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Políticas Públicas na Zona Rural de São João del-Rei: Uma visão de seus moradores

Resumo

O presente trabalho visa investigar como é a visão de habitantes da Zona Rural de São João del-Rei sobre o ambiente que os cerca e sobre as políticas públicas para a região. A metodologia utilizada tem por base a Epistemologia Qualitativa, sendo o foco na subjetividade dos participantes. Foram utilizadas entrevistas a partir da história de vida de onze participantes de seis comunidades rurais. A análise dos dados foi realizada a partir de conceitos da Psicologia Ambiental e do Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano. Os resultados indicaram que os moradores se veem como habitantes de zonas rurais, esses descreveram as políticas públicas existentes e apontaram para as necessidades encontradas nesse contexto. Considera-se a necessidade de formulação de políticas públicas adequadas para a realidade apresentada.

Palavras-chave:
Zona rural; Psicologia Ambiental; Políticas Públicas; Psicologia do Desenvolvimento

Abstract

This work aims to investigate the view the inhabitants of the Rural Area of São João del-Rei have about the environment surrounding them and about the public policies for the region. The methodology used is founded on Qualitative Epistemology, focusing on the participants’ subjectivity. Interviews were made with eleven participants from six rural communities based on their life history. The analysis of the data was performed based on concepts from Environmental Psychology and from the Bioecological Model of Human Development. The results indicated that the inhabitants see themselves as inhabitants of rural areas; they described the existing public policies and pointed out the needs found in this context. The need of formulating adequate public policies for the scenario presented is considered.

Keywords:
Rural Area; Environmental Psychology; Public Policies; Developmental Psychology

Resumen

Este estudio tiene como objetivo investigar cómo es la visión de los habitantes de La Zona Rural del São João del-Rei sobre el ambiente que los rodea y sobre las políticas públicas para la región. La metodología utilizada se basa en la Epistemología Cualitativa, centrándose en la subjetividad de los participantes. Se realizaron entrevistas sobre la historia de vida de once participantes de seis comunidades rurales. El análisis de los datos se basó en los conceptos de la psicología ambiental y el modelo bioecológico de desarrollo humano. Los resultados indicaron que los habitantes se ven como habitantes de zonas rurales, éstos describieron las políticas públicas existentes y apuntar a las necesidades encontradas en ese contexto. Se considera la necesidad de formular políticas públicas adecuadas para la realidad presentada.

Palabras-clave:
Zona rural; Psicología Ambiental; Políticas públicas; Psicología del Desarrollo

Introdução

Esta pesquisa teve como foco a análise das relações entre os moradores da Zona Rural (ZR) do município de São João del-Rei com o ambiente que os cerca. O trabalho foi embasado nas teorias da Psicologia Ambiental e na abordagem Bioecológica de Desenvolvimento Humano. (BRONFENBRENNER, 2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.). O objetivo foi identificar e analisar as percepções dessas pessoas acerca de seu ambiente, considerando as políticas públicas na região e como esse contexto influencia no desenvolvimento rural (KAGEYAMA, 2004aKAGEYAMA, A. Desenvolvimento rural: conceito e medida. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 21, n. 3, p. 379-408, 2004a.; 2004b) e no desenvolvimento humano dos residentes dessas regiões. Nesta proposta, entende-se políticas públicas como “um conjunto de ações e decisões do governo, voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade [...]”. (SEBRAE MG, 2008, p. 15).

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010), a População total do Brasil é formada por 190.755.799 pessoas, 15,6% delas residentes na zona rural, aproximadamente 29.757.906 pessoas. Mesmo com números elevados de residentes, a zona rural carece de uma maior atuação dos órgãos públicos, uma vez que poucos recursos - estruturais e financeiros - chegam a esses lugares. Infelizmente, os estudos do IBGE sobre essa parcela da população podem ser considerados pouco eficientes para a compreensão das necessidades e características específicas de cada contexto rural existente no país, devido a sua heterogeneidade (SOUZA; BRANDENBURG, 2010SOUZA, O. T.; BRANDENBURG, A. A quem pertence o espaço rural? As mudanças na relação sociedade/natureza e o surgimento da dimensão pública do espaço rural. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 51-64, 2010.).

A zona rural possui particularidades em relação ao meio urbano, diferenciando-se tanto em seus aspectos físicos-ambientais, quanto em aspectos sociais, o que leva à existência de demandas e necessidades distintas da população. Diante disso, a atuação do governo e a formulação de políticas públicas para atender à zona rural não pode se estabelecer da mesma maneira que ocorre para o ambiente urbano. É preciso compreender essas regiões, considerar suas particularidades e as demandas dos moradores.

Fundamentação Teórica

O que é rural?

O Decreto-Lei no 311, de 1938, é a lei brasileira que define o que é urbano e o que é rural. (BRASIL, 1938). A lei, do período Vargas, descreve que tudo o que não é urbano é considerado rural. Pelo decreto, cabe aos municípios a função de organizar o seu território e estabelecer quais áreas estão localizadas no perímetro urbano e quais estão no rural.

