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O plátano e o canto das cigarras no Fedro de Platão: o ambiente do diálogo

The plane tree and the singing cicadas in Plato’s Phaedrus: the environment of dialogue

Resumo:

Esse artigo visa repensar o significado da natureza e do humano em Platão, mais especificamente através de alguns exemplos contidos no diálogo Fedro, raro diálogo mais afastado da cidade. Fedro e Sócrates saem de Atenas numa trilha para fora dos muros, passando pelo córrego Ilisso e pela brisa dos bosques, e acabam sentados nas sombras das árvores cheias de cigarras cantantes. Qual o sentido desse cenário na construção do texto? É possível aprender com carvalhos ou insetos? O filosofar desse diálogo passa pelo aconchego das sombras das árvores no quente meio-dia de verão. Essa topografia sensual através do texto revela o escritor Platão cuidadoso com o significado envolvente do drama vivo entre Fedro e Sócrates. A participação e audiência dos elementos naturais, das árvores e cigarras no diálogo revela um envolvimento do discurso com a atmosfera circundante, preocupação especial de Sócrates em sua palinódia e em sua oração final à Pan. Nesse diálogo, mais do que distintos e afastados da natureza, pensamos o ser humano (e a razão) mergulhados nela - numa tentativa de integração e busca mitológica e dialógica entre rio, rocha, plantas, animais, humanos, deuses e semi-deuses. A imagem de um Platão demasiado racionalista e humanista encontra nesse texto uma outra perspectiva: a de um escritor inspirado, híbrido poeta e filósofo na missão de restaurar a linguagem e a cidade à vida animal e cósmica.

Palavras chave:
Filosofia; Platão; Natureza; Retórica; Cigarras

Abstract:

This article aims to rethink the meaning of “nature” and the human in Plato, more specifically through some examples contained in the Phaedrus, a rare dialogue further away from the city. Phaedrus and Socrates leave Athens on a path outside the walls, past the Ilisus stream and the breeze of the woods, and end up sitting in the shadows of trees full of singing cicadas. What is the meaning of this scenario in the construction o the text? Is it possible to learn from oak trees or insects? The philosophizing of this dialogue passes through the coolness of the shadows of the trees in the hot summer noon. This sensuous topography through the text reveals the writer Plato wary of the enveloping meaning of the living drama between Phaedrus and Socrates. The audience and participation of natural elements, trees and cicadas in the dialogue reveals an involvement of the discourse with the surrounding atmosphere, a special concern of Socrates in his palinode and in his final prayer to Pan. In this dialogue, more than distinct and removed from nature, we think the human being (and reason) immersed in it - in an attempt to integrate a mythological and dialogical search between river, rock, plants, animals, humans, gods and demigods. The image of an overly rationalist and humanist Plato finds in this text a perspective of an inspired writer, a hybrid poet and philosopher, with a mission to restore language and the city to animal and cosmic life.

Keywords:
Philosophy; Plato; Nature; rhetoric; cicadas

Introdução

Na tentativa de repensar o demasiado humanismo do “homem medida” e do excessivo racionalismo abstrato associados aos clássicos, ou de reler a tradição com o olhar da agenda ecológica, me deparei com o tema da relação entre discurso e natureza através de uma obra de Platão: o Fedro.

O Fedro é um diálogo disputado quanto a sua unidade temática e data de composição. Podemos dizer que é um diálogo focado basicamente no tema do eros e do logos retórico, o amor e o discurso - se expandindo numa crítica dialógica da própria escrita, mas também abordando temas como a alma, a dialética e a beleza. Na primeira parte do texto temos uma tonalidade mais poético-mitológica, e na segunda parte uma discussão e uma análise da retórica e da dialética - ambas as partes são filosóficas e uma aponta para outra e para o cenário que circunda o debate, e em ambas há análise dialógica e mito-poética entrelaçadas, conversa filosófica e canto inspirado se misturam. Vale lembrar que Platão não escreve tratados mas dramatiza argumentos, as vezes um entrelaçado deles (Hackforth, 1952HACKFORTH, R. (1952). Plato’s Phaedrus. Cambridge, Cambridge University Press . , p. 8-12).

