Thomas Aquino College (California); North Park College e Shimer College (Chicago, Illinois).

A abordagem centrada em disciplinas acadêmicas busca assegurar organicidade e coerência ao programa de educação geral e a se contrapor ao currículo de sistema eletivo. Normalmente esta abordagem solicita ao aluno desenvolver cursos em várias áreas tais como: ciências físicas, literatura, arte, ciências sociais, ciências humanas, ciências biológicas, ciências naturais. Em cada uma delas a perspectiva é o conhecimento dos conceitos básicos e do método de trabalho e pesquisa da área. São cursos desenvolvidos por especialistas, planejados e executados independentemente. Não é uma abordagem interdisciplinar e o grau de cooperação entre docentes é pequeno. Esta abordagem é muito utilizada em Colleges e universidades no mundo todo, menos pelo seu alcance e mais pela tradição da fragmentação entre as áreas do conhecimento.

A terceira abordagem, a centrada na formação efetiva da cidadania, retoma uma das funções básicas da educação universitária que é a formação do cidadão crítico e participativo numa sociedade democrática. Está assentada na crença de que a educação deve favorecer o engajamento cívico para realizar o potencial de cidadãos dos seus alunos. O currículo privilegia os problemas sociais, morais e cívicos e prepara os jovens para atuar como cidadãos de uma sociedade igualitária, democrática e justa. O currículo é desenvolvido em torno de problemas reais os quais devem ser abordados, refletidos e estudados na complexidade das questões que os compõem e na compreensão da integração dos fatores. Os cursos têm o objetivo de favorecer conhecimentos, valores e vivências cívicas, para formar pessoas proativas, engajadas na sociedade local, nacional e planetária. Essa complexidade requer uma abordagem das contribuições das várias disciplinas e a compreensão da transcendência dos limites destas em um novo arranjo de integração.

A quarta abordagem, a Interdisciplinar, é a forma mais atual de educação geral e, de forma parcial ou mais completa, está sendo utilizada por diversas universidades no mundo todo. Busca fazer o aluno entender a inter-relação dos conhecimentos e a complexidade das questões do mundo, que, para sua solução, necessitam conhecimentos que extrapolam os de uma única disciplina ou campo. No ensino superior nos Estados Unidos são realizados, como parte dos requisitos de educação geral, estudos interdisciplinares por meio de trabalho com temas ao invés de disciplinas. Em alguns casos, faculdades ou universidades inteiras são organizadas em unidades interdisciplinares alterando a própria estrutura departamental da universidade (DAVIS, 1995)DAVIS, Jaimes R. Interdisciplinary courses and team teaching: new arrangement for learning. Phonix, AZ: American Council on Education and Dryx Press, 1995.. No Brasil, a organização dos cursos da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da Universidade de São Paulo (USP) em 2005 foi feita dessa forma, ou seja, por meio de um currículo interdisciplinar e sem departamentos. O objetivo da maioria dos cursos e programas interdisciplinares é integrar as contribuições de diferentes disciplinas acadêmicas ou campos de estudo, para que temas, problemas e fenômenos em estudo sejam melhores compreendidos.

Os defensores de interdisciplinaridade argumentam que abordagens disciplinares para a educação são reducionistas e dividem o conhecimento ao invés de gerar explicações abrangentes do mundo. Defendem que a abordagem interdisciplinar busca entendimentos holísticos do mundo social e natural (MORIN, 1999; FAZENDA, 1999; REPKO, 2008)MORIN Edgar. Complexidade e transdisciplinaridade : a reforma da universidade e do ensino fundamental. Natal: EDUFRN, 1999. e que, ao favorecer a formação educacional em abordagem interdisciplinar, é desenvolvida uma série de habilidades intelectuais que incluem as de resolução de problemas, de reflexão fundamentada, de síntese e integração e de pensamento crítico. Acreditam que ao desenvolver a capacidade de empregar várias perspectivas de analisar os problemas é incentivado: o respeito pelas percepções dos outros; a vontade e capacidade de questionar suposições sobre o mundo e sobre si mesmos; a expansão de horizontes e visões dos estudantes; a capacidade de pensar de forma criativa e inovadora. Como resultado, os defensores argumentam que o estudo interdisciplinar é uma excelente preparação para o papel de cidadão e trabalhador em uma sociedade plural, tecnológica e democrática.