Apesar do Brasil adotar o decreto de 1938, é possível observar na literatura a existência de outras classificações do rural feitas por órgãos mundiais, como a Organização das Nações Unidas (ONU), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a antiga Comissão das Comunidades Europeias (CEE). A ONU considera, para classificar o rural, a preponderância de funções ligadas ao campo por parte do conjunto de habitantes que exercem alguma função econômica. A OCDE utiliza a classificação de demografia, na qual um local com densidade superior a 150 habitantes/km² é classificado como urbano e a CEE considera como zona rural as localidades onde as ocupações são variadas, incluindo: a cultura em locais naturais e cultivados, os habitantes, povoados, cidades menores e médias, e considera áreas com industrialização como regiões rurais (GOMES, 2013GOMES, I. O que é rural? Contribuições ao debate. Boletim de Geografia, Maringá, v. 31, n. 3, p. 81-95, 2013.).

O decreto-lei que regulamenta as zonas rurais no Brasil foi implementado em um período no qual a população do país, em sua maioria, vivia em áreas rurais, além de delegar a definição do que é rural/urbano aos entes municipais. Favareto e Abromovay (2009FAVARETO, A. D. S.; ABRAMOVAY, R. Surpreendente desempenho do Brasil rural nos anos 1990. Documento de trabajo/Programa Dinámicas Territoriales Rurales. RIMISP-Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural, no. 32, 2009.) apontam que a delegação da definição aos municípios gera um problema para o trabalho do IBGE, dificultando a comparação entre territórios. Como resultado, faz-se necessário a atualização dessa regulamentação para os dias atuais, que deveria considerar no mínimo “o tamanho populacional do município, sua densidade demográfica e sua localização” (FAVARETO; ABROMOVAY, 2009FAVARETO, A. D. S.; ABRAMOVAY, R. Surpreendente desempenho do Brasil rural nos anos 1990. Documento de trabajo/Programa Dinámicas Territoriales Rurales. RIMISP-Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural, no. 32, 2009., p. 11).

Observa-se, entretanto, que nas políticas públicas existe a preocupação é principalmente voltada para o agrário, com uma invisibilidade para o rural (SOUZA; BRANDENBURG, 2010SOUZA, O. T.; BRANDENBURG, A. A quem pertence o espaço rural? As mudanças na relação sociedade/natureza e o surgimento da dimensão pública do espaço rural. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 51-64, 2010.). Autores da área citam exemplos que vão desde o governo Vargas, passando pela ditadura militar, pela Constituição Federal de 1988, até dias atuais, de que as políticas são marcadas, de uma forma geral, pelo financiamento agrícola, que visa aumentar a produção agrícola do país, sem apresentar, de fato, uma preocupação com as demais demandas da população das zonas rurais (LEITÃO et al. 2009LEITÃO, A. L. E. et al. Política Pública para a Agricultura Familiar: o Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (Proinf) no Território Caparaó-ES. Rio de Janeiro: UFRRJ, 172 p. 2009.; PEREIRA, 2010PEREIRA, M. F. Política agrícola brasileira e a pequena produção familiar: heranças históricas e seus efeitos no presente. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 6, n. 3, p. 287-311, 2010.; SILVA, 2012SILVA, R. N. (2012). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil: o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). XXI ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA. Anais... Uberlândia - MG, 15 a 19 de outubro de 2012.; RAMOS, 2015).

Com o passar do tempo, o campo passou por uma grande revolução em suas estruturas, que inclui modificações da população, entrada das tecnologias no sistema de produção, mudanças na visão da sociedade em relação a natureza - natureza-fabricada do mundo rural -, proximidade com o perímetro urbano (ORTEGA; FONSECA, 2009, PEREIRA, 2010PEREIRA, M. F. Política agrícola brasileira e a pequena produção familiar: heranças históricas e seus efeitos no presente. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 6, n. 3, p. 287-311, 2010.). Processos que, como apontam Souza e Brandenburg (2010SOUZA, O. T.; BRANDENBURG, A. A quem pertence o espaço rural? As mudanças na relação sociedade/natureza e o surgimento da dimensão pública do espaço rural. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 51-64, 2010.), influenciam diretamente a existência da ruralidade. E, como aponta Favareto (2007FAVARETO, A. D. S. A Longa evolução da relação rural-urbano: Para além de uma abordagem normativa Do Desenvolvimento Rural. Ruris, Campinas, v. 1, n. 1, p. 157-92, 2007.), o problema é que a ideia de ruralidade parece só existir a partir do seu par oposto a urbanidade - a cidade, no entanto essas relações não se dão de maneira tão simples quanto parecem.

Mesmo que nas áreas rurais possam existir características atribuídas a cidades, não significa que essas tenham deixado de ser rurais. Conseguinte, o sentido do rural está ligado a questões culturais, ao movimento, as conexões e tradições locais. De acordo com Wanderley (2000WANDERLEY, M. N. B. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas-o “rural” como espaço singular e ator coletivo. Estudos sociedade e agricultura, Rio de Janeiro, v. 15, p. 87-145, 2000.), mesmo com os processos de industrialização, urbanização e com a chegada de tecnologias à agricultura, não ocorre uma padronização na sociedade, permanecem as particularidades dos espaços, tais como as tradições familiares às quais as pessoas se filiam.