Ao retratar a atmosfera do Diálogo e a interação entre audiência e oradores (não só humanos), nos vemos na possibilidade de repensar novamente o papel dessa natureza circundante e sua influência no discurso filosófico?1 1 O termo Φύσις é polissêmico, segundo o Liddel-Scott (2001) significa: 1. origem (natureza como um poder de originar - produção); 2. crescimento, resultado de crescimento, 3. constituição ou forma natural; 4. lugar natural ou posição de uma juntura ou osso; 5. natureza da mente - caráter, disposições, temperamento, instinto dos animais; 6. ordem regular da natureza (cosmos); 7. naturalmente (em oposição à convencionalmente); 7. Criatura, plantas; 8. gênero, tipo, espécie. Segundo o dicionário grego-português de Isidro Pereira (8ªedição) (Φύσις): 1. Natureza ou maneira de ser de uma coisa; 2. Forma do corpo, natureza da alma; 3. Disposição natural, condição natural; 4. Força produtora; 5. Substância das coisas; 6. Ser animado. Penso que no Fedro todos esses sentidos se combinam de alguma forma - e o ζῷον se encaixa como ‘criatura’, ou ser vivo animado que tem uma origem e que cresce.

Platão, ao construir esse ambiente em modo literário e poético, usando dos mitos e lendas da época, na permeabilidade intermediária entre deuses, humanos, animais e plantas, rios e ventos, reinventa a própria comunicação e conhecimento da filosofia. O conhecimento não é somente algo artificial (como num texto) mas um ser vivo animado.

Nesse intuito, pretendo trabalhar algumas passagens do Fedro:

  1. 1. o afastamento da cidade e sua topografia;

  2. 2. o papel das Árvores e rochas;

  3. 3. o mito das Cigarras e seu canto.

  4. 4. a produção de uma retórica filosófica “orgânica” por Sócrates;

Poderíamos adicionar nessa lista uma análise dos cavalos alados (Phdr. 246a-254e) (e do carro que não recebe tanta atenção) que formam a constituição da alma e seria um ponto por si só de ampla análise no sentido do pós-humano (entre animal e artificial). 2 2 Entendo vagamente por pós-humanismo aqui a tentativa de pensar filosófica e culturalmente acerca das implicações éticas, epistemológicas e retóricas de expandir o círculo de concernimento moral e subjetividade para além da espécie humana.

O que pode parecer apenas artifício literário, se revela de muita importância para se entender a mensagem vital que atravessa o diálogo acerca do amor aos discursos. Fedro e Sócrates são amantes dos discursos, mas há um perigo inerente neles que Sócrates se esforça por mostrar.

A cena do bosque é um sinal para desvendar o diálogo. Sócrates, um residente da cidade de Atenas, tendo experimentado pouco o ‘interior’, caminha ao largo do rio Ilisso com seu belo amigo Fedro, um grande apaixonado pela retórica, para uma conversação privada (Cooper, 1997COOPER, J. M. (1997). Plato Complete Works. Indianapolis; Cambridge, Hackett Publishing Company., p. 506). A situação nos remete à abundância de sentidos, frescor, fluidez, admiração da natureza, musicalidade no coro das cigarras, beleza, radiância do Sol - Φαῖδρος é radiante em grego. Essa romantização da natureza não tem paralelo em nenhum outro diálogo e é raro na literatura grega (Kahn, 1996KAHN, Charles. (1996). Plato and the Socratic Dialogue: the philosophical use of a literary form. Cambridge, Cambridge University Press ., p. 371). Geralmente as plantas e cigarras seriam como que imperceptíveis, mas nesse diálogo Platão faz questão de produzir um encontro com esses seres (um encontro que não é nem de forma instrumental nem nominalista e classificatória). Em grande parte dos seus textos Platão ambienta o diálogo em topografias citadinas e urbanas - e não na beleza privada de um refúgio rural. Esse ambiente não é somente um background ou atmosfera passiva, mas vem a tona durante o diálogo de modo direto e intervindo na conversação filosófica em momentos chave. Sócrates se admira com a beleza do lugar - a beleza não só é encontrada nos discursos, mas também na natureza - no contingente “aqui e agora” da atmosfera do diálogo. A lida com o contingente e não seu abandono - eis uma postura que Platão se esforça por mostrar. Veremos um Platão que não nega a natureza como se fosse algo corrupto, mas que a combina e harmoniza com a busca da alma.

Será essa atmosfera ao ar livre e o canto das cigarras que vão “inspirar” a criação dos dois discursos mais longos de Sócrates, competindo com o texto de Lísias sobre o amor , texto que Fedro traz consigo, desse retórico estrangeiro que está de passagem por Atenas. Temos em jogo uma competição pelo apaixonado Fedro, de um lado a arte retórica que elogia o não-amante (Lísias), e do outro a da dialética erótica do amante divino Sócrates.