A Universidade Columbia (EUA) hoje utiliza a abordagem interdisciplinar com uma estruturação curricular formada pelo que denominam “Nove formas de Conhecer” ou nove lentes que criam um quadro para a compreensão do mundo: razão e valor, análise social, culturas em comparação, língua, laboratório de ciências, raciocínio quantitativo e dedutivo, estudos históricos, literatura, artes visuais e performativas. A Universidade Harvard organizou o novo currículo de formação geral, a partir de 2007, por meio de cursos integrados, com planejamento conjunto de professores de várias áreas, rompendo com a perspectiva disciplinar. O planejamento conjunto intenciona definir os mais importantes conceitos e atitudes que os estudantes devem adquirir sobre cada área do conhecimento. Estes cursos podem ser desenvolvidos por diferentes professores numa perspectiva integrada ou por professor que tenha uma perspectiva ampla do conhecimento a ser ensinado (PEREIRA, 2010)PEREIRA, E. M. A. Reforma curricular da Universidade Harvard: a centralidade da educação geral no século XXI. In: PEREIRA, E.M. A universidade e currículo: perspectiva de educação Geral. Campinas: Mercado de Letras, 2010.. A Universidade Stanford ao apresentar seu programa interdisciplinar informa que estes cursos cruzam limites e bordas entre departamentos e disciplinas.

No Brasil, já há um grande número de universidades públicas que têm currículo voltado para a formação geral e enfoque interdisciplinar, particularmente as 18 universidades federais com Bacharelados Interdisciplinares. Na Unicamp, há oito cursos de graduação, com ênfases de educação geral e interdisciplinaridade em sua estrutura , além do ProFIS que é um curso sequencial. Cada programa segue sua própria forma de oferecer a educação geral. Essa liberdade e autonomia na estruturação curricular são próprias do embasamento desta ênfase. O que une e identifica a ênfase é a finalidade, o objetivo.

Nos oito cursos oferecidos pela Faculdade de Ciências Aplicadas, localizada no campus de Limeira/SP (Ciências do Esporte, Nutrição, Engenharia de Manufatura, Engenharia de Produção, Gestão do Agronegócio, Gestão de Políticas Públicas, Gestão do Comércio Internacional e Gestão de Empresas), todos os estudantes cursam disciplinas do Núcleo Básico Geral Comum (NBGC) composto por conhecimentos de humanidades e ciências sociais aplicadas.

O ProFIS, curso analisado neste texto, tem o objetivo de desenvolver a formação geral e a interdisciplinaridade. Para acompanhar e avaliar as inovações que o Programa ProFIS apresenta foi instituída uma processo de avaliação operacionalizada pelo Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp. A metodologia que o NEPP utilizada é participativa envolvendo diferentes atores no processo de definição do que deve ser avaliado, coletado e analisado. A avaliação participativa, de acordo com Zackiewicz (2005)ZACKIEWICZ, Mauro. Trajetórias e desafios da avaliação em ciência, tecnologia e inovação. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Geociências, Campinas, 2005., não significa apenas o envolvimento de diversas pessoas, mas principalmente a negociação de diferentes perspectivas, valores e interesses muitas vezes conflitantes, o que resulta no envolvimento de várias interpretações sobre o fenômeno estudado, permitindo avalia-lo em toda a sua complexidade.

A avaliação participativa implica na utilização de uma combinação de métodos quantitativos e qualitativos (BACH, 2010)BACH, Laurent. Fronteiras da avaliação: Europa. SEMINÁRIO INTERNACIONAL FRONTEIRAS DA AVALIAÇÃO, 2010, Campinas. Disponível em: <http://www.ige.unicamp.br/fronteiras/palestras/18_930_LaurentBach.pdf>. Acesso em: 13 maio 2011.
http://www.ige.unicamp.br/fronteiras/pal...
. Esta dimensão é a intencionada no processo desenvolvido no ProFIS e é operacionalizada por meio de uma equipe multidisciplinar, de um Comitê de Orientação da Avaliação que interage com a equipe de pesquisa numa base regular e pela realização de Painéis de Validação da metodologia e de seus resultados. Além de ser participativa, a avaliação possui um desenho quase-experimental que procura comparar os resultados de algumas variáveis dos beneficiários com grupos de comparação que possuem um perfil socioeconômico semelhante.