Uma questão relevante é o fato que tanto o rural, quanto o urbano passam por progressivas modificações em suas estruturas. Nessa perspectiva, o ambiente geográfico, uma criação da sociedade, está sujeito a constantes alterações em sua morfologia. Não se deve pensar que o espaço rural é algo rústico ou isolado, mesmo que algumas zonas rurais o sejam (GOMES et al., 2016GOMES, I. et al. Comunidades Rurais (mas nem tanto): proposta de definição de critérios para diferenciação rural-urbana. Revista Geografias, Belo Horizonte, v. 1, n. 21, p. 122-137, 2016.), esse é apenas um perfil geral identificado com esses ambientes, devemos pensar em um ambiente de novas ruralidades sempre em reconstrução.(WANDERLEY, 2000WANDERLEY, M. N. B. A emergência de uma nova ruralidade nas sociedades modernas avançadas-o “rural” como espaço singular e ator coletivo. Estudos sociedade e agricultura, Rio de Janeiro, v. 15, p. 87-145, 2000.; FAVARETO, 2007FAVARETO, A. D. S. A Longa evolução da relação rural-urbano: Para além de uma abordagem normativa Do Desenvolvimento Rural. Ruris, Campinas, v. 1, n. 1, p. 157-92, 2007.).

Psicologia Ambiental e Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano

A Psicologia Ambiental tem como uma das suas principais características a interdisciplinaridade (GÜNTHER, 2005GÜNTHER, H. A Psicologia Ambiental no campo interdisciplinar de conhecimento. Psicologia USP, São Paulo, v. 16, n. 1-2, p. 179-183, 2005.), permitindo o diálogo com áreas diversas, tais como, o campo das políticas públicas e a abordagem Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.). A Psicologia Ambiental traz como contribuição a visão bidirecional da relação pessoa-ambiente. De acordo com Günther (2003GÜNTHER, H. Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoaambiente. Estudos de Psicologia, Natal, v. 8, n. 2, p. 273-280, 2003., 2005), há uma relação recíproca entre o indivíduo e o espaço físico que o rodeia, sendo que a ação de um modifica o outro, em um processo de retroalimentação. Não só o ambiente modifica o indivíduo, mas esse é capaz de exercer mudanças sobre seu meio, o que ocorre principalmente quando o ambiente falha ao responder aos objetivos e as necessidades das pessoas que ali estão inseridas (MELO, 1991MELO, R. G. C. de. Psicologia ambiental: uma nova abordagem da psicologia. Psicologia USP, São Paulo, v. 2, n. 1-2, p. 85-103, 1991.).

Ainda que o homem esteja constantemente se relacionando com o meio e seja capaz de modificá-lo, existem certas necessidades humanas que não são supridas apenas na relação homem-ambiente. De acordo com a abordagem Bioecológica do Desenvolvimento Humano de Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.), o desenvolvimento humano é resultado de uma interação dinâmica da pessoa com os contextos ambientais a sua volta, em uma relação direta com o bem-estar psicossocial do indivíduo. A análise coloca como essencial a observação de um conjunto de interações do ser humano com seu ambiente, com o tempo (do tempo pessoal ao tempo histórico) e em seus processos proximais.

Bronfenbrenner e Morris (1998BRONFENBRENNER, U.; MORRIS, P. A. The ecology of developmental processes. In: DAMON, W.; SIGEL, I. E.; RENNINGER, K. A. (Eds). Handbook of child psychology. New York: John Wiley & Sons, 1998. p. 993-1027.) e Bronfenbrenner, (1999, 2011)e dividem a sua investigação em quatro elementos principais: Pessoa, Processo, Contexto e Tempo (PPCT). A pessoa possui suas características individuais, com todas suas demandas, disposições e recursos: 1) recursos são considerados como todas as características biopsicológicas da pessoa, aspectos físicos, cognitivos e afetivos; 2) disposições são todas as contingências e interesses que possam incentivar ou desmotivar a pessoa a dar continuidade em seu processo de desenvolvimento, e 3) demandas são os aspectos encorajadores da participação em seus processos.

O Processo, que diz respeito aos processos proximais, pode ser relacionado a todas as interações proximais que a pessoa vivencia em sua vida com outras pessoas, objetos e símbolos que interferem diretamente em seu desenvolvimento. Essa interação ocorre em ambientes próximos e, para que aconteça, é necessário que sejam estabelecidos padrões por períodos estendidos de tempo. Como alerta, Bronfenbrenner (1999BRONFENBRENNER, U. Environments in developmental perspective: Theoretical and operational models. In: FRIEDMAN, S. L.; WACHS, T. D. (Eds). Measuring environment across the life span: Emerging methods and concepts. Washington, DC: American Psychological Association, 1999. p. 3-28.) destaca que esse elemento é facilmente confundido com o contexto, porém possui peculiaridades, principalmente relacionadas às interações nele estabelecidas e nas características das pessoas que interagem.

O Contexto é analisado a partir de todas as influências ambientais no desenvolvimento da pessoa. É subdividido em microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. Microssistema são todos os ambientes em que os processos proximais ocorrem, os que estão relacionados diretamente a pessoa, no caso do morador da zona rural pode ser considerado o ambiente natural frequentado por ele diariamente, sua família, entre outros. O mesossistema está relacionado a relação direta entre esses microssistemas. Na zona rural, um exemplo é a relação do ambiente de trabalho com a casa. O exossistema é constituído pelo conjunto de instituições sociais que não contêm diretamente a pessoa, mas que podem afetar o microssistema e o mesossistema nos quais ela se insere, por exemplo, o transporte entre a zona rural e a zona urbana, as escolas rurais. Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.) especifica o macrossistema como formado pelos elementos culturais, ou seja, crenças, valores e normas de comportamentos que influenciam na vivência grupal que a pessoa está inserida. É nesse sistema de análise que as políticas públicas e as questões econômicas se encaixam.