Na tentativa de persuadir Fedro ao amor à sabedoria - pré-requisito essencial da arte dos discursos, Sócrates nos faz pensar com seu próprio “canto”, principalmente no segundo discurso, que o conhecimento filosófico envolve eros, logos e verdade, uma busca da alma relacionada a uma metafísica inteligível. A verdadeira arte dos discursos é uma arte do pensamento vivo - conectado com a natureza enquanto produção de vida do pensamento (não só reprodução mas pró-criação).

Platão constantemente usa imagens e alegorias da natureza e dos animais, entremeados com mitos, para comunicar ideias filosóficas, considerando a contingência humana diante da verdade divina e a alma dos personagens e dos leitores. A ‘voz’ dos animais tem um sentido atemporal (Cornelli, 2018CORNELLI, G. (2018). A Felicidade Perdida: Animais que falam e a ontologia da cidade platônica. In: SEBASTIANI, B.; LEÃO, D.; SANO, L.; SOARES, M.; WERNER, C. A poiesis da Democracia. Coimbra, Imprensa da Universidade de, p. 477-488., p. 485) que nos adverte para o transcendente, de forma às vezes modelar como norma de referência - como no caso das cigarras nesse texto - mas também a figura animal aparece de forma anti-modelar como no caso do amor do lobo pelo cordeiro, e mesmo no próprio caso da cigarra (Phdr. 241cd). Por suas aproximações com o animal, o vegetal e o bosque do diálogo na caracterização de sua filosofia, essa é uma obra chave para atenuarmos a classificação de Platão como simples racionalista ou humanista.

Os discursos e o bosque na construção do diálogo

No início do diálogo Fedro se encaminha para fora dos muros. Enquanto a pólis é do domínio dos homens, estar fora dos muros pode significar estar aquém e além do humano (Oliveira, 2012OLIVEIRA, A. M. (2012). A psicologia de Platão: sobre a teoria da alma humana no diálogo Fedro, a partir das categorias do apolíneo e do dionisíaco. Plêthos 2, 1. p. 176-196., p. 178), significa transpor os limites da cidade, mesmo que o cenário não seja na natureza selvagem, mas na periferia da cidade. Essa saída para fora dos muros também pode significar que a devoção de Sócrates vai além dos limites da convenção e da cidade (Griswold, 1996GRISWOLD, C. L. (1996). Self-Knowledge in Plato’s Phaedrus. New Haven and London, Pennsylvania State University Press., p. 9). Fedro sai dos muros, para respirar do encontro que teve por toda manhã, em uma residência privada com Lísias, mas sai carregando o discurso desse retórico. O diálogo se passa aproximadamente ao meio dia. Fedro encontra com Sócrates que pergunta: “amigo, de onde vens e para onde vais?” (Phdr. 227a) - essa pergunta sugere uma chave abrangente de leitura e de movimento: o ciclo natural da vida humana, sua origem, sua natureza, seu destino. Essa passagem inclusive pode nos preparar para o ciclo de reencarnações do segundo discurso de Sócrates no Fedro, relacionado aos ciclos da alma. Sócrates também está curioso para saber sobre o que eles conversaram pois pensa que a prática de ouvir (e produzir) discursos está acima dos negócios (Phdr. 227b).

Sócrates e Fedro decidem sair da ‘trilha’ e caminhar ao longo do Ilisso (ribeiro nas cercanias de Atenas) até acharem a um ponto mais aprazível para que Fedro apresente o tema e o discurso de Lísias (Phdr. 228e-229ab). Eles caminham com os pés descalços e na água, para sentir o prazer disso, especialmente nessa época quente do ano. Essa conversa inicial é toda preocupada com a topografia do diálogo (tradução adaptada de Gomes, 2000GOMES, P. (2000) Platão. Fedro ou da Beleza. Lisboa, Guimarães Editores.):

Fedro: Vês, lá adiante, aquele plátano alto?

Sócrates: Vejo, sim!

