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O INCÊNDIO NO MUSEU NACIONAL EM SUBTERRÂNEA

THE FIRE AT THE NATIONAL MUSEUM IN SUBTERRÂNEA

EL INCENDIO EN EL MUSEO NACIONAL EN SUBTERRÂNEA

RESUMO

O presente artigo trata do incêndio ocorrido na sede do Museu Nacional em 2018 por meio do longa-metragem Subterrânea (2021Subterrânea, 2021, Pedro Urano, Filmegraph, Brasil.), ficção científica em diálogo com o documentário, dirigido por Pedro Urano. Além de ser a primeira ficção a explorar o tema, o filme conecta a tragédia a outros acontecimentos que moldaram a paisagem do Rio de Janeiro. Ao fazê-lo, comenta sobre o modo de operar não só da capital fluminense, mas do país como um todo, calcado na lógica da destruição. O artigo examina Subterrânea tanto estética quanto discursivamente, mobilizando, entre outros, Lima Barreto e Hélio Oiticica, referências ao projeto. Para isso, situa a produção no contexto brasileiro dos anos 2010 e no debate contemporâneo sobre a estética da ruína.

PALAVRAS-CHAVE
Museu Nacional; Subterrânea ; Incêndio; Ruína; Estética

ABSTRACT

This article addresses the fire that occurred at the headquarters of the National Museum in 2018 through the feature film Subterrânea (2021Subterrânea, 2021, Pedro Urano, Filmegraph, Brasil.), directed by Pedro Urano, a science fiction in dialogue with documentary. In addition to being the first fictional film to explore the theme, Subterrânea connects the tragedy to other events that shaped the landscape of Rio de Janeiro. In doing so, it comments on how not only the city but the country functions, a mode based on the logic of destruction. Subterrânea is examined both aesthetically and discursively, mobilizing, among others, Lima Barreto and Hélio Oiticica, references for the film. To achieve that purpose, Subterrânea is situated in the context of the 2010s in Brazil and in the contemporary debate on the aesthetics of ruins.

KEYWORDS
National Museum; Subterrânea ; Fire; Ruin; Aesthetics

RESUMEN

El artículo aborda el incendio que ocurrió en la sede del Museo Nacional en 2018 a través del largometraje Subterrânea (2021Subterrânea, 2021, Pedro Urano, Filmegraph, Brasil.), película de ciencia ficción en diálogo con el documental, dirigida por Pedro Urano. Además de ser la primera ficción que explora el tema, la película conecta la tragedia con otros acontecimientos que han dado forma al paisaje de Río de Janeiro. Al hacerlo, comenta sobre la forma en que funciona la lógica de la destrucción no sólo de la capital de Río de Janeiro, sino del país en su conjunto. El artículo examina Subterrânea tanto estética como discursivamente, movilizando, entre otros, a Lima Barreto e Hélio Oiticica, referentes del proyecto. Para ello, ubica la producción en el contexto brasileño de la década de 2010 y en el debate contemporáneo sobre la estética de la ruina.

PALABRAS CLAVE
Museo Nacional; Subterrânea; Incendio; Ruinas; Estética

O incêndio que acometeu o Museu Nacional em 2018 foi uma tragédia em múltiplos sentidos. O fogo destruiu a construção secular do Palácio de São Cristóvão, sede da instituição; destruiu cerca de 90% do acervo museológico, suspendendo ou mesmo cancelando projetos de pesquisa; e destruiu ainda um senso de comunidade compartilhado por profissionais da casa e visitantes da Quinta da Boa Vista. O impacto da ação das chamas impressionou a sociedade, foi registrado pela imprensa e sensibilizou artistas. Neste artigo, desdobramento de pesquisa de pós-doutorado desenvolvida na Universidade Federal do Rio de Janeiro dedicada a investigações estéticas a partir do incêndio no Museu Nacional, o foco recai sobre o longa-metragem Subterrânea (2021Subterrânea, 2021, Pedro Urano, Filmegraph, Brasil.). Com direção de Pedro Urano e roteiro de João Paulo Cuenca, ele se destaca não apenas por trazer à tela imagens das chamas consumindo a edificação, mas por relacionar o incêndio à história urbana do Rio de Janeiro, endereço do Museu Nacional, uma ruína em reforma. Com isso em mente, o artigo pretende apresentar o contexto no qual o incêndio se deu, relacionar a teoria da ruína ao contemporâneo e analisar as estratégias fílmicas de Subterrânea para dar conta dos fatos. Por trás da tragédia, há outras que se interligam, tendo como ponto comum a maneira como a ciência e a cultura são tratadas no Brasil. Depois do fim, haverá um recomeço?

Cultura em chamas

Em “Alarme de incêndio”, conciso capítulo publicado em Rua de mão única, Walter Benjamin escreve: “Antes que a centelha chegue à dinamite, é preciso que o pavio que queima seja cortado” (1987, p. 46BENJAMIN, Walter. Alarme de incêndio. In Rua de mão única: obras escolhidas, volume 2. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987, p. 45-46.). Destilando seu frasismo inimitável, o filósofo alemão pede cautela ao se referir à representação da luta de classes. Afirma não se tratar de apontar vencedores e vencidos, mas de saber se a burguesia sucumbirá a si mesma ou ao proletariado. Aposta, portanto, no desejo de interrupção do desenvolvimento técnico-econômico que embasa o pensamento moderno, este duramente confrontado pelo materialismo histórico benjaminiano. Há urgência em sua aposta, visto que é com a imagem do lastro da centelha que ele alegoriza o estado das coisas. Para Michael Löwy, “toda a sua obra pode ser considerada como uma espécie de ‘alarme de incêndio’ para seus contemporâneos, um sino de alerta tentando chamar a atenção ao perigo iminente que os ameaça, às novas catástrofes que se aproximam no horizonte” (2005, p. 16LÖWY, Michael. Fire Alarm: Reading Walter Benjamin’s ‘On the Concept of History’. London: Verso Books, 2005.).1 1 Para referências bibliográficas listadas no idioma inglês, são minhas as traduções para o português das citações utilizadas neste artigo. Ainda que procurando antever ali o mal que se abateria especificamente sobre a Europa na primeira metade do século XX, o legado de Benjamin também se alastrou como centelha. Sua visão da História como catástrofe chegou ao cerne das discussões sobre uma certa ideia de progresso que ainda pauta as sociedades ocidentais – e que a arte procura tensionar sempre que tocada pelo tema.

No Brasil, o alarme de incêndio acumula sucessivos disparos. Aquele que foi acionado em 2 de setembro de 2018 no Museu Nacional, na verdade, já vinha sendo gradativamente acionado em virtude da ausência de orçamento adequado a seu bom funcionamento. Pode-se dizer que o incêndio que atingiu o Palácio de São Cristóvão, localizado na Quinta da Boa Vista, Zona Norte do município do Rio de Janeiro, tem duas causas. A primeira delas, mais objetiva e pragmática, considera um curto-circuito provocado pelo sistema de ar-condicionado da edificação (Folha de S.Paulo, 2019FOLHA de S.Paulo. Curto em ar-condicionado causou incêndio no Museu Nacional. Cotidiano, São Paulo, 23 mar. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/03/curto-em-ar-condicionado-causou-incendio-no-museu-nacional-diz-jornal.shtml. Acesso em: 15 jul. 2022.
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, n.p.); a segunda, mais complexa e matizada, abre um debate a respeito da necessidade de políticas públicas voltadas à preservação de instituições científico-culturais no país. Integrante do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Museu Nacional não foi o único equipamento vinculado à instituição a pegar fogo. A pesquisadora Rosany Bochner (2018BOCHNER, Rosany. Memória fraca de patrimônio queimado. Reciis – Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 244-248, 2018. Disponível em: < https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1611. Acesso em: 15 jul. 2022.
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) lembra o incêndio no Palácio Universitário e na Capela São Pedro de Alcântara, em 2011; na Faculdade de Letras, em 2012; no Laboratório de Microbiologia no Centro de Ciências da Saúde, em 2014; na Pró-Reitoria de Gestão e Governança, em 2016; e no alojamento estudantil da Cidade Universitária, em 2017.

O levantamento feito por Bochner não fica restrito à UFRJ; pelo contrário, o que salta aos olhos em sua investigação é que episódios de incêndio alcançam museus, teatros e bibliotecas os mais diversos. A lista contém instituições de norte a sul do Brasil: da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas ao Centro Municipal de Cultura de Gramado, ambos incendiados em 2013. No Rio de Janeiro, o Museu de Arte Moderna sofreu incêndio em 1978 e 1982; o Museu da Imagem e do Som, em 1981; e o Museu do Índio, em 2013. Em São Paulo, o Teatro Cultura Artística, em 2008; o Memorial da América Latina, em 2013; o Museu da Língua Portuguesa, em 2015; e a Cinemateca Brasileira, em 1957, 1969, 1982, 2016 e, mais recentemente, em 2021. “O que há de comum em todos esses eventos é o descaso das autoridades responsáveis pelo financiamento que garanta a guarda, a preservação, o acesso e a segurança dos acervos.” (Bochner, 2018, p. 246BOCHNER, Rosany. Memória fraca de patrimônio queimado. Reciis – Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, p. 244-248, 2018. Disponível em: < https://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/1611. Acesso em: 15 jul. 2022.
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). Mas o alarme cujo incêndio pode fazer disparar tem efeito paradoxal: quanto mais ressona à máxima potência, mais parece inaudível a todos. A inação ou mesmo a ação apenas como medida reparadora não ajudam a evitar catástrofes como as mencionadas acima.

