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CORPO, AMBIENTE E LUTA: USOS DA TERRA NA ARTE CONTEMPORÂNEA

BODY, ENVIRONMENT, AND STRUGGLE: THE USES OF EARTH IN CONTEMPORARY ART

CUERPO, ENTORNO Y LUCHA: USOS DE LA TIERRA EN EL ARTE CONTEMPORÁNEO

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo explorar três diferentes eixos em relação ao uso de terra na arte produzida desde o segundo pós-guerra: corpo, ambiente e luta. A partir da premissa de que o empenho em fazer da terra objeto, linguagem e suporte artístico tem sido uma tendência que cruza fronteiras geográficas e culturais, é proposta uma análise centrada na agência da matéria e em diálogo com o novo materialismo.

PALAVRAS-CHAVE
Arte Contemporânea; Terra; Agência; Novo materialismo

ABSTRACT

This paper aims to explore three different axes in relation to the use of earth in the art produced after the second post-war: body, environment, and struggle. Based on the premise that the endeavor to make the earth an object, language, and artistic support has been a trend that crosses geographical and cultural borders, an analysis centered on the agency of matter and in dialogue with new materialism is proposed.

KEYWORDS
Contemporary Art; Earth; Agency; New Materialism

RESUMEN

El presente artículo tiene como objetivo explorar tres diferentes ejes en relación con el uso de la tierra en el arte producido desde la segunda posguerra: cuerpo, entorno y lucha. Partiendo de la premisa de que el compromiso de convertir la tierra en objeto, lenguaje y soporte artístico ha sido una tendencia que cruza las fronteras geográficas y culturales, se propone un análisis centrado en la agencia de la materia y en diálogo con el nuevo materialismo.

PALABRAS CLAVE
Arte Contemporáneo; Tierra; Agencia; Nuevo materialismo

INTRODUÇÃO

Pois então modelaram

E trabalharam

A terra

E a lama.

O corpo eles fizeram,

Mas este não lhes pareceu bom.

Este apenas avançou desunido.

( Brotherston, Medeiros, 2007BROTHERSTON, Gordon; MEDEIROS, Sérgio (org). Popol Vuh. São Paulo: Iluminuras, 2007.. p. 63)

Os versos acima pertencem ao antigo poema Popol Vuh escrito por volta de 1544 e que narra a cosmogonia dos povos maias da Mesoamérica. Em uma primeira tentativa dos deuses de criarem os homens, seres que deveriam adorá-los, o barro foi utilizado, modelado e trabalhado, mas sem sucesso, uma vez que estes primeiros seres não possuíam a consciência necessária à adoração. Tão distante no espaço quanto no tempo, na cosmogonia mesopotâmica também se identifica a presença do barro na célebre história de Gilgamesh, cujos primeiros registros remontam a 2000 a.C.. Na história que, assim como a de Popol Vuh, deveria ser narrada oralmente muito antes de ser escrita, surge Enkidu, um ser criado a partir barro por Arúru, a deusa da criação. Similar importância é atribuída ao barro na cosmologia cristã, na qual é matéria utilizada para criação do homem e aparece constantemente nos textos religiosos a partir da associação metafórica “homens = barro, deus = oleiro”, como no livro de Isaías 45: 9-13:

Ai daquele que contende

com seu Criador,

daquele que não passa de um caco

entre os cacos no chão.

Acaso o barro pode dizer ao oleiro:

‘O que você está fazendo?’

Será que a obra que você faz pode dizer:

‘Você não tem mãos?’

Ainda que no caso cristão o homem seja comparado ao barro, não se trata de reconhecer a humanidade da matéria, e sim o contrário, ou seja, diante da força e superioridade do deus criador, o homem, enquanto caco de cerâmica, não passa de um ser sujeito às vontades de seu oleiro, este dotado de uma verdadeira agência, sendo o questionamento da criatura em relação ao criador algo descabido. No entanto, tal absurdo não é óbvio, tampouco natural. Como apontou Eduardo Viveiros de Castro no ensaio “Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena” ( Castro, 2002CASTRO, Eduardo Viveiros de. Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac & Naify, 2002.), tratando-se de culturas indígenas, a distinção entre natureza e cultura deve ser criticada, sendo representativa disso a maneira como em cosmogonias ameríndias o barro é dotado de uma especial agência a partir da qual seria absolutamente plausível questionar seu criador.

Populações indígenas do Pueblo de Santa Clara, localizado no Novo México, por exemplo, possuem uma visão de mundo pautada pela interconexão de todas as coisas, na qual o ato de separar e dividir é visto como antinatural e indesejável. A maneira como eles produzem cerâmica é um exemplo disto ( Naranjo, 1996NARANJO, Tessie. Cultural Changes: The Effect of Foreign Systems at Santa Clara Pueblo. In WIGLE, Marta; BABCOCK, Barbara A. (org.), The Great Southwest of the Fred Harvey Company and the Santa Fe Railway. Phoenix: The Heard Museum, 1996.), pois eles consideram o barro como algo vivo, dotado de uma agência social, tanto que possui nome: Clay-old-lady.

Por agência social, tomamos o conceito de Alfred Gell, para quem é agente qualquer coisa, animal, pessoa ou divindade que exerça a “agência” enquanto outro é (momentaneamente) um “paciente” ( Gell, 2020, p. 54GELL, Alfred. Arte e agência: uma teoria antropológica. São Paulo: Ubu Editora, 2020.) – uma definição, portanto, sempre relacional. Assim, “a agência social pode ser exercida em relação às ‘coisas’, bem como pelas ‘coisas’” ( Gell, 2020, p. 54GELL, Alfred. Arte e agência: uma teoria antropológica. São Paulo: Ubu Editora, 2020.).

No processo de confecção da cerâmica em Pueblo de Santa Clara, as pessoas que modelam a argila devem conversar com ela e abordá-la sempre com cuidado, respeito e reverência. Dentro desta ontologia, fazer cerâmica não é um trabalho individual, porque criatividade e criação são sempre coletivas e colaborativas, já que Clay-old-lady muitas vezes determina como deve ser moldada. Esse é um exemplo não só do animismo ameríndio, mas também de uma visão não ocidental de autoria, pois não existe um artista/criador como gênio superior.