Outro aspecto do modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano é o Tempo. Bronfenbrenner e Morris (1998BRONFENBRENNER, U.; MORRIS, P. A. The ecology of developmental processes. In: DAMON, W.; SIGEL, I. E.; RENNINGER, K. A. (Eds). Handbook of child psychology. New York: John Wiley & Sons, 1998. p. 993-1027.) e Bronfenbrenner (1999, 2011) especificam a necessidade da abordagem do cronossistema, que é subdividido em: microtempo, mesotempo e o macrotempo. O primeiro se refere às diferentes durações dos episódios de processos proximais. O mesotempo se refere a periodicidade desses episódios e o macrotempo aos eventos da sociedade em geral, históricos e sociais, que afetam e são afetados pelo desenvolvimento da pessoa durante o curso de sua vida.

A partir de Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.), considera-se que a implementação de políticas públicas tem como efeito a modificação tanto do ambiente quanto da pessoa. O desenvolvimento e planejamento de políticas públicas e programas sociais é de importância singular na tarefa de minimizar as possíveis influências negativas de contexto ambiental desfavorável no desenvolvimento humano. Uma vez que mudanças favoráveis no ambiente podem gerar, seguindo a lógica bidirecional, não apenas bem-estar para os moradores da zona rural, como propiciar seu desenvolvimento sadio (BRONFENBRENNER, 2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011..).

Segundo Turner III (2010), é de suma importância que em estudos acerca de fenômenos humanos haja inserção ecológica para a melhor compreensão do que é estudado e dos próprios indivíduos em seus contextos. É ouvir o ser-humano em seu ambiente para captar o ponto de vista e sua experiência de maneira mais completa possível. Assim, para a realização desta pesquisa foram feitas entrevistas com moradores da zona rural em seus próprios contextos de vida.

Metodologia de investigação

A metodologia de investigação teve por base a Epistemologia Qualitativa de González-Rey, advinda da psicologia histórico-social, que tem como foco a subjetividade do participante e a complexidade, dialogando com dois pilares da transdisciplinariedade (PINTO; de PAULA, 2018PINTO, J. F.; de PAULA, A. P. P. Contribuições da epistemologia qualitativa de González Rey para estudos Transdisciplinares. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 30, p. e166100, 2018.). Foram utilizados dois métodos de coleta de informações: entrevistas com base no método de história de vida e uma investigação documental (PIMENTEL, 2001PIMENTEL, A. O método da análise documental: seu uso numa pesquisa historiográfica. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 114, p. 179-195, 2001.) dos dados sobre as políticas públicas para Zona Rural levantados na prefeitura do município. A partir da perspectiva da Abordagem Bioecológica (BRONFENBRENNER, 2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.) a investigação focou a relação entre a Pessoa e seus Contextos e a influência das políticas públicas nesses.

Contexto de investigação

O processo conhecido como êxodo rural já havia se iniciado no país, o que culminaria na vinda de um grande contingente populacional para as cidades brasileiras. No último grande censo de 2010, a população brasileira nas zonas urbanas já ultrapassa 84% (IBGE, 2010), processo que pode ser verificado no município São João del-Rei, local do estudo. O que pode ser visualizado no quadro 1, cuja a análise permite inferir que a população da zona rural tem encolhido a cada grande recenseamento que é realizado.

Quadro 1
Evolução do quadro populacional de São João del-Rei, nos últimos cinco grandes censos.

A história da cidade de São João del-Rei data do século XVIII quando Antônio Garcia da Cunha deu início ao processo de extração do ouro, que deu origem ao arraial Novo Pilar, atualmente a cidade de São João (LOBO; TÉSSIA, 2012LOBO, C.; TÉSSIA, J. Dinâmica migratória na região de influência de São João del-Rei: os fluxos e a organização do espaço regional. Revista Paranaense de Desenvolvimento-RPD, Curitiba, n. 121, p. 149-165, 2012.). No princípio, São João del-Rei assumiu característica essencialmente agrícola.

A cidade tem uma área total de 1.464 km², divididos em seis distritos e a sede. Os distritos são Emboabas, Rio das Mortes, São Gonçalo do Amarante, São Sebastião da Vitória e São Miguel do Cajuru. Segundo o IBGE (2010), esses seis distritos são divididos em áreas urbanas e rurais. Nesses foram investigadas seis comunidades consideradas rurais na região de São João del-Rei, identificadas na Figura 1: Barreiro, Felizardo, Colônia do Bengo, Zueira, Recondengo e Rio das Mortes. Esses espaços rurais estão distribuídos espacialmente em relação a cidade principal, São João del-Rei, uns ficam a apenas 10 quilômetros e outros a mais de 40 quilômetros. Três delas, próximas de São João, são conhecidas por sua colonização italiana (Bengo, Recondendo e Felizardo).

Figure 1
Localização das comunidades rurais de São João del-Rei.

Os participantes

O primeiro passo foi o contato com a Prefeitura e a Câmara Municipal para a coleta dos dados documentais, que possibilitou uma noção geral da situação da relação da gestão pública com os moradores dessas áreas.