No caso do Museu Nacional, interesse maior deste estudo, o episódio em si tornou-se referencial, tamanha a relevância da instituição e a proporção do incêndio. Fundado por Dom João VI em 1818, o museu inicialmente teve sede no Campo de Santana, tendo sido transferido para o Palácio de São Cristóvão no ano de 1892. Considerada a mais antiga instituição científica do país, foi incorporada à UFRJ – à época, Universidade do Brasil – em 1946. A construção, porém, já havia sido tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1938. No ano em que celebrava seu bicentenário, cerca de 90% de seu acervo de 20 milhões de itens foi atingido pelo fogo, incluindo a maior coleção egípcia da América Latina e o crânio de Luzia, o fóssil humano mais antigo encontrado nas Américas. O trabalho de resgate foi todo documentado pela própria instituição. Instaurado uma semana após o ocorrido, o Núcleo de Resgate de Acervos do Museu Nacional foi tema de documentário dirigido por Zhai Sichen e produzido pela Coordenadoria de Comunicação da UFRJ. Resgates (2019Resgates, 2019, Zhai Sichen, CoordCom-UFRJ, Brasil.) 2 2 Disponível em: https://youtu.be/JvOPs4De4Sk. Acesso em: 12 jul. 2022. acompanha a rotina de estudantes, professores, técnicos e profissionais terceirizados entre dezembro de 2018 e julho de 2019, a fim de registrar os trabalhos realizados nos escombros do Palácio de São Cristóvão. Lançado em 2021, o livreto 500 dias de resgate: memória, coragem e imagem,3 3 Disponível em: https://museunacional.ufrj.br/destaques/docs/500_dias_resgate/livreto_500_dias_de_resgate.pdf. Acesso em: 12 jul. 2022. organizado por Claudia Rodrigues-Carvalho, também documenta o esforço coletivo para localizar itens do acervo museológico. Os achados, inclusive, ganharam exposição na sede carioca do Centro Cultural Banco do Brasil em 2019. “Museu Nacional vive – arqueologia do resgate” expôs 103 peças recolhidas entre as cinzas, sob curadoria do próprio Núcleo responsável pelo trabalho. Essas ações fazem parte do Projeto Museu Nacional Vive, guarda-chuva que abriga órgãos nacionais e internacionais atuando na reconstrução do prédio (PROJETO #museunacionalvive, s.d.PROJETO #museunacionalvive. Apresentação. O Projeto, n.d. Disponível em: https://museunacionalvive.org.br/apresentacao. Acesso em: 15 jul. 2022.
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).4 4 Entre eles, a UFRJ, a UNESCO e o Instituto Cultural Vale, com patrocínio do BNDES, Bradesco e Vale e apoio do Ministério da Educação, da Bancada Federal do Rio de Janeiro, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e do Governo Federal, através da Lei de Incentivo à Cultura.

Ao menos em um primeiro momento, a cobertura da mídia fez jus ao impacto do incêndio no contexto sociocultural brasileiro, com veículos tradicionais de imprensa incitando o debate. Mas é sobretudo na seara das artes que esse mesmo debate aparenta conseguir ir mais fundo. Nesse sentido, a 34ª Bienal de São Paulo apontou um caminho. Adiada por conta da pandemia de covid-19, a edição curada por Jacopo Crivelli Visconti, Paulo Miyada, Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez aconteceu em 2021. No térreo do Pavilhão Ciccillo Matarazzo, um dos enunciados – como foram chamados os textos acompanhados de objetos selecionados pelos curadores para provocar o visitante – destacava justamente o incêndio no Museu Nacional. O principal item exposto na seção foi o meteorito Santa Luzia, o segundo maior encontrado no Brasil, que fazia parte do acervo do museu e que não sucumbiu ao fogo. “Ao simbolizar parte do acervo que conseguiu sobreviver ao incêndio, exatamente por ser uma densa massa metálica endurecida, materializa a noção de resistência”, sendo também uma “forma de corporificar essa e outras tragédias por que vêm passando as instituições culturais brasileiras”, disserta a crítica de arte Maria Hirszman (2021HIRSZMAN, Maria. Painel ‘Boca do Inferno’, de Carmela Gross, é destaque da 34ª Bienal, que começa sábado. Terra, 1 set. 2021. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/painel-boca-do-inferno-de-carmela-gross-e-destaque-da-34-bienal-que-comeca-sabado,78e8139909c8d63bc25478a0b663376e9o6lni09.html. Acesso em: 15 jul. 2022.
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). À frente do objeto, um painel de seis metros de altura e 30 metros de comprimento apresentava 160 monotipias emulando imagens de vulcões na obra Boca do inferno, da artista Carmela Gross. “Há, na persistente transfiguração que ela faz desses resíduos vulcânicos, uma conexão poética, visual e simbólica com aquele que foi eleito um dos enunciados da mostra: o meteorito que pertencia ao Museu Nacional.” Vulcão, explosão e destruição a remeter a uma crise para além da Quinta da Boa Vista. Ou como a própria Gross afirma, citada por Hirszman (2021HIRSZMAN, Maria. Painel ‘Boca do Inferno’, de Carmela Gross, é destaque da 34ª Bienal, que começa sábado. Terra, 1 set. 2021. Disponível em: https://www.terra.com.br/diversao/painel-boca-do-inferno-de-carmela-gross-e-destaque-da-34-bienal-que-comeca-sabado,78e8139909c8d63bc25478a0b663376e9o6lni09.html. Acesso em: 15 jul. 2022.
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, n.p.): “A cultura brasileira parece estar sempre pegando fogo”.

Neste itinerário introdutório, a provocação de vivermos em uma cultura em chamas culmina na potência da imagem em movimento. No audiovisual, o artista indígena Wapichana Gustavo Caboco, que também integrou a seleção da 34ª Bienal de São Paulo, produziu dois curtas-metragens relacionados ao Museu Nacional: Recado do Bendegó (2021bRecado do Bendegó (2021), Gustavo Caboco, Lucas Canavarro e Nana Orlandi, Brasil.) e Kanaukyba (2021aKanaukyba (2021), Gustavo Caboco, Gustavo Caboco & Pedro Pastel e Besouro, Brasil.), este último, uma animação que tematiza diretamente o incêndio. “Campo em chamas. Das cinzas no Museu Nacional do Rio de Janeiro e a pedra do bendegó ao recado da borduna: não apagarão a nossa memória” (Forumdoc.bh, 2021, p. 2021FORUMDOC.BH. Kanaukyba. Filmes, 2021. Disponível em: https://www.forumdoc.org.br/filmes/kanaukyba-kaminhos-da-pedra. Acesso em: 15 jul. 2022.
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), lê-se na sinopse. No Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, o artista Thiago Rocha Pitta marcou os dois anos da tragédia com a intervenção Noite de abertura (2020), composta por uma instalação escultórica e um vídeo intitulado The Clopen Door. No vão livre do museu, a escultura era formada por uma porta cercada por toras de madeira como uma fogueira prestes a ser acesa. Na área interna, o vídeo projetado no turno da noite, com o MAM já fechado ao público, acompanhava porta semelhante queimar por 36 minutos ininterruptos em uma alusão ao episódio. Rocha Pitta já vinha trabalhando com a queima de portas desde 2017, mas só a transformou em imagem em movimento para a efeméride (Garcia, 2020GARCIA, Giulia. Entre incêndios reais e metafóricos. ARTE!Brasileiros, 2 set. 2020. Disponível em: https://artebrasileiros.com.br/arte/memoria/thiago-rocha-pitta-homenageia-museu-nacional-incendio-em-programa-intervencoes-do-mam-rio. Acesso em: 15 jul. 2022.
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). Carmela Gross, por sua vez, também ocuparia o MAM em intervenção na fachada com a obra Vulcão, entre 2021 e 2022. Linhas vermelhas e amarelas de LED simulando uma erupção em plena urbe. Antes disso, em 2018, a artista já havia interpelado o elemento do fogo no vídeo Luz Del Fuego II, compilado de imagens que incluem incêndios que consumiram instituições culturais brasileiras.5 5 Informações retiradas do site da artista. Disponível em: https://carmelagross.com. Acesso em: 18 jul. 2022.