Fedro: Ali há sombra, uma brisa suave, relva para nos sentarmos e, se quisermos, para nos deitarmos! (Phdr. 229ab)

É à sombra dessa árvore, o plátano, a posição central do diálogo (Phdr. 230ab). Possível referência oblíqua de Platão a si mesmo? ‘De Platão’ em grego é πλάτωνος, enquanto a árvore é πλάτανον - de πλατύς, por ser ampla. Um trocadilho retórico que permite colocar Platão no diálogo (Zaslavsky, 1981ZASLAVSKY, R. A. (1981). A hitherto Unremarked Pun in the Phaedrus. Apeiron 15, n. 2, p. 115-6.)? Podemos pensar Platão (amplo) como um plátano imponente que abriga com sua sombra diversos personagens em seus Diálogos - (sombreia a conversa de Sócrates e Fedro) e abriga com seus largos ombros (ou raízes) toda a tradição ocidental?

Essa árvore de altaneiro talhe podia chegar a 30 metros de altura nessa estação do ano. As árvores amplas também eram marcantes na famosa Academia de Atenas. A árvore é um elemento recorrente na literatura mítica dos primórdios - espaço de reunião e mediação entre factual e poético, profano e sagrado, céu e terra (Santos, 2019SANTOS, M. C. A. dos. (2019). À sombra do Plátano - comentário sobre o mito escatológico do Fedro de Platão. Revista de Estudos Filosóficos e Históricos da Antiguidade 24, n. 33, p. 53-72, p. 57). É nesse lugar que Sócrates falará do ὑπερουράνιον τόπον, do “lugar supraceleste” (Phdr. 247bc) e do culto ao logos. No diálogo Timeu, por exemplo, os humanos são retratados como uma ‘planta celeste’ (φυτόν οὐράνιον) na tradução de Lopes, 2011LOPES, R.. (2011). Platão. Timeu-Crítias. Coimbra, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos.):

Quanto à espécie de alma que nos domina, é necessário ter em conta o seguinte: um deus deu a cada um de nós um daimon, aquilo que dizemos habitar no alto do nosso corpo [...] e nos eleva desde a terra até àquilo que é nosso congénere no céu, porque somos uma planta celeste e não terrena (...) (Ti. 90 a-b)

A substância da alma deriva de uma outra região, a esfera eidetica ou plano das Ideias. É uma região superior que nutre nossas almas. Mais estáveis que a terra ou qualquer planeta, que estão sujeitos à terremotos e deslizamentos, as ideias formam a pedra de toque da filosofia platônica - como nos enraizarmos nelas? O pensamento é uma planta que serve para significar o solo de onde brotou (Marder, 2012MARDER, M. (2012). The Philosopher’s Plant 1.0: Plato’s Plane Tree. Available at: project-syndicate.org/blog/plato-s-plane-tree. Accessed on 26/03/2021.).

Ao caminharem em direção ao plátano, Fedro e Sócrates andam perto do pequeno rio Ilisso (Phdr. 229c). O rio é encantador, água pura e transparente, mas também as rajadas de vento tornam a água perigosa - uma significação ambígua da natureza nessa atmosfera mitológica. A natureza exuberante e prazeirosa e o prazer dos discursos se misturam - seu poder de cura e também seu perigo: enquanto poderes que nos tiram de nós mesmos. Fedro toca no assunto do mito do rápto de Oritia (princesa ateniense) por Bóreas (divindade do vento frio do norte). Sócrates não quer perder tempo desmitologizando essas histórias - o que interessa é criar e usar os mitos como ferramentas para o auto-conhecimento vivo. Esse seria o tema unificador do diálogo, segundo Griswold (1996GRISWOLD, C. L. (1996). Self-Knowledge in Plato’s Phaedrus. New Haven and London, Pennsylvania State University Press.). Mas para o pensamento socrático do ‘conhece-te a ti mesmo’ não necessariamente nos livramos dos mitos. Sócrates quer saber (retradução de Alexander Nehamas e Paul Woodruff em Cooper, 1997COOPER, J. M. (1997). Plato Complete Works. Indianapolis; Cambridge, Hackett Publishing Company.):

Se sou algum monstro mais complexo e selvagem (ἐπιτεθυμμένον) do que Tifon, ou algum animal (ζῷον) mais dócil (ἡμερώτερον) e simples e que, por natureza ( φύσει) , participe (μετέχον) de uma parte de algum modo divina e gentil. Mas não é que chegamos à árvore para junto da qual tu, companheiro, me conduzias? (Phdr. 230a)