No segundo momento, foram selecionados informantes-chaves da história da região em cada povoado investigado, indicados pelos próprios moradores de cada comunidade. Os informantes foram convidados, e participaram de acordo com sua aceitação e disponibilidade. Participaram 11 pessoas, seis mulheres e cinco homens, de seis comunidades consideradas rurais na região de São João del-Rei. A mais nova com 17 anos de idade e a mais velha com 80 anos. Em cada povoado, foram entrevistadas duas pessoas: duas mulheres no Barreiro (Giovana e Neide), duas no Felizardo (Naiara e Soraia), dois homens na colônia do Bengo (João e Ezequiel), um homem e uma mulher no Zueira (Míriam e Leandro), um homem e uma mulher no Recondengo (Ronaldo e Ondina), sendo o Rio das Mortes o único lugar em que foi feita uma entrevista, com um homem (Fábio). Todos os nomes apresentados são fictícios com objetivo de manter em sigilo as identidades dos participantes.

Detalhamento das ferramentas de investigação

As entrevistas realizadas foram abertas e consideraram o processo de construção do conhecimento de forma não linear, mas interpretativa, na inter-relação entre a subjetividade do participante e do pesquisador, de acordo com a Epistemologia Qualitativa. (GONZÁLES-REY; SILVA, 2005). Buscou-se a construção de uma interpretação dos sentidos atribuídos pelos participantes em relação ao tema proposto, com um olhar antropossociológico, em comunicação dialógica e com a compreensão do humano em diversos espaços sociais e físicos, aqui considerados como contextos de desenvolvimento (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998BRONFENBRENNER, U.; MORRIS, P. A. The ecology of developmental processes. In: DAMON, W.; SIGEL, I. E.; RENNINGER, K. A. (Eds). Handbook of child psychology. New York: John Wiley & Sons, 1998. p. 993-1027.; BRONFENBRENNER, 1999, 2011).

A proposta se deu a partir do tema central que foi a história do participante e da região, considerando as políticas públicas atuantes, assim como sua relação pessoal com o ambiente ao seu redor. Os entrevistados puderam falar à vontade e abordar vários assuntos que tangem a sua vivência na região.

Coleta de dados

As entrevistas ocorreram após agendamento dos pesquisadores com os participantes, em locais indicados por esses. De acordo com a autorização do participante, as entrevistas foram gravadas e, após a transcrição, foram novamente apresentadas para aqueles que se interessaram em certificar seu conteúdo. Nesse momento foi realizada uma nova coleta com vistas a obtenção de informações complementares.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética - CAAE 54709215.5.0000.5151 e foram tomadas todas as precauções para a ética de pesquisa de acordo com a RESOLUÇÃO Nº 466, DE 12 DE DEZEMBRO DE 2012 (BRASIL, 2012), incluindo a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Análise das informações

As informações foram analisadas a partir da Epistemologia Qualitativa (GONZÁLEZ-REY; SILVA, 2005GONZÁLEZ-REY, F. L. G.; SILVA, M. A. F. Pesquisa qualitativa e subjetividade: os processos de construção da informação. São Paulo: Cengage Learning, 2005.): 1) Pré-análise: as entrevistas foram lidas e relidas até que o seu conteúdo e o seu significado fossem apreendidos pelo pesquisador; 2) Identificação dos indicadores: feita de forma subjetiva a partir do momento da pré-análise, destacando as frases e palavras-chave mais presentes e contextualizadas na leitura das entrevistas, que se destacaram na subjetividade do pesquisador; 3) Construção das zonas de sentido: zonas de síntese dos resultados, nessas os indicadores foram agrupados em zonas que expressam seu significado, sintetizando os indicadores encontrados; 4) Construção teórica: realizada a partir das zonas de sentido e a relação da síntese obtida com a teoria preexistente e com a análise do investigador.

Resultados

Observa-se que na prefeitura não foram encontrados dados documentais sobre a região a zona rural do município, não existem mapas e as políticas para a região não constam no plano diretor. Os resultados apresentados se referem às entrevistas realizadas (Quadro 2), a partir das zonas de sentido encontradas e dos seus indicadores. Os trechos apontados como indicadores e suas verbalizações estão identificados pelos nomes fictícios dos participantes.

Quadro 2
Zonas de sentido e indicadores encontrados nas entrevistas

Discussões

A discussão é baseada nas informações descritas no Quadro 2, com as zonas de sentido destacadas em negrito e os indicadores sublinhados. Para compreender a definição do rural pelos moradores, na zona de sentido Sobre ser rural, considera-se o que os moradores dessas regiões entendem como “ser rural”. Lembrando que politicamente essa delimitação fica a cargo do poder público municipal (BRASIL, 1938) a partir de diversos aspectos sociais e econômicos, uma atribuição do macrossistema, realizada em um determinado período histórico (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998BRONFENBRENNER, U.; MORRIS, P. A. The ecology of developmental processes. In: DAMON, W.; SIGEL, I. E.; RENNINGER, K. A. (Eds). Handbook of child psychology. New York: John Wiley & Sons, 1998. p. 993-1027.; BRONFENBRENNER, 1999, 2011), mas que influencia a vida dos moradores da zona rural e suas experiências no micro, meso e exossistemas, sem considerar as diferenças encontradas em cada um dos contextos estudados. Nesse sentido, neste trabalho, mais do descrever o que é o rural, considera-se necessário identificar a visão de seus habitantes sobre o que é rural.

