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Aristóteles. Primeiros Analíticos 1.1-7. Apresentação, tradução e notas

Aristotle. Prior Analytics 1.1-7. Introduction and translation

Resumo:

Tradução para o português dos capítulos iniciais dos Primeiros Analíticos de Aristóteles, precedida de apresentação em que se discutem divergências interpretativas e escolhas de tradução.

Palavras-chave:
Aristóteles; Primeiros Analíticos ; silogismo; tradução

Abstract:

Translation of the initial chapters of Aristotle’s Prior Analytics into Portuguese and introduction, which addresses interpretative disagreements and translation choices.

Keywords:
Aristotle; Prior Analytics ; syllogism; translation

Apresentação

Os Primeiros Analíticos de Aristóteles são o primeiro tratado de lógica formal de que temos conhecimento1 1 Para uma defesa da tese de que, com esse tratado, Aristóteles funda a disciplina que hoje conhecemos por Lógica, ver Corcoran, 1974; Malink, 2015. e por séculos foi material indispensável ao estudo da disciplina. Apesar da relevância histórica de tão influente tratado, sua tradução para a língua portuguesa ocorreu menos de quarenta anos atrás, por iniciativa de Pinharanda Gomes (ver Gomes, 1986GOMES, P. (1986). Aristóteles. Organon (III. Analíticos Anteriores). Lisboa, Guimarães Editores.). Por seu pioneirismo, essa iniciativa é certamente louvável. Porém, a tradução lusitana apresenta muitas deficiências.2 2 Diversas críticas podem ser feitas a essa tradução. Diante do estilo elíptico de um texto como o de Aristóteles, é aceitável que o tradutor opte por paráfrases em certos momentos, mas as escolhas de Pinharanda Gomes introduzem dificuldades desnecessárias. Para exemplificar, Aristóteles introduz a primeira figura desta maneira: “se, no entanto, o primeiro acompanha o todo do médio e o médio não se atribui a nada do último, não haverá dedução dos extremos” (26a2-4); por sua vez, o mesmo trecho consta da tradução de Pinharanda Gomes do seguinte modo: “se o termo maior se predica do médio universal, mas se o médio não se diz do menor em acepção universal, não haverá silogismo de extremos”. Não há por que introduzir no texto uma palavra enganadora como “acepção”; também é injustificável a permuta da terminologia primeiro/médio/último pela terminologia maior/médio/menor, que somente aparecerá linhas adiante. Essa falta de cuidado com a terminologia se repete quando o tradutor verte ἐνδέχομαι por “ser contingente” em vez de “ser possível”. Ora, Aristóteles claramente atesta que há uma acepção do termo grego que se aplica a algo necessário. Pois bem, há algum sentido em dizer que algo necessário é possível, mas dificilmente em dizer que é contingente. Assim, é desapontador que ainda hoje os Primeiros Analíticos careçam de uma tradução confiável em língua portuguesa. É nesse sentido que trazemos aqui uma modesta contribuição. Apresentamos para avaliação da comunidade acadêmica uma tradução dos primeiros sete capítulos da obra, que são particularmente importantes porque introduzem o principal objeto de estudo dos Primeiros Analíticos, as deduções silogísticas.

Em uma dedução silogística (συλλογισμός), como em todo argumento dedutivo, há uma conclusão que necessariamente deve ser aceita por quem aceita as premissas propostas; a conclusão é, nesse sentido, o resultado necessário da aceitação das premissas.3 3 Aristóteles emprega expressões modais adjetivando a conclusão com intuito de mostrar que ela é consequência lógica das premissas, mas esse uso não se confunde com aquele pelo qual ele modaliza a relação predicativa encontrada na conclusão. Em outras palavras, o fato de Aristóteles tomar a conclusão como o resultado necessário da aceitação das premissas não quer dizer que a conclusão precisa ser uma proposição em si mesma modalmente necessária; cf. 30b31-40, 46b10-11; ver Patzig, 1968, p. 16-21. Para uma dedução ser silogística, todavia, exige-se mais do que essa característica. Embora haja dissenso entre os intérpretes sobre as características que esse tipo de dedução deve apresentar, é generalizadamente aceito que seus ingredientes básicos não são quaisquer tipos de proposição, mas proposições categóricas.4 4 Isto é, asseverações de que dois termos P e S mantêm ou não mantêm uma relação de predicação entre si. Essa relação pode ser quantificada - P se predica de todo S, P não se predica de nenhum S, P se predica de algum S e P não se predica de algum S - ou não quantificada - P se predica de S e P não se predica de S. Também é reconhecido que uma dedução silogística exige ao menos duas premissas e que delas deve ser distinta a conclusão.

Alguns intérpretes têm chamado atenção, ainda, para o fato de deduções silogísticas não admitirem premissas supérfluas (ver Steinkrüger, 2015STEINKRÜGER, P. (2015). Aristotle’s assertoric syllogistic and modern relevance logic. Synthese 192, p. 1413-1444.; Castagnoli, 2016CASTAGNOLI, L. (2016). Aristotle on the Non-Cause Fallacy. History and Philosophy of Logic 37, n. 1, p. 9-32.; Mignucci, 2020MIGNUCCI, M. (2020). Syllogism and Deduction in Aristotle’s logic. In: FALCON, A.; GIARETTA, P. (eds.). Ancient Logic, Language, and Metaphysics: selected essays by Mario Mignucci. London ; New York, Routledge, p. 3-19.; Angioni, no prelo). Da mesma maneira que do conjunto das premissas não pode estar ausente uma premissa indispensável à produção do resultado necessário, visto que isso afetaria a validade da dedução silogística em questão, também não pode estar presente nesse conjunto uma premissa cuja eliminação não afete a produção do resultado necessário (cf. 42a36-40; 47a18-20; Top. 8.11 161b29-30). É preciso, em síntese, que todas as premissas efetivamente contribuam para a validade da dedução.

Uma maneira concisa de caracterizar as deduções silogísticas de modo a garantir a satisfação dos critérios introduzidos acima é tomá-las como cadeias de predicação. 5 5 Para um profícuo uso desse conceito na interpretação dos Analíticos em seu todo, ver Crager, 2015. Não coincidentemente, Crager (2015, p. 19-20) também reconhece que deduções silogísticas devem satisfazer os quatro critérios apresentados. Em tais cadeias há dois termos cuja relação predicativa é obtida como resultado da relação que ambos mantêm com um ou mais termos médios (ou termos intermediários). Aqueles termos são como elos extremos de uma corrente, unidos indiretamente pelos demais elos. Se, por exemplo, duas proposições categóricas formam uma cadeia de predicação, elas compartilham um - e apenas um - termo: sem termo compartilhado, as predicações não se conectam; com mais de um termo compartilhado, não há sequer três termos distintos. Desse modo, quando o conjunto das premissas se constitui de duas proposições categóricas, há um termo médio; quando se constitui de três proposições categóricas, há dois termos médios; e assim sucessivamente.

Nos capítulos dos Primeiros Analíticos cuja tradução aqui apresentamos Aristóteles se atém às deduções silogísticas com duas premissas. Ele está interessado em discriminar as combinações de duas proposições categóricas que formam cadeias de predicação genuínas, nas quais o termo médio efetivamente conecta os termos extremos. Com esse interesse em vista, Aristóteles apresenta certos expedientes capazes de delimitar quando, a partir de um par de proposições categóricas, há um resultado necessário e quando não há tal resultado.

O expediente mais comum para discriminar casos do segundo tipo é aquele que Ross (1949ROSS, D. W. (1949). Aristotle's Prior and Posterior Analytics (a revised text with introduction and commentary). Oxford, Clarendon Press. , p. 302) chamou de prova por instâncias contrastadas. Apresentam-se duas tríades de termos concretos que satisfazem as relações predicativas indicadas no par de proposições categóricas sob escrutínio. Essas tríades são tais que, segundo uma delas, os termos extremos mantêm entre si uma relação predicativa universal afirmativa e, segundo a outra, mantêm uma relação predicativa universal negativa. Ora, tais relações predicativas não apenas são incompatíveis entre si, mas também constituem a forma mais díspar de incompatibilidade entre relações predicativas. Em outras palavras, essas relações são o extremo oposto uma da outra, pois ocupam as posições extremas na escala gradativa de todas as configurações predicativas possíveis entre dois termos.6 6 No meio desses extremos está a configuração em que nenhuma daquelas relações é o caso, porque entre os dois termos ocorre simultaneamente uma relação particular afirmativa e particular privativa. Assim, o método das instâncias contrastadas revela que a asserção das premissas não é capaz de produzir uma relação predicativa determinada entre os termos extremos: se a asserção das premissas é compatível com a asserção das duas relações predicativas mais díspares entre os termos extremos, então é compatível com a asserção de qualquer relação predicativa possível entre eles. 7 7 Aqui reside a diferença entre o método de Aristóteles e o tradicional método de rejeição por contraexemplo, em que se apresenta uma interpretação para as letras esquemáticas que torna as premissas verdadeiras e a conclusão falsa. Aristóteles não está avaliando a validade ou invalidade de um argumento em especial, mas a capacidade de um par de premissas produzir argumentos válidos.

Para esclarecer esse método, consideremos o seguinte par de relações predicativas: A se predica de todo B e B não se predica de nenhum C. Esse par de premissas não produz um resultado necessário em que A se predique de C, porque há termos A,B e C que tornam o par de premissas e a asserção de que A se predica de todo C verdadeiras, mas também há termos que tornam o par de premissas e a asserção de que A não se predica de nenhum C verdadeiras. Aristóteles escolhe como exemplo de termos do primeiro tipo - para A,B e C respectivamente - “animal”, “homem” e “cavalo”; como exemplo de termos do segundo tipo “animal”, “homem” e “pedra” (cf. 26a8-9). 8 8 Outro método, derivado deste, é empregado por Aristóteles quando o par de premissas é tal que, contendo uma premissa particular, as tríades de termos que a tornam verdadeira não são capazes de, em acréscimo, tornar verdadeira a proposição particular que lhe é oposta (ou seja, tomado como premissa que A se predica de algum B, as tríades não são capazes de tornar também verdadeiro que A não se predica de algum B; ou vice-versa). As razões para Aristóteles procurar tríades de termos com essa característica quando se trata de premissas particulares não são claras, mas ao menos a impossibilidade da aplicação do método das instâncias contrastadas nesse caso é manifesta. Pois, devido àquela característica, as tríades de termos precisam tornar verdadeiras não três, mas quatro proposições: as proposições inicialmente assumidas (ou seja, as premissas), a proposição universal formada a partir da determinação de uma relação predicativa entre os termos extremos (ou seja, a pretensa conclusão) e a proposição particular oposta à premissa particular. Ora, para certas configurações das premissas, isso é impossível, uma vez que o conjunto consistente formado pelas três primeiras proposições torna-se inconsistente com a adição da última. Pois bem: quando isso ocorre, Aristóteles abandona a aplicação do método das instâncias contrastadas ao par de premissas sob escrutínio e se apoia em uma aplicação indireta do mesmo método. Ele o aplica ao par de premissas que possui uma premissa universal de mesma qualidade (ser afirmativa ou negativa) no lugar da premissa particular, mantidos os mesmos termos. Seu raciocínio é o seguinte: se o par de premissas misto (uma universal, outra particular) é silogisticamente concludente, então também o par exclusivamente com premissas universais é silogisticamente concludente; o par exclusivamente com premissas universais não é silogisticamente concludente, conforme é mostrado pelo método das instâncias contrastadas; logo o par de premissas misto (uma universal, outra particular) não é silogisticamente concludente.

No que concerne à discriminação dos pares de proposições categóricas que produzem um resultado necessário, o apelo a instâncias é um expediente impotente. De fato, não se poderia efetivamente mostrar que há um resultado necessário se não fosse assegurado que todas as tríades de termos concretos que tornam as premissas verdadeiras também tornam o suposto resultado necessário verdadeiro. 9 9 Ou seja, a verificação de todas as tríades de termos é uma condição necessária para assegurar que um par de premissas é silogisticamente concludente. Não é claro se Aristóteles também julgava ser tal verificação uma condição suficiente. É comum que filósofos e lógicos contemporâneos respondam a essa indagação afirmativamente, atribuindo a Aristóteles uma concepção de consequência lógica construída a partir dos efeitos da variabilidade de termos diante de esquemas de dedução; ver Dutilh Novaes, 2011; Sainsbury, 2020. O estoque de termos com os quais Aristóteles operaria não seria outro que o da língua grega, precisamente a linguagem com a qual ele formulava tais esquemas. Para uma visão cética quanto à tentativa de atribuir a Aristóteles uma dimensão semântica de análise das deduções silogísticas em detrimento de uma dimensão dedutiva, ver Lear, 1980. De uma maneira ou outra, uma resposta satisfatória à indagação feita depende da avaliação do papel dos termos - que são entidades linguísticas - na definição de dedução silogística. Para uma análise favorável a essas entidades e mais focada na estrutura sintática das proposições categóricas, ver Malink, 2014; para uma análise em contrário, que toma o significado das proposições categóricas como mais básico que sua estrutura sintática, ver Morison, 2012. Naturalmente, não se garante isso recorrendo a uma ou até mesmo a inúmeras tríades de termos. Considerando, então, a impossibilidade de averiguar todas as tríades de termos concretos, Aristóteles poderia ter simplesmente apresentado um catálogo das combinações de proposições categóricas que ele julgasse produzir um resultado necessário, deixando aos seus interlocutores a tarefa de observar as diversas aplicações ordinárias de tais combinações e, assim, de se persuadir, indutivamente, de que nelas sempre há um resultado necessário. Não é isso que ele faz, todavia. Inspirado na matemática de sua época, Aristóteles constrói um sistema dedutivo no qual poucos itens precisam ser aceitos sem prova; todo o mais será deduzido a partir desses itens fundamentais ou basilares com o auxílio de regras de inferência, também previamente aceitas. É sobretudo a esse sistema dedutivo que nos referimos hoje quando falamos de silogística.

