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O sono de Epimênides ao meio-dia

Epimenides' midday sleep

Resumo:

Mostraremos, a partir da cena das cigarras cantoras do Fedro, as afinidades entre a menção ao perigoso sono ao meio-dia (Phdr. 258e6-259d8) e um episódio mítico da vida de Epimênides. Em seguida, veremos as possíveis afinidades entre a descrição da loucura dionisíaca (Phdr. 244d5-245a1) e o tipo de adivinhação praticada por Epimênides de Creta (DK 3 B 1-25). A partir dessas aproximações, pretendemos descrever e elucidar o imaginário comum com o qual Platão elabora sua recepção e assimilação da tradição poética arcaica em sua filosofia.

Palavras-chave:
Epimênides; Sócrates; adivinhação; purificação; sono ao meio-dia

Abstract:

From the scene of the singing cicadas in the Phaedrus, we will show the affinities between the mention of the dangerous sleep at noon (Phdr. 258e6-259d8) and a mythical episode in the life of Epimenides. Next, we will look at the possible affinities between the description of Dionysian madness (Phdr. 244d5-245a1) and the type of divination practiced by Epimenides of Crete (DK 3 B 1-25). From these approaches, we intend to describe and elucidate the common imaginary with which Plato elaborates his reception and assimilation of the archaic poetic tradition in his philosophy.

Keywords:
Epimenides; Socrates; divination; purification; midday sleep

INTRODUÇÃO

O tema da adivinhação e dos oráculos na antiguidade é tão amplo e suas fontes tão diferentes entre si que uma abordagem mesmo que pontual exige cuidados especiais. Se pensarmos esses temas apenas entre os gregos, que será nosso caso, as dificuldades não diminuem, uma vez que o arco temporal, por exemplo, entre a poesia arcaica e os estoicos, que acreditavam em um determinado tipo de adivinhação, também é bastante longo e diverso, fornecendo documentação de difícil sistematização.

Com relação às definições de adivinhação ou do que sejam oráculos entre os gregos, também os estudiosos orbitam em torno de características genéricas mais ou menos assentadas, porém nunca extremamente rígidas. As práticas divinatórias e oraculares seriam um sistema de crenças em um mundo de eventos não coincidentes, sendo possível, entretanto, a partir de práticas rituais e de um sistema simbólico, reconhecer um nexo entre fenômenos, agentes divinos, espíritos e as ações humanas. Nesse caso, esses adivinhos ou agentes oraculares seriam administradores de crises e incertezas (Johnston, 2008JOHNSTON, S. I. (2008) Ancient Greek Divination. United Kingdom, Wiley-Blackwell., p.118-125).

Entre os estudiosos da adivinhação e dos oráculos é possível encontrar diferentes paradigmas de abordagem. Bouché-Leclercq (1879, 1880, 1882, 1888), por exemplo, cujo estudo clássico passa por diversos subtemas dentro da cultura grega oracular e divinatória, algumas vezes comparada à cultura egípcia e síria, chega a abordar exemplos dessas práticas desde a poesia épica grega, passando pela documentação helenística e chegando aos etruscos e romanos. Seu trabalho é tão abrangente e influente que muitas vezes suas posições e categorizações foram alvo de críticas dos estudiosos posteriores. Uma dessas críticas, entre outras, seria que ele havia estabelecido uma divisão entre adivinhação natural (mantike atechnos) e artificial (mantike entechnos), dicotomia refutada por Ustinova (2013USTINOVA, Y. (2013). Modes of Prophecy, or Modern Arguments in Support of the Ancient Approach. Kernos 26, p. 25-44., p.28-33) a partir de exemplos em que essas categorias não poderiam ser aplicadas. A mesma autora aborda a loucura divina e os estados alterados da consciência desde os sábios dos tempos arcaicos, entre os quais está Epimênides, nosso personagem principal nesse estudo, chegando às fontes do período clássico, explicitando o sentido simbólico e literário das cavernas na ambiência oracular (Ustinova, 2018, p.328-9; 2009, p. 178-184).

Flower (2008FLOWER, M. A. (2008). The seer in ancient Greece. Berkeley, University of California Press., p.3-14; 72-102), por outro lado, lança luz em questões ligadas à imagem e à autoimagem dos adivinhos e adivinhas, bem como tais desígnios divinos teriam sido eventualmente manipulados por interesses particulares em episódios de batalhas, que foi o ponto de partida de sua investigação em Heródoto. Ele aprofunda importantes questões metodológicas, como por exemplo a pertinência das eventuais respostas oraculares em formas poéticas, assim como a ligação desse sistema divinatório com outros sistemas de conhecimento (Flower, 2008, p. 74-131).

A complexidade do tema somada à vasta temporalidade das fontes torna o campo de estudos tão interessante quanto difícil, sem contar as diversas perspectivas e metodologias aplicadas pelos estudiosos, algumas vezes enfáticas em um determinado aspecto, personagem, tema ou corpo documental. O artigo de Gustavo Frade (2018FRADE, G. H. M. (2018) Adivinhação e profecia na Grécia antiga. PhaoS, Revista de estudos clássicos 18, n. 2, p. 1-16., p.1-16), por exemplo, apresenta um quadro abrangente acerca do debate, apontando para as interpretações mais importantes e para sua historicidade. Destaco também o estudo de Beatriz de Paoli (2015) acerca da adivinhação em Ésquilo. A autora recolhe e elucida a complexidade do vocabulário divinatório presente nas tragédias supérstites de Ésquilo (de Paoli, 2015).

Nosso presente estudo, menos abrangente que as abordagens supracitadas, procura circunscrever as afinidades e ressonâncias entre o personagem platônico Sócrates no Fedro de Platão e Epimênides de Creta, pela tradição indireta e doxográfica. Considerando o imaginário mítico do meio-dia e das purificações (catarses), sejam públicas como as de Epimênides ou privadas como as supostamente realizadas por Sócrates, nossa hipótese de leitura é a de que, para além das afinidades e campo semânticos comuns entre esses sábios, purificadores e adivinhos, há uma proximidade especial entre a cena do canto inebriante das cigarras em que Sócrates alerta para o perigo de adormecer ao meio-dia e o imaginário tradicional do sono de Epimênides ao meio-dia. Além dessa, uma proximidade secundária e hipotética entre as práticas de Epimênides e a descrição da loucura iniciática e dionisíaca em Platão será investigada, visto ambas serem voltadas ao afastamento (lysin) de miasmas do passado. Percorreremos algumas passagens da doxografia ligada à Epimênides (DK 3 B 1-25) e as duas passagens do Fedro (Phdr.258e6-259d8; 244d5-245a1), procurando esmiuçar essas afinidades.

I. EPIMÊNIDES: ADIVINHO E PURIFICADOR

A doxografia acerca de Epimênides de Creta abarca autores e fontes de diversas épocas. Para uma imagem segura desse importante sábio da Grécia arcaica recorremos à edição de Bernabé (2007BERNABÉ, A. (ed.) (2007) Poetae Epici Graeci, Testimonia et Fragmenta. pars II, Faciculus 3, Musaeus, Linus, Epimenides, Papyrus Derveni, Indices; Bibliotheca Scriptorum Graecorum et Romanorum Teubneriana. B.G. Teubner, Leipzig., p.105-168), que fornece ampla informação filológica de acordo com os principais temas organizados em testemunhos e fragmentos. Para além da edição de Bernabé e da compilação de Diels e Kranz (DK 3 B 1-25), destaco a tradução para o português dos principais fragmentos de Epimênides feita recentemente por Buzelli (2019BUZELLI, J. L.S. (2019) Fragmentos da poesia épica e cômica. São Paulo, Odysseus., p. 223-243), de onde retiramos algumas das traduções usadas nesse estudo.