Em Subterrânea,6 6 O filme estreou na edição online da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2021. entretanto, vai-se além: são as portas do próprio Museu Nacional que queimam aos olhos do espectador. No longa-metragem, a combustão é o prólogo de uma narrativa engenhosa que vai enquadrar não só uma cultura em chamas, mas uma cidade em ruínas. Dirigido por Pedro Urano, Subterrânea está posicionada como a primeira ficção a pôr na tela o incêndio no Museu Nacional. Faz isso, como veremos a seguir, sem perder de vista a conexão que o episódio tem com outros tantos que moldaram a paisagem carioca ao longo do último século. De fato, é precisamente esse emaranhado de acontecimentos a espinha dorsal do roteiro de João Paulo Cuenca, escritor e cineasta que já havia abordado as transformações pelas quais passou a cidade do Rio de Janeiro, transformações estas que muitas vezes legaram à capital uma atmosfera de descaso e abandono.7 7 João Paulo Cuenca escreveu o romance Descobri que estava morto, vencedor do Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, e dirigiu o longa-metragem A morte de J.P. Cuenca, ambos lançados em 2016, tendo o Rio de Janeiro como cenário. Pedro Urano é o diretor de fotografia do filme. Aqui, a professora Stein e o estudante Leo conduzem a trama. Professora e estudante, mas também tia e sobrinho, os dois se unem para investigar o mistério que se apresenta: ao mesmo tempo que a cidade parece estar afundando, uma vez que infiltrações começam a emergir do subsolo, símbolos aparentemente indecifráveis surgem incrustados em pedras, o que impele Stein e Leo a desvendá-los. Embora estejamos no terreno da ficção científica, há um diálogo intencional com o documentário, linguagem com a qual Urano possui experiência prévia. O incêndio na abertura do filme choca pelo efeito do real, mas ele é também habilmente convocado a uma aventura de tom apocalíptico, em uma manobra de Urano e Cuenca para revelar o que está sob a terra.

Ruínas do subdesenvolvimento

O contexto em que Subterrânea foi realizado alinhava dois momentos distintos da vida política brasileira. O primeiro deles remonta a 2013, às vésperas da Copa do Mundo FIFA de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, megaeventos esportivos que incitaram uma onda de profundas mudanças na malha urbana do município do Rio de Janeiro, simbolizada pela implosão do Elevado da Perimetral. Inicialmente, Pedro Urano pensava em articular essa atmosfera àquela que antecedera a Exposição Internacional de 1922, outro grande evento que também alterara a paisagem da cidade, período em que o Morro do Castelo sofreu seu desmonte final. Essa articulação daria origem ao roteiro de um documentário que pretendia flertar com o ficcional para endereçar a estranha pulsão de destruição que contamina a cidade e, por conseguinte, o país. Havia ali uma preocupação em responder à pergunta formulada pelo próprio Urano:8 8 Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022. “Como o Rio se constituiu nessa metrópole obcecada em destruir sua própria história?”. Quando a verba para o filme foi aprovada e a filmagem estava prestes a começar, cinco anos haviam se passado. O segundo momento, portanto, refere-se a 2018. O golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (2011-2016) já havia sido levado a cabo, Michel Temer (2016-2018) chefiava o Palácio do Planalto e Jair Bolsonaro (2019-2022) acabara de ser eleito para o cargo. Com isso, “a pulsão de destruição que permeia a sociedade e o imaginário brasileiros havia chegado definitivamente ao poder”.9 9 Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022. A passagem do tempo fez ainda Urano optar pela ficção contaminada pelo documentário, e não o contrário, muito também por ter entrado em contato com o monólogo de João Paulo Cuenca A viagem ao Subterrâneo do Morro do Castelo, pedra de toque ao argumento do filme. Esse arco temporal de 2013 a 2018, período de gestação do projeto, consolidou em Urano a percepção de que essa pulsão de destruição – ou pulsão de morte – “é um subproduto da perspectiva extrativista, que vê a miríade de formas de vida como ‘sobrecarga’”,10 10 Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022. termo usado pela mineração para se referir ao material que fica na superfície de uma área a ser explorada. A dita sobrecarga, nesse sentido, seria tudo aquilo que está sobre a terra: do arrasamento do Morro do Castelo à implosão do Elevado da Perimetral, passando pelo incêndio no Museu Nacional, sendo este último “emblemático da destruição da ciência, do conhecimento, da memória do país”.11 11 Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022. Grifo nosso.

A consequência do emblemático incêndio foi tornar o Museu Nacional uma ruína. Talvez não uma ruína clássica, derivada da passagem do tempo, em que a arquitetura é tomada pela natureza, como apontou Georg Simmel (1965SIMMEL, Georg. The Ruin. In WOLFF, K. H. (ed.). Essays on Sociology, Philosophy and Aesthetics. New York: Harper and Row, 1965, p. 259-266.), mas ainda assim uma ruína. Para Brian Dillon (2011DILLON, Brian. Ruins. London: Whitechapel Gallery, 2011.), o elemento da ruína possui um potencial radical, um potencial que contém em si paradoxos temporais e históricos: está fincada no presente, mas remete inexoravelmente ao passado, muito embora obrigue o indivíduo a conjecturar sobre o que virá. Assim, a caótica coexistência de tempos históricos pode resultar nas mais variadas ações: é possível que se defenda desde a permanência da ruína como tal até a sua completa restauração. Não foi diferente com o Museu-ruína. Enquanto o Projeto Museu Nacional Vive procurava obter fundos para dar início às obras de restauro, intelectuais vieram a público externar posicionamento oposto. O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, professor e pesquisador da UFRJ também vinculado ao Museu Nacional, acreditava ser importante manter o prédio no estado em que se encontrava pós-incêndio: “Gostaria que o Museu Nacional permanecesse como ruína, memória das coisas mortas”, afirmou na célebre entrevista a Alexandra Prado Coelho (2018COELHO, Alexandra Prado. Eduardo Viveiros de Castro: “Gostaria que o Museu Nacional permanecesse como ruína, memória das coisas mortas”. Público, 4 set. 2018. Disponível em: https://www.publico.pt/2018/09/04/culturaipsilon/entrevista/eduardo-viveiros-de-castro-gostaria-que-o-museu-nacional-permanecesse-como-ruina-memoria-das-coisas-mortas-1843021. Acesso em: 15 jul. 2022.
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, n. p.). De modo semelhante, o curador Marcio Doctors se manifestou em texto de sua autoria: “Proponho, como fez também o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, que tenhamos a coragem de conservar as ruínas do que um dia foi o Museu Nacional, transformando-as em monumento ao descaso (...)” (Doctors, 2018DOCTORS, Marcio. Museu Nacional tem que ficar em ruínas para lembrar descaso, afirma curador. Folha de S.Paulo, São Paulo, 15 set. 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/09/museu-nacional-tem-que-ficar-em-ruinas-para-lembrar-descaso-afirma-curador.shtml. Acesso em: 15 jul. 2022.
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, n.p.). Mais do que um posicionamento com finalidade prática, tais falas serviram à total indignação diante do ocorrido. Apesar de o museu não ter sido transformado em memento mori no mundo real, sua iconografia como ruína permanece no imaginário coletivo.

Segundo Benjamin, em mais uma de suas citações incontornáveis, “alegorias são, no reino dos pensamentos, o que as ruínas são no reino das coisas” (1977, p. 178BENJAMIN, Walter. The Origin of German Tragic Drama. London: NLB, 1977.). Em um mundo cada vez mais fragmentado, interpretá-lo à luz de seus próprios fragmentos se impõe tanto quanto temática como quanto método em busca do entendimento desse mesmo mundo. Especialista em Benjamin, a teórica Susan Buck-Morss disseca a abordagem que o autor leva adiante no monumental e inacabado Passagens. No projeto, ele apresenta Paris como a capital do século XIX e, ao mesmo tempo, como um exemplar da modernidade que tudo transforma em ruína. “A imagem da ‘ruína’ como emblema não apenas da transitoriedade e fragilidade da cultura capitalista, mas também de sua destrutividade.” (Buck-Morss, 1989, p. 164BUCK-MORSS, Susan. The Dialectics of Seeing: Walter Benjamin and the Arcades Project. London: MIT Press, 1989.). A destrutividade intrínseca à modernidade foi encapsulada na sentença em que Benjamin afirma que “não há documento de civilização que não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie” (Benjamin, 1968, p. 256BENJAMIN, Walter. Illuminations. New York: Harcourt Brace & World, 1968.). Essa afirmação ajuda a revelar a modernidade tal como ela foi estruturada, inferindo que sua aparente solidez é, em verdade, composta de pequenos grandes fragmentos. Nesse sentido, Buck-Morss vai dizer que é o modo alegórico, em sintonia com a estética da ruína, o que permite “tornar visivelmente palpável a experiência de um mundo em fragmentos, em que a passagem do tempo não significa progresso, mas desintegração” (Buck-Morss, 1989, p. 18BUCK-MORSS, Susan. The Dialectics of Seeing: Walter Benjamin and the Arcades Project. London: MIT Press, 1989.).