A relação de Sócrates com os mitos no texto nunca é totalmente abandonada - não o impede de usá-los para ilustrar sua retórica filosófica. Sócrates quer saber se ele é por natureza3 3 Nesse caso φύσει é utilizado no sentido de “por origem” da constituição divina, forma ou origem natural. , uma criatura (ζῷον) mais divina e simples (ἁπλούστερον) do que um monstro mitológico “Tifon” - um fabuloso monstro alado multiforme e com múltiplas vozes, composto de várias espécies animais. Ele não abandona simplesmente o linguajar mítico, apenas o redireciona e o reinventa na busca filosófica. As construções dramáticas estão a serviço da construção da argumentação. Ao chegarem no ponto procurado, Sócrates admira e exclama (Phdr. 230b): ‘por Hera, que belo recanto’.4 4 Hera é a esposa de Zeus e a deusa do amor, fertilidade da natureza e também uma personificação da atmosfera. O plátano é copado e o ambiente está embalsamado pelo aroma da florescência do agnocasto. Existe ainda uma fonte - que é reverenciada e consagrada às Ninfas e a Aqueloo.5 5 Aquelóo é um Deus Rio. As ninfas são deidades femininas benevolentes associadas com os fenômenos naturais como córregos, florestas e montanhas. O lugar tem imagens do deus e estátuas juvenis. A brisa é delicada e aprazível como a relva, a melodia clara e calma, acompanha o coro das cigarras. Sócrates diz que Fedro é um bom guia. Fedro é um “retórico dos salões” - que gosta de abrigar e instigar a produção intelectual, porém também está acostumado a esses passeios fora dos salões.

Esse não é só um mergulho sensorial do texto platônico mas indica a ‘audiência’ e o local escolhido, sua atmosfera. Fedro admira Sócrates, por parecer um estrangeiro que nunca saiu das portas da cidade. E assim Sócrates responde (traduzo aqui a partir de Nunes, 2011NUNES, C. A.. (2011). Platão. Fedro. Belém, Editora UFPA., e Souza, 2016SOUZA, J. C. (trad.) (2016). Platão. Fedro. Posfácio e notas José Trindade dos Santos. São Paulo, Editora 34.):

Desculpa-me, meu caro: é que, sendo como sou, um apaixonado do saber, nem o campo nem as árvores não me ensinam coisa alguma; somente os homens da cidade. Tu entretanto pareces ter encontrado o feitiço que me fez sair; pois como os que levam as criações famintas agitando diante delas um ramo ou um fruto, assim tu, estendendo-me discursos em folhetos, visivelmente me farás percorrer toda a Ática e onde mais quiseres. (Phdr. 230e)

Aqui Sócrates parece revelar sua posição demasiado humano-racional, já que não acredita poder aprender com as árvores ou o campo, somente com os homens da cidade - Sócrates está hipnotizado pelo discurso como se fosse um animal faminto diante de um fruto! Está encantado pelo discurso urbano que Fedro carrega. Porém, ao longo do diálogo, essa posição de Sócrates (que não está drogado a ponto de ser insensível à beleza natural) parece oscilar e se transformar, Sócrates parece ‘cair na real’, criticando a suposta sabedoria desse discurso urbano.6 6 Podemos ler essa passagem como ironia? Sócrates finge não saber das coisas da natureza (para seduzir Fedro?), mas depois revela saber mais do que diz. Griswold (1996) na p. 34 diz que é falso que Sócrates nunca sai da cidade ( Phdr. 230d, Cri. 52b). Para ele Sócrates revela conhecer o cenário do diálogo apesar de reagir como se fosse algo novo. Uma outra possibilidade é também pensar que Platão escritor está articulando ironicamente esses momentos de Sócrates -o personagem Sócrates pode estar espontaneamente convencido nesse momento do diálogo do que diz, mas o autor constrói o processo dramático em que vai se revelando um outro aspecto do personagem.

Interrompamos a sequência regular do diálogo somente para termos em vista claramente e por contraste essa posição “humanista” com o trecho mais ao final do diálogo: em 275c - Após o mito de Theuth e Amon ( ambos deuses egípicios com forte simbolismo natural), segue uma passagem curiosa. Na tradução de Nunes, 2011NUNES, C. A.. (2011). Platão. Fedro. Belém, Editora UFPA.:

O que dizem, amigo, no santuário de Zeus, em Dodona, é que as primeiras expressões divinatórias saíram de um carvalho. Os homens naquele tempo, que não eram sábios como vós, os moços de hoje, na sua simplicidade contentavam-se em escutar as pedras e os carvalhos que falassem a verdade. Para ti, porém, é de muito maior importância saber quem fala e de qual região provém. Só com uma coisa não te preocupas: saber se tudo se passa realmente assim ou de outro modo. (Phdr. 275b-c)