Um evento importante da vida de Epimênides que aqui enfatizamos primeiramente é o seu sono ao meio-dia. Diógenes Laércio atesta: “foi certa vez para um campo a pedido do pai em busca de uma ovelha, mas se afastou do caminho ao meio-dia e inclinou-se em uma caverna, tendo dormido cinquenta e sete anos (eis agron epi probaton, tes hodou kata mesembrian ekklinas hupo antroi tini katekoimethe epta kai pentekonta ete)” (D.L. I, 109,3-4, nossa tradução). Diógenes pondera e racionaliza o longo sono de Epimênides ao afirmar que talvez ele estivesse colhendo e cortando raízes durante um longo período, daí a opinião comum que ele estivesse dormindo por tanto tempo, quando na verdade estaria apenas afastado da cidade (D.L. I, 112).1 1 Ver Pausânias, que contabiliza uma duração de 40 anos (tessaraskoston etos, Paus. 1,14) para o sono de Epimênides (Jones, W.H.S. 1918).

Máximo de Tiro explica que o sono letárgico Epimênides teria provocado um sonho didático (oneiron didaskalon):

Outro homem cretense também foi a Atenas, chamado Epimênides: embora não pudesse chamar algum outro de mestre, ele era habilidoso com o divino - tanto que salvou a cidade dos atenienses, maltratada por uma praga e pela luta de facções, queimando um sacrifício. Não era habilidoso nessas coisas por ter sido discípulo de alguém, mas descrevia seu longo sono, e o sonho era didático. (Max. Tyr, 38,3, trad. Buzzeli, 2019, p.225, ligeiramente modificada)

Essas informações iniciais trazem a dimensão mítica do relato do sono de Epimênides ao meio-dia. Aliás, o sono dentro num templo ou num lugar sagrado, como é o caso, era conhecido com incubação, uma ascética reclusão em caverna, procedimento que visava uma cura ou indicação de cura para um sacerdote, muitas vezes uma tentativa de adivinhação onírica (Ustinova, 2018USTINOVA, Y. (2018). Divine Mania Alteration of Consciousness in Ancient Greece. New York, Routledge.; p. 328-337; Sineux 2013SINEUX, P. (2013) L’incubation dans L’Histoire de la divination d’A. Bouché-Leclercq. Kernos 26, p. 191-204., Lebedev, 2022LEBEDEV, A. V. (2022) The Aegean origin and early history of the Greek doctrines of reincarnation and immortality of the soul (Epimenides, Pherecydes, Pythagoras, and Onomacritus’ Orphica). Orientalia et Classica VI, n. LXXVII, p. 240-301., p. 250).

Entre os diversos afazeres técnicos de que se ocupava Epimênides, há um segundo que gostaríamos de destacar, que ele teria sido capaz de interpretar faltas e máculas do passado que repercutiam negativamente no presente. Epimênides teria sido procurado entre 596 e 593 a.C. para fazer com que a cidade de Atenas fosse purificada do massacre de Cilón e de seus cúmplices, evento ocorrido em 632 a.C.,2 2 Para datas aproximadas desses eventos, ver Bernabé (2007, T1, p. 108). quase quarenta anos antes. Segundo Diógenes Laércio:

Chegando na quadragésima sexta Olimpíada (596-593 a.C.), ele purificou a cidade (ekatheren auton ten polin) e interrompeu a peste (epause ton loimon) dessa forma: escolhendo ovelhas de velo negro e de velo branco, ele os conduziu ao Areópago, onde as deixou andar por onde quisessem, mandando os que a seguiam as sacrificassem à divindade apropriada no local mesmo onde cada uma se inclinassem (entha an kataklinoi auton hekaston). E assim cessou a peste (lexai to kakon), e por isso ainda hoje é possível encontrar nos demos atenienses altares anônimos lembrando a expiação de outrora. (D.L. I, 110, trad. de Buzzeli, 2019, p.227, ligeiramente modificada)

Esses dois eventos ligados à biografia de Epimênides, o episódio do sono ao meio-dia e a purificação (catarse) da cidade de Atenas, serão nossos guias na aproximação que pretendemos realizar com as passagens do Fedro de Platão. Consideramos poder reconhecer nesses elementos, além de uma afinidade geral, tópicas literárias que remetem a um mesmo imaginário da adivinhação, das profecias e das purificações.

Embora a relação que nos ocupe aqui seja entre Epimênides e Sócrates, mais especificamente o personagem platônico do Fedro, é igualmente possível observar similares conexões entre as práticas do cretense com outros mestres, como Pitágoras e Empédocles. Jâmblico afirma que Epimênides foi discípulo de Pitágoras (Iamb. VP 23, 104; 32, 22) e Diógenes Laércio que ele teria descido com Pitágoras até a caverna do monte Ida em Creta (D.L. 8, 3), embora a cronologia aponte para o improvável contato entre eles, pois Epimênides parece ter vivido no século VII, quase cem anos antes de Pitágoras (Lebedev, 2022LEBEDEV, A. V. (2022) The Aegean origin and early history of the Greek doctrines of reincarnation and immortality of the soul (Epimenides, Pherecydes, Pythagoras, and Onomacritus’ Orphica). Orientalia et Classica VI, n. LXXVII, p. 240-301., p. 249-250).

No que concerne às purificações, Empédocles, Abáris e Epimênides são também reunidos por Jâmblico, que inclusive discerne entre os epítetos de Empédocles e Epimênides de modo paralelo: “Daí que o apelido de Empédocles seja ‘o Repelidor de Ventos’, o de Epimênides, ‘o Purificador’” (Iamb. VP 28, 135-6; Porph. VP 29).3 3 Tradução de Buzzeli (2019, p.223). Ver também Vogel (1966) e Cornelli (2011) acerca do pitagorismo, suas categorizações e sua historicidade. É importante ressaltar que a ambos são atribuídas obras poéticas cujo título era idêntico, Purificações (Katharmoi), sendo que apenas remanescem de modo parcial versos da obra Purificações de Empédocles.4 4 Acerca da obra de Epimênides, ver Bernabé (2007, fr. 54, p.159-160). Acerca da obra de Empédocles, ver DK 31B 112- 153a, além de Most & Laks (2016, vol. V, 2, D4-40, p.369-387).

II. O IMAGINÁRIO DO MEIO-DIA

Wilhelm Drexler (1858-1930) compilou inúmeras passagens em que o tema do meio-dia, e nesse caso também da meia-noite, havia sido aplicado como uma tópica mitológica e literária. Dentro do léxico de Wilhelm Heinrich Roscher (1845-1923), Ausführliches Lexikon der griechischen und römischen Mythologie (Roscher, 1937, 1º Vol. 1884), Drexler recolhe algumas importantes ocorrências do tema sob o título de Meridianus daemon, as quais aqui citamos em seu início, na tradução de Bernardes e Moura:

São muito difundidas, não apenas entre os gregos e romanos, as crenças de que não só a meia-noite, mas também o meio-dia é um horário em que deuses e demônios praticam seus jogos na terra. Quem nessas horas for por eles avistado há de sofrer com suas iras ou troças. De acordo com Teócrito (Idílio 1, 15ss.), um pastor não deve, nessa hora, tocar a siringe, pois estará incomodando a pausa do meio-dia de Pã, que irá punir o perturbador. Contudo, ele também pode aparecer nesse horário para ajudar a curar um doente. Nas Palílias, o pastor romano implora a Pales que ela o esconda da visão de Fauno ao entrar na floresta durante o meio-dia (Ovídio, Fastos l4, 762). As sereias, diz Crusius, aparecem nessa hora; assim como Hécate (segundo Luciano, Philopseudes 22) e Empusa (Schol. Aristoph. Ran. 293). Em Calímaco, Hino a Deméter 38s., as Ninfas dançam ao meio-dia em torno de um álamo em Dócio [gr. Δώτιον, localidade na Tessália]. (Wilhelm Drexler, Meridianus daemon, trad. de Bernardes e Moura, 2020, p.151-152)5 5 Retirei algumas referências que estão no texto original para evidenciar a fluidez da informação proveniente do Léxico. Ver a tradução na íntegra de Bernardes e Moura (2020).