Sob a alcunha de ruínas da modernidade, Julia Hell e Andreas Schönle (2010HELL, Julia; SCHÖNLE, Andreas (eds.). Ruins of Modernity. Durham, NC: Duke University Press, 2010.) agrupam uma série de artigos dedicados a relacionar a desintegração da modernidade à experiência da ruína. Embora contemple desde as ruínas imperiais às pós-industriais, a coletânea não se furta em afirmar o ataque terrorista ao World Trade Center, em Manhattan, Nova York, em 11 de setembro de 2001, como responsável por conduzir o debate a um clímax. Na alvorada do novo milênio, a queda das Torres Gêmeas fez pesquisadores se voltarem não só aos Estados Unidos, mas ao continente americano como um todo. De tradição europeia, a literatura focada na ruína, seja como fragmento arquitetônico, seja como elemento estético, ampliou o escopo ao considerar fenômenos baseados em outras localidades, como sugerem Hell e Schönle. Mais especificamente em relação à América Latina, Michael J. Lazzara e Vicky Unruh (2009LAZZARA, Michael J.; UNRUH, Vicky (eds.). Telling Ruins in Latin America. New York: Palgrave Macmillan, 2009.) fizeram também esse movimento para dissociar ruínas latino-americanas de lugares como Machu Picchu, ruínas incas que hoje formam o famoso complexo turístico no Peru. Ainda que escrutinado no volume editado por Lazzara e Unruh, o fato é que Machu Picchu por si só não dá conta da complexidade do subcontinente, constatação que impulsionou autores a investigar da decadência do centro histórico de Havana às consequências materiais do fracasso neoliberal argentino.

No Brasil, Ruinologias – ensaios sobre destroços do presente, organizado por Ana Luiza Andrade, Rodrigo Lopes de Barros e Carlos Eduardo Schmidt Capela (2016ANDRADE, Ana Luiza; LOPES DE BARROS, Rodrigo; CAPELA, Carlos Eduardo Schmidt (eds.). Ruinologias: ensaios sobre destroços do presente. Florianópolis: EdUFSC, 2016.), pode ser considerada a precursora publicação devotada ao tema, mesmo que não restrita a objetos de análise nacionais. Nesse sentido, é a investigação proposta anteriormente por Lopes de Barros (2013LOPES DE BARROS, Rodrigo. The Artist Among Ruins: Connecting Catastrophes in Brazilian and Cuban Cinema, Painting, Sculpture and Literature. 2013. Tese (Doutorado em Literatura Hispânica) – University of Texas, Austin. Disponível em: https://repositories.lib.utexas.edu/handle/2152/33413. Acesso em: 20 jul. 2022.
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) em sua tese de doutorado que se aproxima da problemática aqui apresentada. O pesquisador examina obras de cinema, pintura, escultura e literatura brasileiras e cubanas, conectando catástrofes, como indica o subtítulo da tese, em contexto latino-americano. Em sua análise, uma conclusão que inaugura um eixo conceitual: “O Terceiro Mundo não se tornou uma ruína. Nasceu uma ruína. O Terceiro Mundo – como outros fenômenos significativos do século XX, especialmente a guerra moderna – contradiz a própria ideia clássica de ruínas” (Barros, 2013, p. 260LOPES DE BARROS, Rodrigo. The Artist Among Ruins: Connecting Catastrophes in Brazilian and Cuban Cinema, Painting, Sculpture and Literature. 2013. Tese (Doutorado em Literatura Hispânica) – University of Texas, Austin. Disponível em: https://repositories.lib.utexas.edu/handle/2152/33413. Acesso em: 20 jul. 2022.
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). Forjada em invasão, violência, colonização e imperialismo, a América Latina, integrante do chamado Terceiro Mundo – denominação oriunda do período da Guerra Fria – ainda sofre com os efeitos deletérios. O cinema brasileiro, representado na análise de Lopes de Barros por Terra em transe (Glauber Rocha, 1967Terra em transe (1967), Glauber Rocha, Mapa Filmes, Brasil.) e O bandido da luz vermelha (Rogério Sganzerla, 1968O bandido da luz vermelha (1968), Rogério Sganzerla, Urano Filmes, Brasil.), por sua vez, não apenas retrata esses efeitos, como também é resultado deles. Isso porque tanto o Cinema Novo quanto o Cinema Marginal, movimentos de vanguarda nas décadas de 1960 e 1970, dialogaram amplamente com a realidade do Terceiro Mundo, ou seja, do Brasil resultante do subdesenvolvimento econômico de então. Esteticamente, esses movimentos tiveram que assimilar, por exemplo, a precariedade técnica, transformando-a em linguagem audiovisual que mudaria radicalmente a história do cinema feito no país.

O percurso teórico relatado acima é devidamente destrinchado em Brazilian Cinema and the Aesthetics of Ruins – ainda sem tradução para o português. No livro, é a partir da teoria do subdesenvolvimento que a estética da ruína vem a se conectar à produção cinematográfica brasileira. Nele, defendo que cineastas contemporâneos fazem uma crítica às noções de progresso e (sub)desenvolvimento através de imagens de ruínas, lançando mão de diferentes estratégias fílmicas. Mais ainda: fazem isso em diálogo com a tradição vanguardista do Cinema Novo, do Cinema Marginal e da Tropicália, ora reverenciando, ora recontextualizando esse legado (Carréra, 2021CARRÉRA, Guilherme. Brazilian Cinema and the Aesthetics of Ruins. London: Bloomsbury Academic, 2021.). Esse argumento se baseia na discussão elaborada pelo economista Celso Furtado (2009FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Contraponto: Centro Internacional Celso Furtado, 2009.) nos anos 1960, que entendia o subdesenvolvimento como uma condição específica do regime capitalista a sustentar o desenvolvimento dos países ricos. Sua interpretação pautou teorias econômicas na América Latina da segunda metade do século XX, reverberando, inclusive, em outros setores da sociedade – a exemplo, os ensaios escritos pelo crítico de cinema Paulo Emílio Sales Gomes (1996GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 1996.). Se o subdesenvolvimento é uma condição específica à qual o Brasil estaria atado, o cinema brasileiro, desse modo, teria sido gestado dentro dessa mesma lógica. No comparativo com outras cinematografias, Sales Gomes postula: “Em cinema o subdesenvolvimento não é uma etapa, um estágio, mas um estado: os filmes dos países desenvolvidos nunca passaram por essa situação, enquanto os outros tendem a se instalar nela” (Gomes, 1996, p. 85GOMES, Paulo Emílio Sales. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. São Paulo: Paz e Terra, 1996.). Foram as alegorias desse estado de subdesenvolvimento o cerne do estudo seminal desenvolvido por Ismail Xavier (2012XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.), no qual o autor se debruça sobre filmes lançados entre 1967 e 1970, período de tensão institucional e efervescência artística. Para Xavier (e para os cineastas daquela geração), “era legítimo falar de um cinema subdesenvolvido, no plano econômico, mas não transplantar mecanicamente a noção para o debate estético-cultural” (2012, p. 14XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.), haja vista a riqueza do corpus.

O conceito de ruínas do subdesenvolvimento (Carréra, 2021CARRÉRA, Guilherme. Brazilian Cinema and the Aesthetics of Ruins. London: Bloomsbury Academic, 2021.) está, portanto, diretamente associado a essa tríade teórica. “Argumento que as ruínas no Brasil são as ruínas de um projeto moderno fracassado marcado pela noção de subdesenvolvimento – e que a produção cinematográfica brasileira contemporânea torna essas ruínas visíveis na tela” (Carréra, 2021, p. 6CARRÉRA, Guilherme. Brazilian Cinema and the Aesthetics of Ruins. London: Bloomsbury Academic, 2021.), ressaltando a precariedade de cidades brasileiras resultantes de uma mentalidade colonial, em que o processo de modernização não se deu por completo e que o modelo neoliberal em voga não foi capaz de corrigir. Diante disso, alego que a mais oportuna definição de ruína no contexto brasileiro talvez seja ainda a do cantor e compositor Caetano Veloso em letra de Fora da ordem, canção gravada no álbum Circuladô, em 1991: “Aqui tudo parece/Que é ainda construção/E já é ruína”.12 12 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eqMcE2lEFWg. Acesso em: 20 jul. 2022. Inspirada no interesse de Veloso pela obra do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, que em prolongada visita ao Brasil nos anos 1930 se surpreendeu com o arranjo urbano do chamado Novo Mundo, a pensata resume bem a sucessão de projetos que nunca se concretizam. Para Lévi-Strauss (1973, p. 119LÉVI-STRAUSS, Claude. Tristes tropiques. London: Cape, 1973.), essas cidades seriam “perpetuamente jovens, mas nunca saudáveis”. Muitas das imagens de ruínas filmadas por cineastas contemporâneos jogam luz nesse conflito. O próprio Pedro Urano, diretor de Subterrânea, abordou diretamente o tema da ruína em HU (2011HU, 2011, Joana Traub Csekö e Pedro Urano, Alice Filmes, Brasil.), documentário codirigido por Joana Traub Csekö. No filme, o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho – tal qual o Museu Nacional, vinculado à UFRJ – é metade hospital, metade ruína. Construído entre 1950 e 1978, com um longo período de intervalo, o prédio nunca foi finalizado. A perna seca, como era chamada a metade inacabada, acabou sendo implodida em 2010.13 13 Para uma análise detalhada de HU, ver capítulo “A Lame-Leg Architecture: Half-Hospital, Half-Ruin in HU Enigma” em Carréra (2021).