A avaliação proposta tem quatro objetivos: avaliar a implementação e viabilidade do ProFIS como programa de formação geral e interdisciplinar; avaliar o processo seletivo do ProFIS; a promoção da inclusão social e, por fim, avaliar o impacto do ProFIS na formação e trajetória profissional do aluno. Neste artigo, são apresentados e discutidos os resultados preliminares do primeiro objetivo.

A metodologia de avaliação empregada utiliza vários instrumentos para a coleta de dados tais como:

  • Dois questionários respondidos pelos alunos do curso e pelos membros dos grupos de comparação (QI – questionário de inscrição; e QAA – questionário de acompanhamento anual);

  • Um questionário respondido apenas pelos alunos do ProFIS (QM – questionário de matrícula);

  • Entrevistas com os professores e a coordenação;

  • Dados secundários de registros acadêmicos fornecidos pela Diretoria Acadêmica (DAC) e pela Comissão de Vestibular (Comvest);

  • Outros dados secundários sobre a gestão do programa fornecidos pela DAC, Diretoria Geral de Recursos Humanos (DGRH) e Serviço de Apoio ao Estudante (SAE), entre outros.

Para analisar se o programa de formação geral interdisciplinar ampliou o conhecimento e a cultura geral do aluno com desenvolvimento de atitude investigativa, visão crítica e engajamento cívico, utilizamos dados do QAA 2012 e de entrevistas realizadas com os professores que atuaram no curso nos anos de 2011 e 2012.

Como colocado, o QAA é respondido também por dois grupos de comparação. O primeiro é formado por inscritos no ProFIS que foram convocados para a matrícula mas, por algum motivo, não chegaram a realizá-la e por inscritos que não foram convocados, embora pudessem ter sido pelas suas notas no ENEM, isto é, seriam os próximos, de suas escolas, a serem chamados. A partir deste grupo de comparação é possível analisar o impacto do curso de formação geral e do curso de graduação posterior na Unicamp. O segundo grupo de comparação é formado por outros alunos matriculados na Unicamp e que ingressaram pelo vestibular desenvolvido pela Comvest. Este grupo é selecionado a partir de características semelhantes aos matriculados no ProFIS nos seguintes aspectos: ter cursado todo o ensino médio em escola pública; perfil socioeconômico semelhante em termos de escolaridade dos pais e renda; de preferência residente na região metropolitana de Campinas. Este grupo ajuda a contextualizar os impactos da abordagem de formação geral, fornecendo marcos de referência.

O Questionário de Acompanhamento Anual da Avaliação Continuada do ProFIS contêm questões relacionadas com todos os resultados e impactos que serão medidos ao longo do tempo, considerando as trajetórias dos participantes da avaliação em relação à trajetória escolar e profissional e à participação social. O processo de avaliação objetiva acompanhar todos os sujeitos (turmas do ProFIS e grupos de comparação) por cerca de 10 anos. Em cada ano, o sujeito responde seções do questionário de acordo com sua situação atual em relação ao ensino superior, com questões específicas sobre o ProFIS, sobre o curso de graduação em que entrou depois do ProFIS e sobre seu trabalho profissional.

3.1 Formação Geral e Interdisciplinar do ProFIS

O ProFIS foi concebido como um curso sequencial, com duração de dois anos, elaborado de acordo com a regulamentação da Lei de Diretrizes de Base da Educação (LDB, Art. 44, Inciso I) e outras regulamentações específicas e é o único curso sequencial da Unicamp. O Grupo de Trabalho instituído para o seu planejamento foi composto por docentes de várias áreas que tiveram o desafio de pensarem juntos, um curso que extrapolava as suas áreas específicas.

Os objetivos se voltam para a aquisição de conhecimentos nas ciências humanas, ciências da natureza e arte, visando abordagens integradas sobre o conhecimento, sobre as suas relações com o mundo, meio ambiente e mundo do trabalho e a compreensão de si mesmos como indivíduos e cidadãos de uma sociedade diversificada, globalizada e em constante mudança. Para o alcance dos objetivos, as atividades curriculares foram planejadas para desenvolver habilidades de comunicação oral e escrita em língua materna e em língua estrangeira; de raciocínio lógico, formal e abstrato; de responsabilidade ética quanto ao meio social e ambiental; de pensamento crítico e analítico sobre a diversidade cultural e a dimensão da complexidade do viver humano nas suas expressões artísticas, científicas, literárias, históricas e culturais. A grade curricular é composta por 28 disciplinas obrigatórias. Além disso, o aluno deve cumprir mais 8 créditos de disciplinas eletivas em qualquer dos cursos da Unicamp.