Nas entrevistas realizadas, foi questionado aos moradores se eles consideravam a região como rural. Foram levantadas características locais que esses consideram relevantes para que o ambiente fosse classificado como tal, respeitando a perspectiva da relação homem-ambiente (GÜNTHER, 2005GÜNTHER, H. A Psicologia Ambiental no campo interdisciplinar de conhecimento. Psicologia USP, São Paulo, v. 16, n. 1-2, p. 179-183, 2005.). Diante disso, dos 11 entrevistados, apenas dois não consideraram sua região como rural (Não é rural), uma moradora do Barreiro e outra do Recondengo.

Os moradores apontaram como relevante para classificação de um ambiente como rural, a distância entre o povoado e a cidade (Distâncias), e o distanciamento entre as próprias casas. A questão econômica e os costumes típicos (Conhecimento de geração em geração) da zona rural foram citados como diferenciadores entre rural e urbano, além da Existência de animais e de plantações, tal como destacado por Leandro. As características relatadas se aproximam da definição de Zona Rural da Comissão das Comunidades Europeias (CEE) (GOMES, 2013GOMES, I. O que é rural? Contribuições ao debate. Boletim de Geografia, Maringá, v. 31, n. 3, p. 81-95, 2013.).

Como afirmado, duas moradoras (Neide e Ondina), não consideraram o local onde moram como rural (Não é rural) e afirmam que o determina a ruralidade de um local é a facilidade de acesso ao mesmo, os meios de Comunicação disponíveis e o Transporte. Essa visão se aproxima das características indicadas pelos outros participantes ao consideram sua região como rural. O que mostra que, como é ressaltado por Gomes (2013GOMES, I. O que é rural? Contribuições ao debate. Boletim de Geografia, Maringá, v. 31, n. 3, p. 81-95, 2013.), apesar das inúmeras modificações ocorridas no ambiente rural, o pensamento que ainda prevalece é o do rural como um lugar isolado e rústico, questões vinculadas às possibilidades encontradas no exossistema (BRONFENBRENNER; MORRIS, 1998BRONFENBRENNER, U.; MORRIS, P. A. The ecology of developmental processes. In: DAMON, W.; SIGEL, I. E.; RENNINGER, K. A. (Eds). Handbook of child psychology. New York: John Wiley & Sons, 1998. p. 993-1027.; BRONFENBRENNER, 1999; 2011) que afetam a vida dos indivíduos e sua percepção sobre o espaço em que vivem. O que faz João e Ondina afirmarem que a zona rural Está acabando, ou pode ser considerado a referência de Souza e Brandenburg (2010SOUZA, O. T.; BRANDENBURG, A. A quem pertence o espaço rural? As mudanças na relação sociedade/natureza e o surgimento da dimensão pública do espaço rural. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 51-64, 2010., p. 53) sobre rural “metropolitano”.

Naiara, moradora do Felizardo, fez questão de ressaltar uma visão negativa que existe sobre as zonas rurais e sobre os seus moradores (Visão externa). O discurso denuncia o posicionamento de muitas pessoas que ainda possuem uma visão da zona rural como atrasada, sem conhecimento e com falta de recursos, estigmatizando essa realidade. Como consequência, os estigmas sociais acabam sendo introjetados e reproduzidos por certos moradores, o que se confirma na fala de Neide, que não considera sua região como rural, e alega que existem lugares piores. Essa conjuntura traz à tona a influência direta do macrossistema no desenvolvimento do indivíduo. Nesse caso, a junção dos elementos culturais, das crenças, valores negativos que foram construídos sócio-historicamente acerca do que é a zona rural (macrossistema) acaba por influenciar a própria maneira como os moradores a veem e a vivência grupal nesse ambiente (microssistema). A Comunidade parece ser identificada como um dos principais traços da vida na zona rural, como afirma Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.), criam-se marcas de identificação social para determinadas culturas ou subculturas.

As diversas formas de caracterização de Zona Rural das entidades globais que se preocupam com a questão, expostas por Gomes (2013GOMES, I. O que é rural? Contribuições ao debate. Boletim de Geografia, Maringá, v. 31, n. 3, p. 81-95, 2013.), aparecem nas falas dos moradores das Zonas Rurais da cidade de São João del-Rei. As ideias dos moradores corroboram com o pensamento de Gomes (2011), que salienta que o rural, apesar de ter características de desenvolvimento tecnológico, ainda conserva tradições, estilos de vida e conexões próprios, que consideramos presentes, principalmente, no micro e mesossistemas.

Diante da zona de sentido Políticas existentes, estudos realizados pelo SEBRAE-MG (2008) sobre o tema deixam claro que, em sua grande maioria, as políticas públicas rurais buscam atender aos interesses econômicos da produção agropecuária. De acordo com esses dados, as políticas públicas da zona rural não levam em conta o contingente populacional e suas peculiaridades em relação às suas necessidades sociais. O que se torna mais evidente diante das falas moradores entrevistados.

Em comum, todas as localidades visitadas possuem, como serviço público disponível a Coleta de lixo ao menos uma vez na semana. Em duas das entrevistas, foi citado o oferecimento de transporte gratuito de crianças para suas respectivas escolas. O Transporte público é realizado em nove das onze comunidades pesquisadas, com a exceção do Recondengo e da comunidade do Zueira, onde é realizado de forma irregular e insuficiente, citado por Míriam. Neide e Míriam mencionaram, a Melhoria das estradas, mas isso ainda foi visto como insuficiente, como demonstrado na zona de sentido das Políticas necessárias.