Capital da República até a inauguração de Brasília em 1960, o Rio de Janeiro foi e continua sendo um laboratório para planos de arquitetura e urbanismo. Com isso em vista, HU faz parte de uma safra de producões que vêm se dedicando a explorar essa paisagem de forma crítica, como também acontece nos documentários Crônica da demolição (Eduardo Ades, 2017Crônica da demolição (2017), Eduardo Ades, Imagem-Tempo, Brasil.) e O desmonte do Monte (Sinai Sganzerla, 2018O desmonte do Monte (2018), Sinai Sganzerla, Mercúrio Produções, Brasil.), para citar apenas dois exemplos. O primeiro deles discorre sobre a demolição do Palácio Monroe entre 1975 e 1976, a antiga casa do Senado Federal localizada na região da Cinelândia, para tratar dos ciclos de (des)construção urbana, enquanto o segundo volta ainda mais no tempo para recuperar a história do arrasamento do Morro do Castelo, lugar que remete às origens da cidade. O Morro do Castelo, como já destacado, é elemento fundamental na trama de Subterrânea, que aciona, a partir do incêndio no Museu Nacional, outros acontecimentos da formação paisagística do Rio de Janeiro. Com efeito, as ruínas do subdesenvolvimento formam um palimpsesto espaço-temporal que não se deixa esquecer. Primeiro longa-metragem de Urano depois de HU, Subterrânea dá prosseguimento à investigação do diretor sobre a paisagem arruinada, mas perseguindo, desta vez, o lastro do fogo pela cidade.

Tudo é uma coisa só e isso é tudo

Após os créditos iniciais, fotografias em preto e branco que documentam o passado do Meteorito de Bendegó, o maior encontrado no Brasil, surgem em quadro. Descoberto em 1784, foi levado do sertão baiano ao Rio de Janeiro, pouco mais de cem anos depois, cumprindo ordem direta do imperador Dom Pedro II, o narrador nos informa em voz over. Enquanto a princesa Isabel assinava a abolição da escravatura, o mesmo narrador diz que foram homens escravizados os responsáveis por deslocar em trilho improvisado as cinco toneladas de ferro e níquel para o Museu Nacional. A fotografia sem cor nos mostra a impecável fachada do museu. O corte seco nos leva às cores da imagem em movimento. As chamas invadem a tela. O movimento de câmera conduz da fumaça ganhando o céu ao edifício sendo consumido pelo fogo. Um segundo plano mais aberto nos faz identificar o museu. Dois planos mais curtos enfatizam suas sacadas incendiadas. Um quinto e último revela a fachada por completo. As imagens foram feitas pela astrônoma Tânia Dominici, da janela do apartamento onde mora, sendo posteriormente cedidas para o filme. A trilha instrumental é do compositor inglês Gustav Holst,14 14 Obra mais popular de Gustav Holst (1874-1934), a suíte Os Planetas foi a escolhida para a trilha sonora. Foi composta após contato do compositor com a astrologia, sendo cada um de seus movimentos musicais correspondente a um planeta do sistema solar. No filme, são utilizados aqueles dedicados a Saturno, Netuno e Urano. Segundo o diretor, o legado de Holst serviu ainda de inspiração a John Williams, compositor estadunidense imortalizado pela franquia Indiana Jones, referência para se criar atmosfera de aventura em Subterrânea (Urano, 2022). cuja erudição sinfônica garante, já na sequência de abertura, o tom apocalíptico dos 82 minutos de Subterrânea. Enquanto o incêndio acontece, o narrador nada fala.

Quando volta a narrar, é para apresentar a professora Stein, “geóloga, mulher de ciência e astrônoma do centro da Terra”. O narrador é o estudante Leo, também sobrinho da professora. A atriz gaúcha Silvana Stein empresta o sobrenome à personagem, palavra alemã que significa pedra, enquanto Leo é também homônimo de Negro Leo, músico maranhense que forma a dupla protagonista. Ainda parte dessa sequência de abertura, vemos a professora Stein andando entre fragmentos rochosos, o que nos induz a pensar nos escombros do museu. Para Stein, pedras são estrelas. “Esses fragmentos celestes trazem marcas de cataclismas cósmicos dentro de si. A ciência meteorítica estuda esses corpos em busca de nossas origens. E também para vislumbrar nossa futura aniquilação”, explica Leo em off. Stein recolhe um dos fragmentos e guarda em sua bolsa. Tão impactantes quanto as imagens das chamas são as imagens dos destroços do museu que vêm em seguida. Uma filmagem digital amadora mostra a entrada do prédio arruinada, enquanto o Bendegó permanece ali intacto. “O Meteorito de Bendegó guarda a memória do fim de outros mundos e o registro antecipado do nosso.” A força indestrutível do meteorito contrasta com o fragmento recolhido pela professora. Mais do que isso, é como se o incêndio no Museu Nacional reafirmasse a superioridade da natureza sobre o homem. As labaredas provocadas pelo descaso humano não só destruíram um registro de passado, como parecem sugerir uma impossibilidade de futuro.

A sequência de abertura tem ainda um terceiro eixo. Uma aeronave sobrevoa a floresta. O ponto de vista aéreo localiza uma aldeia indígena entre as árvores, quando Leo retoma a palavra: “Se a gente for falar do fim do mundo, temos que perguntar aos índios como é. Porque eles sabem. Eles viveram isso. A América acabou em 1500”. Essa última frase é um eco involuntário do argumento de Lopes de Barros (2013LOPES DE BARROS, Rodrigo. The Artist Among Ruins: Connecting Catastrophes in Brazilian and Cuban Cinema, Painting, Sculpture and Literature. 2013. Tese (Doutorado em Literatura Hispânica) – University of Texas, Austin. Disponível em: https://repositories.lib.utexas.edu/handle/2152/33413. Acesso em: 20 jul. 2022.
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) sobre o Terceiro Mundo não ter se tornado ruína, porque nasceu ruína. A invasão portuguesa ao território que viria a ser o Brasil dizimou indígenas e, com isso, culturas ancestrais, escravizando outros tantos, tal qual faria com os povos sequestrados dos países africanos. Leo continua: “Pode ser que a gente passe por isso. Pela experiência de ter o mundo desabando. No caso deles, eles foram invadidos por nós. Nós também vamos ser invadidos por nós”. O mal que o homem faz à própria terra é ilustrado pelas queimadas na Amazônia através de uma cena extraída de Iracema – uma transa amazônica, drama documental ou documentário ficcionalizado dirigido por Jorge Bodanzky e Orlando Senna, um clássico filmado em 1974, mas só lançado comercialmente no Brasil em 1981 devido à censura militar. O incêndio amazônico filmado em travelling, como se da janela do caminhão que corta a Transamazônica, talvez seja o primeiro a ter sido registrado na região, suspeita Urano (2021Subterrânea, 2021, Pedro Urano, Filmegraph, Brasil.). A citação direta ao cinema de vanguarda da década 1970 não chega a surpreender, visto que cineastas contemporâneos estão, em maior ou menor grau, imbuídos daquele legado, sobretudo quando endereçando questões relativas a progresso e (sub)desenvolvimento (Carréra, 2021CARRÉRA, Guilherme. Brazilian Cinema and the Aesthetics of Ruins. London: Bloomsbury Academic, 2021.).

Em alguma medida, o fato é que o incêndio na Amazônia espelha o incêndio no Museu Nacional, exibido minutos antes. A ponte é construída pelo próprio narrador: “Desertos no espaço. Desertos no tempo. As coleções de arquitetura, antropologia, linguística, geologia e paleontologia, botânica e zoologia do Museu Nacional foram duramente atingidas no incêndio. Quase 20 milhões de peças calcinadas. Viraram pó como os milhões de índios e negros escravizados que abriram esse deserto aqui”. Curiosamente, o número 1500 aparece de novo no texto em off, mas dessa vez ele mesmo como o próprio fogo. Enquanto vemos as mãos de Stein trabalharem sobre o fragmento recolhido, Leo nos lembra: “Mas o meteorito ainda existe. Resistiu a uma queima de mais de 1500 ºC na entrada da atmosfera terrestre há 27 mil anos. E resistiu a nós”. Essa espécie de prólogo de aproximadamente cinco minutos é exemplar para compreender como Subterrânea funciona tanto estética quanto discursivamente. A montagem de Alice Furtado respeita o fluxo do roteiro de João Paulo Cuenca, encadeando imagens de arquivo, do incêndio, do museu arruinado, dos fragmentos rochosos, das aldeias indígenas, das queimadas amazônicas. São imagens de texturas distintas justapostas em prol de um discurso que se vale de múltiplas fontes, a começar pelas que João Paulo Cuenca reúne na imaginária autoria conjunta de seu monólogo. Ele assina: Verne:Barreto:Cuenca (com Hélio Oiticica).