Ao término do curso (após dois anos, prazo de integralização recomendado, ou três anos, prazo máximo) os alunos, além de receberem o certificado de Formação Interdisciplinar Superior, podem ter acesso a uma vaga em um dos 59 dos 68 cursos de graduação regular da Unicamp. A oferta do número dessas vagas varia conforme o curso, como por exemplo, a medicina oferece 5 vagas, a pedagogia 4 vagas, a engenharia agrícola 3 etc., totalizando 129 vagas no total para a turma de 2011. No final de 2012, 54 alunos da primeira turma do ProFIS concluíram o curso e todos os concluintes estão frequentando cursos de graduação na Unicamp neste ano. Quase a totalidade das escolhas profissionais que os alunos mencionaram ao entrar no curso se alterou no decorrer desses dois anos e, segundo depoimento dos próprios alunos, a abrangência dos conhecimentos proporcionada pelo curso, o tempo de vivência na universidade, o contato e convivência com professores das diversas áreas foram fatores que proporcionaram um amadurecimento maior para escolhas mais adequadas aos seus desejos.

Por outro lado, a forma do curso ser desenvolvido presencialmente e em tempo integral e os subsídios financeiros por meio dos programas de bolsas garantindo a permanência, permitiram ao aluno uma dedicação quase exclusiva ao curso, aos estudos, ao seu desenvolvimento intelectual e cultural, ao desenvolvimento de projeto de pesquisa por meio das disciplinas Introdução à Prática de Ciências e Artes (I e II), o que também favoreceu um amadurecimento quanto às suas escolhas profissionais.

Quanto às possíveis carências escolares, que é uma questão encontrada em todos os tipos de alunos e não específica desta clientela, o ProFIS as atende por meio de um programa específico desenvolvido por alunos de doutorado e mestrado, com atividades coordenadas pelos professores das disciplinas, garantindo um atendimento às dificuldades escolares específicas das turmas do curso.

O aspecto interdisciplinar do desenvolvimento curricular, embora seja um dos pontos chave do projeto, é ainda pouco conhecido e trabalhado no ensino superior brasileiro e, por isso, tem sido um dos pontos que está merecendo especial atenção, uma vez que para todos os docentes é uma abordagem nova.

Uma atividade desenvolvida como um ponto central do currículo do ProFIS é a iniciação científica (IC). Espera-se que, através dela, os alunos sejam capazes de desenvolver habilidades de pesquisa, refletir sobre problemas reais a partir de conceitos, técnicas e métodos científicos, e experimentar o contato com grupos/linhas de pesquisa, além de apresentar relatórios e apresentar trabalhos em eventos. Os professores relataram diversas dificuldades no trabalho de orientação aos alunos do ProFIS, no entanto, a maioria entende que a experiência com pesquisa tem muito a contribuir com os alunos, uma vez que permite o desenvolvimento da autonomia e da criticidade.

Para os alunos, a IC contribui para a uma formação cidadã, para alcançar a importância de uma aprendizagem constante por meio do pensamento investigativo, para a expansão do senso crítico e para aprofundar o conhecimento em uma determinada área. Apontam ainda que aprendem a desenvolver que tenham por objetivo melhorar a qualidade de vida das pessoas, a desenvolver trabalho que seja útil para a sociedade. Reportam a IC como uma oportunidade para “amadurecer e pensar como se deve agir na vida profissional e o despertar da curiosidade e desejo de realizar outras pesquisas” (aluno ProFIS, turma 2011).

4 Análise dos Dados

Nesta seção do texto busca-se apresentar e discutir primeiro os dados das entrevistas e, segundo, dos questionários com alunos sobre o aspecto da formação interdisciplinar. As entrevistas com professores foram realizadas ao fim de cada semestre entre 2011 e 2012, sendo que alguns foram entrevistados mais de uma vez, dado que algumas disciplinas foram oferecidas pelo menos duas vezes. Ao todo foram feitas 35 entrevistas com professores, referentes a 23 das 28 disciplinas. Os docentes foram entrevistados sobre vários aspectos do curso dentre eles, sobre o caráter de formação geral e interdisciplinar do ProFIS, que será o objeto de análise deste texto.