O mesmo verbete Meridianus daemon apresenta em sua sequência algumas outras ocorrências da tópica entre os gregos e romanos, evidenciando que o tema atravessa a Idade Média e Moderna, chegando às histórias bretãs, suecas, gálicas, eslavas, portuguesas, indianas, japonesas, além das ocorrências Bíblicas e do Talmud. Bernardes e Moura (2020, p.150-156) realizam estudo e tradução para o português desse trecho do Léxico de Roscher, oferecendo importante material de investigação acerca dessas tópicas literárias. Nosso esforço aqui será, em alguma medida, mostrar que essas mesmas tópicas estão presentes no Fedro de Platão e que talvez possam ser estendidas a Epimênides.

Máximo de Tiro, mais uma vez, atesta o episódio do sono letárgico ao meio-dia: “ele disse que, estando deitado ao meio-dia na gruta de Zeus do Dicte, num sono profundo de longos anos, teve um sonho no qual ele encontrou os deuses, as palavras dos deuses, a Verdade e a Justiça” (Max.Tyr.10,1).6 6 Tradução de Buzzeli (2019, p.225). Ver Casertano (2011, p.19-20, n.33) acerca das informações contidas nessa fonte e das hipóteses em torno de sua interpretação. O meio-dia funciona a um só tempo como momento de clarividência e ofuscamento, indicando clareza, revelação, mas também uma cegueira pelo excesso de luz que o sol propicia.7 7 Ver Schefer (2003, p.178-196) acerca do termo epopteia, uma experiência visual indizível ligadas aos mistérios. Essa parece ser uma chave interpretativa da ambivalência do sono ao meio-dia, um ofuscamento do intelecto e, ao mesmo tempo, uma clarificação onírica, divinatória, tal qual a de Epimênides, seduzido por um sono ao meio-dia numa caverna sagrada, local em que alcança uma sabedoria divina.

O meio-dia é um divino e perigoso momento em que os impulsos mais fortes podem prevalecer em detrimento da razão. Essa irracionalidade entendida como ação divina também por vezes pode integrar a imagem da incontinência humana e de eventuais desvarios, além da imagem bucólica do pastoreio de animais conduzidos ao descanso. Claudia Zatta (1997ZATTA, C. (1997) Incontri con Proteo. Instituto Veneto di Scienze, Lettere ed Arti., p.32-33) explica o meio-dia como momento tradicional e simbólico dentro da literatura épica do encontro entre o humano e o divino, no caso de Telêmaco e Proteu, o Velho do mar, também conhecido como o pastor das focas, um momento de busca divinatória que ocorre também ao meio-dia (endios, Hom. Od. IV, 450).

Veremos no Fedro com a tópica do sono ao meio-dia será explicitada em um momento importante do diálogo, depois da palinódia. Sócrates diz que é um adivinho não muito aplicado, como aqueles que são débeis ao escrever, mas que mesmo assim tal habilidade precária foi suficiente para compreender que a alma tem alguma adivinhação (mantikon ge ti kai he psyche) (Phdr. 242c5). Nesse momento, depois da travessia do Ilissos, depois de ter proferido um discurso contra Eros, Sócrates reconhece que suas palavras anteriores não foram nem saudáveis, nem verdadeiras (meden hygies legonte mede alethes, 243a1). Sócrates observa a necessidade da purificação (katherasthai ananke, 243a3), que será a sua palinódia, retomando a tópica catártica de Estesícoro, aquele que soube se livrar de uma cegueira (oftalmia), causada por uma falta religiosa em forma de poema contra Helena (Sider, 1989; Woodbury, 1967WOODBURY, L. (1967) Helen and the Palinode. Phoenix 21, n. 3 (Autumn), p. 157-176.).8 8 Ver também Bowra, 1934, 1963; West, 1982.

Como a palinódia é o último dos discursos iniciais do diálogo, houve quem a interpretasse como o final de uma primeira parte, sem muita conexão com a continuidade do diálogo propriamente dito entre Fedro e Sócrates, como Christopher Rowe (1986ROWE, C. J. (trad.) (1986) Plato. Phaedrus. Wiltshire, Aris & Phillips.; 1989, p.175-188) que considera que a palinódia não tem estatuto de discurso filosófico, devido à presença excessiva das imagens mitológicas. Malcolm Heath (1989HEATH, M. (1989) The unity of Plato's Phaedrus. Oxford Studies in Ancient Philosophy VII, p.151-173., p.151-173), por outro lado, não apenas considera a palinódia como exemplo de um discurso filosófico, como a aproxima, bem como a todo diálogo, à estrutura da tragédia, em que novos temas se desdobram dos temas iniciais, havendo, portanto, uma unidade no diálogo. Recentemente, Daniel Werner (2012WERNER, D. (2012) The Cicadas. In: Myth and Philosophy in Plato's Phaedrus. Cambridge, Cambridge University Press, p. 133-152., p.13-152) deu tratamento específico ao diálogo com atenção especial às passagens míticas, à palinódia, à cena das cigarras e ao diálogo entre Thamous e Theuth. Sua abordagem minuciosa procura considerar os “múltiplos níveis de comunicação” (Werner, 2012, p.17) que há na obra, o que corresponde a um diferente registro metodológico em que o tema da unidade, por estar cabalmente demonstrada, torna-se irrelevante (Werner, 2012, p.151-152).9 9 Ver também Ferrari, 1990; Griswold, 1996, p.75-137; Yunis, 2011; Rossetti, 1992.

Depois da palinódia, há uma nova ambiência discursiva, lugar em que Sócrates contará o mito das cigarras cantoras ao meio-dia, também um momento de transição entre os longos discursos (quase monólogos) anteriores e o diálogo propriamente dito entre Fedro e Sócrates. Nesse passo, elementos comuns à história de Epimênides aparecem com nitidez, notadamente o sono ao meio-dia, que agora tem o sentido de uma ameaça ao intelecto, por meio da imagem das ovelhas que dormem ao meio-dia e a prescrição de não sucumbirem ao sono nesse horário sagrado:

S: Temos tempo livre (schole) ao que parece. Tenho também a impressão de que as cigarras cantoras, por cima das nossas cabeças, conversam entre si nesse calor e nos vigiam (kathoran) [259a]. Se elas nos vissem, como a maioria, ao meio-dia (en mesembriai) e sem dialogarmos (me dialegomenous), quase dormindo, encantados por estas devido à preguiça da nossa reflexão (dianoias), elas justamente nos desprezariam, considerando-nos como criaturas cativas que chegaram a um recanto, como ovelhas, ao meio-dia, a dormir junto à fonte (hosper probatia mesembriazonta peri ten krenen eudein). Mas se elas nos vissem a dialogar (dialegomenous) e a evitá-las, como [quem evita] as Sirenas, sem nos deixarmos encantar (akeletous), então rapidamente nos admirariam e conceder-nos-iam as dádivas divinas atribuídas aos homens.

[259b] F: Quais são essas dádivas? Não ouvi, como parece, acerca de nenhuma delas.