Figura 1.
O incêndio no Museu Nacional

Embora Jules Verne e seu Viagem ao centro da Terra iluminem a concepção de Subterrânea, está mesmo no folhetim de Lima Barreto a gênese dramatúrgica do filme. Publicado em 1905 n’O Correio da Manhã, O Subterrâneo do Morro do Castelo teve como gancho o desmonte parcial do morro em virtude das obras para a abertura da Avenida Central, hoje Avenida Rio Branco, no mandato do prefeito Pereira Passos (1902-1906). Sem aviso de que se tratava de literatura, a estreia de Lima Barreto no gênero partia da descoberta de galerias subterrâneas no Castelo, galerias essas que esconderiam um tesouro pertencente à Ordem dos Jesuítas, que habitara o local antes de ser expulsa pelo Marquês de Pombal em 1759. A lenda do tesouro foi alimentada por séculos, voltando à baila por ocasião do desmonte do Castelo e do folhetim de Barreto. Trechos do original, lançado como romance apenas em 1997, são usados no filme. Negro Leo, que nasceu no mesmo dia em que o escritor e fez sua estreia como ator interpretando-o no teatro, a princípio faria uma performance evocando sua figura, quando Subterrânea era ainda um projeto de documentário experimental. No filme de ficção, Leo conhece a obra de Barreto a fundo, tem sonhos com o literato e ensaia desvendar o enigma a partir do conhecimento que possui. Barreto morreu em 1922, mesmo ano em que o Morro do Castelo veio abaixo por inteiro. A história dessa demolição é contada no já citado O desmonte do Monte, dirigido por Sinai Sganzerla. Negro Leo, inclusive, é um dos narradores do documentário, ao lado de Helena Ignez, atriz definitiva do Cinema Novo e do Cinema Marginal. Mãe de Sinai, fruto de seu relacionamento com o cineasta Rogério Sganzerla, Ignez faz participação especial em Subterrânea, em breve aparição para informar dia e hora a um Leo em estado desorientado. Não à toa, pois o encontro se dá logo após o estudante e a professora Stein visitarem as galerias subterrâneas pela primeira vez.

A saga se inicia quando a geóloga é avisada pela prefeitura de uma ocorrência que sinaliza que o lençol freático estaria avançando pelo subsolo do Centro. “Depois que demoliram a Perimetral que começou”, avisa um agente público. Não se sabe de onde vem a água, e isso é parte do mistério. O filme acena ao modo documentário quando põe a professora Stein e Leo frente a frente com Giordano Bruno, engenheiro envolvido na implosão do viaduto. É instigante ver e ouvir os dois personagens de ficção científica inquirirem um especialista, em plano e contraplano que coadunam duas linguagens audiovisuais. “Nós não destruímos. Nós demolimos ou implodimos”, defende-se. A outra parte do mistério diz respeito à mensagem cifrada que a professora Stein encontra incrustada em um bloco da antiga muralha erguida na época do desmonte do morro. É localizada quando Stein visita um estacionamento subterrâneo onde ficava a Igreja de Santa Luzia. Quem escreveu e por quê? Leo acredita que seja um alfabeto de origem africana, mais precisamente da região do Sudão, de onde vieram os nagôs para o Brasil. Um segundo aceno ao modo documentário acontece quando os dois caminham com a pesquisadora Nubia Melhem Santos pela área do Castelo. Ela conta, enquanto imagens de arquivo se intercalam, que o governo não conseguiu vender os lotes disponíveis após o arrasamento do morro, por isso construiu prédios públicos naquele perímetro. O Palácio Capanema, antiga sede do Ministério da Educação e Saúde, é um deles. Já no fim da caminhada, Leo encontra uma segunda mensagem cifrada, agora no que sobrou da Ladeira da Misericórdia. Mostra à professora Stein, que tenta decalcar em folha de papel. Nubia se aproxima, mas Stein disfarça. Aqui, é como se a porção documental espreitasse a ficção científica. A sós, Stein e Leo descobrem que os números decifrados correspondem a coordenadas geográficas que os levam justamente ao Capanema. Pulam os tapumes que cercam o pilotis corbuseano e assim penetram o subsolo. “Tesouro enterrado. Profundidade: 430 metros”, dizia a mensagem.

Certamente não é por acaso que a professora Stein e Leo emburacam na terra pela base do Palácio Capanema, símbolo da arquitetura modernista brasileira e espécie de antessala da invenção de Brasília capitaneada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Ao mesmo tempo que foi construído como representante do novo, Beatriz Jaguaribe (1998JAGUARIBE, Beatriz. Fins de século – cidade e cultura no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.) aponta a caducidade desse novo modernista, uma vez que se querer eternamente novo é não atentar ao implícito paradoxo. É, portanto, a ruína modernista, com “azulejos descascados e crescimento de ervas daninhas” (Jaguaribe, 1998, p. 111JAGUARIBE, Beatriz. Fins de século – cidade e cultura no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.), a porta de acesso ao subsolo. Lá embaixo, Subterrânea encontra “Subterrânia”, o manifesto de 1969 de Hélio Oiticica. Depois da instalação multissensorial Tropicália (1967Terra em transe (1967), Glauber Rocha, Mapa Filmes, Brasil.), em que o artista convidava o público a pisar a terra para percorrer labirinto de motivos tropicais que desembocava em um aparelho de TV ligado, seu texto-manifesto retoma a experiência para afirmar: “Tropicália é o grito do Brasil para o mundo – subterrânea do mundo para o Brasil” (Oiticica, s.d.OITICICA, Hélio. Subterrânia. Projeto Hélio Oiticica, tombo 0382/69, n.d. Disponível em: http://legacy.icnetworks.org/extranet/enciclopedia/ho/home/index.cfm. Acesso em: 20 jul. 2022.
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, n.p.). André Luiz Masseno Viana entende o trajeto de Oiticica ao subsolo como forma de “alcançar a camada subterrânea da cultura nacional, ganhando-se distância, portanto, de um lócus (seja este cultural, artístico ou geográfico) para então submergir afetivamente sobre aquele” (2016, p. 1165VIANA, André Luiz Masseno. “Pisar a terra”: Espacialidade tropical e subterrâneas na arte brasileira nos anos 60/70. Anais do XV Encontro Abralic, p. 1163-1171, 2016. Disponível em: https://abralic.org.br/anais/arquivos/2016_1491261095.pdf. Acesso em: 22 jul. 2022.
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). O termo grafado subterrânia servia também como tradução da palavra inglesa underground, largamente empregada para designar contracultura. Viana rejeita a ideia de esta ser uma busca essencialista pelo nacional, pois, ao contrário, ela deve “levar em conta a alteridade como um confronto imprescindível” (2016, p. 1164VIANA, André Luiz Masseno. “Pisar a terra”: Espacialidade tropical e subterrâneas na arte brasileira nos anos 60/70. Anais do XV Encontro Abralic, p. 1163-1171, 2016. Disponível em: https://abralic.org.br/anais/arquivos/2016_1491261095.pdf. Acesso em: 22 jul. 2022.
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), em uma antropofagia selvagem. No texto-manifesto, Oiticica vocifera: “(...) no submundo algo nasce germina culmina ou é fulminado como fênix nasce da própria cinza (...)” (n.d., n.p., grifo nosso).. Nas paredes das galerias subterrâneas, Stein e Leo leem em letras garrafais: “SUB SUB SOLO SUB TERRA SUB MUNDO SUL SUB”. E depois: “SUB LIMINAR SUB VERTER”.

Figura 2.
Escritos nas paredes do subsolo

A incursão de mais ou menos duas horas debaixo da terra, pelas contas de tia e sobrinho, teria durado, na verdade, quase dois dias, é o que depreendem da informação dada pela transeunte vivida por Helena Ignez. A viagem subterrânia os lançou em uma dobra do tempo. Essa dobra faz aproximar, por exemplo, o selo da Companhia de Jesus do selo da Igreja Universal, carimbados em pontos distintos das paredes, localizados pelas lanternas de Stein e Leo. “Templo é dinheiro”, leem. Por um buraco na rocha, têm estranho acesso a um pastor e uma fiel em ritual evangélico de teor exorcizante. A montagem os adiciona através de um vídeo sem especificações. Mais adiante, Stein e Leo se deparam com o que seria a porta do quinto círculo do inferno com dizeres em latim: “Deixai toda esperança, vós que entrais”, traduz a professora fazendo menção ao poeta italiano Dante Alighieri em A divina comédia. Acima da frase, Leo percebe os cinco anéis olímpicos, onipresentes na cidade-sede dos Jogos de 2016. “Como quinto é o Anjo do Apocalipse que toca a trombeta quando a estrela do céu cai na terra e ganha a chave do abismo. E abriu o poço do abismo. E subiu fumaça do poço, como a fumaça de uma grande fornalha. E com a fumaça do poço, escureceu-se o sol e o ar. Apocalipse 9”, recita Stein. Ao adentrarem o portal, uma Bíblia contém mensagem decifrável: “No Brasil, governar é abrir desertos”. As aspas são do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, proferidas na ocasião do incêndio no Museu Nacional.15 15 Na supracitada entrevista a Alexandra Prado Coelho (2018, n.p.), afirmou: “As causas últimas desse incêndio, todo o mundo sabe quais são. É o descaso absoluto desse Governo, e dos anteriores, para com a cultura. O Brasil é um país onde governar é criar desertos. Desertos naturais, no espaço, com a devastação do cerrado, da Amazónia. Destrói-se a natureza e agora está-se destruindo a cultura, criando-se desertos no tempo”. Elas são ainda um contraponto à famosa definição do presidente Washington Luís (1926-1930): “Governar é abrir estradas”. A adaptação feita por Viveiros de Castro parece incorporar também o pensamento do escritor Euclides da Cunha, que já em 1901 escrevia em Fazedores de desertos: “Temos sido um agente geológico nefasto, e um elemento de antagonismo terrivelmente bárbaro da própria natureza que nos rodeia. É o que nos revela a história” (n.d., n.p.CUNHA, Euclides da. Euclides da Cunha – 150 anos. Estadão, São Paulo, n.d. Disponível em: https://infograficos.estadao.com.br/especiais/euclides. Acesso em: 20 jul. 2022.
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).