Buscou-se saber se, na opinião do docente, a estrutura curricular é adequada para o modelo de educação geral interdisciplinar pretendido. Na entrevista, os professores foram consultados sobre a contribuição de sua disciplina para o desenvolvimento de quatro habilidades previstas no projeto pedagógico do curso quanto a:

  1. Comunicação oral e escrita na língua materna e em língua estrangeira, leitura e interpretação das linguagens gráfica e computacional e de informações estatísticas;

  2. Raciocínio lógico, formal e abstrato, relacionado a aspectos de análise qualitativa e quantitativa de fenômenos do mundo real;

  3. Pensamento crítico e analítico sobre a diversidade cultural, a organização do mundo nas suas várias expressões literárias, filosóficas, sociológicas, históricas, artísticas e estéticas;

  4. Compreensão das instituições sociais e das preocupações ambientais e éticas da sociedade contemporânea.

As respostas quanto ao grau de contribuição das disciplinas foram transformadas em uma escala de 1 a 3, sendo 1 – pequena contribuição, 2 - média contribuição e 3 – grande contribuição, e ainda NA – Não se aplica. O resultado é apresentado na tabela abaixo. Como se pode verificar, a opinião dos professores é a de que todas as habilidades foram cobertas, em maior ou menor grau pelas disciplinas consideradas. A habilidade trabalhada com maior ênfase é a do raciocínio lógico, em parte devido à maior carga de disciplinas da área de exatas no total de disciplinas. Também chama a atenção que a habilidade comunicação oral e escrita é a única trabalhada de forma transversal em todas as disciplinas. A habilidade menos reforçada é a da compreensão das instituições sociais, sendo que quatro disciplinas apontaram que esta habilidade não se aplica ao programa desenvolvido.

Tabela 1
- Entrevistas realizadas com professores das disciplinas obrigatórias em 2011 e 2012

Nota: Escala de contribuição: 1 – pequena contribuição, 2 - contribuição média e 3 – grande contribuição, NA – Não se aplica.

Não foram realizadas entrevistas com os professores das disciplinas Introdução à Prática de Ciências e Artes (I e II); Comunicação, Arte, Cultura e Sociedade; Introdução à Economia; Juventudes, Cidadania e Psicologia.

Nas entrevistas, ao abordar a opinião dos docentes sobre o caráter interdisciplinar do ProFIS, estes mencionaram vários dos elementos que compõem a educação geral e a abordagem interdisciplinar. As falas dos docentes foram trabalhadas pela metodologia da análise do conteúdo, conforme Bardin (1991)BARDIN L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1991..

Quanto à adequação da grade curricular ao caráter interdisciplinar pretendido, as falas foram classificadas em 4 categorias conforme apresentado na tabela abaixo.

Tabela 2
– Adequação da estrutura curricular ao caráter interdisciplinar segundo falas dos professores

Fonte: Entrevistas realizadas com professores das disciplinas obrigatórias em 2011 e 2012.

Como apresentado na Tabela 2, grande parte dos professores percebe uma adequação na estrutura curricular. Algumas falas exemplificam a visão dos docentes:

A grade é ótima. Os alunos até mesmo pedem cursos extras e cursos de verão da disciplina, porém os professores não tem disponibilidade de horários (Prof. de Ética e Bioética).

Tentaram ver o texto cientifico integrado com outras disciplinas – ex. texto de matemática em inglês. Além disso, houve integração com a professora de leitura e produção de texto. (Profs. de Língua Inglesa).

Não, a disciplina tem somente 2 créditos o que inviabiliza um aproveitamento adequado dos conteúdos que poderiam ser trabalhados (Prof. de Planeta Terra).

Para que um currículo com inovações seja implementado adequadamente é importante que a coordenação do curso organize as condições para isso. Assim, na entrevista foi perguntado se o professor havia recebido orientações sobre o trabalho interdisciplinar. As falas dos professores foram também classificadas em: Sim – 82,8%; Não 14,2%; e um dos docentes disse que a orientação foi dada no próprio Instituto (2,8%). Algumas falas exemplificam a visão dos docentes:

Sim. Esse aspecto foi discutido até mesmo entre os professores que iriam assumir a disciplina (Prof. de Ética e Bioética).