Reconhecer quais são exatamente os itens basilares da silogística não é trivial. A interpretação mais aceita entre os estudiosos dos Primeiros Analíticos é a de que, além de regras de conversão e de prova indireta, 10 10 Aristóteles chamava seu método para prova indireta de “condução ao impossível” (ἡ ἀπαγωγή εἰς τὸ ἀδύνατον; cf. 29b5-6). Além das regras de conversão e de prova indireta, Aristóteles também empregava a exposição (ἤκθεσις). Trata-se de um método de prova em que primeiro se mostra que certa propriedade vale para dado item ou objeto e, em seguida, infere-se que essa propriedade vale para todo item ou objeto com as mesmas características, uma vez que aquele item ou objeto foi arbitrariamente selecionado. Na Geometria, os itens ou objetos selecionados são construções ou figuras geométricas; na silogística de Aristóteles, são termos. Os termos expostos mantêm relações predicativas com os termos já presentes nas premissas, e é a análise dessas relações predicativas que será crucial para mostrar que entre os termos extremos necessariamente se instaura certa relação predicativa, assegurando, portanto, que há uma dedução silogística; ver Malink, 2008. algumas deduções silogísticas são aceitas sem prova. De fato, em APr. 1.4-6, Aristóteles toma quatro delas como meios para provar as demais. Elas ficaram posteriormente conhecidas como Barbara, Celarent, Darii e Ferio. 11 11 Trata-se, respectivamente, da dedução de que A se predica de todo C a partir das premissas de que A se predica de todo B e B se predica de todo C; da dedução de que A não se predica de nenhum C a partir das premissas de que A não se predica de nenhum B e B se predica de todo C; da dedução de que A se predica de algum C a partir das premissas de que A se predica de todo B e B se predica de algum C; por fim, da dedução de que A não se predica de algum C a partir das premissas de que A não se predica de nenhum B e B se predica de algum C. Os nomes pelos quais os silogismos passaram a ser conhecidos (Barbara, Celarent, Darii, Ferio etc.) resultam de um sistema mnemônico desenvolvido ao longo do período medieval. As letras a partir das quais cada nome é composto indicam a qualidade (afirmativa ou negativa) e a quantidade (universal ou particular) de cada proposição, bem como os métodos de prova da validade de cada silogismo. O mais antigo registro que temos desse sistema aparece na obra Introductiones in Logicam, de Guilherme de Sherwood, datada do século XIII; ver Kretzmann, 1966, p. 66-68. Para maiores detalhes sobre esse sistema mnemônico, ver Bocheński, 1968, p. 222-227. Em APr. 1.7, por sua vez, Aristóteles mostra que as duas últimas podem ser provadas por meio das duas primeiras. Assim, seja qual for a parte do texto a que se conceda primazia, de qualquer maneira certas deduções silogísticas seriam, segundo a leitura mais aceita, peças fundamentais no sistema dedutivo construído por Aristóteles.

Porém, se a motivação de Aristóteles é avaliar candidatos a itens basilares, que precisam ser aceitos sem prova, é um tanto inesperado que ele tivesse concedido esse papel a Darii e Ferio e depois os provado a partir de Barbara e Celarent. Para desfazer esse embaraço, os intérpretes costumam entender que todas essas quatro deduções silogísticas podem ser aceitas sem prova, uma vez que são evidentemente válidas. De fato, Aristóteles as chama de perfeitas, e esses intérpretes entendem a noção de perfeição exatamente em termos de evidência de validade. Acreditam, assim, que todas são itens basilares da silogística, na presunção de que para Aristóteles - e para a matemática grega em geral - nenhum item de um sistema dedutivo é basilar se não for em si evidente. Consequentemente, as provas de Darii e Ferio a partir de Barbara e Celarent são supérfluas, constituindo não mais que uma mostra da aptidão de Aristóteles para a obtenção de sistematização dedutiva.

Pelas razões a seguir, as bases dessa interpretação se mostram menos sólidas do que aparentam. Desde há muito se percebeu a ligação que Aristóteles estabelece entre a validade das deduções silogísticas perfeitas e a explanação das proposições categóricas universais introduzida em 24b28-30, que ficou mais tarde conhecida como dictum de omni et nullo (ver Morison, 2015MORISON, B. (2015). What is a Perfect Syllogism? In: INWOOD, B. (ed.). Oxford Studies in Ancient Philosophy XLVIII, p. 107-166.). Apesar disso, os intérpretes não costumavam conceder ao dictum um papel proeminente na silogística; certos do papel fundante dos silogismos perfeitos, sempre minoraram, de uma maneira ou de outra, sua importância na fundamentação da silogística. 12 12 Kneale & Kneale (1962, p. 79-80), por exemplo, rebatem rispidamente a pretensão de que o fundamento para a silogística não resida nos silogismos perfeitos: “aqueles que ignoram sua [sc. de Aristóteles] doutrina da redução, mas insistem em pedir por um princípio único do raciocínio silogístico, não parecem ter uma ideia clara do que querem”. Consciente ou inconscientemente, tendiam a tomar o dictum como uma análise de natureza semântica, que não afeta diretamente os componentes básicos da silogística como sistema dedutivo (ver Łukasiewicz, 1957ŁUKASIEWICZ, J. (1957). Aristotle’s Syllogistic from the standpoint of modern Formal Logic. Oxford, Clarendon Press. , p. 47; Patzig, 1968PATZIG, G. (1968). Aristotle’s Theory of the Syllogism: a logico-philological study of Book A of the Prior Analytics. Translated from the German By Jonathan Barnes. Dordrecht, D. Reider Publishing Company. , p. 32). A análise de Smith (1989SMITH, R. (1989). Aristotle. Prior Analytics (translated with introduction, notes and commentary). Indianapolis;Cambridge, Hackett Pub. Co., p. 111), porquanto a mais consciente e explícita, é emblemática: ele aparta o dictum da silogística à maneira de um lógico contemporâneo, que aparta os elementos semânticos de seu sistema lógico do aparato simbólico-dedutivo.

Nos últimos anos, todavia, com base em certos avanços na compreensão do próprio dictum de omni et nullo (ver Malink, 2008MALINK, M. (2008). TWN vs. TWI in Prior Analytics I.1-22. Classical Quarterly 58, n. 2, p. 519-536.; Malink, 2009), essa interpretação vem sendo colocada à prova. O que Aristóteles literalmente diz em sua explanação das proposições categóricas universais não é mais que isto: “empregamos ‘predica-se de todo’ quando, do sujeito, não for possível tomar algo de que o outro termo não seja dito; empregamos ‘predica-se de nenhum’ do mesmo modo”. Uma possibilidade na interpretação dessas palavras, capaz de afetar os componentes dedutivos da silogística, é tomá-las como uma definição, similarmente àquelas encontradas nos Elementos de Euclides. Em sistemas dedutivos, definições consistem em enunciados que garantem a substituição salva veritate de toda ocorrência do definiendum pelo definiens. 13 13 Aristóteles de fato parece se referir ao dictum como sendo uma definição (cf. 25b39-40, 26a27-28); ele emprega o vocábulo explicitamente quando se refere a versões modais do dictum (cf. 32b41, 33a24-25). Entretanto, pode haver certa ambiguidade nesse ponto, pois o emprego desse vocábulo ou expressões correlatas não garante automaticamente que o entendimento sobre os componentes da silogística foram afetados. Definições estabelecem regras sobre como usar um termo, estejam tais regras de uso sendo estipuladas ou estejam já presentes na linguagem empregada na construção do sistema dedutivo. Se com o termo “definição” designam-se exatamente tais regras de uso, então definições não são propriamente enunciados assertivos, sujeitos à verdade ou à falsidade (cf. Int. 5 17a11-12; ver Salmon, 1973, p. 122-123). Por outro lado, uma vez estabelecido o significado do termo definiendum, definições deveras funcionam como entidades linguísticas por meio das quais um conteúdo é asserido; nesse sentido, “definição” designa um enunciado em que é asserida a equivalência lógica entre definiendum e definiens. Se considerado o primeiro sentido do termo, o dictum consistiria apenas em uma explicitação do significado das relações predicativas universais, sem qualquer efeito automático sobre os componentes dedutivos da silogística. Desse ponto de vista, as palavras de Aristóteles significariam que, dados dois termos, S e P:

(i) P se predica de todo S se, e somente se, P se predica dos X de que S se predica; (ii) P não se predica de nenhum S se, e somente se, P não se predica dos X de que S se predica. 14 14 Essa versão do dictum é um pouco diferente daquela de Malink (2009, p. 117), por considerar que o valor semântico de “S” consiste necessariamente em uma totalidade ou multiplicidade de itens; a de Malink é neutra a esse respeito.

Em se aplicando tais definições, com o auxílio de certas regras dedutivas além daquelas textualmente reconhecidas, é possível provar a validade de Barbara e Celarent. É controverso, porém, que tais regras pertençam à silogística. Para evitar esse tipo de dificuldade, Morison (2015MORISON, B. (2015). What is a Perfect Syllogism? In: INWOOD, B. (ed.). Oxford Studies in Ancient Philosophy XLVIII, p. 107-166.) defendeu uma interpretação alternativa das palavras de Aristóteles, tomando o próprio dictum como mais uma regra de dedução da silogística, ao lado das regras de conversão e de prova indireta. Com isso a validade de Barbara e Celarent pode ser provada sem que se lance mão de diversos passos dedutivos cuja justificação estaria, reputa-se, em regras alheias à silogística.

Não pretendemos apresentar aqui um veredito sobre essa discussão. No entanto, apesar de intrincada, ela importa diretamente para a compreensão daquelas que são as principais linhas de APr. 1.1-7 - e, provavelmente, também as mais difíceis. Trata-se de 24b18-22, em que aparecem as famosas definições de dedução silogística, de dedução silogística perfeita e de dedução silogística imperfeita:

Dedução é a enunciação na qual, com certas coisas já postas, algo diferente delas necessariamente decorre por serem elas as que foram postas [συλλογισμὸς δέ ἐστι λόγος ἐν ᾧ τεθέντων τινῶν ἕτερόν τι τῶν κειμένων ἐξ ἀνάγκης συμβαίνει τῷ ταῦτα εἶναι]. Com ‘por ser elas as que foram postas’ quero dizer que decorre devido a elas [τὸ διὰ ταῦτα συμβαίνειν]; com ‘decorre devido a elas’ quero dizer que não é preciso nenhum termo externo para que se obtenha o item [que, em decorrência das coisas já postas, é] necessário [πρὸς τὸ γενέσθαι τὸ ἀναγκαῖον]. Denomino ‘perfeita’ a dedução que não requer nenhuma coisa além das que foram assumidas para que se faça manifesto o item necessário [πρὸς τὸ φανῆναι τὸ ἀναγκαῖον]; ‘imperfeita’, a que requer uma ou mais, as quais são necessárias em razão dos termos predeterminados [διὰ τῶν ὑποκειμένων ὅρων], mas não foram assumidas com as proposições. (24b18-26)

As dificuldades colocadas por essa passagem são muitas. 15 15 Para exemplificar, apresentemos duas: (i) o que significa λόγος nessa definição e (ii) a que a expressão τῶν ὑποκειμένων ὅρων se refere? Sobre (i), é possível que a palavra λόγος signifique enunciado ou argumento. Uma vez que enunciados - diferentemente de argumentos - são compostos de partes significativas que não podem ser nem verdadeiras nem falsas (Int. 4 16b26-28), em princípio silogismos somente poderiam ser chamados λόγοι por ser argumentos. É preciso notar, todavia, que Aristóteles reconhece que tanto definições quanto demonstrações são λόγοι (cf. de An. 1.3 407a25-26); ora, demonstrações, não há dúvidas, são um tipo de dedução silogística (cf. 25b29-31) e poderiam em princípio ser argumentos, mas definições estão mais próximas de enunciados do que de argumentos (cf. Int. 5 17a11-12). Um caminho para resolver esse impasse é o seguinte: embora lidar com συλλογισμός seja lidar com um argumento, συλλογισμός não significa exatamente um argumento, porque não significa um modelo de inferência, mas antes a enunciação de uma proposição - a conclusão - uma vez já assumidas no discurso outras proposições - as premissas; ver Crubellier, 2014, p. 14-15. Essa é a razão para Crubellier traduzir λόγος nem por “enunciado” nem por “argumento”, mas por “discurso”; preferimos “enunciação”. Sobre (ii), a interpretação hegemônica entende que, com a expressão διὰ τῶν ὑποκειμένων ὅρων, Aristóteles se refere aos termos das premissas em suas respectivas relações predicativas; logo, às próprias premissas. De fato, Aristóteles muitas vezes se refere às premissas metonimicamente, falando de seus termos; ele também emprega o verbo ὑποτίθημι para expressar que uma proposição já foi assumida como premissa. É, todavia, notório que a expressão ὑποκείμενοι ὅροι é empregada nos Primeiros Analíticos com uma função quase técnica, designando os termos extremos; cf. 45b5, 45b17, 64b12. Esses termos são aqueles que compõem a tese, que é o alvo da argumentação (cf. 42a40, Top. 8.1 156a13, 156b5), seja como objeto de prova (quando a conclusão do silogismo consiste na própria tese) ou de refutação (quando a conclusão do silogismo consiste em uma proposição incompatível com a tese). Em um caso ou em outro, portanto, trata-se dos termos da conclusão; ver Angioni, no prelo. No que concerne ao papel dos silogismos perfeitos na silogística, em particular, é importante determinar o sentido da expressão πρὸς τὸ φανῆναι τὸ ἀναγκαῖον. A interpretação mais disseminada lhe atribui um sentido, por assim dizer, epistemológico: quando se trata de silogismos perfeitos, nada além das próprias premissas é requerido para que seja evidente que a conclusão delas se segue. Morison foi pioneiro em desafiar esse entendimento da expressão, concebendo-a em termos dedutivos: quando se trata de silogismos perfeitos, nada além das premissas é requerido para que se mostre a necessidade, ou seja, para que se prove que a conclusão delas se segue. 16 16 Na realidade, ao assumir que a prova demanda uma regra - o dictum de omni et nullo - Morison (2015, p. 141-142) percebe que está em vias de reconhecer que se exige algo além das premissas. Como não considera o dictum um enunciado definitório estritamente, ele precisa de uma saída para não confrontar a letra do texto. Então artificialmente, ao que nos parece, atribui um papel constitutivo ao dictum a despeito de ele não ser um enunciado definitório: ele consistiria em uma regra capaz de dizer o significado das constantes lógicas envolvidas - no presente caso, o significado das relações predicativas categóricas universais.