É compreendendo que desde os primórdios da humanidade – seja em cosmologias construtivas ou criacionistas – a terra (e nisto se inclui suas mais diversas formas, como o barro e a lama) foi um material de especial interesse para a sobrevivência humana, mas também para processos criativos, e tomando como base a perspectiva de matéria enquanto agente social, que gostaríamos de propor a análise de algumas manifestações artísticas contemporâneas.

Segundo Juhani Pallasmaa (2016)PALLASMAA, Juhani. Matter, Hapticity and Time: Material Imagination and the Voice of Matter. Building Material: Architectural Association of Ireland, n. 20, p. 171-189, 2016., quando se trata de arte, o tipo de material utilizado denota uma certa preocupação com determinadas questões, o que leva o autor a defender a existência de uma linguagem da matéria. Por exemplo, pedras falam sobre sua origem geológica distante, durabilidade e permanência inerente. Tijolos nos fazem pensar em terra, fogo, gravidade e antigas tradições de construção. Bronze evoca a manufatura, mas também antigos processos de fundição, bem como reflexões sobre a passagem do tempo a partir de sua pátina. Segundo Pallasmaa ( 2016, p. 178PALLASMAA, Juhani. Matter, Hapticity and Time: Material Imagination and the Voice of Matter. Building Material: Architectural Association of Ireland, n. 20, p. 171-189, 2016.), “estes são materiais e superfícies que falam sobre as camadas do tempo, o que é diferente e oposto aos materiais industriais de hoje que são geralmente rasos, sem idade e sem voz”.

Assim, como reação à perda de materialidade e experiência temporal da contemporaneidade, a arte e a arquitetura parecem ter a capacidade de ressensibilizar as mensagens da matéria. Ao mesmo tempo, outros modos sensoriais para além da visão têm se tornado, cada vez mais, canais de expressão artística desde o segundo pós-guerra, nos quais materialidade, erosão, destruição e decomposição têm sido temas privilegiados.

Portanto, este artigo se insere em novas correntes da história da arte que procuram ampliar seu escopo de análise e investigar, para além de objetos artísticos e vidas de artistas, relações entre seres humanos e o meio ambiente a partir da arte. Para tal, serão abordados três eixos diferentes de uso da terra na arte do segundo pós-guerra: corpo, ambiente e luta. Compreendendo que estas são formas de sistematizar tendências das últimas décadas em relação ao tratamento da matéria, ou seja, primeiro as performances e foto-performances que colocam o corpo do artista enquanto agente e suporte junto à terra; depois o giro de artistas em direção às questões da espacialidade, incorporando-a às obras – e nisto se inclui o espaço natural; e finalmente as maneiras como artistas têm se debruçado sobre questões ecológicas a partir de uma produção engajada tanto com denúncias de crimes ambientais como com a reflexão sobre formas não ocidentais de tratamento da natureza.

Como veremos, essas são tendências internacionais que refletem a circulação de ideias em torno da matéria e podem ser notadas pela recorrência da utilização de terra tanto como meio e suporte quanto tema da arte contemporânea desde os anos 1950 aos anos 2000, do Japão à América Latina.

CORPO

Dez anos após a derrota do Japão na segunda guerra mundial, e da catástrofe atômica que antecedeu o fim dessa, um grupo de artistas japoneses propôs na Primeira Exposição de Arte Gutai a inovação de cenários – parques, teatros, telhados – e formatos – performances, instalações, eventos – para demonstrar o processo de expansão da criação artística que defendiam. Gutai, que foi criado no Japão em meados dos anos 1950 e se manteve até 1972, é considerado uma das principais manifestações da cultura japonesa do pós-guerra. Seu nome, que significa “incorporação”, está relacionado à maneira como os artistas se engajavam fisicamente com as obras que estavam criando.

Dentre as performances apresentadas em 1955 estava a de Kazuo Shiraga, Doru ni Idomu (Lama desafiadora), na qual o artista, vestindo um traje íntimo branco, interagia com um punhado de lama que o envolvia ( figura 1) 1 1 Shiraga executou sua performance no pátio frontal do Ohara Hall de Tóquio três vezes durante a Primeira exposição de Arte Gutai. . As fotografias que registram a ação deixam clara a questão da gestualidade cravada na matéria, o que também marcou outras obras de Shiraga, sobretudo compreendendo a pintura gestual. O envolvimento e movimento corporal do artista, suas vestimentas e o tom performático e espetacular ( figura 2), lembram uma cena comum da cultura japonesa: as lutas de sumô, evocando certa violência no contato do corpo com a matéria bruta.

Figura 1.
Kazuo Shiraga na perfomance Doro ni Idomu, na Primeira Exposição de Arte Gutai, Ohara Kaikan, Tóquio, 1955.

Figura 2.
Kazuo Shiraga na terceira execução da performance Doro ni Idomu, na Primeira Exposição de Arte Gutai, Ohara Kaikan, Tóquio, 1955.

Segundo o manifesto de Arte Gutai, escrito por Yoshihara Jirõ em 1956:

A Arte Gutai não altera a matéria. A Arte Gutai dá vida à matéria. A Arte Gutai não distorce a matéria.

Na Arte Gutai, o espírito humano e a matéria se cumprimentam enquanto mantêm distância. A matéria nunca se compromete com o espírito; o espírito nunca domina a matéria. Quando a matéria permanece intacta e expõe suas características, ela começa a contar uma história e até a gritar. Fazer o máximo uso da matéria é fazer uso do espírito. Ao elevar o espírito, a matéria é levada à altura do espírito.

( Jirõ, 1956JIRÕ, Yoshihara. Gutai Art Manifesto / Traduzido para o inglês por Reiko Tomii. [originalmente publicado como Gutai bijutsu sengen]. Geijutsu Shinchō, vol. 7, n. 12, p. 202–204, dezembro de 1956. Disponível em: < http://web.guggenheim.org/exhibitions/gutai/data/manifesto.html\>. Acesso em: 19 ago. 2023.
http://web.guggenheim.org/exhibitions/gu...
, n.p.)

Assim, no contexto do Japão dos anos 1950, trazer tal tratamento da matéria era uma forma de expressar a ênfase do Gutai no processo artístico, questionando o automatismo e convencionalismo formais arraigados em um passado (nem tão distante) que se esperava superar das mais diferentes maneiras. Pode-se pensar, portanto, em um tipo relacional de subjetivação da matéria, ou seja, ela é ativada pelo contato com uma subjetividade já existente: o corpo do artista, que naqueles anos 1950 se colocava como um novo suporte e forma de expressão.