S: Não é adequado (prepei) a um homem amigo das Musas (philomouson) não ter ouvido falar nisso. Dizem que, antes do tempo das Musas, as cigarras eram homens e que, quando estas [Musas] surgiram e lhes mostraram os cantos (phaineises oides), alguns deles foram tomados por esse prazer (hedones). Envolvidos com o canto (aidontes), eles acabaram descuidando da comida e da bebida, tendo morrido sem perceber. Deles é que a família das cigarras descende, pois, junto às Musas, tendo recebido essa dádiva, elas não têm necessidade de alimentos, mas vivem a cantar (aidein) ininterruptamente, sem comer e sem beber, até a morte e, depois disso, para as Musas relatam (apaggellein) quais foram aqueles que as honraram (timai) aqui. Terpsicore (Alegra-coro) é venerada (tetimekotas) nas danças (chorois), relato que proporciona maior benevolência aos seus realizadores. [259d] Érato (Amorosa) com a [poesia] erótica (erotikois) é venerada, assim também em outras ocasiões, segundo cada forma de honra (times). A mais velha delas é Calíope (Belavoz) e em seguida Urânia (Celeste), para aqueles que se dedicam à filosofia e de modo estimado (timontas) propagam a música que lhes corresponde, pois especialmente as Musas enviam bela-voz acerca do céu, dos discursos dos deuses e dos homens. 10 10 Mantive cada nome das Musas acompanhando a tradução de Torrano para a Teogonia de Hesíodo v.77-8 (Torrano, 1995, p.109). Muitas são as razões para que falemos ao meio-dia e não cochilemos (lekteon ti kai ou katheudeteon en tei mesembriai). (Phdr. 258e6-259d8. trad. de Campos, 2018CAMPOS, R. G. de. (trad.) (2018) Platão. Fedro. São Paulo, Hedra., p. 104-105, ligeiramente modificada)

O primeiro elemento que perfaz um imaginário comum àquele enunciado anteriormente é o perigo do meio-dia, horário em que os deuses agem junto aos homens e animais, podendo levá-los à letargia e a outros comportamentos inesperados. A sedução do canto das cigarras e sono ao meio-dia devem ser evitados, pois representam, na interpretação de Werner (2012WERNER, D. (2012) The Cicadas. In: Myth and Philosophy in Plato's Phaedrus. Cambridge, Cambridge University Press, p. 133-152., p.138-142), a sedução das imagens recém apresentadas na palinódia, de modo que apenas duas opções existem para ambos nesse momento do diálogo: (1) deixarem-se seduzir pelas imagens recém apresentadas na palinódia, “cochilando” intelectualmente ao som das cigarras ao meio-dia ou (2) permanecerem acordados, alertas, empenhados em uma discussão dialética. Essa interpretação mostra o sentido da imagem bucólica nesse lugar de ápice do diálogo, que seria exatamente o meio do percurso, dividindo o diálogo em duas partes. O canto das cigarras não é visto como algo imediatamente benéfico, apesar da filiação com as Musas, porque Platão se vale dessa tópica poética com o foco na capacidade humana de entender e assimilar de modo dialético os estímulos desse cenário natural e cultural herdado pela tradição.

Aristóteles, em sua Retórica, recorda um exemplo extraído de Estesícoro, segundo o qual o poeta teria dito em uma assembleia dos Lócrios, sugerindo que evitassem a destruição proveniente da guerra, quando os lugares ficam sem árvores: “que não convém ser insolente, não vão as cigarras terem que cantar no chão” (Ar. Rh. 1395a, trad. Alexandre Júnior, Alberto e Pena, 2012JÚNIOR, M. A; ALBERTO, P.; PENA, A. (trad.) (2012) Aristóteles. Retórica. São Paulo, Martins Fontes., p.141).11 11 Ver Demétrio, Sobre o estilo, 99, que atribui esses mesmos versos a Dioniso de Siracusa.

O uso da imagem das “ovelhas, ao meio-dia, a dormir junto à fonte” é um indício mais contundente desse imaginário comum que encontramos na doxografia de Epimênides, uma vez que ele próprio naquele caso havia sucumbido ao sono, como uma dessas criaturas cativas. (Jiménez San Cristóbal, 2013, p.129-141). Teócrito, em seu Idílio 16, menciona também o canto das cigarras em sua relação com os pastores e com o excessivo calor diurno: “quando a cigarra, aos pastores solares vigiando lá de cima das árvores, trila entre os ramos” (Theoc. 16, 94-96; trad. Nogueira, 2015NOGUEIRA, É. (2015). A verdade é doce: estudo e tradução de "As Graças ou Hierão", Idílio 16 de Teócrito de Siracusa. Cadernos de Literatura em Tradução 15, p. 69-84. DOI: 10.11606/issn.2359-5388.i15p69-84. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/clt/article/view/114372. Acesso em: 6 nov. 2022., p.82).12 12 [...] ἁνίκα τέττιξ / ποιμένας ἐνδίους πεφυλαγμένος ὑψόθι δένδρων / ἀχεῖ ἐν ἀκρεμόνεσσιν· Um escoliasta de Teócrito comenta a imagem pastoril e o papel das cigarras no mesmo trecho: “<pastores solares> quando a cigarra canta, no ponto mais alto do ramo ao meio-dia, vigiam os pastores. Esses, pois, conduzem os animais à sombra ao meio-dia para que busquem as cigarras” (Scholia In Theocritum, 16.94-97b1, nossa tradução).13 13 Ver em Liddell-Scott (1996, p. 560) que ἐνδείους (adj pl masc acc) deriva de ἔνδιος, ou seja, “meio-dia”, “diurno”. Usamos a versão de Nogueira ao traduzir ἐνδείους por “solares”. Ver Wendel (1914) <ποιμένας ἐνδείους> ἡνίκα ὁ τέττιξ ἐπὶ τῶν ὑψηλῶν κλάδων ἠχεῖ κατὰ τὴν μεσημβρίαν τοὺς ποιμένας φυλασσόμενος. ἐλάσαντες γὰρ οὗτοι ὑπὸ τὴν σκιὰν τὰ θρέμματα ἐν τῇ μεσημβρίᾳ θηρῶσι τοὺς τέττιγας.

A interdição ao sono ao meio-dia funciona como uma espécie de ressalva ou objeção a alguns elementos do pensamento arcaico e àquilo que Epimênides, e certamente outros, como Estesícoro de Himera, representam na imagem resgatada e reelaborada por Platão. Mas essa objeção, entretanto, como outras em Platão, não é total. A catarse operada pelos efeitos poéticos parece ser gradativamente assimilada pelo discurso filosófico, que tampouco rejeitará a sua ancestralidade com relação às Musas. Terpsicore na dança, Érato na poesia erótica, Calíope e Urânia na música e na filosofia mostram que as Musas continuam sendo as protetoras dos que se dedicam à filosofia (Phdr.259c6-d8). Aqui há um quiasmo entre Urânia e Calíope, indicando a intercessão entre música e filosofia, tal qual acontece no Fédon, momento em que Sócrates diz que a filosofia nada mais é do que a mais elevada das músicas (Phd. 61a).

Werner (2012WERNER, D. (2012) The Cicadas. In: Myth and Philosophy in Plato's Phaedrus. Cambridge, Cambridge University Press, p. 133-152., p.134-152) afirma que a cena das cigarras cantoras divide o diálogo em duas partes integradas, a primeira é a da retórica, a segunda a do diálogo, entendendo por isso que o passado estaria ligado à poética, à música e à retórica, todas em um mesmo bloco, enquanto a segunda parte trataria da dialética e da filosofia. Entretanto, não acreditamos que a imagem das cigarras e a cautela com relação ao sono do meio-dia devam ser entendidos apenas em sua oposição simples ao exercício dialético, mas talvez também como um processo de integração e assimilação entre temporalidades e modos de enunciação diversas.

Voltando ao sol a pino e considerando a literatura neoplatônica, é possível encontrar também em Olimpiodoro uma restrição ao sono ao meio-dia, mas agora ela aparece enunciada como uma prescrição pitagórica. Em seu comentário ao Fédon, ele faz referência à uma prescrição pitagórica, similar à de Sócrates no Fedro, de não se deixar vencer pelo sono do meio-dia:

<Ἐν τῷ μέχρι ἡλίου δυσμῶν χρόνῳ> [61e3 - 4]: νόμος γὰρ ἦν παρὰ τοῖς Ἀθηναίοις τὸ μηδένα φονεύειν ἐν ἡμέρᾳ, ὡς καὶ παρὰ Πυθαγορείοις μηδένα καθεύδειν ἐν μεσημβρίᾳ, ἡνίκα ὁ ἥλιος τὴν ἰσχυροτάτην αὐτοῦ ἐνέργειαν ἐνδείκνυται.