A crítica de Morison, julgamos, foi bastante acertada. De fato, a interpretação tradicional muito contribuiu para que diversos aspectos da doutrina da perfeição silogística tenham permanecido obscuros. No entanto, acreditamos que também a proposta de Morison é insatisfatória. Uma justificação pormenorizada de nosso entendimento da passagem e da própria noção de perfeição nos levaria longe demais; aqui apenas nos compete indicar a direção que tomamos em nossa tradução. Com a expressão τὸ ἀναγκαῖον Aristóteles não se refere a uma noção abstrata de necessidade instaurada entre premissas e conclusão, mas à própria conclusão, que é a atribuição necessária a que se chega, quando se realiza uma dedução silogística. 17 17 Morison (2015, p. 113, n. 17) reconhece essa possibilidade de leitura, além da anterior, mas não toma partido na discussão, por julgá-la indiferente à sua interpretação da doutrina da perfeição silogística. Para uma proposta alternativa de interpretação da expressão, ver Angioni, no prelo. Ela é necessária porque é aquilo que se impõe àquele que assume as premissas; é o resultado que não mais pode ser recusado tão logo as premissas sejam aceitas. 18 18 Consequentemente, não se está a exigir que a conclusão seja modalmente necessária; cf. nota 3 acima. Assim, apenas há uma dedução silogística quando as premissas são suficientes para produzir uma conclusão ou resultado, ou seja, são suficientes para produzir um vínculo predicativo entre os termos extremos. Se não fossem suficientes, não haveria dedução silogística. De modo similar, apenas há dedução silogística perfeita quando as premissas são suficientes para fazer algo extra em relação à conclusão ou resultado, ou seja, para fazer algo extra em relação ao vínculo predicativo entre os termos extremos. Acreditamos que se trate, nesse contexto, de explicitá-lo, mostrá-lo em seus componentes; em termos mais técnicos, de analisá-lo. 19 19 O uso da forma verbal φανῆναι em contextos como esse não é estranho à língua grega; cf. Cra. 422a4; Grg. 456c1. Sobre o uso de vocábulos semanticamente correlatos ao verbo φαῖνομαι em contextos que envolvem o processo de análise, cf. Ph. 1.1 184a21-23 e Metaph. 9.9 1051a21-24; ver, também, Lesher, 2010. Sobre a correta interpretação de Metaph. 9.9 1051a21-24, ver Iwata, 2021. Trata-se, consequentemente, de exibi-lo de tal forma que a natureza do silogismo como cadeia predicativa seja visualizada. Acreditamos, em síntese, que uma dedução silogística perfeita é aquela em que todos os componentes de sua conclusão já estão dados nas próprias premissas; à luz delas, a conclusão se encontra completa. 20 20 Que a conclusão seja tomada como uma reunião de partes ou componentes é plenamente compatível com a visão de Aristóteles de que o vínculo predicativo entre dois termos constitui um intervalo (διάστημα); cf. 26b21, APr. 42b9, APo. 82b7; ver também Malink, 2017. Esse vocábulo e outros, como é sabido, Aristóteles tomou emprestado da teoria das proporções de sua época; ver Einarson, 1936. Para o vínculo entre partes e quantidades ou magnitudes, ver Metaph. 5.25 1023b12-17. A noção aristotélica de magnitude ou quantidade é bastante abstrata, de sorte que sua aplicação a relações predicativas não consiste em um expediente artificial.

Uma vez concluída essa breve apresentação do cerne da investigação empreendida em APr. 1.1-7, cumpre-nos agora tecer considerações sobre a tradução de alguns termos técnicos. Traduzimos πρότασις por “proposição”. O primeiro registro escrito desse termo está exatamente na obra de Aristóteles. É razoável supor, porém, que fosse de uso recorrente na Academia de Platão, uma vez que esse termo estava ligado à prática dialética (cf. Smith, 1989SMITH, R. (1989). Aristotle. Prior Analytics (translated with introduction, notes and commentary). Indianapolis;Cambridge, Hackett Pub. Co., p. 56-57; Striker, 2009STRIKER, G. (2009). Aristotle. Prior Analytics, Book I (translated with an introduction and commentary). Oxford, Clarendon Press. , p. 75). Em debates dialéticos, πρότασις designa uma pergunta: Aristóteles diz se tratar de uma “pergunta da contradição” (ἐρώτησις ἀντιφάσεως; cf. 24b10-11). Nos Tópicos (1.4 101b14-16) o termo aparece em oposição a πρόβλημα (tarefa, problema), ou seja, em oposição à pergunta que inaugura o debate. A resposta a esta pergunta inaugural marcará o desacordo entre os debatedores: perguntado sobre A ser B ou não ser B, o respondedor assumirá uma das alternativas como sua tese, cabendo a quem pergunta, o inquiridor, deduzir a alternativa preterida, a fim de refutar o respondedor. Para fazê-lo, o inquiridor precisa do assentimento do respondedor a outros conteúdos, já direcionados à dedução da alternativa preterida. Esse assentimento é obtido por meio de perguntas, e as προτάσεις são exatamente perguntas desse tipo. Assim, o termo πρότασις é usado para designar conteúdos propostos em uma argumentação, a partir dos quais uma tese pode ser deduzida ou refutada. É nesse sentido, consequentemente, que designa proposições.

Usualmente os tradutores vertem πρότασις para suas respectivas línguas escolhendo um termo equivalente ou a “proposição” ou a “premissa”. 21 21 Boécio (Migne 1847), Waitz (1844), Sanmartín (1988) e Barnes (1993) decidem-se pela primeira opção; Ross (1949), Smith (1989), Striker (2009) e Crubellier (2014), pela segunda. Mignucci (1988) opta pela criação do neologismo protasi a partir de transliteração do termo original. Essa decisão é radical, pois não parece se tratar de um caso em que os contornos do conceito a ser traduzido são tão intrincados que a transliteração, excepcionalmente, passa a ser aceitável. É verdade que nos capítulos iniciais dos Primeiros Analíticos, πρότασις designa invariavelmente as premissas, o que sugere que a conclusão de uma dedução, aos olhos de Aristóteles, não é uma πρότασις. De fato, a conclusão se impõe ao respondedor a partir das premissas com as quais ele se comprometeu, de modo que este não tem permissão para recusá-la; as premissas, ao contrário, não se impõem ao respondedor, mas lhe são oferecidas, cada uma delas podendo ser aceita ou recusada. No entanto, apesar do que sugerem os capítulos iniciais dos Primeiros Analíticos, não é consenso entre os intérpretes que o termo πρότασις tenha o mesmo significado que “premissa” (ver Charles & Crivelli, 2011CHARLES, D. ; CRIVELLI, P. (2011). ‘PROTASIS’ in Aristotle’s Prior Analytics. Phronesis 56, p. 193-203.). Ademais, não nos parece impossível que a conclusão de uma dedução seja compreendida como uma πρότασις em certos contextos, bastando para isso observar que, ao se propor ou se aceitar as premissas, tacitamente se propõe ou se aceita o que delas se segue, ou seja, a conclusão. 22 22 A definição oferecida por Aristóteles para πρότασις em 24a16-17 é “enunciação afirmativa ou negativa de algo a respeito de algo”. Ela é semelhante à oferecida para ἀπόφανσις, “asserção”, no De Interpretatione; cf. Int. 5 17a20-24. Curiosamente, este termo não aparece nos Primeiros Analíticos. Por outro lado, πρότασις aparece no De Interpretatione somente no capítulo 11 (em 20b23-24), e não se refere a um enunciado assertivo qualquer, mas àquele que é introduzido em um contexto dialético por meio de uma questão e que precisa ser endossado pelo respondedor; ver Ackrill, 1963, p. 57. Julgamos que um entendimento correto dos adjetivos “afirmativo” e “negativo” em 24a16-17 concilia a definição de πρότασις dos Primeiros Analíticos com o uso desse termo no De Interpretatione. Há um sentido relevante segundo o qual as premissas, mas não a conclusão, são afirmativas ou negativas: somente elas são asseridas pelo interlocutor. Assim, as proposições (προτάσεις) são as enunciações pelas quais o interlocutor afirma ou nega conteúdos categóricos.

O vocábulo συλλογισμός, por sua vez, foi traduzido por “dedução”. Preterimos a alternativa mais tradicional, “silogismo”, por duas razões. Primeiramente, haja vista a relação etimológica entre συλλογισμός e συλλογίζομαι, há ganhos em traduzir ambos, nome e verbo, por palavras etimologicamente correlatas. Embora exista na língua portuguesa o verbo “silogizar”, trata-se de uma palavra de uso extremamente incomum; “deduzir”, nesse quesito, é uma opção melhor. 23 23 Escolhem algo equivalente a “silogismo” e “silogizar”, em suas respectivas línguas, Boécio (Migne 1847) e Mignucci (1988); a “dedução” e “deduzir”, Smith (1989) e Crubellier (2014); a “raciocínio” e “raciocinar”, Sanmartín (1988). Striker (2009) escolhe “silogismo”, mas não o verbo correspondente; ela opta por “deduzir”. A razão primordial para traduzir συλλογισμός por “dedução”, no entanto, está no fato de o significado da palavra “silogismo” se desviar em um aspecto fundamental do significado do termo grego. A palavra “silogismo” inevitavelmente aponta para um modelo de inferência, no qual sentenças são organizadas por uma relação de consequência, mas συλλογισμός, por sua vez, também pode designar um ato de inferir (cf. de An. 1.3 407a22-34). Admitir essa possibilidade se torna bastante razoável a quem atente para o fato de que o termo grego consiste em um substantivo verbal cujo uso lógico está diretamente ligado ao uso lógico do verbo συλλογίζομαι (“inferir”, “tirar conclusões”). Escolher uma tradução compatível com essa possibilidade é desejável porque há boas razões para considerar que, nos Primeiros Analíticos, συλλογισμός significa sobretudo um ato de inferir, não um modelo de inferência (ver Crubellier, 2011CRUBELLIER, M. (2011). Du Sullogismos au Syllogisme. Revue Philosophique de la France et de l'Étranger 201, n. 1 (L’Organon d’Aristote), p. 17-36., p. 25-26; Ferreira, 2020FERREIRA, M. (2020). “Συλλογισμός” tem dois significados nos Analíticos?. Dissertatio 52, p. 59-89.). Ora, a palavra “dedução” admite a nuance semântica de que estamos falando; a palavra “silogismo” definitivamente não a admite. 24 24 Podemos dizer, por exemplo, que uma dedução é longa ou que é apressada; no primeiro caso, falamos de um argumento dedutivo, no segundo, do ato de deduzir. Embora alguns intérpretes e tradutores, como Corcoran (1974) e Smith (1989), optem pelo termo “dedução”, suas motivações são distintas das nossas. Eles empregam o termo em sentido bastante preciso, remetendo aos argumentos acrescidos de passos inferenciais justificados, comuns na apresentação dos sistemas dedutivos da Lógica de hoje. Também visam, portanto, a um conjunto de proposições relacionadas de certa maneira, não a um ato de inferir, como propusemos.

Por fim, é preciso indicar que a tradução que aqui apresentamos foi feita a partir da edição crítica de Sir David Ross para a Oxford Classical Texts (ver Ross, 1949ROSS, D. W. (1949). Aristotle's Prior and Posterior Analytics (a revised text with introduction and commentary). Oxford, Clarendon Press. ). Raramente adotamos outra lição que a de Ross; os casos em que assim o fizemos estão indicados em notas de rodapé. 25 25 Em 24b17-18 e 24b29 mantivemos o texto presente nos códices, não suprimindo parte das respectivas sentenças. A justificativa para as demais divergências com a edição crítica de Ross se encontra em Malink, 2008. Para um aparato crítico dos Primeiros Analíticos ampliado, ver Williams, 1984.

Tradução

Capítulo 1

[24a10-11] Antes de mais nada, é preciso dizer sobre o que é este estudo e a que ele concerne: é sobre a demonstração e concerne à ciência demonstrativa. [11-15] Dito isso, é preciso delimitar o que é proposição, o que é termo, o que é dedução, quais são as características daquelas que são perfeitas e daquelas que são imperfeitas; além disso, o que é algo estar ou não estar no todo de algo e o que queremos dizer com ‘predica-se de todo’ e ‘não se predica de nenhum’.

[16-17] Proposição é a enunciação afirmativa ou negativa de algo a respeito de algo. [17] Essa enunciação é ou universal ou particular ou indeterminada. [18-22] Com ‘universal’ quero dizer que se atribui a todo ou a nenhum; com ‘particular’, que se atribui a algum ou não se atribui a algum ou se atribui não a todo; com ‘indeterminado’, que se atribui ou não se atribui, sem universalidade ou particularidade (por exemplo, ‘contrários são objeto de uma mesma ciência’ e ‘prazer não é um bem’).

[22-25] Uma proposição demonstrativa é diferente de uma proposição dialética, porque a demonstrativa é aquela que assume uma das partes da contradição - de fato, quem demonstra não pergunta, assume - ao passo que a proposição dialética é aquela que pergunta as partes da contradição. [25-28] Nenhuma diferença, porém, isso fará para que a dedução de cada um seja obtida: tanto quem demonstra quanto quem pergunta deduzem por terem assumido que algo se atribui ou não se atribui a algo. [28-24b12] Por conseguinte, proposição dedutiva pura e simplesmente é a afirmação ou a negação de algo a respeito de algo conforme cada modo mencionado; 26 26 Em 24a17. demonstrativa, aquela que é verdadeira e contada entre as postulações iniciais; dialética, quando se está inquirindo, aquela que pergunta as partes da contradição e, quando se está deduzindo, aquela que assume o que parece ser o caso e o que é bem reputado, conforme foi dito nos Tópicos. 27 27 Em Top. 1.10 104a3-37.