O que pensar dessa referência e nostalgia do “saber” das pedras e carvalhos, em contraste com a afirmação anterior de Sócrates de que só aprenderia com homens? O carvalho é associado a Zeus e revelações sagradas (Santos, 2019SANTOS, M. C. A. dos. (2019). À sombra do Plátano - comentário sobre o mito escatológico do Fedro de Platão. Revista de Estudos Filosóficos e Históricos da Antiguidade 24, n. 33, p. 53-72, p. 57), mas mais do que uma disposição piedosa para com os deuses temos nessa passagem uma reverência à verdade. Na Teogonia de Hesíodo (Lúcia e Therezinha, 2009LÚCIA, A..; THEREZINHA, M. (2009). Hesíodo. Teogonia. Niterói, Editora da UFF.), logo na Introdução, vemos o carvalho e a rocha serem referidos. A extinta raça que podia ouvir ao carvalho e à rocha representa o ideal de despreocupação com questões de ‘pedigree’ e status onde isso é irrelevante para a verdade. São pessoas “simples”, de bom caráter, εὐηθείας, que são sábias sem saber, vivem antes da formalização das artes, e não são pessoas de alma complexa e ‘sofisticada’ (Ferrari, 1987FERRARI, F. (1987). Listening to the Cicadas: A study of Plato’s Phaedrus. Cambridge, Cambridge University Press., p. 216-217). Essa posição representa não somente uma nostalgia mas um ideia de simplicidade que se vincula à trama da filosofia platônica em geral, um contraponto à excessiva preocupação humana de quem fala e de onde veio, uma crítica à juventude corrompida pela sofística (ou pelo mal uso da dialética). Esses homens não são ingênuos mas de bom caráter, ao atenderem às palavras de um carvalho se ele falar a verdade (Trabattoni, 2012TRABATTONI, F. (2012). Myth and Truth in Plato’s Phaedrus . In: COLLOBERT, C.; DESTRÉE, P.; GONZALEZ, F. (eds.). Plato and Myth: studies on the use and status of platonic myths. Leiden; Boston, Brill, p. 315-447, p. 307).

Outro papel da árvore como importante testemunha de juramento e divindade se dá após a leitura do discurso de Lísias por Fedro, discurso que apresenta as vantagens do não-amante sobre o amante. Sócrates é impulsionado por Fedro a elaborar um outro discurso sobre o mesmo tema (ou seja, sobre a loucura do amor versus a prudência do não-amante). Sócrates reluta e resiste em fazer essa declamação. Fedro insiste e faz uma ameaça especial a Sócrates, que é a seguinte (tradução de Nunes, 2011NUNES, C. A.. (2011). Platão. Fedro. Belém, Editora UFPA.):

Por qual divindade hei de jurar? Por qual? Aceitas este plátano? Pois bem: se não declamares teu discurso diante deste plátano, juro que nunca mais te mostrarei nem indicarei discurso de nenhuma pessoa (Phdr. 236e).

A árvore, o plátano que os protege do sol, é como uma referência divina e testemunha. Essa ameaça (e juramento) acaba funcionando e Sócrates declama seu primeiro discurso (que compete em estilo com o de Lísias, mas não desvia do tema) - cobrindo a cabeça e pedindo inspiração das musas sonoras do lugar. A atmosfera do diálogo está tomada pela música do canto da natureza e pela testemunha silenciosa do plátano (e do leitor). Sócrates procede pela procura da essência do amor, suas características e forma de ser, para poder julgar se é melhor favorecer o amante ou o não-amante, se o amor traz vantagens ou desvantagens. Veremos que Sócrates, no decorrer do seu primeiro discurso está como que possesso pelas ninfas (238e-d) de modo dionisíaco (personificação da graça e criatividade na natureza).7 7 É interessante pensar se Sócrates está de fato possesso ou está a fazer uma espécie de jogo retórico com a mentalidade de Fedro ( a mentalidade grega em geral quando se trata dos discursos) para convencê-lo a se tornar filósofo. Desse modo temos uma articulação entre a inspiração divina e o trabalho (práxis) da dialética da linguagem humana. Sócrates ao mesmo tempo que se deixa inspirar baquicamente pela natureza ao redor e por Fedro, seu amigo, também tem receio de perder-se a si mesmo arrebatado no fluxo da eloquência. Nesse discurso Sócrates caracteriza eros como um desejo desprovido de razão, que atrofia a alma e esmaga o prazer do bem, dirigido irresistivelmente somente para a beleza corporal - uma força destemperada - 238c . Uma espécie de ternura do lobo pelo cordeiro (Phdr. 241d). Nesse primeiro discurso Sócrates nos fala de dois princípios que nos governam e nos dirigem (237d-238a): 1) o inato (ἔμφυτος) desejo (ἐπιθυμία) dos prazeres (ἡδονῶν), 2) a ideia adquirida (ἐπίκτητος) de que é preciso procurar o melhor (ἄριστον). Chamando de intemperança (ὕβρις) quando 1 domina, temperança (σωφροσύνη) quando 2 domina. O tom desse discurso, apesar de mais claro que o de Lísias, segue a mesma proposição: a de que o amante deve ser denunciado por sua insensatez e o não-amante louvado pela temperança.8 8 Há uma discussão sobre se Sócrates segue ou não a hipótese de Lísias. Ver Nussbaum, 2004.