Também no sentido de atribuir novos valores e significados ao corpo do artista em relação à arte e à matéria, situa-se Celeida Tostes, artista brasileira que, como Shiraga, utilizou o barro em seus processos criativos. Na performance Rito de passagem ( figura 3), de 1979, temos uma metáfora da criação, essa não protagonizada por um deus antropomorfo e onipotente, mas pelo barro. Em sua casa, no Rio de Janeiro, e com a ajuda de duas mulheres, a artista revestiu seu corpo de lama e adentrou um grande vaso de barro em processo de confecção, que foi fechado com o seu corpo dentro. Após alguns instantes, como narra a própria artista em um poema, seu movimento rastejante de “sair do vaso” se dá através do rompimento da parede e da passagem para o lado de fora:

Despojei-me

Cobri meu corpo de barro e fui.

Entrei no bojo do escuro, ventre da terra.

O tempo perdeu o sentido de tempo.

Cheguei ao amorfo.

Posso ter sido mineral, animal, vegetal.

Não sei o que fui.

Não sei onde estava.

Espaço.

A história não existia mais.

Sons ressoavam.

Saíam de mim.

Dor.

Não sei por onde andei.

O escuro, os sons, a dor, se confundiam.

Transmutação.

O espaço encolheu.

Saí.

Voltei.

( Costa; Silva, 2014, p. 52COSTA, Marcus de Lontra; SILVA, Raquel (org). Celeida Tostes. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 2014.)

Figura 3.
Celeida Tostes, Rito de passagem, 1979. Performance.

O fim dos anos 1970, período marcado pela violência da ditadura militar, coloca a performance de Tostes em um lugar de reflexão a respeito de tempo e trauma. Todo processo de nascimento é traumático; a dor mencionada pela artista faz parte do esforço de romper a barreira que a separa do mundo externo, da luz. Mesmo que ela “renasça”, os vestígios dessa passagem ainda são carregados – e fundidos – no seu corpo coberto de lama – que também lembra excrementos, presentes no processo de nascimento. A performance de Celeida Tostes, ao colocar a matéria e o corpo como protagonistas em uma ação na qual “o escuro, os sons, a dor, se confundiam”, evoca imagens de tortura, feridas que, passados mais de quarenta anos, sabemos ainda estarem abertas.

Além disso, há uma importante dimensão de gênero que precisa ser ressaltada. Em 1952, Simone de Beauvoir (1960)BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1960. observou que na lógica do patriarcado tanto a mulher como a natureza eram tratadas como o “outro”, convergência que nas décadas seguintes foi reforçada pelo surgimento do ecofeminismo e pela defesa de que feminismo e ambientalismo seriam inerentes um ao outro. Portanto, é preciso lembrar que nos anos 1970 Tostes não estava sozinha ao tratar como elemento fundamental o corpo feminino em meio à matéria natural. Também atuando nesse sentido esteve a artista cubana Ana Mendieta com seus earth-body-works, que, a partir de performances de “fusão” entre corpo e espaço natural, invocava a história de suas raízes e rupturas com elas.

No início dos anos 1960, em decorrência das agitações políticas pós-revolução cubana, Mendieta teve que se mudar, ainda criança, para os Estados Unidos. Em sua trajetória artística se envolveu em nível pessoal com o México no início dos anos 1970, tendo produzido a partir de sua experiência no Vale de Oaxaca sua primeira SiluetaImagen de Yagul – cobrindo seu corpo nu com ramos de flores brancas em uma tumba zapoteca. Nos anos seguintes, até 1978, Mendieta produziu mais de 100 Siluetas, entre México e Iowa, imprimindo seu corpo na paisagem, utilizando sempre materiais naturais como terra, flores, folhas, gravetos e pedras, além de fogo, pólvora, fogos de artifício, velas e tecidos.

Figura 4.
Ana Mendieta, Tree of Life, Iowa, 1976. Fotografia da série Siluetas.

Em Árvore da vida ( figura 4), fotografia que registra uma das performances da série, a artista se cobre de lama e plantas, camuflando seu corpo em uma árvore, em uma espécie de fusão marcada pela dualidade entre presença e ausência. Sobre sua ligação com a natureza, Mendieta afirmou:

Minha arte é a forma de eu reestabelecer os laços que me unem ao universo. É um retorno à fonte materna. Através das minhas esculturas de terra/corpo eu me torno uma com a terra... eu me torno uma extensão da natureza e a natureza torna-se uma extensão do meu corpo. Este ato obsessivo de reafirmar meus laços com a terra é realmente a reativação de crenças primitivas... uma força feminina onipresente, a pós-imagem de ser envolvida dentro do útero.

( Manchester, 2009MANCHESTER, Elizabeth. Untitled (Silueta Series Mexico). Tate, 2009. Disponível em: < https://www.tate.org.uk/art/artworks/mendieta-untitled-silueta-series-mexico-t13357>. Acesso em: 8 ago. 2023.
https://www.tate.org.uk/art/artworks/men...
)

A imagem do útero expressa, como em diversas cosmologias, a ligação entre origem, criação e terra. Em Tostes se corporifica no invólucro de barro a ser rompido pela artista; em Mendieta está presente nas earth-body, mesmo que de forma simbólica.

Notamos, portanto, a partir dessas três performances a agência da matéria. A relação entre corpo e terra não é apenas uma forma de trazer à cena artística a ênfase em novos suportes e materiais. No caso de Shiraga, exalta-se a energia da lama agente e viva, quase como nas cerâmicas da região de Pueblo de Santa Clara. Em Tostes e Mendieta, corpo e terra são também transformados em ferramentas transgressoras no que diz respeito aos papeis de gênero e o que se impõe socialmente sobre os corpos de mulheres.

AMBIENTE

Paralelamente ao esforço de artistas tratarem o corpo, em contato com a matéria, como linguagem, especialmente através de performances que vão pavimentar os caminhos da chamada body art, outras formas de interação com a terra surgiram a partir dos anos 1960 dentro de tendências nomeadas como Arte Povera, Land Art e Arte Ambiental.

No primeiro caso, o apelo à terra se deu de maneira tautológica, como em Un metro cubo di terra e Due metri cubi di terra, de Pino Pascali ( figura 5), apresentadas em 1967, na exposição Arte povera – Im Spazio que ocorreu na Galeria La Bertesca, em Gênova, e a partir da qual se difundiu a expressão “arte povera”, cunhada pelo crítico e curador Germano Celant.