[12-15] O que é proposição e em que se diferenciam as proposições dedutiva, demonstrativa e dialética será dito com precisão adiante; 28 28 Provavelmente, em APo. 1.2 72a8-25. em relação à presente necessidade, porém, seja-nos suficiente o que por ora foi delimitado.

[16-18] Denomino ‘termo’ aquilo em que uma proposição se decompõe, ou seja, o que se predica e o de que se predica, esteja ‘é’ ou ‘não é’ sendo acrescentado ou separado. 29 29 Mantida a lição dos códices. Embora a interpretação dessa sentença seja controversa desde a antiguidade, ela pode ser satisfatoriamente compreendida sem a intervenção que Ross faz no texto, ao excluir a expressão ἢ διαιρουμένου, “ou sendo separado”. As expressões “é” e “não é” não designam os elementos (ou a matéria) de uma predicação e, portanto, não são termos. Assim, do ponto de vista construtivo ou sintético, essas expressões são acrescentadas aos termos para que uma predicação se forme. Do ponto de vista analítico, por outro lado, elas devem ser separadas do sujeito e do predicado, de modo que se isolem os termos da predicação. É verdade que o verbo διαιρέω, quando na voz passiva, mais frequentemente caracteriza o todo que está sendo submetido à análise (esse todo pode ser, entre outras coisas, deduções e proposições; ver APr. 1.32 47a11-12,37). Às vezes, porém, caracteriza as partes do todo, que estão sendo distinguidas ou separadas umas das outras, como é o caso nessa sentença; ver Pol. 1.5 1254a28-30.

[18-20] Dedução, por sua vez, é a enunciação na qual, com certas coisas já postas, algo diferente delas necessariamente decorre por serem elas as que foram postas. [20-22] Com ‘por serem elas as que foram postas’ quero dizer que decorre devido a elas; com ‘decorre devido a elas’ quero dizer que não é preciso nenhum termo externo para que se obtenha o item necessário. 30 30 Ou seja, o item que decorre necessariamente das coisas já postas.

[22-26] Denomino ‘perfeita’ a dedução que não requer nenhuma coisa além das que foram assumidas para que se faça manifesto o item necessário; ‘imperfeita’, a que requer uma ou mais, as quais são necessárias em razão dos termos predeterminados, 31 31 Ou seja, em razão dos termos que compõem o item necessário, a conclusão da dedução; ver APr. 1.29 45b5,17, APr. 2.15 64b12. A tese a ser provada e seus termos são previamente introduzidos, balizando a busca pelas premissas. mas não foram assumidas com as proposições.

[26-28] Um termo estar no todo de outro é o mesmo que este outro se predicar de todo em relação ao primeiro. [28-30] Empregamos ‘predica-se de todo’ quando, do sujeito, não for possível tomar algo de que o outro termo não seja dito; 32 32 Mantida a lição dos códices. Ross propõe a exclusão da expressão τοῦ ὑποκειμένου, “do sujeito”. Ainda que esse uso da expressão seja singular, destoando do fraseado de Aristóteles nos Analíticos, nada há de errado com o significado da sentença se a expressão for mantida. também desse modo empregamos ‘não se predica de nenhum’. 33 33 Ou seja, emprega-se ‘não se predica de nenhum’ quando, do termo sujeito, não for possível tomar algo de que o outro termo, o predicado, seja dito.

Capítulo 2

[25a1-5] Toda e qualquer proposição se dá ou pelo atribuir ou pelo atribuir necessariamente ou pelo ser possível atribuir e, entre elas, algumas são afirmativas, outras, negativas, conforme cada uma das expressões acrescidas; 34 34 Literalmente, “conforme cada enunciação acrescentadora” (καθ’ ἑκάστην πρόσρησιν). Aristóteles se refere a expressões de natureza verbal (“atribui-se” ou “não se atribui”, “necessariamente se atribui” ou “necessariamente não se atribui”, “possivelmente se atribui” ou “possivelmente não se atribui”). Essas expressões devem ser acrescidas aos termos, de natureza nominal, para que uma predicação seja formada; ver. Int. 16a13-16. além disso, entre as afirmativas e negativas, algumas são universais, outras, particulares, outras, indeterminadas. [5-10] Uma vez que são essas as proposições, a universal privativa necessariamente se converte com relação a seus termos (por exemplo, se nenhum prazer é um bem, nenhum bem é um prazer); a universal positiva, também é necessário que se converta, porém não em uma universal, mas em uma particular (por exemplo, se todo prazer é um bem, é necessário que algum bem seja um prazer). 35 35 Embora tenha iniciado este capítulo expondo todos os tipos de proposição, Aristóteles tratará agora apenas daquelas que se dão pelo atribuir; as que se dão pelo atribuir necessariamente ou pelo ser possível atribuir serão tratadas no próximo capítulo. [10-13] Quanto às proposições particulares, é necessário que a afirmativa se converta em uma particular (se algum prazer é um bem, algum bem é um prazer); a privativa, não é necessário que se converta (não é o caso, se homem não se atribui a algum animal, que também animal não se atribui a algum homem).

[14] Em primeiro lugar, seja a proposição AB privativa universal. [15-17] Assim, se A não se atribui a nenhum dos B, também B não se atribui a nenhum dos A, pois, se B fosse atribuído a algum dos A, por exemplo, a C, não seria verdade que A não se atribui a nenhum dos B, 36 36 Adotada a lição da maior parte dos códices, τῶν Α, “dos A”, e τῶν Β, “dos B”, em detrimento da correção de Ross para τῷ Α, “a A” e τῷ Β, “a B”. pois C seria um dos B.

[17-19] Se A se atribui a todo B, também B se atribui a algum A, pois, se B não se atribuísse a nenhum A, também A não se atribuiria a nenhum B; já está posto, no entanto, que A se atribui a todo B.

[20] O caso é o mesmo se a proposição AB é particular. [20-22] De fato, se A se atribui a algum dos B, é necessário que também B se atribua a algum dos A, pois, se B não fosse atribuído a nenhum dos A, também A não se atribuiria a nenhum dos B. 37 37 Ver a nota 36.

[22-26] No caso, porém, em que A não se atribui a algum dos B, 38 38 Ver a nota 36. não é necessário que também B não se atribua a algum A, por exemplo, se B é ‘animal’ e A é ‘homem’; de fato, homem não se atribui a todo animal, mas animal se atribui a todo homem.

Capítulo 3

[25a27-29] As proposições necessárias se comportam do mesmo modo: 39 39 Isto é, comportam-se do mesmo modo que as proposições que se dão pelo atribuir, apresentadas no capítulo anterior. a privativa universal se converte em uma universal, ao passo que ambas as afirmativas se convertem em uma particular. {29-32} Com efeito, se é necessário que A não se atribua a nenhum B, também é necessário que B não se atribua a nenhum A; de fato, se fosse possível B se atribuir a algum A, também seria possível A se atribuir a algum B. {32-34} E, se A se atribui necessariamente a todo ou a algum B, também é necessário que B se atribua a algum A; de fato, se não fosse necessário B se atribuir a algum A, tampouco A se atribuiria necessariamente a algum B. {34-36} A privativa particular, por sua vez, não se converte e a razão disso é a mesma que mencionamos antes. 40 40 Em 25a22-26.

[37-40] Com respeito às proposições possíveis, considerando que ‘ser possível’ se diz de muitos modos (dizemos ser possível quer o necessário, quer o não necessário, quer o apto41 41 Isto é, aquilo que é apto a ser F e a não ser F, indiferentemente; ver APr. 1.13 32b10-13. ), as afirmativas se comportam todas, quanto à conversão, da mesma maneira. 42 42 Isto é, todas se comportam da mesma maneira que as proposições afirmativas que se dão pelo atribuir. [40-25b3] Com efeito, se é possível A se atribuir a todo ou a algum B, também é possível B se atribuir a algum A; de fato, se a nenhum A fosse possível B se atribuir, também a nenhum B seria possível A se atribuir, conforme se provou anteriormente. 43 43 Em 25a29-32.

[3] Com as proposições negativas não é assim. 44 44 Ou seja, nem todas se comportam da mesma maneira que as proposições negativas que se dão pelo atribuir. [3-7] Comportam-se da mesma maneira aquelas que são ditas possíveis ou por ser necessário atribuir ou por não ser necessário não atribuir, por exemplo, se alguém disser que é possível o homem não ser cavalo ou branco não se atribuir a nenhuma veste. [7-9] Em um destes exemplos, é necessário não atribuir, no outro, não é necessário atribuir; a proposição em questão se converte da mesma maneira. 45 45 A proposição em questão é a privativa universal; ela se converte da mesma maneira que a proposição negativa universal que se dá pelo atribuir. [9-13] Com efeito, se é possível cavalo não se atribuir a nenhum homem, também é admissível homem não se atribuir a nenhum cavalo; se é admissível branco não se atribuir a nenhuma veste, também é admissível veste não se atribuir a nenhum branco (se fosse necessário veste se atribuir a algum branco, também seria necessário branco se atribuir a alguma veste, conforme se provou anteriormente). 46 46 Em 25a32-34. [13-14] A proposição negativa particular também se comporta da mesma maneira. 47 47 Ela se comporta da mesma maneira que a negativa particular que se dá pelo atribuir, ou seja, não se converte.

[14-18] Aquelas que, no entanto, são ditas possíveis porque são o caso no mais das vezes e por natureza - e nossa definição de ‘possível’48 48 Ver APr. 1.13 32a18-20. está em conformidade com o que lhes é característico - não se comportam da mesma maneira quanto às conversões privativas: a proposição privativa universal não se converte, a particular se converte. [18-21] Isso ficará evidente quando nos pronunciarmos acerca do possível; 49 49 Em APr. 1.13. entretanto, que nos fique claro, por ora, ao menos isto, para além do que já foi dito: ‘é possível não se atribuir a nenhum’ e ‘é possível não se atribuir a algum’ possuem forma afirmativa. [21-25] (De fato, ‘é possível’ se posiciona de modo semelhante a ‘é’, 50 50 Aristóteles se refere a listas ou diagramas, elaborados ou construídos a partir de um conjunto de sentenças opostas. Ao fazer parte desse conjunto, uma sentença se posiciona relativamente às demais, e sua posição reflete as relações lógicas que com elas mantém; ver Int. 10 19b26-31. Pois bem, a sentença “X é Y” se opõe às sentenças “X é não-Y” e “X não é Y”, mas somente esta última é sua contraditória, pois a sentença anterior é afirmativa. Do mesmo modo, a sentença “é possível (a X) ser Y” se opõe às sentenças “é possível (a X) não ser Y” e “não é possível (a X) ser Y”, mas somente esta última é sua contraditória, pois a sentença anterior é afirmativa. Assim, “é possível” se dispõe, nesse aspecto, de modo similar a “é”. e ‘é’, ao se predicar como um aditivo, 51 51 Aristóteles se refere ao uso predicativo do verbo “ser”, em que esse verbo é adicionado a outros termos ou expressões para formar o predicado de uma sentença assertiva. Esse uso do verbo contrasta com o uso absoluto, em que o verbo “ser” constitui ele próprio o predicado, dispensando o acréscimo de termos ou expressões. Sobre essa distinção, ver Int. 10 19b10-22, APo. 2.1 89b31-33. faz das coisas de que se predica, sempre e em todos os casos, uma afirmação, por exemplo, ‘é não-bom’ ou ‘é não-branco’ ou, de modo mais abstrato, ‘é não-tal coisa’; também isso será mostrado nas discussões que se seguirão).52 52 Em APr. 1.46. [25] Quanto às conversões, portanto, comportam-se da mesma maneira que as demais proposições. 53 53 Isto é, as proposições privativas desse tipo se comportam como as proposições afirmativas: a universal não se converte em uma universal, mas a particular se converte em uma particular.

Capítulo 4

[25b26-29] Delimitadas essas coisas, digamos agora com que itens, quando e como se obtém cada dedução; a respeito da demonstração, devemos nos pronunciar mais tarde. [29-31] É preciso se pronunciar sobre a dedução antes de fazê-lo a respeito da demonstração porque a dedução é mais universal; de fato, a demonstração é uma dedução, mas nem toda dedução é uma demonstração.

[32-35] Pois bem, quando três termos se dispõem entre si de tal maneira que o último está no todo do médio e o médio ou está ou não está no todo do primeiro, é necessário que haja uma dedução perfeita dos termos extremos. [35-37] Estou denominando ‘médio’ aquele que está ele próprio em outro e outro nele está; vem a ser médio também pela posição. 54 54 O posicionamento dos termos nesta figura é primeiro‒médio‒último ou, conforme terminologia introduzida adiante, maior‒médio‒menor. Estou denominando ‘extremos’ aquele que está ele próprio em outro e aquele em que esse outro está. [37-40] Assim, se A se predica de todo B e B se predica de todo C, é necessário que A se predique de todo C, pois foi dito antes o que entendemos por ‘predica-se de todo’. [40-26a2] O caso é semelhante se A não se predica de nenhum B e B se predica de todo C: A não se atribuirá a nenhum C.

{2-5} Se, no entanto, o primeiro acompanha o todo do médio e o médio não se atribui a nada do último, não haverá dedução dos extremos, pois nada necessário decorre por serem essas as coisas postas. [5-8] Com efeito, é possível o primeiro se atribuir quer ao todo do último quer a nada dele, de modo que nem a atribuição particular nem a atribuição universal vem a ser necessária; ora, se nada é necessário em virtude daquelas coisas, então não há dedução. [8-9] Termos para a atribuição a todo: animal‒homem‒cavalo; termos para a atribuição a nenhum: animal‒homem‒pedra. [9-11] Tampouco haverá dedução quando o primeiro se atribui a nada do médio e o médio se atribui a nada do último. [11-13] Termos para a atribuição: ciência‒linha‒medicina; termos para a não atribuição: ciência‒linha‒unidade.

[13-14] Assim, sendo os termos universais, está claro quando haverá e quando não haverá dedução nesta figura. [14-16] Também está claro que, havendo dedução, é necessário que os termos se correlacionem como dissemos e que, correlacionados desse modo, haverá dedução.