Sócrates se arrepende desse discurso com a cabeça coberta, um discurso feito a revelia, mas que retrata um momento importante da conversação e conversão filosófica. Sócrates termina esse discurso, como que a contragosto - por ter estado possesso, e quer atravessar o lugar encantado e ir embora - de volta para a cidade e os limites do humano, porém Fedro diz que ainda está muito quente e que eles poderiam conversar sobre o que disseram até que esfrie um pouco (Phdr. 242bc). Sócrates nesse momento recebe o sinal divino de seu daimon, que diz ser horroroso os dois discursos ( o seu primeiro e o de Lísias) pois não veio do próprio interior de Sócrates, foram tolos e correram o risco de serem impiedosos - agradando aos homens mas descurando da natureza divina de Eros (Phdr. 242de).

Na palinódia de Sócrates (um hino mítico) será provada a imortalidade da alma e seu amor através da noção de automovimento (princípio incriado e indestrutível). A alma é também caracterizada (246a-254e) - num linguajar humano e limitado para falar dessas coisas “metafísicas” - como uma força natural composta de uma parelha de cavalos alados, outra imagem que usa animais fabulosos. O ser vivo (ζῷον) mortal é caracterizado como uma mistura de corpo e alma. A natureza das asas conduz a alma para cima, onde habitam a raça dos deuses - por isso a alma, dentre tudo que participa do corpóreo, é a que simultaneamente mais participa da natureza divina (mas para isso têm de se ‘alimentar’ de beleza, sabedoria, bondade). Sócrates narra as viagens dos deuses e a contemplação destes do supra-celeste - o plano da Verdade, da Justiça, do Conhecimento do Ser dos seres (247e-248a). As almas não divinas não alcançam uma visão perfeita pela desarmonia dos corcéis, e conseguem apenas vislumbrar certas realidades. Nesse passo também aparece a noção de regra finalista ou lei de Adrasteia (como justiça distributiva) - uma concepção da transmigração das almas de acordo com sua capacidade de se alimentar na planície da verdade, de acordo com sua virtude ao acompanhar a divindade. Interessante notar, em nossa busca pelo pós-humano ou a transversalidade entre os seres, que nessa narrativa inspirada pelo bosque aparece a possibilidade de uma alma humana (ἄνθρωπος) poder entrar no corpo de uma besta (θηρίου), assim como uma alma bestial poder adentrar no corpo humano - mas somente no caso de essa alma bestial ter sido alguma vez humana - pois a condição de ser humano implica a faculdade de compreender o que denominamos Ideia (partir da multiplicidade de sensações para alcançar a unidade mediante a reflexão - reminiscência do que a alma viu quando acompanhava a divindade).