Em ocasião da mostra, o comentário do curador, e agenciador da sua recém-criada categoria artística, foi o seguinte:

O cubo de terra e o mar de Pascali são feitos de terra e de água. São sinédoques naturais de um mundo natural. É o natural cotidiano privado de cada máscara, violado no seu tabu de banalidade, despido e desnudado, também dilacerado como paradigma linguístico.

( Celant, 1985, p. 30CELANT, Germano. Arte Povera: storie e protagonisti, Milão: Electa, 1985., tradução nossa)

Figura 5.
Pino Pascali, Due metri cubi di terra(esquerda) eUn metro cubo di terra(direita), 1967. Terra e cola sobre estrutura de madeira.

No texto no catálogo, Celant apontava para a manifestação da relação entre arte e vida a partir da linguagem denotativa e da presença física da matéria: a terra, a água, o espaço, o metal, o fogo etc. Em seu argumento, os elementos não simbólicos – “puros” – atacavam o espectador e faziam nascer o horror pela realidade cultural. Defendia que o processo linguístico consistiria em remover, eliminar, minimizar e empobrecer sinais para reduzi-los a seus arquétipos, alegando que aquele era um momento de regressão cultural no qual as convenções iconográficas desfaleciam e as linguagens simbólicas convencionais seriam aniquiladas.

Desta maneira, ele entendia que a tensão entre conservação e transformação, presente em grande parte da esfera social e política de anos tão agitados como os anos 1960, estava sendo captada pelos artistas que associou à Arte Povera. Ainda que tivessem produções bastante distintas, Celant tentou encontrar – especialmente para fins curatoriais – uma coesão entre os artistas poveristas que passava pelo retorno ao “homem real”, às repetições plásticas e aos eventos reais e óbvios através do “empobrecimento” ( Celant, 1985, p. 30CELANT, Germano. Arte Povera: storie e protagonisti, Milão: Electa, 1985.). Assim, ao aceitarem a pobreza e a redução a elementos puros, estes artistas colocariam a arte como protagonista na recusa a uma falsa consciência de realidade. Na verdade, o gesto de Celant revela um interesse em conectar a arte que era produzida na Itália ao cenário artístico internacional, também fortemente marcado por artistas que utilizavam recursos minimalistas, matérias orgânicas, e materiais considerados de “pouco valor artístico”, como a terra.

Outro tipo de tendência artística interessada no uso da terra envolvia a intervenção diretamente na paisagem natural, o que foi nomeado de diversas formas, sendo Earth Art e Land Art as mais difundidas. A proposta era levar a arte para fora de museus e galerias, e produzir em meio à natureza, o que se apresentava como uma forma de expandir o alcance do “objeto de arte” tradicional e do mercado de arte.

Naquele momento, no entanto, tais preocupações com a natureza e o tratamento da matéria nem sempre se propunham exatamente ecológicas, no sentido de uma defesa de pautas ambientais. Pelo contrário, o tipo de intervenção que é feita na paisagem pelos americanos Robert Smithson e Michael Heizer, por exemplo, tem sido inclusive colocado em debate sob o prisma decolonial apontando justamente para oposto. Artistas indígenas, como Raven Chacon, do coletivo Postcommodity, afirmam estarem fazendo desde sempre o que o Ocidente exaltou sob o rótulo de Land Art e que o que Smithson e Heizer tentaram fazer foi destruir a terra 2 2 Entrevista de Raven Chacon no documentário Through the Repellent Fence: A Land Art Film (2017), de Sam Wainwright Douglas. . Além disso, parte da crítica evidencia que os artistas canônicos da Land Art dos anos 1960 e 1970 se colocaram como os grandes pioneiros da paisagem, mas que tal ideia de paisagem ou natureza como um espaço vazio ou virgem a ser explorado é na verdade uma visão colonial que reforça o conceito de “deserto” (“ wilderness”), dissociando a terra das pessoas que viveram ou ainda vivem nela (cf. Bae-Dimitriadis, 2021BAE-DIMITRIADIS, Michelle. Land-Based Art Criticism: (Un)learning Land Through Art. Visual Arts Research, vol. 47, n. 2, p. 102–114, janeiro de 2021. Disponível em: https://doi.org/10.5406/visuartsrese.47.2.0102. Acesso em: 8 ago. 2023.
https://doi.org/10.5406/visuartsrese.47....
; Scott, 2018SCOTT, Emily Eliza. Decentering Land Art from the Borderlands: A Review of Through the Repellent Fence. Art Journal Open, 27 de março de 2018. Disponível em: http://artjournal.collegeart.org/?p=9819. Acesso em: 8 ago. 2023.
http://artjournal.collegeart.org/?p=9819...
).

De forma diferente atuou no Brasil Hélio Oiticia quando final dos anos 1970 propôs seu “Contra-Bólide nº 1”. Os Bólides, que segundo Oiticica eram “uma nova ordem de obra e não um simples objeto ou escultura” ( Oiticica, 1978, p. 17OITICICA, Hélio. Caderno-Caju, de 10 dez. 1978 a 1 jan. 1980. Projeto HO, doc. nº 0123/78. Disponível em: < https://projetoho.com.br/pt/home/>. Acesso em: 19 ago. 2023.
https://projetoho.com.br/pt/home/...
), começaram a ser produzidos no início dos anos 1960 e eram compostos de recipientes, como caixas garrafas e sacos, que continham materiais diversos, como terra, areia, água, pigmentos, fotografias e poemas. Através da interação do espectador – abrindo compartimentos, manipulando ou sentindo cheiros e observando as cores e materiais – os Bólides tinham como intuito ativar a percepção sensorial do observador-participador, de forma similar ao que faziam, em maior escala, os penetráveis.

Este era o sentido daquilo que Oiticica afirmava como sendo uma “Arte Ambiental”, segundo o artista: “a reunião indivisível de todas as modalidades em posse do artista ao criar – as já conhecidas: cor, palavra, luz, ação, construção etc (...)” ( Oiticica, 1966, p. 1OITICICA, Hélio. Posição e Programa – Programa Ambiental – Posição ética, 1966. Projeto HO, doc. Nº 0253/66. Disponível em: < https://projetoho.com.br/pt/home/>. Acesso em: 19 ago. 2023.
https://projetoho.com.br/pt/home/...
). Assim como Arte Povera e Land Art, o termo “ambiental” também foi uma espécie de rótulo utilizado para abarcar uma vasta gama de experimentalismos artísticos que propunham que os espectadores deveriam “estar” na obra para poder vê-la e vivenciá-la.