A professora Stein decifra o professor Viveiros de Castro ao som de uma trombeta que, não sendo a do Anjo do Apocalipse, não espantaria se fosse a do Anjo da História benjaminiano. Nas teses sobre o conceito de História, Benjamin se baseia na pintura Angelus Novus de Paul Klee para descrevê-lo como uma figura com “os olhos esbugalhados, a boca escancarada e as asas abertas” (1968, p. 257BENJAMIN, Walter. Illuminations. New York: Harcourt Brace & World, 1968.). Este é o Anjo que, olhando para o passado e sendo arrastado para o futuro, vê ruínas se acumularem. O que se convencionou chamar de progresso é, na verdade, o seu avesso. Nas galerias subterrâneas, a disjunção temporal que Stein e Leo experienciam reflete a disjunção espacial que é a própria matéria da qual o filme é feito. A montagem de Alice Furtado trabalha nesse sentido: cria um espaço-tempo real-imaginário, costurando Palácio Capanema, o bairro do Cosme Velho, túneis de acesso a um reservatório de água na Pedra do Cantagalo e a Fortaleza de Santa Cruz, no município vizinho de Niterói, para citar algumas das locações. Na saga de Stein e Leo, é um percurso de destruições que vai sendo cartografado. Munida de uma lupa, a geóloga manuseia um mapa da cidade e faz anotações. Em voz over, lista as datas: 1º de novembro de 1922, 26 de dezembro de 1941, 2 setembro de 2018 e 11 de maio de 1969, referindo-se ao desmonte final do Morro do Castelo, à demolição da Praça Onze de Junho, ao incêndio no Museu Nacional e ao incêndio na favela da Praia do Pinto, respectivamente. Stein arremata: “O que essas datas faziam naquela Bíblia no subterrâneo? Será que tudo é uma coisa só? Museu Nacional, Praça Onze, Viaduto da Perimetral. Morro do Castelo. Nada disso existe mais. Tudo destruído. Derrubaram tudo. Será que está tudo interligado? Será que tudo é uma coisa só e isso é tudo?”. Como se reafirmando o espírito tropicalista do filme, a indagação final da geóloga pega emprestado frase de Rogério Sganzerla. Em voz alta, ela afirma como epifania: “A destruição como princípio”. Diante da constatação, não há dúvida: tudo é uma coisa só e isso é tudo.

Figura 3.
Mapa da destruição

A professora Stein e Leo ainda voltam às galerias subterrâneas uma segunda e última vez. O retorno acontece depois que Leo tem um sonho com Lima Barreto. Entende que precisam retornar imediatamente, sendo aquela a madrugada da data da morte do escritor. “Da noite prévia ao alvorecer do meu último dia, apenas durante estas horas, o portal que leva ao olímpico depósito estará aberto”, ele escreveu. É nesse regresso que a disjunção espaço-temporal se potencializa. Os dois não mais encontram os escritos nas paredes, repetem situações já vividas, veem o duplo de si mesmos como passantes. “De onde vem essa fumaça?”, pergunta Stein. “Lima Barreto dizia que o Morro do Castelo era o tampo de um vulcão”, responde Leo. “Cinema é luz/Com treva/Negativo, positivo/A rebelião sem trégua”, canta Cabelo Cobra Coral, acompanhado pelos tambores dos ogans do terreiro da Mãe Beata de Iemanjá, atraindo a geóloga de maneira hipnótica. Pelo buraco na rocha, desta vez o que se vê é o rompimento da barragem de Brumadinho, administrada pela Vale S.A., tragédia socioambiental que matou 272 pessoas em Minas Gerais. A extração do minério de ferro vai se conectar à extração de petróleo no mar. Quando escapam do subterrâneo, tia e sobrinho, professora e estudante, Stein e Leo ressurgem junto ao oceano, sob um céu de pedras. Com a Terra em transe, encontram uma passagem por entre as rochas. Localizam o selo da Companhia de Jesus. É o tesouro do Morro do Castelo. Cinco marretadas e jorra petróleo. Imagens de arquivo subaquáticas mostram uma operação de extração petrolífera. Submersa, é a bandeira do Brasil que ali flamula.

Figura 4.
Bandeira do Brasil submersa

Depois do fim

Embora há séculos a história do país venha sendo escrita com a pena dos ditos vencedores, é sintomático o fato de um candidato da extrema-direita ter sido eleito para ocupar a presidência da República nas eleições de 2018, período em que o projeto de Subterrânea fora, enfim, retomado. O filme não fulaniza o diagnóstico que faz da realidade brasileira, mas é ao mesmo tempo inescapável que este seja para sempre um filme lançado no Brasil de Bolsonaro, aquele que transformou pulsão de destruição em método de governança. É ainda revelador pensar que 2013, o ano da gênese do filme, é o ano marcado pelas Jornadas de junho – que tiveram como fagulha o pleito pela redução do valor da passagem do transporte público em São Paulo, mas que logo abarcariam pleitos outros, incluindo os da extrema-direita, que buscava então um lugar ao sol. No Rio de Janeiro, canteiro das obras pré-olímpicas, a alteração paisagística sob o mandato do governador Sérgio Cabral (2007-2014) e do prefeito Eduardo Paes (2009-2016) cobraria um preço alto, sobretudo em relação às remoções de famílias de baixa renda da área central, o que parecia repetir o que acontecera na cidade do Rio um século antes. O incêndio no Museu Nacional é a explosão desse Brasil. As imagens das chamas corroendo o Palácio de São Cristóvão não só introduzem a trama de Subterrânea como documentam esse tempo histórico.

Ao assimilar a destruição como princípio da cidade, o filme se constrói. A frase que serve como epifania à professora Stein vem do título de um texto assinado pelo historiador da arte Roberto Conduru (n.d.CONDURU, Roberto. A destruição como princípio, Errática, n.d. Disponível em: https://erratica.com.br/opus/5/. Acesso em: 18 jul. 2022.
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), no qual comenta a lógica destrutiva aplicada ao Rio. É a partir desse entendimento que Subterrânea soma ao incêndio no Museu Nacional o arrasamento do Morro do Castelo e a implosão do Elevado da Perimetral, como visto. Quando vão ao subterrâneo pela última vez, por exemplo, os personagens experienciam os três espaços-tempos se interpelarem novamente: a fumaça que a professora Stein percebe poderia ser a do Museu Nacional em brasa, a resposta de Leo traz o Morro do Castelo à tona para sugerir que o mesmo ficava no tampo de um vulcão, enquanto os dois protagonistas só estão ali porque a implosão do Elevado da Perimetral estaria fazendo o lençol freático avançar pelo subsolo. Nesse labirinto tropicalista de Verne, Barreto, Sganzerla e Oiticica, não há um televisor ligado, mas um buraco na rocha que transmite imagens da Igreja Universal e do rompimento da barragem de Brumadinho. Esbarra-se em Dante Alighieri e Euclides da Cunha, em Cabelo Cobra Coral e nos ogans com seus tambores. “(...) subterrânia é a glorificação do sub – atividade – homem – mundo – manifestação: não como detrimento ou glori-condição –> sim: como consciência para vencer a super – paranóia – repressão – impotência – negligência do viver (...).” (Oiticica, s.d.OITICICA, Hélio. Subterrânia. Projeto Hélio Oiticica, tombo 0382/69, n.d. Disponível em: http://legacy.icnetworks.org/extranet/enciclopedia/ho/home/index.cfm. Acesso em: 20 jul. 2022.
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, n.p.). Teríamos essa consciência?

Ainda que debruçada sobre o passado, a conduta de Pedro Urano na direção e de João Paulo Cuenca no roteiro não é nostálgica – ao menos não no sentido conservador geralmente atribuído ao termo. O trabalho de rememoração feito pelo filme se encaixaria no que Svetlana Boym (2001BOYM, Svetlana. The Future of Nostalgia. New York: Basic Books, 2001.) classificou como nostalgia reflexiva, menos preocupada em institucionalizar o passado do que em problematizar percepções da história. Diferentemente da nostalgia restauradora, aquela atrelada a ideias de verdade e tradição, a nostalgia reflexiva “não segue um único enredo, mas explora maneiras de habitar muitos lugares ao mesmo tempo e imaginar diferentes fusos horários” (Boym, 2001, p. xviiiBOYM, Svetlana. The Future of Nostalgia. New York: Basic Books, 2001.), sendo esta a própria razão de ser de Subterrânea. A subjetividade reivindicada à abordagem do passado é o material de Beatriz Sarlo (2007SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.) para retomar a modernidade de Benjamin. Em seu estudo sobre o tempo passado, a teórica argentina afirma a filosofia da história benjaminiana como “uma reivindicação da memória como instância reconstituidora do passado” (Sarlo, 2007, p. 28SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.). Para Sarlo, é “a história como memória da história, isto é, a dimensão temporal subjetiva” (ibidem) o que interessa. O problema que deve nos assombrar por muito tempo, no entanto, é a dificuldade de se redimir esse passado pelo que nos recusamos a esquecer, “porque as condições de redenção da experiência passada estão em ruínas” (ibidem).