A partir do indicador Apoio do governo, na entrevista realizada com Neide, residente do Barreiro, constatou-se a existência de uma política pública voltada para a agricultura familiar. Ela menciona que em sua propriedade planta couve, brócolis, outros legumes e vegetais; Leandro relata que a prefeitura apoia eventos na região e Ondina, moradora do Recondengo, menciona uma parceria para o abastecimento de escolas estaduais. Contudo, essas foram as únicas ações positivas das prefeituras citadas pelos 11 entrevistados.

As políticas públicas, por possuírem um caráter governamental, acabam privilegiando determinados setores socioeconômicos. É o que apontam autores como Ortega e Fonseca (2009), Pereira (2010PEREIRA, M. F. Política agrícola brasileira e a pequena produção familiar: heranças históricas e seus efeitos no presente. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, v. 6, n. 3, p. 287-311, 2010.), Souza e Brandenburg (2010SOUZA, O. T.; BRANDENBURG, A. A quem pertence o espaço rural? As mudanças na relação sociedade/natureza e o surgimento da dimensão pública do espaço rural. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 1, p. 51-64, 2010.) e Silva (2012SILVA, R. N. (2012). Políticas públicas de desenvolvimento rural no Brasil: o caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). XXI ENCONTRO NACIONAL DE GEOGRAFIA AGRÁRIA. Anais... Uberlândia - MG, 15 a 19 de outubro de 2012.), ao afirmarem que as principais políticas públicas voltadas para as zonas rurais no Brasil partem das esferas federais e são voltadas para atender principalmente às questões de financiamento da agricultura e pecuária, deixando parte a necessidade das populações residentes nesses locais. Observa-se, que questões como o desenvolvimento humano não são preponderantes na confecção de políticas públicas, como Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.) defende. As políticas públicas pertencem ao campo do macrossistema, mas influenciam a pessoa no seu micro, meso e exossitemas. Para o autor, mudanças positivas no ambiente podem influenciar diretamente no desenvolvimento saudável do ser humano. E uma das formas dessas mudanças ocorrerem é a partir de políticas públicas sólidas e relevantes para a população. Para que essas possam realmente ser efetivas no contexto estudado, faz-se necessário ouvir os próprios moradores das regiões, que possuem demandas e necessidades próprias de seu contexto ambiental, citadas na zona de sentido das Políticas necessárias.

Quatro das seis comunidades visitadas possuem muitas semelhanças ambientais devido à proximidade entre as mesmas. Contudo, existem características que as diferenciam enquanto comunidade. As Colônias do Bengo, Felizardo, Barreiro e Rio das Mortes são as mais próximas ao centro da cidade, com distância de até 12 quilômetros. Como consequência, as políticas públicas se mostram mais atuantes nessas quatro comunidades; como transporte público mais constante e coleta de lixo mais frequente. Contudo, as comunidades mais distantes do perímetro urbano: Colônia do Recondengo e o Zueira, acabam por não ter a mesmas facilidades, possuem escassez ou ausência dos serviços acima mencionados. Apenas no Rio das Mortes há uma escola na própria comunidade.

Em nenhuma das comunidades visitadas há serviço de água e esgoto (Abastecimento de água e saneamento). O abastecimento é feito por minas existentes nas regiões. Elas também não possuem o esgoto tratado e utilizam o sistema de fossa para a coleta do mesmo.

A maior reclamação entre os moradores, citada em nove das onze entrevistas, foi em relação à condição das estradas (Necessidade de estrada), principalmente nas regiões em que a agricultura é o principal meio de sobrevivência e a estrada se caracteriza como a única via de escoamento das produções. O morador Ronaldo relata que as consequências dos problemas ocasionados pela qualidade da estrada se referem aos buracos originados pelo período de chuvas e a declividade do local.

Esse problema dificulta o transporte dos produtos, que em grande parte são perecíveis e, com a estrada ruim, tendem a “estragar” (Ronaldo), fazendo com que o mercado consumidor não os aceite. A entrevistada do Zueira, Míriam, faz uma crítica com relação a qualidade da estrada, “O pessoal ali sofre com aquela poeirada, o caminhão que passa muito perto, entendeu? Aqui eu to bem longe, apesar que vem poeira para cá”. Morador da mesma comunidade, Leandro questiona a qualidade da estrada, “Aqui é tudo, esse calçamento aí na rua, poeirada danada… Estrada que em tempo de chuva ai não sai, se tivesse chovendo aqui vocês não iam conseguir chegar aqui não”.

Os moradores relatam que a preocupação com a violência é mínima, exceto no Rio das Mortes, onde afirmam que há altos índices de criminalidade. A violência é relatada principalmente nas comunidades que possuem asfalto, esse foi citado como fonte do aumento da violência no local. Nota-se, com essas afirmações, a influência exercida pelo ambiente em constantes mudanças nos valores e nas subjetividades dos moradores, na inter-relação homem-ambiente (GÜNTHER, 2003GÜNTHER, H. Mobilidade e affordance como cerne dos estudos pessoaambiente. Estudos de Psicologia, Natal, v. 8, n. 2, p. 273-280, 2003., 2005).

Outra preocupação é a questão da saúde (Saúde pública). Giovana cita que a saúde dos moradores é afetada pela poeira devido à falta de manutenção das estradas, relacionando o problema da saúde com a do asfalto. O que novamente nos remete diretamente aos sistemas de Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.), em que a ausência de ações governamentais, que representam o exossistema, influencia diretamente na saúde do morador rural. Os entrevistados enfatizam a falta de médicos na região.