No final dos anos 1970, posicionando-se contra a absorção dos Bólides enquanto objeto, Oiticica propõe um antibólide ou contrabólide, uma revelação, segundo o artista, do “caráter de concreção da obra gênese que comandou a invenção-descoberta da bólide” ( Oiticica, 1978, p. 17OITICICA, Hélio. Caderno-Caju, de 10 dez. 1978 a 1 jan. 1980. Projeto HO, doc. nº 0123/78. Disponível em: < https://projetoho.com.br/pt/home/>. Acesso em: 19 ago. 2023.
https://projetoho.com.br/pt/home/...
). Com uma caixa de madeira sem fundo, de 80 x 80 cm, uma porção de terra preta foi “moldada” e deixada no ambiente natural, a céu aberto, formando uma obra de “terra sobre terra” (figuras 6 e 7). A ação, que lembra – inclusive em dimensões – o famoso quadro branco sobre fundo branco de Malevitch, foi executada por Oiticica em 1979 em ocasião do evento-poético urbano Caju-Kleemania, que ocorreu no baixo do Caju, no Rio de Janeiro, local onde havia um aterro sanitário com grande quantidade de lixo acumulada.

Figura 6.
Hélio Oiticica, Contra Bólide n. 1 – Devolver a terra à Terra, 1979. Forma de madeira e terra.

Figura 7.
Foto de Kleemania, Devolver a terra à Terra, 1979. Foto de Ronaldo Goyanes.

No processo de criação do contra-bólide, Oiticica reflete retroativamente sobre os Bólides, pois, segundo Guy Brett, nesse gesto o artista testa a eficácia dos Bólides anteriores, numa “espécie de ato interno de negação crítica e afirmação da lógica de sua própria obra, para renovar sua relação com o mundo de modo geral” ( Brett, 2005, p. 74BRETT, Guy. Um paradoxo de contenção. In BRETT, Guy. Brasil experimental: arte e vida, proposições e paradoxos. Rio de Janeiro: Contracapa, 2005.). Ou seja, no movimento de eliminação das bordas do Bólide e de liberação da terra à própria terra, observamos uma forma de reativação das intenções iniciais de Oiticica, já que desde os anos 1960 não se tratava de aprisionar a terra em caixas, mas ao contrário, expandi-la através da experiência sensorial.

Ao afirmar tal expansão por meio do contra-bólide, já que o quadrado de terra passa a ganhar novos contornos e se integrar ao meio ambiente de forma imprevisível, Oiticica afirma duplamente o caráter ambiental de sua descoberta, tanto no sentido do rompimento da simples contemplação, quanto da afirmação de uma natureza que não é inerte, tampouco apenas depósito de recursos, e sim coautora, pois são as condições naturais que determinam os novos limites de seu “programa-obra in-progress”.

Desde a ação de Oiticica em 1979, que foi uma das últimas do artista, temos visto um giro paradigmático em relação a maneira como artistas lidam com a natureza, que só reforça o caráter ambíguo de uma arte ambiental. Mais recentemente, mas no mesmo sentido de afirmá-lo, podemos citar a artista colombiana Delcy Morelos, que tem produzido instalações com terra, como Earthly Paradise (2022), em ocasião da 59ª Bienal de Veneza ( figura 8). Feita com uma mistura de terra, argila, canela, cravo, cacau, fécula de mandioca, copaíba, bicarbonato de sódio e carvão em pó, a obra ocupou parte do Arsenale na mostra Milk of Dreams e, através da combinação de aromas que exala dos blocos de terra, também coloca o espectador diante de uma experiência multissensorial que evoca as cosmologias andinas e amazônicas.

Figura 8.
Delcy Morelos, Earthly Paradise, 2022. Terra, argila, canela, cravo, cacau, fécula de mandioca, copaíba, bicarbonato de sódio e carvão em pó.

Earthy Paradise, embora tenha uma notável inspiração no Earth Room de Walter de Maria, possui outros elementos que extrapolam o uso da terra apenas como questionadora do espaço expositivo. Morelos é uma artista criada no território indígena Embera e educada em Cartagena, seus blocos de terra se relacionam ao estudo do pensamento Uitoto, povo indígena da Amazônia colombiana, e sugerem tanto o fim quanto a origem.

O labirinto aromático de Morelos cria um ambiente imersivo, mas também proporciona um diálogo físico com a terra, uma reflexão mais ampla sobre natureza, tempo e ancestralidade, funcionando como um chamado à reconexão com Pachamama e um lembrete – como na obra de Oiticica – daquilo que nos liga: uma energia cíclica que vem da terra e volta à terra.

LUTA

Sem dúvida é possível atribuir à obra de Morelos – uma artista mulher, indígena e latino-americana – uma dimensão política importante, o que nos afasta de um uso tautológico da matéria como em Pino Pascali ou Walter de Maria. Mas é notável que os caminhos trilhados nas últimas décadas são tributários dos primeiros experimentos com terra nos anos 1950 e 1960. Nas últimas décadas, tendo as questões ambientais se tornado foco de discussões geopolíticas, e o sinais colapso da concepção ocidental que separa cultura e natureza ficado mais evidentes, artistas têm cada vez mais demonstrado grande interesse pela materialidade política da terra, ou seja, pelo uso da terra como ferramenta de ações artísticas engajadas nas quais a origem do material é também uma escolha que atende a uma determinada luta política.

Após o rompimento da barragem em Brumadinho (MG), em 2019, por exemplo, o tema do desastre ambiental esteve presente de diferentes maneiras em produções artísticas. Dentre elas, diversas utilizaram rejeitos do local como matéria prima, como as releituras realizadas pelo “artivista” Mundano. Parte da lama tóxica recolhida foi utilizada nas suas versões de O Mestiço (1934), de Cândido Portinari e O Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral.

Mestiço do Vale do Paraopeba (2019) e Abaporupeba (2019) são compostas da lama da Vale retirada do leito do Rio Paraopeba, spray, resina, verniz e tinta acrílica sobre tela e trazem os conhecidos personagens da arte moderna brasileira como protagonistas da denúncia ambiental. O mestiço ( figura 9), por exemplo, encontra-se em meio a um cenário de paisagem devastada (como Brumadinho), está sujo de lama até o pescoço e suas mãos grandes, que outrora representavam o trabalho braçal na lavoura – símbolo de uma ideia de progresso modernista –, agora representam a luta do ativista expressa também pelo megafone.