<no tempo que nos separa do pôr do sol> [61e3-4] pois o costume entre os atenienses era de que nenhum sacrifício ocorresse durante o dia, assim como entre os pitagóricos de que ninguém dormisse ao meio-dia, período em que o sol mostrava sua maior força e atividade. (Olimp. in Phd, I, 17. ed. Finckh, 1847FINCKH, C. E. (ed.) (1847) Olympiodori Scholia in Platonis Phædonem. Heilbronn, Johann Ulrich Landherr., p.9, nossa tradução)

Não sucumbir ao sono do meio-dia acaba se revelando, nesse contexto neoplatônico, como uma prescrição pitagórica, fazendo com que esse mesmo imaginário reúna Sócrates, Pitágoras e Epimênides em um mesmo ambiente, ainda que Epimênides pareça estar na origem, como um exemplo antigo que fundamenta o cuidado de não se deixar levar pelo sono nesse horário.

Pitágoras, por seu turno, embora jamais tenha sido citado explicitamente no Fedro, marca uma presença cifrada através de uma máxima ligada ao seu pensamento bem no final do diálogo, quando Fedro diz que “tudo é comum entre amigos (Phdr.279c)”.14 14 Esse dito pitagórico é mencionado na República 424a1, 449c6, bem como em Aristóteles, na Política 1263,30 e na Ética Nicomaqueia 1159b31. Hérmias de Alexandria, comentador neoplatônico do Fedro, entende que Pitágoras é um personagem “presente” no diálogo, na medida em que para ele Platão teria nesse escrito homenageado o sábio de Samos. Hérmias estabelece relação entre alguns diálogos de Platão e determinados sábios:

καὶ γὰρ οἱ σοφοὶ καὶ θεῖοι ἄνδρες θεοί εἰσιν ὡς πρὸς ἀνθρώπους· εἴωθεν οὖν θείοις ἀνδράσι πολλάκις ἀνατιθέναι τὰ συγγράμματα ἑαυτοῦ· ἐν μὲν τῷ *<Φαίδρῳ> τῷ Πυθαγόρᾳ*, ἐν δὲ τῷ <Χαρμίδῃ> Ζαμόλξιδι σοφῷ τινι, ἐν δὲ τῷ <Τιμαίῳ> τὸν Ἀτλαντικὸν λόγον ἀνατίθησι τοῖς Αἰγυπτίοις· καὶ ἐνταῦθα οὖν τὸ περὶ τῶν λόγων εὕρεμα τῷ δεσπότῃ Ἑρμῇ ἀνατίθησιν, οὐκ έτι εἰς σοφοὺς ἄνδρας, ἀλλὰ θεοὺς, καί φησιν ὅτι ὁ δεσπότης Ἑρμῆς πρὸς πολλοῖς τοῖς ἄλλοις καὶ τὴν τῶν γραμμάτων τέχνην κατέδειξεν.

E os sábios e homens divinos são como deuses para os homens. Há o costume de muitas vezes oferecerem os seus próprios escritos a homens divinos, assim ocorre *com Pitágoras no Fedro*, com Zamólxis, uma espécie de sábio, no Cármides, bem como no Timeu, lugar em que o discurso dos Atlantes é atribuído aos egípcios. E nesse ponto eles atribuem a invenção dos discursos ao soberano Hermes, uma vez que ela não seria para os homens sábios, mas apenas para os deuses, e diz que o soberano Hermes fez com que muitos conhecessem, além de outras coisas, a arte da escrita. (Herm, in Phdr. 253.20 - 28, ed. Lucarini & Moreschini, nossa tradução)

Apesar do trecho aparecer como corrompido segundo Lucarini e Moreschini (2012LUCARINI, C.; MORESCHINI, C. (eds.) (2012) Hermias Alexandrinus. In Platonis Phaedrum Scholia. Teubneriana. Berlin, De Gruyter., p. 266), Pitágoras teria ligação especial com o Fedro, pela proximidade que Sócrates e Pitágoras teriam junto aos deuses e pelo fato de muitos escritores dedicarem seus escritos a grandes sábios considerados divinos. Além disso, ainda segundo Hérmias, Sócrates e Pitágoras teriam sido mais sábios que outros por não se valerem da escrita e por isso teriam mantido uma relação mais próxima aos deuses: “muitos dos antigos e mais respeitados escreveram, como Orfeu e Hermes, ao contrário de Pitágoras e Sócrates que não escreveram” (Herm. in Phdr. 258, 10-12, nossa tradução).15 15 πολλοὶ γὰρ τῶν παλαιῶν καὶ εὐδοκιμωτάτων συνέγραψαν, ὡς Ὀρφεὺς, Ἑρμῆς· Πυθαγόρας δὲ καὶ Σωκράτης οὐ συνέγραψαν. Hérmias atrela personagens a diálogos determinados, mas em todos os outros os diálogos mencionados, os personagens aparecem efetiva e explicitamente nos seus respectivos textos, com exceção de Pitágoras no Fedro. Então, mesmo sem nunca ter sido citado, Pitágoras é uma presença no Fedro para Hérmias, possivelmente pela ligação desse filósofo ágrafo com os temas e com o imaginário do diálogo.16 16 Ver Cornelli (2011) acerca do termo “pitagorismo” como categoria historiográfica.

A cena do meio-dia ficou relativamente esclarecida através de ambientes bucólicos em que as Ninfas e Musas transitam e inspiram seus poetas, aedos, rapsodos e filósofos, agora acrescida pela interdição “pitagórica” em não dormir ao meio-dia, além da presença um pouco atípica de Pitágoras no Fedro revelada por Hérmias. Vejamos agora como a loucura dionisíaca talvez possa corroborar tal presença de Epimênides no ambiente literário do Fedro.

III. LOUCURA DIONISÍACA E OS ADIVINHOS DO PASSADO

Diferentemente do Fedro, Platão menciona explicitamente Epimênides nas Leis, quando Clínias diz que ele era um homem divino, responsável por adivinhações (manteian) e sacrifícios (thysias) que mantiveram os persas afastados por dez anos. Teria dito inclusive que quando estes invadissem a Grécia não teriam pleno êxito (Pl. Lg. 642d4-e3). Ainda nas Leis, o Ateniense lembra que Epimênides foi importante ao adivinhar algo no discurso de Hesíodo que não havia sido compreendido até então, o grande proveito da “malva e do asfódelo” (Hes. Op. v.41), alimentos que aparentemente faziam parte da sua restrita dieta (Pl. Lg. 677d7-e5). Nesse ponto fica clara a atuação de Epimênides como intérprete de textos arcaicos como o de Hesíodo.

Com relação à adivinhação propriamente dita, é conhecida a capacidade dos adivinhos épicos, como Calcas, adivinho de sonhos, no primeiro canto da Ilíada, de conhecer “presente, futuro e passado” (ta t’ eonta ta essomena pro t’ eonta, Hom. Il. I, 70), assim como em Hesíodo um verso idêntico refere poder inspirador das Musas, as quais permitem ao aedo proferir “o presente, o futuro e o passado” (Hes. Th.38). Entretanto, no caso de Epimênides, suas atividades oraculares (Khresmoi) estavam predominantemente circunscritas às interpretações de miasmas provenientes do passado (cf. Bernabé, fr. 40-45, p. 143-152).

A peste, como vimos, estava relacionada a um crime anterior cometido contra Cilón e seus aliados dentro da Acrópole. Para a purificação de tal miasma, Epimênides indicara (semainein) a maneira de afastar o mal (lexai to kakon) com ovelhas brancas e negras no Areópago, que deveriam ser sacrificadas onde se inclinassem (kataklinoi) (D.L. I, 110, 19-27). Epimênides não apenas era capaz de prever o futuro, mas também de desvendar o que havia ocorrido anteriormente (<pro>gnostikotaton gegonenai) (D.L. I, 114,12), uma adivinhação e interpretação de faltas escondidas do passado. Nesse sentido, estava concentrado em fazer “prognóstico” do que havia acontecido (gegonenai), mas que precisava ainda ser desvendado. Aristóteles reitera que a adivinhação praticada por Epimênides era uma “adivinhação não sobre o futuro, mas sobre o que havia ocorrido, que estava ainda desconhecido” (ton esomenon ouk emanteueto, alla peri ton gegonoton, adelon de, Ar. Rh. 1418a24).