[17-20] Se um dos termos é universal e um é particular em relação ao seu correlato, quando a universalidade, positiva ou privativa, for posta com o extremo maior e a particularidade, positiva, com o menor, necessariamente haverá dedução perfeita; quando a universalidade for posta com o menor ou os termos estiverem correlacionados de outro modo, será impossível haver dedução. [21-23] Com ‘maior’ quero dizer o extremo no qual o médio está; com ‘menor’, aquele que está sob o médio.

[23-25] De fato, atribua-se A a todo B e B a algum C; uma vez que ‘predica-se de todo’ é o que foi dito no início, 55 55 Em 24b28-30. é necessário, portanto, que A se atribua a algum C. [25-28] Por sua vez, se A não se atribui a nenhum B e B se atribui a algum C, é necessário que A não se atribua a algum C, pois também foi definido o que entendemos por ‘não se predica-se de nenhum’, de sorte que haverá dedução perfeita. [28-29] Da mesma maneira se BC for indeterminado,56 56 Aristóteles poderia ter usado o adjetivo em questão no gênero feminino, subentendendo o vocábulo πρότασις, “proposição”; ver 25a14, 28a29, 28b35. O uso do neutro indica que provavelmente o vocábulo διάστημα, “intervalo”, está subentendido; ver 26b21. No entanto, ainda que se trate apenas do uso livre do gênero neutro, sem termo subentendido, a tradução pelo masculino em português será, em qualquer caso, a mais adequada. desde que positivo, porque a dedução será a mesma quer se assuma que BC é indeterminado quer se assuma que é particular.

[30-34] No entanto, se o termo universal, positivo ou privativo, for posto com o extremo menor, não haverá dedução (seja afirmativo, seja negativo o termo que é indeterminado ou particular), por exemplo, se A se atribui ou não se atribui a algum B e B se atribui a todo C. [34-36] Termos para a atribuição: bem‒disposição‒sensatez; termos para a não atribuição: bem‒disposição‒ignorância. [36-38] Por sua vez, se B não se atribui a nenhum C e A se atribui ou não se atribui a algum B (ou se atribui não a todo B), assim também não haverá dedução. [38-39] Termos: branco‒cavalo‒cisne; branco‒cavalo‒corvo. [39] Os mesmos termos se AB for indeterminado.

[39-26b6] Igualmente, não haverá dedução quando vem a ser universal o termo que está com o extremo maior (seja ele positivo, seja ele privativo) e particular privativo o que está com o extremo menor, por exemplo, se A se atribui a todo B e B não se atribui a algum C (ou se atribui não a todo C); pois o primeiro pode acompanhar tanto o todo quanto nada desse algo a que o médio não se atribui. 57 57 Isto é, foi assumido que o médio não se predica de ao menos parte de C, e dessa parte o primeiro pode universalmente se predicar ou não se predicar. [6-10] Nesse sentido, que sejam postos os termos animal‒homem‒branco; em seguida, que se tomem cisne e neve dentre as coisas brancas das quais homem não se predica; em correlação com um, cisne, animal se predica de todo, em correlação com outro, neve, de nenhum, de modo que não haverá dedução. [10-12] Por sua vez, que não se atribua A a nenhum B e que não se atribua B a algum C; que os termos sejam inanimado‒homem‒branco. [12-14] Feito isso, que se tomem cisne e neve dentre as coisas brancas das quais homem não se predica; em correlação com um, neve, inanimado se predica de todo, em correlação com outro, cisne, não se predica de nenhum. [14-20] Ademais, dado que ‘B não se atribui a algum C’ é indeterminada - é verdadeira quer B se atribua a nenhum C, quer B se atribua não a todo C, porque assim B não se atribui a algum C - e considerando que não se obtém uma dedução se os termos forem tomados de tal modo que B não se atribui a nenhum C (isso foi dito antes),58 58 Em 26a2-9. é manifesto que, por estarem os termos assim correlacionados, não haverá dedução, caso contrário também haveria com aqueles.59 59 Isto é, não há dedução se os termos estão correlacionados da maneira enunciada em 26b3-5, caso contrário uma dedução também teria sido obtida quando os termos estavam correlacionados da maneira discutida em 26a2-9. [20-21] Será provado da mesma maneira também se for posto que o universal é privativo. 60 60 Isto é, será provado com base na indeterminação da proposição particular privativa também quando a correlação entre os termos é a enunciada em 26b10-12.

[21-24] Igualmente, se os intervalos são ambos particulares, seja positivamente, seja privativamente, ou se um é dito positivamente e o outro, privativamente, ou se um é indeterminado e o outro, determinado, ou se ambos são indeterminados, de modo algum haverá dedução. [24-25] Termos comuns a todos esses casos: animal‒branco‒cavalo; animal‒branco‒pedra.

[26-28] Assim, a partir do que foi dito é manifesto que nesta figura, se a dedução é particular, é necessário que os termos se correlacionem como dissemos; correlacionados de outro modo, não se obtém, absolutamente, uma dedução. [28-33] Está claro, também, que todas as deduções que nela ocorrem são perfeitas (todas se tornam perfeitas por meio das coisas assumidas de início) e que por esta figura se provam todos os problemas: ‘atribui-se a todo’, ‘não se atribui a nenhum’, ‘atribui-se a algum’ e ‘não se atribui a algum’.

[33] Denomino tal figura ‘primeira’.

Capítulo 5

[26b34-36] Quando um mesmo termo se atribui a outros dois - ou ao todo de um e a nada do outro, ou ao todo ou a nada de ambos - denomino tal figura ‘segunda’. [36-38] Com ‘médio’, nesta figura, quero dizer aquele que se predica de ambos, com ‘extremos’, aqueles dos quais ele, o médio, se diz; com ‘extremo maior’, aquele que está perto do médio, com ‘extremo menor’, aquele que está mais distante. [39] O médio se posiciona fora dos extremos; é o primeiro no que concerne à posição.61 61 O posicionamento dos termos nesta figura é médio‒maior‒menor. [27a1-3] Assim, de nenhum modo haverá dedução perfeita nesta figura, mas haverá dedução apta,62 62 Ou seja, embora as deduções obtidas nesta figura sejam imperfeitas, elas estão aptas a se tornarem perfeitas. sejam os termos universais ou não universais.63 63 Isto é, sejam os termos extremos universais ou não universais em relação ao médio.

[3-5] Se forem universais, haverá dedução quando o médio se atribuir ao todo de um e a nada do outro (seja qual for aquele que está com a privação), caso contrário não haverá dedução. [5-9] Assim, que M não se predique de nenhum N e predique-se de todo X; a proposição privativa se converte, logo N não se atribuirá a nenhum M; já foi posto, porém, que M se atribui a todo X; consequentemente, N não se atribuirá a nenhum X (isso foi provado antes).64 64 Em 25b40-26a2. [9-13] Por sua vez, se M se atribui a todo N e não se atribui a nenhum X, também X não se atribuirá a nenhum N: de fato, se M não se atribui a nenhum X, também X não se atribui a nenhum M; no entanto M já foi atribuído a todo N; logo X não se atribuirá a nenhum N (obteve-se, novamente, a primeira figura). [13-14] Uma vez que a atribuição privativa se converte, também N não se atribuirá a nenhum X, de modo que a dedução é a mesma. [14-15] (Também é possível provar tais coisas conduzindo ao impossível). [15-18] É manifesto, então, que se obtêm deduções quando os termos estão assim correlacionados; não se trata, todavia, de deduções perfeitas: o item necessário se torna perfeito com base não apenas nas coisas inicialmente assumidas, mas também em outras.

[18-19] Não haverá dedução, por sua vez, se M se predicar de todo N e de todo X. [19-20] Termos para a atribuição: substância‒animal‒homem; termos para a não atribuição: substância‒animal‒número; médio: substância. [20-21] Tampouco haverá dedução quando M não se predicar de nenhum N e de nenhum X. [21-23] Termos para a atribuição: linha‒animal‒homem; termos para a não atribuição: linha‒animal‒pedra.

[23-25] Assim, quando os termos são universais, é manifesto que, havendo dedução, os termos necessariamente se correlacionam como inicialmente dissemos; correlacionados de outro modo, não se obtém o item necessário.

[26-32] Se, no entanto, o médio for universal com relação a apenas um dos extremos, quando ele vier a ser universal com relação ao maior (seja positivamente, seja privativamente) e particular com relação ao menor, porém de modo oposto à proposição universal (com ‘oposto’ quero dizer o seguinte: se a proposição universal é privativa, a particular é afirmativa; se a proposição universal é positiva, a particular é privativa), então será necessário que se obtenha uma dedução privativa particular.

[32-33] Assim, se M não se atribui a nenhum N e atribui-se a algum X, é necessário que N não se atribua a algum X. [33-36] De fato, uma vez que a proposição privativa se converte, N não se atribuirá a nenhum M; já foi posto, porém, que M se atribui a algum X; consequentemente, N não se atribuirá a algum X, pois se obtém uma dedução por meio da primeira figura. [36-38] Por sua vez, se M se atribui a todo N e não se atribui a algum X, é necessário que N não se atribua a algum X. [38-27b1] De fato, se N fosse atribuído a todo X, dado que M se predica de todo N, seria necessário que M se atribua a todo X; já foi posto, porém, que M não se atribui a algum X. [1-3] (Se M se atribui a todo N e não a todo X, haverá dedução de que N se atribui não a todo X; a prova é a mesma).

[4-5] Se M se predica de todo X e não de todo N, não haverá dedução. [5-6] Termos: animal‒substância‒corvo; animal‒branco‒corvo. [6] Tampouco haverá dedução quando M não se predicar de nenhum X e se predicar de algum N. [6-8] Termos para a atribuição: animal‒substância‒unidade; para a não atribuição: animal‒substância‒ciência. [9-10] Assim, para os casos em que a proposição universal é oposta à particular, está dito quando haverá e quando não haverá dedução.

[10-12] Quando as proposições possuírem a mesma forma, ou seja, quando ambas forem privativas ou afirmativas, de nenhum modo haverá dedução. [12-15] Primeiramente, sejam privativas as proposições, e seja posta a universalidade com o extremo maior; por exemplo, que M não seja atribuído a nenhum N nem a algum X. [15-16] Ora, é possível que N se atribua a todo X, mas também que não se atribua a nenhum. [16-18] Termos para a não atribuição: preto‒neve‒animal; no que concerne à atribuição a todo, não é possível encontrar termos quando M se atribui a um X, mas a outro não. [18-19] De fato, se N se atribui a todo X e M não se atribui a nenhum N, M não se atribuirá a nenhum X; já foi posto, porém, que M se atribui a algum X. [20-23] Desse modo, não havendo como encontrar termos, é preciso provar com base na indeterminação:65 65 Isto é, com base na indeterminação da proposição ‘M não se atribui a algum X’. dado ser verdade que M não se atribui a algum X também quando não se atribui a nenhum X, é manifesto que, tal como não havia dedução no caso em que se atribuía a nenhum,66 66 Ver 27a20-21. tampouco agora haverá.

[23-25] Por sua vez, sejam positivas as proposições, e seja posta a universalidade da mesma maneira; por exemplo, seja M atribuído a todo N e a algum X.67 67 Isto é, seja a universalidade posta com o extremo maior. [25-26] Ora, é possível que N se atribua a todo X, mas também que não se atribua a nenhum. [26-28] Termos para a atribuição a nenhum: branco‒cisne‒pedra; no que concerne à atribuição a todo, não é possível encontrar termos (a razão é exatamente a mesma de antes), por isso é preciso provar com base na indeterminação.68 68 Isto é, com base na indeterminação da proposição ‘M se atribui a algum X’.

[28-31] Caso a universalidade se dê com o extremo menor e M não seja atribuído a nenhum X nem a algum N, é possível que N se atribua a todo X, mas também que não se atribua a nenhum. [31-32] Termos para a atribuição: branco‒animal‒corvo; para a não atribuição: branco‒pedra‒corvo. [32-34] Caso as proposições sejam positivas, termos para a não atribuição: branco‒animal‒neve; para a atribuição: branco‒animal‒cisne. [34-36] Assim, para os casos em que as proposições possuem a mesma forma e, delas, uma é universal, a outra, particular, é manifesto que de nenhum modo se obtém uma dedução.

[36-38] Igualmente, não se obtém uma dedução quando a algo de um e a algo do outro o médio se atribui ou não se atribui, ou a algo de um se atribui e a algo do outro não, ou se atribui não ao todo de cada um, ou se atribui indeterminadamente. [38] Termos comuns a todos esses casos: branco‒animal‒homem; branco‒animal‒inanimado.

[28a1-3] Assim, a partir do que foi dito é manifesto que, se os termos se relacionam uns com os outros da maneira enunciada, necessariamente se obtém uma dedução e que, se há dedução, é necessário que os termos estejam assim correlacionados. [4-7] Está claro, também, que todas as deduções nesta figura são imperfeitas, pois todas se tornam perfeitas quando se assumem certas coisas em acréscimo (essas coisas ou estão necessariamente implícitas nos termos ou são postas como hipóteses, a exemplo dos casos em que provamos pelo impossível). [7-9] Ademais, está claro que não se obtêm deduções afirmativas nesta figura; todas são privativas, tanto as que são universais quanto as que são particulares.

Capítulo 6

[28a10-12] Se a um mesmo termo dois outros se atribuem - um, ao todo, outro, a nada dele, ou ambos ao todo dele, ou ambos a nada dele - denomino tal figura ‘terceira’. [12-14] Com ‘médio’, nesta figura, quero dizer aquele de que os dois outros se predicam, com ‘extremos’, esses dois que se predicam; com ‘extremo maior’, o que está mais distante do médio, com ‘extremo menor’, o que está mais próximo. [14-15] O médio se posiciona fora dos extremos; é o último no que concerne à posição.69 69 O posicionamento dos termos nesta figura é maior‒menor‒médio. [15-17] Assim, tampouco nesta figura se obtém uma dedução perfeita, mas haverá dedução apta,70 70 Ver a nota 62. sejam os termos universais ou não universais em relação ao médio.