Também a tragédia de Brumadinho foi tema da série fotográfica Quando o tempo dura uma tonelada (2021), do Duo Paisagens Móveis, dupla composta por Bárbara Lissa e Maria Vaz. As artistas realizaram visitas à região do Córrego do Feijão, atingida pelo rompimento da barragem, e fotografaram as sequelas do evento dois anos depois, notando os efeitos da passagem do tempo ( figura 10).

Figura 9.
Mundano, O mestiço do Vale Paraopeba, 2019. Lama da Vale retirada do leito do Rio Paraopeba, spray, resina, verniz e tinta acrílica sobre tela, 100 x 120 cm.

Figura 10.
Duo Paisagens Móveis (Bárbara Lissa e Maria Vaz), sem título, 2019. Fotografia da série Quando o tempo dura uma tonelada.

As montagens fotográficas em preto de branco trazem casas, estradas e outras construções que parecem abandonadas. Uma paisagem de devastação em meio à terra e às plantas que continuam a viver no local, a despeito da morte que as circunda. Segundo a dupla:

Ao fotografar em película, o negativo torna-se um testemunho do lugar: coletamos a água local que, neste momento, a população não pode beber ou nadar, pois nos testes feitos estão sendo encontradas altas concentrações de ferro, de alumínio e mesmo de chumbo. Coletamos também a poeira de minério de ferro que, junto dessa água e dos químicos, utilizamos para revelar o filme: as fotografias revelam não apenas imagens do lugar, mas a própria materialidade do Córrego do Feijão, impressa no negativo.

( Lissa, Vaz; n.dLISSA, Bárbara; VAZ, Maria. Quando o tempo dura uma tonelada (2021). Paisagens móveis, n.d. Disponível em: < https://www.paisagensmoveis.com/quando-o-tempo-dura-uma-tonelada>. Acesso em: 8 ago. 2023.
https://www.paisagensmoveis.com/quando-o...
)

Ao desafiarem a lama, como Shiraga, as artistas comunicam a denúncia ambiental, como Mundano, através da linguagem da matéria, retratando o tempo suspenso na paisagem e fazendo da tragédia algo ainda visível e inesquecível. A lama, que não é tóxica em si, mas foi intoxicada dadas as condições de exploração dos recursos naturais, rebela-se em uma ação que prova a força e a reação da natureza. Os negativos de Lissa e Vaz se tornam, assim, matéria-testemunha das vidas (humanas e não humanas) que foram vitimadas. As imagens, focadas nas paisagens e suas alterações, evidenciam mais uma vez a agência da terra, que se eterniza no processo de revelação fotográfica.

Esses são exemplos de como são exploradas as possibilidades da materialidade política da terra, no entanto, outras maneiras de abordar a sua agência também têm sido utilizadas de forma combativa à visão ocidental de natureza enquanto recurso. A oposição a esse pensamento, como apontou Viveiros de Castro (2002)CASTRO, Eduardo Viveiros de. Perspectivismo e multinaturalismo na América Indígena. A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac & Naify, 2002., já estava presente muito antes na base das cosmologias ameríndias e, como assinala a crítica de Chacon a respeito da Land Art, artistas não indígenas vêm fazendo aquilo que os povos indígenas sempre fizeram.

É nesse movimento, somado ao destaque que artistas indígenas têm conquistado na última década, que gostaríamos de ressaltar a obra Excitação do barro seco ( figura 11), de Aislan Pankararu, como uma outra forma da abordagem supracitada.

Figura 11.
Aislan Pankararu, Excitação do barro seco, 2021. Tinta acrílica sobre tela, 70 x 110 cm.

A tinta sobre tela, que dentro da ontologia e da História da Arte Ocidental representa uma das manifestações artísticas mais tradicionais, ganha outra dimensão quando pensada como “armadilha para levar bons curiosos a um lugar de reflexão profunda”, como disse Jaider Esbell (2021)ESBELL, Jaider. Artista indígena que fomentou a Bienal desse ano, Jaider Esbell revela seu esforço para trazer a arte dos povos originários para o centro do debate. Entrevista concedida a Artur Tavares. Elástica. out de 2021. Disponível em: https://elastica.abril.com.br/especiais/jaider-esbell-bienal-mam/. Acesso em: 8 ago. 2023.
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. Na tela do artista Pankararu, pontos dourados brilhantes emergem em meio a tons terrosos, feixes de tinta são cobertos por eles e se sobrepõem a um fundo laranja de pinceladas aparentes que deixam transparecer a materialidade da pintura. O dourado impressiona e capta a atenção até mesmo do observador mais desatento, o contraste com os pontos pretos faz sobressair ainda mais a luz, mas não se trata de reproduzir com a cor o brilho de metais ou tecidos, tampouco de propor uma reflexão formal por meio do pigmento. A pintura aqui, mais uma vez em sua história, parece afirmar sua capacidade elástica que, de Alberti a Fontana, propõem-se ser repensada.

Excitação do barro seco foi apresentada em duas exposições recentes, “DA TERRA À TERRA”, na Universidade Estadual de Campinas, em 2022, e “Brasil futuro: as formas da democracia”, no Museu Nacional da República, em 2023. Em ambas as mostras, houve uma preocupação com a presença de artistas indígenas na discussão de pautas urgentes, porém, elas ressaltaram aspectos distintos, ainda que complementares, da mesma obra. Na primeira, Excitação do barro seco foi apresentada em uma exposição que se pretendia dialogar com a necessidade de pensar questões ambientais a partir de uma reflexão sobre a terra em seus mais diferentes sentidos: morada, matéria, superfície e elo que liga todos os seres que coabitam no planeta. Na segunda, a obra é pensada como parte agente no processo de retomada das formas e faces da democracia no Brasil, essa entendida como incompleta e em processo de construção.