Plutarco atesta a sabedoria entusiástica e iniciática (enthousiastiken kai telestiken sophian) do cretense, lembrando que ele era especialista em purificações de cidades, campos e casas (Plut. Sol. 12, 20-21). Enquanto Sócrates, no retrato platônico, é um purificador das almas através da dialética, o cretense é considerado por Estrabão um purificador através da palavra poética (katharmous poiesanta dia ton epon, Str.10, 4, 14).

Uma outra característica comum a Sócrates, Epimênides e Pitágoras é a capacidade de ouvirem vozes, embora cada um as ouvisse de modo diferente. Pitágoras uma vez foi saudado por um rio e afirma-se que ouvia as esferas celestes.17 17 Cf. Pitágoras sendo saudado pelo rio Cosas (Laks; Most, 2016, vol. II, parte 1, P42, p.49) e a audição especial das esferas celestes (Porph. VP 30; Iambl. VP 65-66). Epimênides, por outro lado, em meio à construção de um templo dedicado às Ninfas, teria ouvido uma voz que lhe disse: “para as Ninfas não, para Zeus”, o que fez com que compreendesse a necessidade de mudar a finalidade da construção daquele templo (D.L. I, 115). Tanto no caso do daimon de Sócrates, das audições de Pitágoras e de Epimênides, as vozes que os interpelam e os impulsionam fazem com que estejam próximos de uma ambiência divinatória, embora não possam ser atreladas exclusivamente a nenhuma divindade específica.

É bastante conhecida a passagem da palinódia que descreve os quatro tipos de loucura na palinódia de Sócrates, momento em que há a indicação de que as loucuras são fundamentais para o processo de desenvolvimento filosófico, do qual depende a anamnese, e que jamais elas poderiam ter sido vituperadas como foram pelos discursos anteriores. O início do trecho mostra que a adivinhação apolínea desde sempre esteve fundamentada na loucura de suas sacerdotisas em seus oráculos, tanto em âmbito privado como público, e que elas sempre se valeram da adivinhação entusiástica. A segunda loucura, a dionisíaca, é apresentada como a criadora de “purificações e iniciações” (katharmon te kai teleton) para aplacar “enfermidades (noson) e dores (ponon) vindas de antigos ressentimentos”. Seus instrumentos foram a "loucura e a possessão” (manenti te kai kataschomenoi, Phdr. 244d5-255a1). A terceira loucura, a das Musas, cuja poesia sempre educou a todos, também sempre se valeu “da possessão e da loucura” (katokoche te kai mania), visto ser a poesia a matriz mais antiga dos saberes da civilização helênica, motivo pelo qual a poesia dos sóbrios jamais poderia superar a poesia “dos tomados pela loucura” (mainomenon, Phdr. 245a1-8). A quarta loucura, a Erótica, recebe tratamento especial e uma digressão mais extensa, visto ser a principal loucura que Platão pretende nesse momento descrever. Dentro da explicação da loucura Erótica, que é também “dádiva dos deuses” (Phdr. 245b-249d2), Platão insere a demonstração da imortalidade da alma (Phdr. 245c5-246a2), a imagem da biga alada (Phdr. 246a3-248c), a imagem do ciclo das almas (Phdr. 248c2-249a5), a imagem da anamnese e a da planície da verdade (Phdr. 249d4-251a7), trechos que condensam parte fundamental de sua filosofia.

À frente no Fedro há uma recuperação sinótica das loucuras, de modo que é possível revê-las dentro das categorias que o próprio Platão aplica, com a ressalva de que a segunda, que agora ele diz ser ligada a Dioniso, não havia sido explicitada nessa relação específica com a divindade trácia. Então, temos Apolo, a quem atribui-se “a inspiração da adivinhação” (mantiken), Dioniso, que preside “as iniciações” (telestiken), as Musas, que presidem a poética (poetiken) e “a loucura amorosa” (erotiken manian), presidida por Afrodite e Eros (Phdr. 265b2-c3).18 18 Ver Ustinova (2018, p.113-342) para um aprofundamento a respeito dos diferentes tipos de loucuras.

Bussanich (2013BUSSANICH, J.; SMITH, N. D. (eds.) (2013). The Bloomsbury Companion to Socrates. London, Bloomsbury Academic., p.296-300) questiona se a categoria de iatromantis, médico-adivinho, ou algo como xamã curandeiro, poderia reunir com alguma precisão Zamólxis, Epimênides, Pitágoras e Sócrates, visto que todos experimentam estados alterados da consciência em suas ações extraordinárias. Sócrates, no Banquete, por exemplo, teria ficado num mesmo lugar apartado e numa mesma posição por muito tempo, algo parecido como um transe meditativo (Smp.175 a-b2). Alcibíades relata que Sócrates, ao meio-dia (mesembria), durante a expedição militar em Potideia, permaneceu imóvel e em pé ocupado com suas reflexões (phrontizon) até o amanhecer do dia seguinte, momento em que teria feito uma prece ao sol (Smp. 220c5-d4).19 19 Ver a tradução do Banquete de Platão feita por Franco e Torrano (2021), assim como a edição de Dover (2009).

As conexões entre o poeta e o xamã, o poeta e o vidente, bem como as conexões ente o pensamento religioso e a filosofia são um tema bastante estudado (Cornford, 1952CORNFORD, F. M. (1952) Principium Sapientiae: The Origins of Greek Philosophical Thought. Cambridge, Cambridge University Press., p.88-142; Dodds, 1951DODDS, E. R. (1951) The Greeks and the Irrational. London, University of California Press., p.64-101; Lebedev, 2022LEBEDEV, A. V. (2022) The Aegean origin and early history of the Greek doctrines of reincarnation and immortality of the soul (Epimenides, Pherecydes, Pythagoras, and Onomacritus’ Orphica). Orientalia et Classica VI, n. LXXVII, p. 240-301., p.241-285), entretanto, a adivinhação de Epimênides jamais apareceu associada a esses trechos específicos do Fedro. Vejamos no detalhe o segundo trecho do Fedro em que Sócrates descreve a loucura dionisíaca e a descoberta, pela adivinhação, de miasmas antigos e suas purificações:

ἀλλὰ μὴν νόσων γε καὶ πόνων τῶν μεγίστων, ἃ δὴ παλαιῶν ἐκ μηνιμάτων ποθὲν ἔν τισι τῶν γενῶν ἡ μανία ἐγγενομένη καὶ προφητεύσασα, οἷς ἔδει [244e] ἀπαλλαγὴν ηὕρετο, καταφυγοῦσα πρὸς θεῶν εὐχάς τε καὶ λατρείας, ὅθεν δὴ καθαρμῶν τε καὶ τελετῶν τυχοῦσα ἐξάντη ἐποίησε τὸν [ἑαυτῆς] ἔχοντα πρός τε τὸν παρόντα καὶ τὸν ἔπειτα χρόνον, λύσιν τῷ ὀρθῶς μανέντι τε καὶ κατασχομένῳ τῶν παρόντων κακῶν εὑρομένη.

Com efeito, a loucura (manian) surgiu para algumas famílias que necessitavam, profetizando as maiores enfermidades (noson) e dores (ponon) vindas de antigos ressentimentos, e elas encontraram (heureto) refúgio em preces e cultos aos deuses. (244e) Daí então surgiram purificações e iniciações (katharmon te kai teleton) praticadas para suas próprias isenções, tanto para o tempo presente quanto para os tempos vindouros, sendo assim encontrado (heuromene) afastamento (lysin) dos males coetâneos aos que experimentam corretamente (orthos) a loucura e a possessão (manenti te kai kataschomenoi). (Pl. Phdr. 244d5-245a1. trad. de Campos, 2018CAMPOS, R. G. de. (trad.) (2018) Platão. Fedro. São Paulo, Hedra., p.78-79, ligeiramente modificada)

Sem excluir o papel da primeira loucura, a segunda loucura (i.e., a dionisíaca) parece corresponder de algum modo ao tipo de prática ligada tradicionalmente a Epimênides, que descobria miasmas e propunha em seguida purificações que os afastassem (lysin) dos males.20 20 Ver Bacelar (2020, p. 3-7) acerca da lysis dionisíaca nesse trecho do Fedro. Mais uma vez, não apenas nessa prática Epimênides e Sócrates seriam hábeis, mas o próprio Estesícoro poderia fazer parte desse seleto grupo de purificadores, já que encontrou também purificação pessoal para uma falta anterior contra Helena que se revelou posteriormente. Cada um desses homens, dentro de suas especificidades, cumprem um papel importante na interpretação do diálogo, sendo a presença de Estesícoro mais direta, por ser explícita, já que tem seus versos mimetizados por Sócrates. O modelo da “antiga purificação” (katharmos archaios) poética de Estesícoro (Phdr.243a4) evita que Sócrates sofra algum mal advindo de Eros e Afrodite.