Houve um espaço coletivo de discussão no começo do semestre. Durante o primeiro semestre foram feitas mais reuniões (Prof. de Geometria).

Os docentes podiam apresentar suas considerações a respeito do Programa. De forma geral, eles o percebem como um bom Programa e que deve ser continuado, como se verifica nas seguintes falas:

E um programa positivo tem que seguir experimentando (Prof. de Planeta Terra).

A grade curricular é desafiante para os alunos e foi escolhida para contribuir com a formação deles. Os alunos que ingressarem em um curso de graduação estarão à frente dos que ingressarem pelo vestibular, porque saberão fazer pesquisas qualitativas e quantitativas (Profs. de Língua Inglesa).

Questionamos aos professores também sobre os aspectos positivos e negativos do curso. Os professores apontam como aspectos positivos:

  • a interdisciplinaridade;

  • o ingresso na Universidade por meio externo ao vestibular;

  • o trabalho com um público diferente do que a universidade estava acostumada a atender e que traz um novo desafio ao trabalho acadêmico.

Como aspecto negativo, apontam que ainda falta:

  • articulação entre os professores; e

  • maior integração das disciplinas.

Quanto aos questionários, estes foram respondidos por alunos da turma 2011, 2012 e pelos grupos de comparação. Aos estudantes do ProFIS, foi perguntado qual consideravam ser a principal contribuição do curso. A intenção foi a de verificar como os alunos entendem o ProFIS. Apresentamos a seguir o gráfico com o resultado para essa questão, tendo como sujeitos os alunos da turma 2011 (86 sujeitos).

Gráfico 1
– Principal contribuição do ProFIS, Turma ProFIS 2011

Fonte: PETTERSON, P. M. Confronting challenges to the liberal arts curriculum: perspectives of developing and Transitional Countries. Routledge: New York; London, 2012.

De acordo com o Gráfico 1, a contribuição mais frequente do ProFIS está relacionada à formação Geral Interdisciplinar (32%). Já para 28% dos respondentes, a maior contribuição é o acesso nos cursos de graduação da Unicamp através das vagas reservadas para o ProFIS. A preparação para o curso de graduação posterior foi apontada como a principal contribuição por 14% dos alunos. Em menor grau, foi apontado o apoio na escolha da carreira (9%) e a preparação para processos seletivos de cursos de nível superior (6%).

É interessante notar que para a maioria dos respondentes a maior contribuição do curso está relacionada à formação geral interdisciplinar e não ao acesso à Unicamp, uma vez que, conforme apresentamos na Introdução, a grande maioria dos alunos das escolas públicas de Campinas se autoexcluíam de prestar o vestibular da Unicamp por não vislumbrarem a possibilidade de ser bem sucedidos. Essa autoexclusão é explicada pelo cenário que nos apresenta Kleinke (2006)KLEINKE, M. U. O vestibular Unicamp e a inclusão social: experiências e perspectivas. 2006. Disponível em: <http://www.comvest.unicamp.br/paais/artigo7.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2013.
http://www.comvest.unicamp.br/paais/arti...
. O autor nos atenta que basta um olhar mais atento a um campus de universidade pública para se perceber que, apesar de o Brasil apresentar uma população parcialmente pobre, negra e mestiça, os estudantes das universidades públicas são, em sua grande maioria, ricos e brancos.

A fim de aprofundar o entendimento sobre as habilidades desenvolvidas pelo ProFIS, o questionário possuía uma questão em que era solicitado a autoavaliação sobre o nível de proficiência atual em 12 habilidades (Gráfico 2). Na mesma questão, procurou-se captar a atribuição da contribuição do curso que estavam fazendo (ProFIS e cursos de graduação) no desenvolvimento destas habilidades. As duas partes da questão utilizaram uma escala Likert de 1 a 5: para o nível de proficiência - 1 indica um nível de proficiência muito baixo e o 5, muito alto; já para a contribuição do curso – 1, muito baixo e 5, muito alto. Os membros do grupo de comparação também responderam a questão e é possível comparar os resultados, apresentado no gráfico 3.

Gráfico 2
– Contribuição do curso para o nível de proficiência atual por habilidades – Turma Profis 2011 (n=82)

Fonte: QAA 2012.