Como terceiro ponto em comum, temos a questão da Comunicação, cuja falta ou dificuldade de acesso podem influenciar aspectos do micro, meso e exossitemas, e que foi indicada como uma das características da zona de sentido Sobre ser rural. Celular, telefone fixo, internet e até mesmo os correios foram citados como aspectos necessários para a melhoria. Moradores do Bengo e Recondengo, Ezequiel e Ronaldo ressaltam que esses serviços não chegam ou são insuficientes devido ao contingente populacional dos locais onde moram ser pequeno. E Fábio conta como foi difícil, e resultado da articulação dos moradores, a obtenção de telefone fixo em sua região. Apenas Ezequiel apontou a falta de Iluminação pública como uma questão.

Os entrevistados também citaram a necessidade do desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o aumento da autoestima e da qualidade de vida nas regiões, identificadas com o Lazer e turismo, como o investimento no turismo e de ações voltadas para o lazer dessas populações. Giovana ressalta: “Questão do turismo acho que dá aquela identidade (...) Acho que daria mais aquele ar de coisas de patrimônio”.

A partir da fala dos moradores, percebe-se que as políticas públicas, são capazes de alterar as condições de vida no ambiente rural, aumentando ou diminuindo a capacidade de produção agrícola, o acesso à tecnologias e à informações, modificando as estruturas físicas do local, facilitando ou dificultando a vida das pessoas que ali vivem e, com isso, as próprias pessoas. As entrevistas demonstraram que é importante que órgãos públicos disponibilizem recursos para a criação políticas públicas que minimizem as diferenças entre o urbano e o rural, e atendam às especificidades da população rural (GEHLEN, 2004GEHLEN, I. Políticas públicas e desenvolvimento social rural. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 2, p. 95-103, 2004.), considerando dados mais próximos da realidade dessas localidades (FAVARETO; ABRAMOVAY, 2009FAVARETO, A. D. S.; ABRAMOVAY, R. Surpreendente desempenho do Brasil rural nos anos 1990. Documento de trabajo/Programa Dinámicas Territoriales Rurales. RIMISP-Centro Latinoamericano para el Desarrollo Rural, no. 32, 2009.).

Conclusões

As entrevistas permitiram identificar uma falta de atuação dos setores públicos em relação às políticas públicas voltadas para Zona Rural de São João del-Rei, confirmado pela falta de dados na prefeitura e na Câmara Municipal. Os moradores se mostraram preocupados com a falta de atuação do poder público municipal, ao mesmo tempo em que demonstraram estar cientes da importância das ações governamentais a serem desenvolvidas junto a suas comunidades.

A principal necessidade encontrada foi a falta de uma infraestrutura adequada de transporte, principalmente relacionada à qualidade das estradas, que influenciam, tanto para o seu dia-a-dia, quanto para o escoamento dos produtos cultivados. Essa falta de atenção dos órgãos públicos municipais para a manutenção das estradas de ligação urbano-rural ocasiona um prejuízo considerável a esses cultivadores de produtos agrícolas que, em sua maioria, dependem dessas para entregar seus produtos, além disso, as estradas produzem muita poeira, prejudicam a saúde desses moradores.

No que se refere ao conceito de Zona Rural, enfatiza-se que a maioria dos participantes considera a região onde vivem como rural e se identifica com o estilo de vida local. Todavia, foi percebido que os próprios moradores descrevem suas regiões com certo desprestígio. Pode-se afirmar que a desvalorização social em relação à zona rural, presente na cultura e nos valores sociais (macrossistema) tem repercussões na maneira como essas populações vivem, se articulam e enxergam a zona rural (microssistema) (BRONFENBRENNER, 2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.).

De acordo com Bronfenbrenner (2011BRONFENBRENNER, U. Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed Editora, 2011.), por mais que haja certa influência do macrossistema no pensamento coletivo, em alguns casos sobressai as características da Pessoa que buscam motivações e sentidos pessoais para criar a sua própria experiência para seu desenvolvimento saudável e autoestima. Considera-se a necessidade da valorização tanto das tradições e cultura da zona rural, quanto para das pessoas que ali vivem. Como afirma Bronfenbrenner, quanto mais oportunidades dadas pelos governos para a promoção de atividades variadas para as pessoas, tais como condições básicas para sobrevivência, mais o seu processo de desenvolvimento será estimulado.

Diante disso, faz-se necessário o desenvolvimento de políticas públicas, que sejam condizentes com a realidade local, voltadas para o fortalecimento da autoestima e da identidade dos moradores da região, o que poderia ser feito, de acordo com os próprios, por meio do fortalecimento do turismo local e de lazer na região. Além da necessidade de atuações mais significativas dos órgãos públicos na zona rural, a partir de subsídios necessários, como esgoto, melhor infraestrutura de acesso, saúde de qualidade e acessível, para que o desenvolvimento humano seja estimulado e consolidado nessas regiões, facilitando, assim, a vida dos moradores. Finalmente, podem ser pensadas políticas públicas e maior diálogo com as legislações relacionadas à terra e ao meio ambiente, com o objetivo de contribuir para que esses moradores desenvolvam novas relações com a terra e seu espaços, tais como aquelas relacionadas à agricultura familiar na sua relação com a agroecologia e a soberania alimentar.

Agradecimentos

À Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) que financiou o projeto e aos moradores que contribuíram com o relato das suas histórias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    25 Jun 2018
  • Aceito
    22 Maio 2020
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