Epimênides de Creta, ainda que não tenha sido mencionado, guarda correspondência com o ambiente do poder farmacológico do discurso, que tomou forma no diálogo com as inspirações e loucuras apolíneas, especialmente as dionisíacas, como vimos, por desvendar miasmas do passado, mas também com o poder das Ninfas, Musas e das loucuras eróticas. As tópicas do sono ao meio-dia, a imagem dos animais que se inclinam e dormem, a interdição pitagórica colhida em Olimpiodoro de não dormir ao meio-dia, fazem como que as práticas e as histórias de Epimênides tenham uma certa proximidade com a ambiência e com o imaginário que encontramos nesses trechos do Fedro.

Embora a ambiência da cena do sono ao meio-dia seja mais facilmente compreendida dentro da mesmas tópicas literárias bucólicas, não fica evidente, entretanto, como essas purificações dionisíacas voltadas para miasmas do passado, tais quais descritas no Fedro, poderiam de modo efetivo serem associadas com segurança às purificações praticadas por Epimênides, seja por estarem relativamente perdidas no passado arcaico, seja por não haver de fato nenhuma menção explícita que circunscreva as práticas de Epimênides entre quaisquer loucuras ou inspirações similares.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao cabo de nossa investigação, constatamos que ambiência literária que Platão apresenta no Fedro remonta em muitos momentos ao passado poético, oral e escrito, do qual a cultura oracular e divinatória são partes integrantes. Todas as manifestações da música, da palavra cantada, da dança, dos cantos corais, da poesia lírica, da tragédia e da retórica estão de algum modo vinculados em Platão. Nesse cenário, Musas, Ninfas, cigarras cantoras, poetas, aedos, rapsodos, rétores e logógrafos compõem a paisagem e uma comunidade de sentidos com a qual, e às vezes contra a qual, Platão efetivamente dialoga. Platão parece assimilar a tradição poética catártica dentro dos limites das novas práticas da cultura oral e escrita que ele promove em sua filosofia.

Inicialmente pensávamos que as afinidades apontadas entre os dois sábios de épocas relativamente distintas pudessem sustentar uma espécie de citação velada21 21 Citação velada ou insinuação (hypodḗlosin) é um recurso retórico explicado por Sócrates como uma invenção de Eveno de Paros (Phdr.267a3). Ver também Eveno de Paros em Phd. 60d-61d. a Epimênides no Fedro, como acontece em alguns casos, sendo que essa foi nossa primeira hipótese, depois de algumas prospecções em torno daquelas tópicas e imaginário das práticas de Epimênides. De modo similar, Giannadakis (1989 apud Lebedev, 2022LEBEDEV, A. V. (2022) The Aegean origin and early history of the Greek doctrines of reincarnation and immortality of the soul (Epimenides, Pherecydes, Pythagoras, and Onomacritus’ Orphica). Orientalia et Classica VI, n. LXXVII, p. 240-301., p.268) já havia tentado defender a hipótese de que os “sonhadores” a quem Heráclito faz referência em seus fragmentos (e.g. DK 22 B 21, 26 e 56) seriam menções indiretas a Epimênides e à suas práticas de adivinhação onírica. Mas como o nome ou qualquer outro indício de Epimênides jamais aparece efetivamente nos fragmentos de Heráclito, a leitura de Giannadakis, apesar de interessante, se mostrou também insuficiente. Nesse mesmo sentido, no decorrer desse estudo ficou claro que as passagens do Fedro não poderiam ser entendidas exatamente como citações veladas a Epimênides, apesar das proximidades encontradas no imaginário, mas sim como partícipes de uma mesma ambiência literária, lugares comuns em que por afinidade caberiam esses e outros personagens similares. Tanto é assim que nesse cenário textual, em meio ao qual esperávamos encontrar alguns vestígios nas práticas de Epimênides, encontramos o próprio Pitágoras, que marcou antes uma espécie de inesperada presença no Fedro, ainda que derivada da interpretação neoplatônica de Hérmias.

Todos esses sábios, evidentemente, podem ser reunidos em uma categoria relativamente ampla, visto que são porta vozes de uma cultura poética e divinatória da qual Platão talvez seja, ainda que de modo controverso, um dos maiores herdeiros. Isso ocorre também porque Platão se empenhou em pintar detalhadamente todos esses cenários e temas que o interessaram sempre de modo singular.

Não é possível afirmar de forma cabal que no mito das cigarras cantoras e a menção ao perigo do sono ao meio-dia sejam referências indiretas a Epimênides, permanecendo tal aproximação, portanto, no campo das afinidades e ressonâncias literárias e filosóficas. Quanto às adivinhações acerca dos miasmas do passado, tampouco poderíamos afirmar tal ligação entre a loucura dionisíaca e as práticas de Epimênides, apesar da coincidência de ambos descobrirem e purificarem antigas faltas religiosas. Nesse caso, não há menção a quaisquer loucuras dionisíacas relacionadas a Epimênides como as vemos em Platão.

Contudo, dois frutos involuntários merecem destaque no final desse trajeto. Ao procurarmos as afinidades entre Epimênides e as tópicas literárias do Fedro apresentadas por Sócrates, encontramos em Olimpiodoro, dentro desse mesmo ambiente e imaginário, embora ele esteja comentando o Fédon, uma prescrição “pitagórica” similar à mencionada por Sócrates, quando sugere a Fedro que ambos resistam ao sono do meio-dia. Além disso, encontramos um Pitágoras de algum modo “presente” no Fedro, pois, segundo Hérmias, Platão teria escrito o diálogo Fedro como uma homenagem a Pitágoras.

A literatura filosófica tardia, em seu ímpeto de buscar sintonias e afinidades entre tradições teológicas e filosóficas, produziu interpretações mais abrangentes acerca de temas antes não evidentemente aparentados. Autores neoplatônicos, sobretudo da escola de Atenas, da qual Hérmias faz parte, por estarem buscando afinidades e sintonias entre as tradições teológicas e filosóficas (Saffrey, 2000SAFFREY, H.-D. (2000). Le néoplatonisme après Plotin II. Paris, Vrin., p. 157), talvez tenham sido capazes também de aproximar personagens, práticas, escolas filosóficas, reunindo elementos antes relativamente esparsos ou sem óbvia conexão.

Platão faz questão, portanto, de manter contato com a cultura oral e escrita proveniente da época arcaica. Então, para ele, o mundo arcaico seria um paradigma de um período que deve ser reavivado pela filosofia, de modo que fica difícil aceitar uma oposição forte entre essas duas épocas e modos de expressão, como sugere Werner em sua interpretação do mito das cigarras cantoras (Werner, 2012WERNER, D. (2012) The Cicadas. In: Myth and Philosophy in Plato's Phaedrus. Cambridge, Cambridge University Press, p. 133-152., p.151-152).

As Musas inspiradoras justificam que Fedro e Sócrates sigam a filosofar e não sucumbam ao poder letárgico do sono do meio-dia, que funciona como uma interdição de um imaginário comum. Epimênides, teria sucumbido ao poder dessa força divina, mas teria sido agraciado pelos enormes benefícios dessa experiência mística, funcionando como um exemplo ancestral desses poderes naturais manifestos nesse horário divino.