[17-19] Caso os termos sejam universais, quando P e R se atribuem a todo S, haverá dedução: necessariamente P se atribuirá a algum R. [19-22] De fato, uma vez que a atribuição positiva se converte, S se atribuirá a algum R; desse modo, como P se atribui a todo S e S a algum R, é necessário que P se atribua a algum R, pois se obtém uma dedução pela primeira figura. [22-26] Também é possível realizar a prova pelo impossível ou por exposição - dado que ambos os termos se atribuem a todo S, se for tomado algum dos S, por exemplo, N, também se lhe atribuirão P e R, de modo que P se atribuirá a algum R.

[26-28] Quando R se atribui a todo S e P não se atribui a nenhum S, também nesse caso haverá dedução: necessariamente P não se atribuirá a algum R. [28-29] O modo de provar é o mesmo, pela conversão da proposição RS. [29-30] Ademais, pode-se provar pelo impossível, tal como nos casos anteriores.

[30-31] Não haverá dedução, porém, se R não for atribuído a nenhum S e P for atribuído a todo S. [31-33] Termos para a atribuição: animal‒cavalo‒homem; para a não atribuição: animal‒inanimado‒homem. [33-34] Tampouco haverá dedução quando ambos os termos não são ditos de nenhum S. [34-35] Termos para a atribuição: animal‒cavalo‒inanimado; para a não atribuição: homem‒cavalo‒inanimado; médio: inanimado.

[36-37] Assim, também nesta figura é manifesto, nos casos em que os termos são universais, quando haverá e quando não haverá dedução. [37-28b1] Por um lado, quando ambos os termos são positivos, haverá a dedução de que este extremo se atribui a algo deste outro; não haverá quando os termos são privativos. [1-4] Por outro lado, quando um termo é privativo e o outro afirmativo, se o maior vier a ser privativo e o outro, afirmativo, haverá a dedução de que este extremo não se atribui a algo deste outro; não haverá se ocorrer o inverso.

[5-7] Caso um termo seja universal com relação ao médio e o outro, particular, quando ambos são positivos, seja qual for o universal, é necessário que se obtenha uma dedução. [7-9] Assim, se R se atribui a todo S e P se atribui a algum S, é necessário que P se atribua a algum R. [9-11] De fato, uma vez que a atribuição afirmativa se converte, S se atribuirá a algum P; desse modo, como R se atribui a todo S e S se atribui a algum P, também R se atribuirá a algum P; consequentemente, P se atribuirá a algum R. [11-12] Por sua vez, se R se atribui a algum S e P se atribui a todo S, é necessário que P se atribua a algum R. [13-14] O modo de provar é o mesmo. [14-15] Ademais, é possível provar pelo impossível e por exposição, tal como nos casos anteriores.

[15-17] Quando um termo é positivo, o outro, negativo, e o positivo é universal, haverá dedução desde que o menor seja o positivo. [17-19] Assim, se R se atribui a todo S e P não se atribui a algum S, é necessário que P não se atribua a algum R. [19-20] De fato, se P é atribuído a todo R, dado que R se atribui a todo S, também P se atribuirá a todo S; a todo, no entanto, já está dado que não se atribui. [20-21] Isso também é provado sem condução,71 71 Isto é, sem condução ao impossível. desde que se tome algum dos S ao qual P não se atribui. [22-23] Não haverá dedução, porém, se o maior for o positivo, por exemplo, se P se atribui a todo S e R não se atribui a algum S. [23-24] Termos para a atribuição a todo: animado‒homem‒animal. [24-27] No que concerne à atribuição a nenhum, não é possível encontrar termos quando R se atribui a um S, mas a outro não (de fato, se P se atribui a todo S e R se atribui a algum S, também P se atribuirá a algum R; já foi posto, porém, que P não se atribui a nenhum R). [28-31] Em vez disso, é preciso proceder como nos casos anteriores:72 72 Ver 27b20-23 e 27b27-28. uma vez que a proposição ‘não se atribui a algum’ é indeterminada, é verdadeiro dizer que não se atribui a algum também quando não se atribui a nenhum; não havia dedução quando R não se atribuía a nenhum S;73 73 Ver 28a30-31. é manifesto, assim, que não haverá dedução.

[31-33] Por sua vez, se o termo privativo for universal, haverá dedução desde que o maior seja o privativo e o menor, o positivo. [33-34] Assim, se P não se atribui a nenhum S e R se atribui a algum S, P não se atribuirá a algum R. [34-35] De fato, pela conversão da proposição RS novamente haverá a primeira figura. [36] Não haverá dedução, porém, se o menor for o privativo. [36-38] Termos para a atribuição: animal‒homem‒selvagem; para a não atribuição: animal‒ciência‒selvagem; o médio em ambos os casos é ‘selvagem’.

[38-39] Tampouco haverá dedução quando se põe que ambos os termos são privativos, um sendo universal, o outro, particular. [39-29a2] Termos para o caso em que o menor é universal em relação ao médio: animal‒ciência‒selvagem; animal‒homem‒selvagem. [2-3] No caso de o maior ser universal, termos para a não atribuição: corvo‒neve‒branco. [3-6] No que concerne à atribuição, não é possível encontrar termos quando R se atribui a um S, mas a outro não (de fato, se P se atribui a todo R e R se atribui a algum S, também P se atribui a algum S; já foi posto, porém, que P não se atribui a nenhum S). [6] Em vez disso, é preciso provar com base na indeterminação.74 74 Isto é, com base na indeterminação da proposição ‘R não se atribui a algum S’.

[6-9] Igualmente, não haverá dedução em nenhum destes casos: quando os dois termos se atribuem ou não se atribuem a algo do médio, ou um se atribui e o outro não se atribui a algo dele, ou um se atribui a algo dele e o outro não se atribui ao todo dele, ou os dois se lhe atribuem indeterminadamente. [9-10] Termos comuns a todos os casos: animal‒homem‒branco; animal‒inanimado‒branco.

[11-14] Assim, é manifesto quando haverá e quando não haverá dedução nesta figura; também é manifesto que, correlacionados os termos da maneira enunciada, necessariamente se obtém uma dedução e que, se há dedução, é necessário que os termos se correlacionem da maneira enunciada. [14-18] É manifesto, além disso, que todas as deduções nesta figura são imperfeitas (pois todas se tornam perfeitas quando se assumem certas coisas em acréscimo) e que não será possível deduzir uma atribuição universal, seja privativa, seja afirmativa, por meio desta figura.

Capítulo 7

[29a19-24] Está claro, assim, que em todas as figuras, quando não se obtém uma dedução,75 75 Mais precisamente, quando não se obtém uma dedução do extremo maior com relação ao menor. absolutamente nada necessário é obtido, se ambos os termos são positivos ou privativos; no entanto, se um termo é positivo e o outro, privativo, desde que se assuma que o privativo é universal, sempre se obtém uma dedução do extremo menor com relação ao maior, por exemplo, se A se atribui a todo ou a algum B e B não se atribui a nenhum C. [24-26] De fato, convertendo essas proposições, é necessário que C não se atribua a algum A. [26-27] O caso é semelhante com as demais figuras, pois sempre se obtém uma dedução por meio da conversão.

[27-29] Também está claro que, em todas as figuras, colocar uma proposição indeterminada no lugar de uma proposição positiva particular produzirá a mesma dedução.

[30-31] É manifesto, ademais, que todas as deduções imperfeitas se tornam perfeitas por meio da primeira figura. [31-33] De fato, quer ostensivamente quer pelo impossível todas se mostram concludentes, e de ambos os modos obtém-se a primeira figura. [33-34] É assim com as que se tornam perfeitas ostensivamente porque, como vimos, todas se mostravam concludentes por meio da conversão, e a conversão produz a primeira figura. [35-39] Também é assim com as que se provavam pelo impossível porque, ao se assumir o falso, obtém-se uma dedução por meio da primeira figura. Por exemplo, na última figura, se A e B se atribuem a todo C, então A se atribui a algum B,pois, se A não é atribuído a nenhum B, como B se atribui a todo C, A não se atribui a nenhum C; porém, A já foi atribuído a todo C (os demais casos são semelhantes).

[29b1-2] É possível, além disso, reduzir todas as deduções às deduções universais da primeira figura. [2-6] Como é manifesto, as da segunda figura se tornam perfeitas por meio delas, ainda que nem todas do mesmo modo: as universais se tornam perfeitas pela conversão da proposição privativa, as particulares, ambas por condução ao impossível.

[6-8] As deduções particulares da primeira figura, por sua vez, tornam-se perfeitas por si mesmas, mas também é possível prová-las via segunda figura, por condução ao impossível. [8-11] Por exemplo, a dedução de que A se atribui a algum C quando A se atribui a todo B e B se atribui a algum C; de fato, se A não for atribuído a nenhum C, e A se atribui a todo B, B não se atribuirá a nenhum C, o que sabemos pela segunda figura. [11-15] A prova concernente à dedução privativa procede da mesma maneira: quando A não se atribui a nenhum B e B se atribui a algum C, A não se atribuirá a algum C porque, se A for atribuído a todo C, e A não se atribui a nenhum B, B não se atribuirá a nenhum C, o que consiste, como vimos, na figura do meio. [15-19] Por conseguinte, dado que todas as deduções da figura do meio se reduzem às deduções universais da primeira figura e que as particulares da primeira se reduzem às da figura do meio, é manifesto que até mesmo essas deduções particulares serão reduzidas às deduções universais da primeira figura.

[19-22] Por fim, no que concerne às deduções da terceira figura, sendo seus termos universais, tornam-se perfeitas diretamente por meio daquelas deduções, as universais da primeira figura, ao passo que, quando termos particulares são assumidos, tornam-se perfeitas por meio das deduções da primeira figura que são particulares. [22-24] Ora, estas deduções foram reduzidas àquelas, portanto também o são as deduções particulares da terceira figura. [24-25] É manifesto, assim, que todas as deduções serão reduzidas às deduções universais da primeira figura.

[26-28] Está dito, portanto, como se relacionam as deduções que provam que algo se atribui ou não se atribui - como as de mesma figura se relacionam entre elas mesmas e como as de figuras distintas se relacionam umas com as outras.