Os dados de comparação são apresentados no Gráfico 3. É possível perceber que não há diferenças nas médias de nível de proficiência segundo autoavaliação que os estudantes do ProFIS fazem em relação às suas habilidades quando comparados ao grupo que ingressou pelo vestibular desenvolvido pela Convest para os cursos de graduação.

Gráfico 3
– Contribuição do curso para o nível de proficiência atual por habilidades – Grupo de Comparação Vestibular 2011 (n=54).

Fonte: QAA 2012.

Entretanto, alguns destaques podem ser feitos. O primeiro refere-se à habilidade 12 - habilidade de apreciar, compreender e respeitar a diversidade em vários aspectos- que tem a maior média nos dois grupos – ProFIS e Grupo de comparação vestibular. No caso do ProFIS, a contribuição do curso é maior. Apesar de esta não ser o único objetivo da educação geral, é um importante objetivo desta, tendo em vista a mudança estrutural do mundo contemporâneo, no qual o multiculturalismo coloca-se em evidência e, de acordo com Favacho e Paz (apud GODOY, 2011)GODOY, A. C. S. O professor universitário como formador do capital humano transformador. In: SPERANDIO, A. M. G.; PANTANO FILHO, R. A construção da promoção da vida:um exercício de abordagem interdisciplinar. Indaiatuba: Vitória Ltda., 2011 espera-se que o profissional do século XXI esteja preparado para pensar e colaborar com o desenvolvimento histórico-social do tempo presente e futuro, compreendendo o seu tempo e o seu espaço e esteja melhor preparado para lidar com a diversidade à sua frente, inclusive de caráter étnico, religioso e sexual.

O segundo destaque aparece quando se considera apenas o valor da média referente à contribuição específica dos cursos em cada habilidade. Os valores da Turma do ProFIS são maiores nas seguintes habilidades: habilidade 1 (cultura geral ampla) que é um dos objetivos do programa; habilidades 3 e 4 (falar e escrever) que, como apresentamos, são trabalhadas de forma transversal em todas as disciplinas; habilidade 8 (habilidades pessoais para trabalhar em equipe) e 10 (autoconhecimento). O grupo ingressante pelo vestibular da Convest apresenta nota média maior nas habilidades 2, 6, 7 e 9 as quais se relacionam, respectivamente, à capacidade de adquirir habilidades profissionais; analisar problemas quantitativos; usar computadores e TICs; aprender a aprender e ter autonomia nos estudos.

Investigamos, por fim, como os alunos relacionam a formação universitária com possíveis atuações profissionais futuras. Os alunos responderam se acreditam que o curso que estão vivenciando deu condições para uma atuação: adequada para as necessidades da prática profissional; amparada em conhecimentos científicos; com visão social, pautada na ética; com valores humanos. Os alunos responderam em uma escala de 1 a 5, em que 1 significa “nenhuma condição”, e o 5 “total condição”.

Gráfico 4
– Contribuições do Curso para atuação profissional, Grupo de Comparação do Vestibular 2011 (n=64) e Turma ProFIS 2011 (n=65).

Fonte: QAA 2012.

Na primeira categoria a qual afirma que o curso deu condições para atuação profissional adequada para as necessidades da prática profissional, é interessante notar que os estudantes do ProFIS concentram-se majoritariamente afirmando que este deu “alguma condição” o que é bastante compreensível tendo em vista que o curso não oferece uma habilitação profissional específica, mas habilidades que poderão ser utilizadas em qualquer posto profissional que o estudante venha a atuar, enquanto isso o Grupo de Comparação ingressante na Unicamp via vestibular e que cursa algum curso profissional responde que o curso tem oferecido “muita condição”.

Quanto a ter uma atuação profissional amparada em conhecimentos científicos, ProFIS e GC vestibular concentram a maioria dos estudantes afirmando que o curso tem dado “muita condição” (38,9% e 47,1% respectivamente). Para um atuação com visão social, o grupo do ProFIS faz uma alta avaliação para as condições oferecidas pelo curso- 38,9% considera que o curso oferece “muita condição” e a mesma porcentagem avalia que o curso oferece “total condição”. Para Pereira (2002)PEREIRA, E. M. A. Implicações da pós-modernidade para a universidade. Avaliação, Campinas, v. 7, n. 1, mar. 2002. com uma nova visão do que é ser profissional, a responsabilidade pela formação do estudante se amplia da visão técnica e especializada para a aprendizagem de valores e atitudes sociais, humanas e afetivas daquele conhecimento.