Para Giselle Beiguelman (2019BEIGUELMAN, Giselle. Memória da amnésia: políticas do esquecimento. São Paulo: Edições Sesc, 2019.), o que aconteceu com o Museu Nacional mais tem a ver com catástrofe do que com ruína. “Estávamos diante da imagem da catástrofe, e a catástrofe no século XXI não dá margem às ruínas. Porque a ruína presentifica o vivo na morte, é um fragmento da história, e expande-se num arco temporal que abrange o seu antes e o seu depois” (2019, p. 215BEIGUELMAN, Giselle. Memória da amnésia: políticas do esquecimento. São Paulo: Edições Sesc, 2019.), argumenta. “Nutre-se, portanto, de uma ambivalência essencial: apesar de nostálgica, manifesta a potência de imaginar futuros (mesmo que seja a partir de um passado que não foi). Já a catástrofe do século XXI é terminal, assertiva. É um momento sem futuro. Não tem um depois.” (ibidem). Enquanto a ruína do Palácio de São Cristóvão vai sendo restaurada com previsão de reabertura total para 2027 (Martini, 2022MARTINI, Paula. Museu Nacional vai inaugurar fachada em setembro e reabertura total deve ficar para 2027. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 28 jul. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/07/28/museu-nacional-vai-inaugurar-fachada-em-setembro-e-reabertura-total-deve-ficar-para-2027.ghtml. Acesso em: 29 jul. 2022.
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), a desolação de Beiguelman diante da catastrófica perda do acervo se justifica. De fato, um acervo perdido não se regenera. Depois que 90% dele se perdeu no incêndio de 2018, foi o Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais que passou a encabeçar a lista das principais instituições dedicadas ao tema. Surpreendentemente ou nem tanto, menos de dois anos depois do que acontecera no Palácio de São Cristóvão, a reserva técnica do museu da UFMG também pegou fogo (Brandão, 2020BRANDÃO, Marcelo. Incêndio atinge parte do Museu de História Natural da UFMG. Agência Brasil, Brasília, 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2020-06/incendio-atinge-parte-do-museu-de-historia-natural-da-ufmg. Acesso em: 18 jul. 2022.
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), limando coleções e inviabilizando pesquisas. A gravidade de tudo isso é flagrante. Sem escolha, Subterrânea aciona mais um alarme de incêndio.

REFERÊNCIAS

  • ANDRADE, Ana Luiza; LOPES DE BARROS, Rodrigo; CAPELA, Carlos Eduardo Schmidt (eds.). Ruinologias: ensaios sobre destroços do presente. Florianópolis: EdUFSC, 2016.
  • BEIGUELMAN, Giselle. Memória da amnésia: políticas do esquecimento. São Paulo: Edições Sesc, 2019.
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  • BENJAMIN, Walter. Alarme de incêndio. In Rua de mão única: obras escolhidas, volume 2. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987, p. 45-46.
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  • LÖWY, Michael. Fire Alarm: Reading Walter Benjamin’s ‘On the Concept of History’. London: Verso Books, 2005.
  • MARTINI, Paula. Museu Nacional vai inaugurar fachada em setembro e reabertura total deve ficar para 2027. Valor Econômico, Rio de Janeiro, 28 jul. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2022/07/28/museu-nacional-vai-inaugurar-fachada-em-setembro-e-reabertura-total-deve-ficar-para-2027.ghtml Acesso em: 29 jul. 2022.
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  • SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; Belo Horizonte: UFMG, 2007.
  • SIMMEL, Georg. The Ruin. In WOLFF, K. H. (ed.). Essays on Sociology, Philosophy and Aesthetics. New York: Harper and Row, 1965, p. 259-266.
  • VIANA, André Luiz Masseno. “Pisar a terra”: Espacialidade tropical e subterrâneas na arte brasileira nos anos 60/70. Anais do XV Encontro Abralic, p. 1163-1171, 2016. Disponível em: https://abralic.org.br/anais/arquivos/2016_1491261095.pdf Acesso em: 22 jul. 2022.
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  • XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: Cinema Novo, Tropicalismo, Cinema Marginal. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

FILMES

  • Crônica da demolição (2017), Eduardo Ades, Imagem-Tempo, Brasil.
  • HU, 2011, Joana Traub Csekö e Pedro Urano, Alice Filmes, Brasil.
  • Iracema – uma transa amazônica (1974-81), Jorge Bodanzky e Orlando Senna, Stop Film/ZDF, Brasil e Alemanha Ocidental.
  • Kanaukyba (2021), Gustavo Caboco, Gustavo Caboco & Pedro Pastel e Besouro, Brasil.
  • O bandido da luz vermelha (1968), Rogério Sganzerla, Urano Filmes, Brasil.
  • O desmonte do Monte (2018), Sinai Sganzerla, Mercúrio Produções, Brasil.
  • Recado do Bendegó (2021), Gustavo Caboco, Lucas Canavarro e Nana Orlandi, Brasil.
  • Resgates, 2019, Zhai Sichen, CoordCom-UFRJ, Brasil.
  • Subterrânea, 2021, Pedro Urano, Filmegraph, Brasil.
  • Terra em transe (1967), Glauber Rocha, Mapa Filmes, Brasil.
  • 1
    Para referências bibliográficas listadas no idioma inglês, são minhas as traduções para o português das citações utilizadas neste artigo.
  • 2
    Disponível em: https://youtu.be/JvOPs4De4Sk. Acesso em: 12 jul. 2022.
  • 3
  • 4
    Entre eles, a UFRJ, a UNESCO e o Instituto Cultural Vale, com patrocínio do BNDES, Bradesco e Vale e apoio do Ministério da Educação, da Bancada Federal do Rio de Janeiro, da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e do Governo Federal, através da Lei de Incentivo à Cultura.
  • 5
    Informações retiradas do site da artista. Disponível em: https://carmelagross.com. Acesso em: 18 jul. 2022.
  • 6
    O filme estreou na edição online da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2021.
  • 7
    João Paulo Cuenca escreveu o romance Descobri que estava morto, vencedor do Prêmio Machado de Assis da Fundação Biblioteca Nacional, e dirigiu o longa-metragem A morte de J.P. Cuenca, ambos lançados em 2016, tendo o Rio de Janeiro como cenário. Pedro Urano é o diretor de fotografia do filme.
  • 8
    Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022.
  • 9
    Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022.
  • 10
    Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022.
  • 11
    Entrevista por e-mail concedida ao autor, abril de 2022. Grifo nosso.
  • 12
    Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=eqMcE2lEFWg. Acesso em: 20 jul. 2022.
  • 13
    Para uma análise detalhada de HU, ver capítulo “A Lame-Leg Architecture: Half-Hospital, Half-Ruin in HU Enigma” em Carréra (2021CARRÉRA, Guilherme. Brazilian Cinema and the Aesthetics of Ruins. London: Bloomsbury Academic, 2021.).
  • 14
    Obra mais popular de Gustav Holst (1874-1934), a suíte Os Planetas foi a escolhida para a trilha sonora. Foi composta após contato do compositor com a astrologia, sendo cada um de seus movimentos musicais correspondente a um planeta do sistema solar. No filme, são utilizados aqueles dedicados a Saturno, Netuno e Urano. Segundo o diretor, o legado de Holst serviu ainda de inspiração a John Williams, compositor estadunidense imortalizado pela franquia Indiana Jones, referência para se criar atmosfera de aventura em Subterrânea (Urano, 2022).
  • 15
    Na supracitada entrevista a Alexandra Prado Coelho (2018COELHO, Alexandra Prado. Eduardo Viveiros de Castro: “Gostaria que o Museu Nacional permanecesse como ruína, memória das coisas mortas”. Público, 4 set. 2018. Disponível em: https://www.publico.pt/2018/09/04/culturaipsilon/entrevista/eduardo-viveiros-de-castro-gostaria-que-o-museu-nacional-permanecesse-como-ruina-memoria-das-coisas-mortas-1843021. Acesso em: 15 jul. 2022.
    https://www.publico.pt/2018/09/04/cultur...
    , n.p.), afirmou: “As causas últimas desse incêndio, todo o mundo sabe quais são. É o descaso absoluto desse Governo, e dos anteriores, para com a cultura. O Brasil é um país onde governar é criar desertos. Desertos naturais, no espaço, com a devastação do cerrado, da Amazónia. Destrói-se a natureza e agora está-se destruindo a cultura, criando-se desertos no tempo”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sept-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2022
  • Aceito
    14 Set 2023
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