Aislan Pankararu tem uma história pessoal atravessada pela questão da mobilidade e pela religiosidade de seu povo 3 3 Os Pankararu habitam diferentes lugares do território brasileiro, residindo majoritariamente em Pernambuco, no contraforte do estado, entre os municípios de Petrolândia, Jatobá e Tacaratu, próximos à região do Rio São Francisco. Há também uma parcela deles em Minas Gerais, Bahia e São Paulo, onde ocupam, em sua maioria, a favela do Real Parque, mas se distribuem também em outras localidades da cidade. Aislan Pankararu viveu o trânsito entre aldeia Brejo dos Padres e os centros urbanos desde a infância, tendo se formado em medicina pela Universidade de Brasília e, posteriormente, mudado para São Paulo, onde vive e trabalha atualmente. . Com o avanço da exploração colonial e da consolidação dos europeus e seus interesses no território ameríndio, o povo Pankararu foi alvo de constantes missões jesuíticas que chegaram à região Nordeste e, ainda que tenham assimilado parcialmente a cultura do colonizador, mantêm até hoje parte de suas práticas culturais e religiosas 4 4 Além da questão religiosa, é possível citar a questão linguística: os Pankararu expressam-se em português e em sua língua, uma variante do Tupi-Guarani, considerada quase extinta. . Embora majoritariamente se considerem católicos, eles cultivam, por exemplo, a crença nos Encantados e as práticas culturais que a envolvem, como danças, festas e processos de cura.

Segundo Maximiliano Carneiro da Cunha ( 2007, p. 50CUNHA, Maximiliano Carneiro da. Performance e prática nos cerimoniais Pankararu. In ATHIAS, Renato (org.) Povos Indígenas de Pernambuco: identidade, diversidade e conflito. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2007.), os Encantados são para os Pankararu como “‘espíritos dos antepassados’ que tiveram algum destaque na vida social do grupo e são reverenciados até hoje”. São, portanto, as figuras centrais da cosmovisão Pankararu, e sua representação em forma terrena “se dá através dos Praiás, indivíduos especificamente designados pelas lideranças Pankararu que, sob uma máscara ritual que lhes cobre todo o corpo, dançam músicas executadas durante os cerimoniais” ( Cunha, 2007, p. 50CUNHA, Maximiliano Carneiro da. Performance e prática nos cerimoniais Pankararu. In ATHIAS, Renato (org.) Povos Indígenas de Pernambuco: identidade, diversidade e conflito. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2007.). Sua manifestação se dá pela primeira vez através da semente, ainda que as formas dessa manifestação (e do encantamento) não possam ser totalmente narradas, pois configuram uma espécie de mistério que não é revelado a todos (cf. Arruti, 1996ARRUTI, José Maurício Paiva Andion. O reencantamento do mundo: trama histórica e arranjos territoriais Pankararu. 1996. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, RJ.).

De acordo com Cláudia Mura ( 2013, p. 180MURA, Claudia. “Todo mistério tem dono!”: ritual, política e tradição de conhecimento entre os Pankararu. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2013.), tais sementes apresentam características peculiares, “tendo consistência, forma e cor que devem ser avaliadas” (geralmente por autoridades familiares) e não são “necessariamente uma semente, podendo ser uma pedra ou um fóssil, ou, ainda, uma cerâmica que os índios levam geralmente em seu aiô – bolsa de caroá (...).” Ainda, as sementes são dotadas de subjetividade, uma vez que elas escolhem, pois têm vontade própria, o seu zelador 5 5 Os zeladores têm como atribuições confeccionar as vestimentas dos praiás e oferecer fumo regularmente aos encantados (cf. Matta, 2009). , ou seja, o humano incumbido do levantamento – termo utilizado para se referir ao ritual em que se confeccionam as vestimentas dos praiás. Este pode ser considerado um caso no qual, como apontou Philipe Descola (apud Castro, 2013, p. 353CASTRO, Eduardo Viveiros de. A inconstância da alma selvagem, São Paulo: Cosac Naify, 2013.) 6 6 Publicação original, Descola (1986). , “o referencial comum a todos os seres da natureza não é o homem enquanto espécie, mas a humanidade enquanto condição”, característica comum a diversos povos ameríndios.

Na obra de Aislan Pankararu, a matéria em estado excitado é representada principalmente pelos pontos de tinta, uma poeira suspensa e brilhante que acompanha os rastros das camadas de cor por detrás. Como o próprio artista sugere que sua arte seria uma forma de trazer as referências de seu povo e sua ancestralidade, é possível notar que a disposição dos traços, as cores, como também a curvatura que marca a composição central, lembram a “saia” de um praiá em movimento, uma referência muito presente na produção do artista.

Quando se manifestam por meio de praiás, os Encantados o fazem nos terreiros, lugar central para a prática de celebrações Pankararu. Cunha observa que os Pankararu, quando dançam no terreiro, o fazem com passos curtos e ligeiros, o que muitas vezes dá a impressão de que estão flutuando; ilusão realçada pela terra seca – que na obra de Aislan se apresenta como o “barro seco excitado” – que eles levantam ( Cunha, 1999, p. 61CUNHA, Maximiliano Carneiro da. A música encantada Pankararu (toantes, toré, ritos e festas na cultura dos índios Pankararu). Dissertação (Mestrado em Antropologia Cultural). – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 1999.) formando uma espécie de névoa marrom ( figura 12).

Segundo o artista, a poeira advinda dos terreiros representa cura e proteção. Em Excitação do barro seco, os pontos de tinta dourados, especialmente a maneira como brilham ao refletirem a luz, parecem reforçar este aspecto de uma terra dotada de agência curativa e protetiva.

Figura 12.
Praiás na Dança da Toré na Festa do Menino do Rancho, 2014. Aldeia Brejo dos Padres, Jacaratu, Jatobá, Pernambuco.

Por fim, consideramos que a obra exerce também a sua forma de agência social. Em diversas situações públicas, Aislan afirmou que sua atuação como artista se deu em um momento em que, isolado pelas incertezas do mundo pandêmico, em um contexto de falta de pertencimento em espaços marcados pelos privilégios da branquitude, ele buscou uma forma de se conectar com seus parentes, sua ancestralidade e cultura.