Quanto às condições oferecidas no curso para a atuação profissional “pautada na ética” e com “valores humanos”, os estudantes do ProFIS distribuem-se na mesma proporção em ambas. O grupo concentra-se principalmente na afirmação de que o curso ofereceu “muita condição” (40,3% em ambas as categorias), seguida da afirmação de que deu “alguma condição” – 36,1% para atuação “pautada na ética” e 33,3% para atuação com base em “valores humanos”.

A avaliação dos estudantes para os valores que abarcam interesses coletivos nos permite afirmar que o programa tem se esforçado para garantir que suas atividades formativas se voltem para o desenvolvimento de cidadãos que ajam como profissionais responsáveis, cotidianamente, de forma individual e coletiva, para a construção de uma sociedade globalmente melhor. “O que se pretende é uma educação de rosto humano” (PEREIRA, 2002, p. 44)PEREIRA, E. M. A. Implicações da pós-modernidade para a universidade. Avaliação, Campinas, v. 7, n. 1, mar. 2002..

Considerações Finais

O ProFIS apresenta como principal inovação curricular o fato de ser um Programa de Educação Geral, com disciplinas de todas as áreas do conhecimento e proposta de interdisciplinaridade. O trabalho apresentou o programa da Unicamp e os resultados parciais da avaliação da sua estrutura curricular.

Especificamente em relação a interdisciplinaridade os professores apontaram a “integração com outros professores”, a “integração com outras disciplinas”, “grade adequada para o caráter interdisciplinar”, como aspectos favorecidos pela estruturação curricular. Para o coordenador, não há ainda integração 100%, mas sua ação foi a de proporcionar a condição para a integração por meio de reuniões com os professores, antes de começar o semestre e ao longo do semestre. Os professores reconhecem as tentativas, o aprendizado e o desafio de trabalhar interdisciplinarmente. No entanto, há ainda desafios a serem vencidos para efetivar a interdisciplinaridade no decorrer do curso. Um dos docentes mencionou que ainda conhece pouco sobre formação geral, por ter uma tradição de formar profissionalmente os alunos.

Quanto a forma de organizar as disciplinas, a interpretação dos professores foi diversificada. Alguns foram adaptando os seus cursos ao objetivo do ProFIS, outros partiram de propostas totalmente diferentes da usada nos outros cursos da Unicamp. Também a forma metodológica empregada, esta foi, para muitos dos docentes, diferente e com atividades mais atraentes especialmente preparadas.

O coordenador expressa que nunca viu professores tão dedicados, pois institucionalmente só têm aumento de carga horária (a adesão ao curso é voluntária) e enfrentam desafios grandes para se adaptarem às solicitações do curso. Sente que “todos vestiram a camisa”.

Quanto aos alunos, os docentes apontaram que estes apresentam uma mudança de consciência no final do curso e os alunos apontaram que a principal contribuição do Programa é a formação geral interdisciplinar o que nos permite afirmar que o curso tem contribuído, na visão dos alunos, para o alcance de seu objetivo principal.

Estas avaliações merecem grande atenção, uma vez que há muito desentendimento sobre as questões de educação geral no ensino superior e sendo o ProFIS um curso que, para além da formação geral interdisciplinar, tem também como objetivo a inclusão de alunos oriundos de escolas públicas, há a falsa ideia de que o curso teria o propósito de “nivelamento” para estes estudantes. No entanto, este não é o propósito do ProFIS. A educação geral prevista pelo Programa preocupa-se em preparar estes estudantes para que sejam capazes de fazer suas escolhas profissionais com maior conhecimento, senso crítico e maturidade a partir da ampliação de seu conhecimento e cultura, bem como prepará-los para agirem de forma cívica e ética como um cidadão em qualquer das atividades que venha a desenvolver futuramente. A interdisciplinaridade objetiva fazer com que os estudantes entendam a inter-relação das diferentes disciplinas acadêmicas ou campos de estudo para que temas, problemas e fenômenos em estudo sejam compreendidos na sua complexidade. Pelas avaliações feitas até o momento, podemos entender que, na visão dos professores, do coordenador do curso e dos alunos, estes dois aspectos fundamentais do Programa estão sendo alcançados gradativamente.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov 2015

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2013
  • Aceito
    24 Abr 2014
Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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