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  • WILLIAMS, M. F. (1984). Studies in the Manuscript Tradition of Aristotle’s Analytica Königstein, Verlag Anton Hain.
  • 1
    Para uma defesa da tese de que, com esse tratado, Aristóteles funda a disciplina que hoje conhecemos por Lógica, ver Corcoran, 1974CORCORAN, J. (1974). Aristotle’s Natural Deduction System. In: CORCORAN, J. (ed.) Ancient Logic and its Modern Interpretation. Dordrecht/Boston, D. Reidel Publishing Company, p. 85-131.; Malink, 2015MALINK, M. (2015). The Beginnings of Formal Logic: Deduction in Aristotle’s Topics vs. Prior Analytics. Phronesis 60, p. 267-309..
  • 2
    Diversas críticas podem ser feitas a essa tradução. Diante do estilo elíptico de um texto como o de Aristóteles, é aceitável que o tradutor opte por paráfrases em certos momentos, mas as escolhas de Pinharanda Gomes introduzem dificuldades desnecessárias. Para exemplificar, Aristóteles introduz a primeira figura desta maneira: “se, no entanto, o primeiro acompanha o todo do médio e o médio não se atribui a nada do último, não haverá dedução dos extremos” (26a2-4); por sua vez, o mesmo trecho consta da tradução de Pinharanda Gomes do seguinte modo: “se o termo maior se predica do médio universal, mas se o médio não se diz do menor em acepção universal, não haverá silogismo de extremos”. Não há por que introduzir no texto uma palavra enganadora como “acepção”; também é injustificável a permuta da terminologia primeiro/médio/último pela terminologia maior/médio/menor, que somente aparecerá linhas adiante. Essa falta de cuidado com a terminologia se repete quando o tradutor verte ἐνδέχομαι por “ser contingente” em vez de “ser possível”. Ora, Aristóteles claramente atesta que há uma acepção do termo grego que se aplica a algo necessário. Pois bem, há algum sentido em dizer que algo necessário é possível, mas dificilmente em dizer que é contingente.
  • 3
    Aristóteles emprega expressões modais adjetivando a conclusão com intuito de mostrar que ela é consequência lógica das premissas, mas esse uso não se confunde com aquele pelo qual ele modaliza a relação predicativa encontrada na conclusão. Em outras palavras, o fato de Aristóteles tomar a conclusão como o resultado necessário da aceitação das premissas não quer dizer que a conclusão precisa ser uma proposição em si mesma modalmente necessária; cf. 30b31-40, 46b10-11; ver Patzig, 1968PATZIG, G. (1968). Aristotle’s Theory of the Syllogism: a logico-philological study of Book A of the Prior Analytics. Translated from the German By Jonathan Barnes. Dordrecht, D. Reider Publishing Company. , p. 16-21.
  • 4
    Isto é, asseverações de que dois termos P e S mantêm ou não mantêm uma relação de predicação entre si. Essa relação pode ser quantificada - P se predica de todo S, P não se predica de nenhum S, P se predica de algum S e P não se predica de algum S - ou não quantificada - P se predica de S e P não se predica de S.
  • 5
    Para um profícuo uso desse conceito na interpretação dos Analíticos em seu todo, ver Crager, 2015CRAGER, A. D. (2015). Meta-Logic in Aristotle’s Epistemology. Dissertation. Princeton University.. Não coincidentemente, Crager (2015, p. 19-20) também reconhece que deduções silogísticas devem satisfazer os quatro critérios apresentados.
  • 6
    No meio desses extremos está a configuração em que nenhuma daquelas relações é o caso, porque entre os dois termos ocorre simultaneamente uma relação particular afirmativa e particular privativa.
  • 7
    Aqui reside a diferença entre o método de Aristóteles e o tradicional método de rejeição por contraexemplo, em que se apresenta uma interpretação para as letras esquemáticas que torna as premissas verdadeiras e a conclusão falsa. Aristóteles não está avaliando a validade ou invalidade de um argumento em especial, mas a capacidade de um par de premissas produzir argumentos válidos.
  • 8
    Outro método, derivado deste, é empregado por Aristóteles quando o par de premissas é tal que, contendo uma premissa particular, as tríades de termos que a tornam verdadeira não são capazes de, em acréscimo, tornar verdadeira a proposição particular que lhe é oposta (ou seja, tomado como premissa que A se predica de algum B, as tríades não são capazes de tornar também verdadeiro que A não se predica de algum B; ou vice-versa). As razões para Aristóteles procurar tríades de termos com essa característica quando se trata de premissas particulares não são claras, mas ao menos a impossibilidade da aplicação do método das instâncias contrastadas nesse caso é manifesta. Pois, devido àquela característica, as tríades de termos precisam tornar verdadeiras não três, mas quatro proposições: as proposições inicialmente assumidas (ou seja, as premissas), a proposição universal formada a partir da determinação de uma relação predicativa entre os termos extremos (ou seja, a pretensa conclusão) e a proposição particular oposta à premissa particular. Ora, para certas configurações das premissas, isso é impossível, uma vez que o conjunto consistente formado pelas três primeiras proposições torna-se inconsistente com a adição da última. Pois bem: quando isso ocorre, Aristóteles abandona a aplicação do método das instâncias contrastadas ao par de premissas sob escrutínio e se apoia em uma aplicação indireta do mesmo método. Ele o aplica ao par de premissas que possui uma premissa universal de mesma qualidade (ser afirmativa ou negativa) no lugar da premissa particular, mantidos os mesmos termos. Seu raciocínio é o seguinte: se o par de premissas misto (uma universal, outra particular) é silogisticamente concludente, então também o par exclusivamente com premissas universais é silogisticamente concludente; o par exclusivamente com premissas universais não é silogisticamente concludente, conforme é mostrado pelo método das instâncias contrastadas; logo o par de premissas misto (uma universal, outra particular) não é silogisticamente concludente.
  • 9
    Ou seja, a verificação de todas as tríades de termos é uma condição necessária para assegurar que um par de premissas é silogisticamente concludente. Não é claro se Aristóteles também julgava ser tal verificação uma condição suficiente. É comum que filósofos e lógicos contemporâneos respondam a essa indagação afirmativamente, atribuindo a Aristóteles uma concepção de consequência lógica construída a partir dos efeitos da variabilidade de termos diante de esquemas de dedução; ver Dutilh Novaes, 2011; Sainsbury, 2020SAINSBURY, M. (2020). Varieties of Logical Form. Disputatio 12, n. 58, p. 223-250.. O estoque de termos com os quais Aristóteles operaria não seria outro que o da língua grega, precisamente a linguagem com a qual ele formulava tais esquemas. Para uma visão cética quanto à tentativa de atribuir a Aristóteles uma dimensão semântica de análise das deduções silogísticas em detrimento de uma dimensão dedutiva, ver Lear, 1980LEAR, J. (1980). Aristotle and Logical Theory. Cambridge, Cambridge University Press.. De uma maneira ou outra, uma resposta satisfatória à indagação feita depende da avaliação do papel dos termos - que são entidades linguísticas - na definição de dedução silogística. Para uma análise favorável a essas entidades e mais focada na estrutura sintática das proposições categóricas, ver Malink, 2014MALINK, M. (2014). Deduction in Sophistici Elenchi 6. In: LEE, M.K. (ed.) Strategies of Argument: Essays in Ancient Ethics, Epistemology and Logic. Oxford, Oxford University Press, p. 149-174.; para uma análise em contrário, que toma o significado das proposições categóricas como mais básico que sua estrutura sintática, ver Morison, 2012MORISON, B. (2012). What was Aristotle’s Concept of Logical Form? In: MORISON, B.; IERODIAKONU, K. (eds.). Episteme, etc.: Essays in Honour of Jonathan Barnes. Oxford, Oxford University Press , p. 172-188..
  • 10
    Aristóteles chamava seu método para prova indireta de “condução ao impossível” (ἡ ἀπαγωγή εἰς τὸ ἀδύνατον; cf. 29b5-6). Além das regras de conversão e de prova indireta, Aristóteles também empregava a exposição (ἤκθεσις). Trata-se de um método de prova em que primeiro se mostra que certa propriedade vale para dado item ou objeto e, em seguida, infere-se que essa propriedade vale para todo item ou objeto com as mesmas características, uma vez que aquele item ou objeto foi arbitrariamente selecionado. Na Geometria, os itens ou objetos selecionados são construções ou figuras geométricas; na silogística de Aristóteles, são termos. Os termos expostos mantêm relações predicativas com os termos já presentes nas premissas, e é a análise dessas relações predicativas que será crucial para mostrar que entre os termos extremos necessariamente se instaura certa relação predicativa, assegurando, portanto, que há uma dedução silogística; ver Malink, 2008MALINK, M. (2008). TWN vs. TWI in Prior Analytics I.1-22. Classical Quarterly 58, n. 2, p. 519-536..
  • 11
    Trata-se, respectivamente, da dedução de que A se predica de todo C a partir das premissas de que A se predica de todo B e B se predica de todo C; da dedução de que A não se predica de nenhum C a partir das premissas de que A não se predica de nenhum B e B se predica de todo C; da dedução de que A se predica de algum C a partir das premissas de que A se predica de todo B e B se predica de algum C; por fim, da dedução de que A não se predica de algum C a partir das premissas de que A não se predica de nenhum B e B se predica de algum C. Os nomes pelos quais os silogismos passaram a ser conhecidos (Barbara, Celarent, Darii, Ferio etc.) resultam de um sistema mnemônico desenvolvido ao longo do período medieval. As letras a partir das quais cada nome é composto indicam a qualidade (afirmativa ou negativa) e a quantidade (universal ou particular) de cada proposição, bem como os métodos de prova da validade de cada silogismo. O mais antigo registro que temos desse sistema aparece na obra Introductiones in Logicam, de Guilherme de Sherwood, datada do século XIII; ver Kretzmann, 1966KRETZMANN, N. William of Sherwood’s Introduction to Logic (translation, introduction and notes). Minneapolis, University of Minnesota Press, 1966., p. 66-68. Para maiores detalhes sobre esse sistema mnemônico, ver Bocheński, 1968BOCHEŃSKI, I. M. (1968). Historia de la Lógica Formal. Madrid, Editorial Gredos. Edición Española de Millán Bravo Lozano., p. 222-227.
  • 12
    Kneale & Kneale (1962KNEALE, W.; KNEALE, M. (1962). The Development of Logic. Oxford, Clarendon Press. , p. 79-80), por exemplo, rebatem rispidamente a pretensão de que o fundamento para a silogística não resida nos silogismos perfeitos: “aqueles que ignoram sua [sc. de Aristóteles] doutrina da redução, mas insistem em pedir por um princípio único do raciocínio silogístico, não parecem ter uma ideia clara do que querem”.
  • 13
    Aristóteles de fato parece se referir ao dictum como sendo uma definição (cf. 25b39-40, 26a27-28); ele emprega o vocábulo explicitamente quando se refere a versões modais do dictum (cf. 32b41, 33a24-25). Entretanto, pode haver certa ambiguidade nesse ponto, pois o emprego desse vocábulo ou expressões correlatas não garante automaticamente que o entendimento sobre os componentes da silogística foram afetados. Definições estabelecem regras sobre como usar um termo, estejam tais regras de uso sendo estipuladas ou estejam já presentes na linguagem empregada na construção do sistema dedutivo. Se com o termo “definição” designam-se exatamente tais regras de uso, então definições não são propriamente enunciados assertivos, sujeitos à verdade ou à falsidade (cf. Int. 5 17a11-12; ver Salmon, 1973SALMON, W. (1973). Logic. Englewood Cliffs, Prentice-Hall., p. 122-123). Por outro lado, uma vez estabelecido o significado do termo definiendum, definições deveras funcionam como entidades linguísticas por meio das quais um conteúdo é asserido; nesse sentido, “definição” designa um enunciado em que é asserida a equivalência lógica entre definiendum e definiens. Se considerado o primeiro sentido do termo, o dictum consistiria apenas em uma explicitação do significado das relações predicativas universais, sem qualquer efeito automático sobre os componentes dedutivos da silogística.
  • 14
    Essa versão do dictum é um pouco diferente daquela de Malink (2009MALINK, M. (2009). A Non-Extensional Notion of Conversion in the Organon. Oxford Studies in Ancient Philosophy XXXVII, p. 105-141., p. 117), por considerar que o valor semântico de “S” consiste necessariamente em uma totalidade ou multiplicidade de itens; a de Malink é neutra a esse respeito.
  • 15
    Para exemplificar, apresentemos duas: (i) o que significa λόγος nessa definição e (ii) a que a expressão τῶν ὑποκειμένων ὅρων se refere? Sobre (i), é possível que a palavra λόγος signifique enunciado ou argumento. Uma vez que enunciados - diferentemente de argumentos - são compostos de partes significativas que não podem ser nem verdadeiras nem falsas (Int. 4 16b26-28), em princípio silogismos somente poderiam ser chamados λόγοι por ser argumentos. É preciso notar, todavia, que Aristóteles reconhece que tanto definições quanto demonstrações são λόγοι (cf. de An. 1.3 407a25-26); ora, demonstrações, não há dúvidas, são um tipo de dedução silogística (cf. 25b29-31) e poderiam em princípio ser argumentos, mas definições estão mais próximas de enunciados do que de argumentos (cf. Int. 5 17a11-12). Um caminho para resolver esse impasse é o seguinte: embora lidar com συλλογισμός seja lidar com um argumento, συλλογισμός não significa exatamente um argumento, porque não significa um modelo de inferência, mas antes a enunciação de uma proposição - a conclusão - uma vez já assumidas no discurso outras proposições - as premissas; ver Crubellier, 2014CRUBELLIER, M. (2014). Aristote. Premiers Analytiques (traduction, introduction, notes, commentaire et bibliographie). Paris, GF Flamarion., p. 14-15. Essa é a razão para Crubellier traduzir λόγος nem por “enunciado” nem por “argumento”, mas por “discurso”; preferimos “enunciação”. Sobre (ii), a interpretação hegemônica entende que, com a expressão διὰ τῶν ὑποκειμένων ὅρων, Aristóteles se refere aos termos das premissas em suas respectivas relações predicativas; logo, às próprias premissas. De fato, Aristóteles muitas vezes se refere às premissas metonimicamente, falando de seus termos; ele também emprega o verbo ὑποτίθημι para expressar que uma proposição já foi assumida como premissa. É, todavia, notório que a expressão ὑποκείμενοι ὅροι é empregada nos Primeiros Analíticos com uma função quase técnica, designando os termos extremos; cf. 45b5, 45b17, 64b12. Esses termos são aqueles que compõem a tese, que é o alvo da argumentação (cf. 42a40, Top. 8.1 156a13, 156b5), seja como objeto de prova (quando a conclusão do silogismo consiste na própria tese) ou de refutação (quando a conclusão do silogismo consiste em uma proposição incompatível com a tese). Em um caso ou em outro, portanto, trata-se dos termos da conclusão; ver Angioni, no prelo.
  • 16