Seria este um caso daquilo que Esbell considerou como aquele no qual “a arte indígena encosta na arte geral enquanto sistemas próprios, mas elas não se fundem nem se confundem totalmente, a priori” ( Esbell, 2018ESBELL, Jaider. Arte indígena contemporânea e o grande mundo. Select. jan. de 2018. Disponível em: < https://select.art.br/arte-indigena-contemporanea-e-o-grande-mundo/>. Acesso em: 8 ago. 2023.
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), ou seja, a tinta sobre tela de Aislan não é apenas um quadro, objeto material e artístico segundo a tradição ocidental. Tem sim a função de paciente (ou criatura, para lembrar as antigas cosmogonias), mas ao mesmo tempo age sobre o próprio artista (é também criadora), provando que os objetos não apenas fornecem um cenário para a ação humana; eles são parte integrante dela (cf. Godsen; Marshall, 1999GODSEN, Chris; MARSHALL, Yvonne. The Cultural Biography of Objects. World Archaeology, vol. 31, n. 2, p. 169-178, outubro de 1999.). Ainda que Aislan não utilize a terra como matéria em seu sentido mais óbvio, o faz de maneira simbólica, mas não menos agente, indo sua estratégia ao encontro de um processo curativo ao qual as manifestações naturais-culturais de seu povo estão ligadas.

O que tem feito o artista é, a partir de intersecções entre a ontologia de seu povo e o sistema de arte não indígena, trazer suas raízes à superfície, não só como armadilha, mas também como cura em um processo mais amplo de luta pela sobrevivência, pois, ainda como disse Esbell, “não há como falar em arte indígena contemporânea sem falar dos indígenas, sem falar de direito à terra e à vida” ( Esbell, 2018ESBELL, Jaider. Arte indígena contemporânea e o grande mundo. Select. jan. de 2018. Disponível em: < https://select.art.br/arte-indigena-contemporanea-e-o-grande-mundo/>. Acesso em: 8 ago. 2023.
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).

CONCLUSÃO

A partir da compreensão de que a terra, em suas diferentes formas, tem sido alvo de interesses artísticos, para além da representação da paisagem, e notando como a partir do segundo pós-guerra o empenho em fazer da terra objeto, linguagem e suporte artístico tem sido uma tendência que cruza fronteiras geográficas e culturais, propusemos a análise deste fenômeno a partir de três eixos: o primeiro em relação ao corpo, ou seja, a utilização do corpo enquanto elemento expressivo junto à terra, como é o caso de artistas como Kazuo Shiraga, Celeida Tostes e Ana Mendieta. Em todos, tanto o uso do corpo quanto da terra se dá em contextos sócio-políticos de repressão e/ou tentativa de superação de traumas, sendo a agência do corpo e da terra uma forma de afirmar o caráter experimental da arte naquele momento.

O segundo tipo de uso da terra pode ser compreendido, desde os anos 1960, como um interesse por materiais que eram considerados de “pouco valor artístico”. Assim, artistas se voltaram à precariedade dos materiais, e nisso se inclui a terra, seja de forma tautológica, como Pino Pascali, ou com interesse de desenvolver processos ambientais de interação multissensoriais, como fazem Hélio Oiticica e Delcy Morelos, que afirmam a agência da natureza e provocam um chamado à sensibilização do espectador-participador.

Por fim, entendemos que os caminhos abertos, a partir dos anos 1960 e 1970, no que diz respeito ao uso da matéria terra, culminam nos dias de hoje em artistas como Mundano e a dupla Duo Paisagens Móveis, que recorrem ao uso da terra enquanto forma de denúncia de questões socioambientais, como por exemplo, a tragédia em Brumadinho. Além disso, apontamos para o constante uso da terra, seja enquanto objeto, matéria, suporte ou forma de expressão, por parte de comunidades indígenas, o que se expressa, por exemplo, na obra do artista Aislan Pankararu, que partindo de elementos de seu povo e sua cultura ancestral, afirma em sua pintura a agência curativa e protetora da terra seca do terreiro, o que não deixa de ser uma forma de luta pela visibilidade e sobrevivência.

Portanto, ainda que mediados por circunstâncias locais e diferentes aspectos formais, os artistas apresentados aqui, que são apenas um recorte de tantos outros na mesma tendência, se mostraram interessados no uso da terra como elemento artístico primordial. Em um momento no qual as questões socioambientais se tornam cada vez mais candentes, as emoções e experiências são a base para um profundo envolvimento filosófico com a ecologia, como afirma Timothy Morton (2021)MORTON, Timothy. All Art is Ecological. Londres: Penguin, 2021.. Assim, se formas alternativas de sensibilização são cada vez mais urgentes, faz-se necessário, como o presente texto procurou fazer, buscar a partir da crítica e história da arte caminhos para a compreensão de expressões artísticas nas quais a natureza desempenha um papel agente.

REFERÊNCIAS

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FILMES

  • Through The Repellent Fence: A Land Art Film (2017), Sam Wainwright Douglas, Estados Unidos, 74’, son., col.

NOTAS

  • 1
    Shiraga executou sua performance no pátio frontal do Ohara Hall de Tóquio três vezes durante a Primeira exposição de Arte Gutai.
  • 2
    Entrevista de Raven Chacon no documentário Through the Repellent Fence: A Land Art Film (2017)Through The Repellent Fence: A Land Art Film (2017), Sam Wainwright Douglas, Estados Unidos, 74’, son., col., de Sam Wainwright Douglas.
  • 3
    Os Pankararu habitam diferentes lugares do território brasileiro, residindo majoritariamente em Pernambuco, no contraforte do estado, entre os municípios de Petrolândia, Jatobá e Tacaratu, próximos à região do Rio São Francisco. Há também uma parcela deles em Minas Gerais, Bahia e São Paulo, onde ocupam, em sua maioria, a favela do Real Parque, mas se distribuem também em outras localidades da cidade. Aislan Pankararu viveu o trânsito entre aldeia Brejo dos Padres e os centros urbanos desde a infância, tendo se formado em medicina pela Universidade de Brasília e, posteriormente, mudado para São Paulo, onde vive e trabalha atualmente.
  • 4
    Além da questão religiosa, é possível citar a questão linguística: os Pankararu expressam-se em português e em sua língua, uma variante do Tupi-Guarani, considerada quase extinta.
  • 5
    Os zeladores têm como atribuições confeccionar as vestimentas dos praiás e oferecer fumo regularmente aos encantados (cf. Matta, 2009MATTA, Priscila. Dois elos da mesma corrente: os rituais da corrida do Imbu e da Penitência entre os Pankararu. Cadernos de campo, São Paulo, n. 18, p. 1-352, 2009.).
  • 6
    Publicação original, Descola (1986)DESCOLA, Phillippe. La nature domestique: symbolisme et praxis dans ricologie des Achuar. Paris: Maison des Sciences de L’Homme, 1986..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sept-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2023
  • Aceito
    03 Ago 2023
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