Então, apesar de termos descrito apenas uma ambiência literária comum entre Epimênides e o Sócrates do Fedro, ainda que as adivinhações do passado de Epimênides talvez não possam ser relacionadas pontualmente à loucura dionisíaca, fica a imagem de um quebra-cabeças cujas partes talvez nunca possamos completar definitivamente. Esperamos, entretanto, que outras peças desse quebra-cabeças possam ser recolhidas e encontrem lugar nesse complexo cenário aqui apenas esboçado.

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  • ZATTA, C. (1997) Incontri con Proteo Instituto Veneto di Scienze, Lettere ed Arti.
  • 1
    Ver Pausânias, que contabiliza uma duração de 40 anos (tessaraskoston etos, Paus. 1,14) para o sono de Epimênides (Jones, W.H.S. 1918JONES, W.H.S. (trad.) (1918) Pausanias. Description of Greece. Volume I: Books 1-2, Loeb. Cambridge, Harvard University Press .).
  • 2
    Para datas aproximadas desses eventos, ver Bernabé (2007BERNABÉ, A. (ed.) (2007) Poetae Epici Graeci, Testimonia et Fragmenta. pars II, Faciculus 3, Musaeus, Linus, Epimenides, Papyrus Derveni, Indices; Bibliotheca Scriptorum Graecorum et Romanorum Teubneriana. B.G. Teubner, Leipzig., T1, p. 108).
  • 3
    Tradução de Buzzeli (2019, p.223). Ver também Vogel (1966VOGEL, C.J de. (1966) Pythagoras and Early Pythagoreanism: An Interpretation of Neglected Evidence on the Philosopher Pythagoras. Assen, Van Gorcum. ) e Cornelli (2011CORNELLI, G. (2011) O pitagorismo como categoria historiográfica. Classica Digitalia Brasil. Coimbra-São Paulo, CECH Universidade de Coimbra-Annablume.) acerca do pitagorismo, suas categorizações e sua historicidade.
  • 4
    Acerca da obra de Epimênides, ver Bernabé (2007BERNABÉ, A. (ed.) (2007) Poetae Epici Graeci, Testimonia et Fragmenta. pars II, Faciculus 3, Musaeus, Linus, Epimenides, Papyrus Derveni, Indices; Bibliotheca Scriptorum Graecorum et Romanorum Teubneriana. B.G. Teubner, Leipzig., fr. 54, p.159-160). Acerca da obra de Empédocles, ver DK 31B 112- 153a, além de Most & Laks (2016LAKS, A.; MOST, G. W. (eds.) (2016) Early Greek Philosophy. vol. V, part 2. Cambridge, Harvard University Press ., vol. V, 2, D4-40, p.369-387).
  • 5
    Retirei algumas referências que estão no texto original para evidenciar a fluidez da informação proveniente do Léxico. Ver a tradução na íntegra de Bernardes e Moura (2020).
  • 6
    Tradução de Buzzeli (2019, p.225). Ver Casertano (2011CASERTANO, G. (2011) Epimênides: Sábio ou Filósofo? Hypnos 26, p.13-35. , p.19-20, n.33) acerca das informações contidas nessa fonte e das hipóteses em torno de sua interpretação.
  • 7
    Ver Schefer (2003SCHEFER, C. (2003) Rhetoric as Part of an Initiation into the Mysteries: A New Interpretation of the Platonic Phaedrus. In: MICHELINI, A. N. (ed.) Plato as author: the rhetoric of philosophy. Leiden-Boston, Brill, p. 175-196., p.178-196) acerca do termo epopteia, uma experiência visual indizível ligadas aos mistérios.
  • 8
    Ver também Bowra, 1934BOWRA, C. M. (1934) Stesichorus in the Peloponnese. The Classical Quarterly 28, n.2, p. 115-119., 1963; West, 1982WEST, S. (1982). Proteus in Stesichorus' Palinode. Zeitschrift für Papyrologie und Epigraphik 47, p. 6-10..
  • 9
    Ver também Ferrari, 1990FERRARI, G. R. F. (1990) Listening to the Cicadas: A Study of Plato's Phaedrus. Cambridge, Cambridge Classical Studies. ; Griswold, 1996, p.75-137; Yunis, 2011YUNIS, H. (ed.) (2011) Plato. Phaedrus, Cambridge, Cambridge Press.; Rossetti, 1992.
  • 10
    Mantive cada nome das Musas acompanhando a tradução de Torrano para a Teogonia de Hesíodo v.77-8 (Torrano, 1995TORRANO, JAA. (trad.) (1995). Hesíodo. Teogonia. São Paulo, Iluminuras., p.109).
  • 11
    Ver Demétrio, Sobre o estilo, 99, que atribui esses mesmos versos a Dioniso de Siracusa.
  • 12
    [...] ἁνίκα τέττιξ / ποιμένας ἐνδίους πεφυλαγμένος ὑψόθι δένδρων / ἀχεῖ ἐν ἀκρεμόνεσσιν·
  • 13
    Ver em Liddell-Scott (1996, p. 560) que ἐνδείους (adj pl masc acc) deriva de ἔνδιος, ou seja, “meio-dia”, “diurno”. Usamos a versão de Nogueira ao traduzir ἐνδείους por “solares”. Ver Wendel (1914WENDEL, C. (ed.) (1914) Scholia in Theocritum vetera. Adiecta aunt Scholia. Leipzig, Teubner .) <ποιμένας ἐνδείους> ἡνίκα ὁ τέττιξ ἐπὶ τῶν ὑψηλῶν κλάδων ἠχεῖ κατὰ τὴν μεσημβρίαν τοὺς ποιμένας φυλασσόμενος. ἐλάσαντες γὰρ οὗτοι ὑπὸ τὴν σκιὰν τὰ θρέμματα ἐν τῇ μεσημβρίᾳ θηρῶσι τοὺς τέττιγας.
  • 14
    Esse dito pitagórico é mencionado na República 424a1, 449c6, bem como em Aristóteles, na Política 1263,30 e na Ética Nicomaqueia 1159b31.
  • 15
    πολλοὶ γὰρ τῶν παλαιῶν καὶ εὐδοκιμωτάτων συνέγραψαν, ὡς Ὀρφεὺς, Ἑρμῆς· Πυθαγόρας δὲ καὶ Σωκράτης οὐ συνέγραψαν.
  • 16
    Ver Cornelli (2011CORNELLI, G. (2011) O pitagorismo como categoria historiográfica. Classica Digitalia Brasil. Coimbra-São Paulo, CECH Universidade de Coimbra-Annablume.) acerca do termo “pitagorismo” como categoria historiográfica.
  • 17
    Cf. Pitágoras sendo saudado pelo rio Cosas (Laks; Most, 2016LAKS, A.; MOST, G. W. (eds.) (2016) Early Greek Philosophy. vol. V, part 2. Cambridge, Harvard University Press ., vol. II, parte 1, P42, p.49) e a audição especial das esferas celestes (Porph. VP 30; Iambl. VP 65-66).
  • 18
    Ver Ustinova (2018USTINOVA, Y. (2018). Divine Mania Alteration of Consciousness in Ancient Greece. New York, Routledge., p.113-342) para um aprofundamento a respeito dos diferentes tipos de loucuras.
  • 19
    Ver a tradução do Banquete de Platão feita por Franco e Torrano (2021FRANCO, I.; TORRANO, JAA. (trad.) (2021) Platão. O Banquete. São Paulo, Loyola.), assim como a edição de Dover (2009DOVER, K. J. (ed.) (2009) Plato. Symposium. Cambridge, Cambridge University Press. ).
  • 20
    Ver Bacelar (2020BACELAR, A.P. (2020) On Dionysian lysis. Revista Archai. 30 (May 2020), e03003. DOI:https://doi.org/10.14195/1984-249X_30_3., p. 3-7) acerca da lysis dionisíaca nesse trecho do Fedro.
  • 21
    Citação velada ou insinuação (hypodḗlosin) é um recurso retórico explicado por Sócrates como uma invenção de Eveno de Paros (Phdr.267a3). Ver também Eveno de Paros em Phd. 60d-61d.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2021
  • Aceito
    21 Nov 2022
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