    Na realidade, ao assumir que a prova demanda uma regra - o dictum de omni et nullo - Morison (2015MORISON, B. (2015). What is a Perfect Syllogism? In: INWOOD, B. (ed.). Oxford Studies in Ancient Philosophy XLVIII, p. 107-166., p. 141-142) percebe que está em vias de reconhecer que se exige algo além das premissas. Como não considera o dictum um enunciado definitório estritamente, ele precisa de uma saída para não confrontar a letra do texto. Então artificialmente, ao que nos parece, atribui um papel constitutivo ao dictum a despeito de ele não ser um enunciado definitório: ele consistiria em uma regra capaz de dizer o significado das constantes lógicas envolvidas - no presente caso, o significado das relações predicativas categóricas universais.
  • 17
    Morison (2015MORISON, B. (2015). What is a Perfect Syllogism? In: INWOOD, B. (ed.). Oxford Studies in Ancient Philosophy XLVIII, p. 107-166., p. 113, n. 17) reconhece essa possibilidade de leitura, além da anterior, mas não toma partido na discussão, por julgá-la indiferente à sua interpretação da doutrina da perfeição silogística. Para uma proposta alternativa de interpretação da expressão, ver Angioni, no prelo.
  • 18
    Consequentemente, não se está a exigir que a conclusão seja modalmente necessária; cf. nota 3 acima.
  • 19
    O uso da forma verbal φανῆναι em contextos como esse não é estranho à língua grega; cf. Cra. 422a4; Grg. 456c1. Sobre o uso de vocábulos semanticamente correlatos ao verbo φαῖνομαι em contextos que envolvem o processo de análise, cf. Ph. 1.1 184a21-23 e Metaph. 9.9 1051a21-24; ver, também, Lesher, 2010LESHER, J. H. (2010). Saphêneia in Aristotle:‘Clarity’, ‘Precision’, and ‘Knowledge’. Apeiron 43, n. 4, p. 143-156.. Sobre a correta interpretação de Metaph. 9.9 1051a21-24, ver Iwata, 2021IWATA, N. (2021). Aristotle on Geometrical Potentialities. Journal of the History of Philosophy 59, n. 3, p. 371-397..
  • 20
    Que a conclusão seja tomada como uma reunião de partes ou componentes é plenamente compatível com a visão de Aristóteles de que o vínculo predicativo entre dois termos constitui um intervalo (διάστημα); cf. 26b21, APr. 42b9, APo. 82b7; ver também Malink, 2017MALINK, M. (2017). Aristotle on Principles as Elements. Oxford Studies in Ancient Philosophy 53, p. 163-213.. Esse vocábulo e outros, como é sabido, Aristóteles tomou emprestado da teoria das proporções de sua época; ver Einarson, 1936EINARSON, B. (1936). On Certain Mathematical Terms in Aristotle's Logic. Part II. The American Journal of Philology 57, n. 2, p. 151-172.. Para o vínculo entre partes e quantidades ou magnitudes, ver Metaph. 5.25 1023b12-17. A noção aristotélica de magnitude ou quantidade é bastante abstrata, de sorte que sua aplicação a relações predicativas não consiste em um expediente artificial.
  • 21
    Boécio (Migne 1847MIGNE, J-P. (1847). Manlii Severini Boetii Opera Omnia. Paris, J.-P. Migne.), Waitz (1844WAITZ, T. (1844). Aristotelis Organon Graece (novis codicum auxiliis adiutus recognovit, scholiis ineditis et commentario instruxit). Lipsiae, Sumpitbus Hahnii.), Sanmartín (1988SANMARTÍN, M. C. (1988). Aristóteles. Tratados de Lógica (Órganon) II (introducciones, traducciones y notas). Madrid, Gredos Editorial.) e Barnes (1993BARNES, J. (1993). Aristotle. Posterior Analytics (translated with a commentary). 2nd ed. Oxford, Clarendon Press. Clarendon Aristotle Series.) decidem-se pela primeira opção; Ross (1949ROSS, D. W. (1949). Aristotle's Prior and Posterior Analytics (a revised text with introduction and commentary). Oxford, Clarendon Press. ), Smith (1989SMITH, R. (1989). Aristotle. Prior Analytics (translated with introduction, notes and commentary). Indianapolis;Cambridge, Hackett Pub. Co.), Striker (2009STRIKER, G. (2009). Aristotle. Prior Analytics, Book I (translated with an introduction and commentary). Oxford, Clarendon Press. ) e Crubellier (2014CRUBELLIER, M. (2014). Aristote. Premiers Analytiques (traduction, introduction, notes, commentaire et bibliographie). Paris, GF Flamarion.), pela segunda. Mignucci (1988MIGNUCCI, M. (1988). Aristotele. Gli Analitici Primi (traduzione, introduzione e commento). Napoli, Luigi Loffredo Editore.) opta pela criação do neologismo protasi a partir de transliteração do termo original. Essa decisão é radical, pois não parece se tratar de um caso em que os contornos do conceito a ser traduzido são tão intrincados que a transliteração, excepcionalmente, passa a ser aceitável.
  • 22
    A definição oferecida por Aristóteles para πρότασις em 24a16-17 é “enunciação afirmativa ou negativa de algo a respeito de algo”. Ela é semelhante à oferecida para ἀπόφανσις, “asserção”, no De Interpretatione; cf. Int. 5 17a20-24. Curiosamente, este termo não aparece nos Primeiros Analíticos. Por outro lado, πρότασις aparece no De Interpretatione somente no capítulo 11 (em 20b23-24), e não se refere a um enunciado assertivo qualquer, mas àquele que é introduzido em um contexto dialético por meio de uma questão e que precisa ser endossado pelo respondedor; ver Ackrill, 1963ACKRILL, J. (1963). Aristotle. Categories and De Interpretatione (translated with notes and glossary). Oxford, Clarendon Press. , p. 57. Julgamos que um entendimento correto dos adjetivos “afirmativo” e “negativo” em 24a16-17 concilia a definição de πρότασις dos Primeiros Analíticos com o uso desse termo no De Interpretatione. Há um sentido relevante segundo o qual as premissas, mas não a conclusão, são afirmativas ou negativas: somente elas são asseridas pelo interlocutor. Assim, as proposições (προτάσεις) são as enunciações pelas quais o interlocutor afirma ou nega conteúdos categóricos.
  • 23
    Escolhem algo equivalente a “silogismo” e “silogizar”, em suas respectivas línguas, Boécio (Migne 1847MIGNE, J-P. (1847). Manlii Severini Boetii Opera Omnia. Paris, J.-P. Migne.) e Mignucci (1988MIGNUCCI, M. (1988). Aristotele. Gli Analitici Primi (traduzione, introduzione e commento). Napoli, Luigi Loffredo Editore.); a “dedução” e “deduzir”, Smith (1989SMITH, R. (1989). Aristotle. Prior Analytics (translated with introduction, notes and commentary). Indianapolis;Cambridge, Hackett Pub. Co.) e Crubellier (2014CRUBELLIER, M. (2014). Aristote. Premiers Analytiques (traduction, introduction, notes, commentaire et bibliographie). Paris, GF Flamarion.); a “raciocínio” e “raciocinar”, Sanmartín (1988SANMARTÍN, M. C. (1988). Aristóteles. Tratados de Lógica (Órganon) II (introducciones, traducciones y notas). Madrid, Gredos Editorial.). Striker (2009STRIKER, G. (2009). Aristotle. Prior Analytics, Book I (translated with an introduction and commentary). Oxford, Clarendon Press. ) escolhe “silogismo”, mas não o verbo correspondente; ela opta por “deduzir”.
  • 24
    Podemos dizer, por exemplo, que uma dedução é longa ou que é apressada; no primeiro caso, falamos de um argumento dedutivo, no segundo, do ato de deduzir. Embora alguns intérpretes e tradutores, como Corcoran (1974CORCORAN, J. (1974). Aristotle’s Natural Deduction System. In: CORCORAN, J. (ed.) Ancient Logic and its Modern Interpretation. Dordrecht/Boston, D. Reidel Publishing Company, p. 85-131.) e Smith (1989SMITH, R. (1989). Aristotle. Prior Analytics (translated with introduction, notes and commentary). Indianapolis;Cambridge, Hackett Pub. Co.), optem pelo termo “dedução”, suas motivações são distintas das nossas. Eles empregam o termo em sentido bastante preciso, remetendo aos argumentos acrescidos de passos inferenciais justificados, comuns na apresentação dos sistemas dedutivos da Lógica de hoje. Também visam, portanto, a um conjunto de proposições relacionadas de certa maneira, não a um ato de inferir, como propusemos.
  • 25
    Em 24b17-18 e 24b29 mantivemos o texto presente nos códices, não suprimindo parte das respectivas sentenças. A justificativa para as demais divergências com a edição crítica de Ross se encontra em Malink, 2008MALINK, M. (2008). TWN vs. TWI in Prior Analytics I.1-22. Classical Quarterly 58, n. 2, p. 519-536.. Para um aparato crítico dos Primeiros Analíticos ampliado, ver Williams, 1984WILLIAMS, M. F. (1984). Studies in the Manuscript Tradition of Aristotle’s Analytica. Königstein, Verlag Anton Hain..
  • 26
    Em 24a17.
  • 27
    Em Top. 1.10 104a3-37.
  • 28
    Provavelmente, em APo. 1.2 72a8-25.
  • 29
    Mantida a lição dos códices. Embora a interpretação dessa sentença seja controversa desde a antiguidade, ela pode ser satisfatoriamente compreendida sem a intervenção que Ross faz no texto, ao excluir a expressão ἢ διαιρουμένου, “ou sendo separado”. As expressões “é” e “não é” não designam os elementos (ou a matéria) de uma predicação e, portanto, não são termos. Assim, do ponto de vista construtivo ou sintético, essas expressões são acrescentadas aos termos para que uma predicação se forme. Do ponto de vista analítico, por outro lado, elas devem ser separadas do sujeito e do predicado, de modo que se isolem os termos da predicação. É verdade que o verbo διαιρέω, quando na voz passiva, mais frequentemente caracteriza o todo que está sendo submetido à análise (esse todo pode ser, entre outras coisas, deduções e proposições; ver APr. 1.32 47a11-12,37). Às vezes, porém, caracteriza as partes do todo, que estão sendo distinguidas ou separadas umas das outras, como é o caso nessa sentença; ver Pol. 1.5 1254a28-30.
  • 30
    Ou seja, o item que decorre necessariamente das coisas já postas.
  • 31
    Ou seja, em razão dos termos que compõem o item necessário, a conclusão da dedução; ver APr. 1.29 45b5,17, APr. 2.15 64b12. A tese a ser provada e seus termos são previamente introduzidos, balizando a busca pelas premissas.
  • 32
    Mantida a lição dos códices. Ross propõe a exclusão da expressão τοῦ ὑποκειμένου, “do sujeito”. Ainda que esse uso da expressão seja singular, destoando do fraseado de Aristóteles nos Analíticos, nada há de errado com o significado da sentença se a expressão for mantida.
  • 33
    Ou seja, emprega-se ‘não se predica de nenhum’ quando, do termo sujeito, não for possível tomar algo de que o outro termo, o predicado, seja dito.
  • 34
    Literalmente, “conforme cada enunciação acrescentadora” (καθ’ ἑκάστην πρόσρησιν). Aristóteles se refere a expressões de natureza verbal (“atribui-se” ou “não se atribui”, “necessariamente se atribui” ou “necessariamente não se atribui”, “possivelmente se atribui” ou “possivelmente não se atribui”). Essas expressões devem ser acrescidas aos termos, de natureza nominal, para que uma predicação seja formada; ver. Int. 16a13-16.
  • 35
    Embora tenha iniciado este capítulo expondo todos os tipos de proposição, Aristóteles tratará agora apenas daquelas que se dão pelo atribuir; as que se dão pelo atribuir necessariamente ou pelo ser possível atribuir serão tratadas no próximo capítulo.
  • 36
    Adotada a lição da maior parte dos códices, τῶν Α, “dos A”, e τῶν Β, “dos B”, em detrimento da correção de Ross para τῷ Α, “a A” e τῷ Β, “a B”.
  • 37
    Ver a nota 36.
  • 38
    Ver a nota 36.
  • 39
    Isto é, comportam-se do mesmo modo que as proposições que se dão pelo atribuir, apresentadas no capítulo anterior.
  • 40
    Em 25a22-26.
  • 41
    Isto é, aquilo que é apto a ser F e a não ser F, indiferentemente; ver APr. 1.13 32b10-13.
  • 42
    Isto é, todas se comportam da mesma maneira que as proposições afirmativas que se dão pelo atribuir.
  • 43
    Em 25a29-32.
  • 44
    Ou seja, nem todas se comportam da mesma maneira que as proposições negativas que se dão pelo atribuir.
  • 45
    A proposição em questão é a privativa universal; ela se converte da mesma maneira que a proposição negativa universal que se dá pelo atribuir.
  • 46
    Em 25a32-34.
  • 47
    Ela se comporta da mesma maneira que a negativa particular que se dá pelo atribuir, ou seja, não se converte.
  • 48
    Ver APr. 1.13 32a18-20.
  • 49
    Em APr. 1.13.
  • 50
    Aristóteles se refere a listas ou diagramas, elaborados ou construídos a partir de um conjunto de sentenças opostas. Ao fazer parte desse conjunto, uma sentença se posiciona relativamente às demais, e sua posição reflete as relações lógicas que com elas mantém; ver Int. 10 19b26-31. Pois bem, a sentença “X é Y” se opõe às sentenças “X é não-Y” e “X não é Y”, mas somente esta última é sua contraditória, pois a sentença anterior é afirmativa. Do mesmo modo, a sentença “é possível (a X) ser Y” se opõe às sentenças “é possível (a X) não ser Y” e “não é possível (a X) ser Y”, mas somente esta última é sua contraditória, pois a sentença anterior é afirmativa. Assim, “é possível” se dispõe, nesse aspecto, de modo similar a “é”.
  • 51
    Aristóteles se refere ao uso predicativo do verbo “ser”, em que esse verbo é adicionado a outros termos ou expressões para formar o predicado de uma sentença assertiva. Esse uso do verbo contrasta com o uso absoluto, em que o verbo “ser” constitui ele próprio o predicado, dispensando o acréscimo de termos ou expressões. Sobre essa distinção, ver Int. 10 19b10-22, APo. 2.1 89b31-33.
  • 52
    Em APr. 1.46.
  • 53
    Isto é, as proposições privativas desse tipo se comportam como as proposições afirmativas: a universal não se converte em uma universal, mas a particular se converte em uma particular.
  • 54
    O posicionamento dos termos nesta figura é primeiro‒médio‒último ou, conforme terminologia introduzida adiante, maior‒médio‒menor.
  • 55
    Em 24b28-30.
  • 56
    Aristóteles poderia ter usado o adjetivo em questão no gênero feminino, subentendendo o vocábulo πρότασις, “proposição”; ver 25a14, 28a29, 28b35. O uso do neutro indica que provavelmente o vocábulo διάστημα, “intervalo”, está subentendido; ver 26b21. No entanto, ainda que se trate apenas do uso livre do gênero neutro, sem termo subentendido, a tradução pelo masculino em português será, em qualquer caso, a mais adequada.
  • 57
    Isto é, foi assumido que o médio não se predica de ao menos parte de C, e dessa parte o primeiro pode universalmente se predicar ou não se predicar.
  • 58
    Em 26a2-9.
  • 59
    Isto é, não há dedução se os termos estão correlacionados da maneira enunciada em 26b3-5, caso contrário uma dedução também teria sido obtida quando os termos estavam correlacionados da maneira discutida em 26a2-9.
  • 60
    Isto é, será provado com base na indeterminação da proposição particular privativa também quando a correlação entre os termos é a enunciada em 26b10-12.
  • 61
    O posicionamento dos termos nesta figura é médio‒maior‒menor.
  • 62
    Ou seja, embora as deduções obtidas nesta figura sejam imperfeitas, elas estão aptas a se tornarem perfeitas.
  • 63
    Isto é, sejam os termos extremos universais ou não universais em relação ao médio.
  • 64
    Em 25b40-26a2.
  • 65
    Isto é, com base na indeterminação da proposição ‘M não se atribui a algum X’.
  • 66
    Ver 27a20-21.
  • 67
    Isto é, seja a universalidade posta com o extremo maior.
  • 68
    Isto é, com base na indeterminação da proposição ‘M se atribui a algum X’.
  • 69
    O posicionamento dos termos nesta figura é maior‒menor‒médio.
  • 70
    Ver a nota 62.
  • 71
    Isto é, sem condução ao impossível.
  • 72
    Ver 27b20-23 e 27b27-28.
  • 73
    Ver 28a30-31.
  • 74
    Isto é, com base na indeterminação da proposição ‘R não se atribui a algum S’.
  • 75
    Mais precisamente, quando não se obtém uma dedução do extremo maior com relação ao menor.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Set 2022
  • Aceito
    14 Dez 2022
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