O canto das cigarras e a filosofia

Ao final do segundo discurso, Fedro e Sócrates concordam no prazer de conversar sobre temas filosóficos, debater sobre os discursos feitos e sobre características da arte de escrever. E é nesse momento de nobre discussão que dá sentido à vida, que Sócrates se relembra das cigarras nas árvores (tradução de Souza, 2016SOUZA, J. C. (trad.) (2016). Platão. Fedro. Posfácio e notas José Trindade dos Santos. São Paulo, Editora 34.):

me afigura que as cigarras, assim no mormaço sobre nossas cabeças cantando e entre si conversando, de cima estão a nos olhar. Se então elas vissem que também nós dois, como o comum dos homens ao meio-dia, não conversamos, mas ao contrário, cochilamos e, por inércia intelectual, cedemos ao seu encantamento, com justiça iriam rir de nós, julgando que alguns escravos vieram ao seu refúgio e, como carneiros no repouso da sesta, dormem em volta da fonte; se porém elas nos virem a conversar e nosso barco as costear como a Sereias, livre de seus encantamentos, o privilégio que elas têm dos deuses para dar aos homens talvez então elas nos dêem, admiradas. (Phdr. 258e-259a)

Nessa prosopopéia de Platão as cigarras (τέττῖξ) cantam e conversam ao mesmo tempo. No imaginário grego as cigarras eram insetos semilendários, associadas também com Apolo - deus da música, e ao meio-dia, quando o calor é mais intenso elas cantam mais alto, os raios do deus as inspiram como uma mania (Correa, 2007CORREA, P. (2007). O Canto da Cigarra. Kléos 11/12, p. 23-32., p. 27-28). Lembremos da alegoria central do Sol como Bem e Ideia suprema em Platão no livro VII da República - as imagens circundantes parecem estar sendo atualizadas de acordo com o logos platônico.

As cigarras em outras lendas também são pejorativamente descritas como ociosas - nada fazem senão cantar - comparadas também aos oradores e sofistas atenienses nos tribunais e processos (Correa, 2007CORREA, P. (2007). O Canto da Cigarra. Kléos 11/12, p. 23-32., p. 28-29). Em seu significado ambíguo, no Fedro elas são amigas das Musas e podem viver e cantar sem precisar comer nem beber (Platão aproveita algumas lendas que existiam e adiciona essa) mas seu som extático também pode fazer esquecer e dar sono.

O filósofo, como Ulisses, atravessa no meio-dia a preguiça e a tentação de dormir ao som das intermediárias das musas e sua ‘musica’- navega quase imperturbado por elas e filosofa ao meio-dia para ser agraciado pelos deuses com o dom de poder se auto-mover a partir da conversa filosófica. Sua “amarra” ao mastro do navio é a conversa filosófica. O escravo, com preguiça mental e sonolência, dorme ao meio-dia como carneiro diante da música da natureza. O diálogo parece nesse momento se esquivar do encanto da natureza circundante - que influiu nos dois discursos anteriores de Sócrates sobre o amor. Prazer, beleza, sedução, e alguma forma de perigo são algumas das características comuns da voz aqui. A voz é algo para trazer prazer estético ou um veículo de logos? É corporal ou imaterial? É mortal ou imortal? É um veículo do conhecimento ou do deslumbramento? Temos assim o status paradoxal do canto e da conversa das cigarras. A comparação com a sereia é válida: as sereias são parte-humanas, parte-animais, parte-divinas, que nem as cigarras. As cigarras e as sereias são figuras mitológicas associadas à voz e ao canto. A sua voz pode ser vista como 1. um som ou barulho natural que encanta e faz dormir, morte do diálogo - encanto extremo que leva a morte do corpo, ou 2. pode ser vista como sinal ou lembrete de que a natureza está viva ao redor deles, que eles devem continuar cantando e conversando por amor às Musas, para além dos muros da cidade. O poder da voz, discurso, conversa, texto, canto, música, arte e imagens leva isso em conta: esses poderes podem levar à busca da verdade ou dar sono e embriaguez. Matar a vida da alma, ou levá-la ao encontro do seu verdadeiro ser.

“Dizem (λέγεται) que outrora (ποτε) as cigarras eram homens que viveram antes do nascimento das musas” (Phdr. 259b). Com o surgimento das musas, esses homens de admirados teriam morrido por só cantarem sem comer nem beber. 9 9 Podemos associar essa característica com o exposto no Phd.65a-66a: o ideal de uma alma sem o corpo mortal como obstáculo para desenvolver o conhecimento do ser. As cigarras tem a capacidade de com o estômago vazio e o papo seco, cantar sempre desde que nascem até quando morrem, essa raça deriva a sua natureza desses homens. Elas não precisam da ajuda das formigas no inverno como diz a fábula de Esopo “a cigarra e a formiga” (Bádenas, 1985BÁDENAS, P. (1985). La vida y Fábulas de Esopo. Madrid, España. Editorial Gredos., p. 140). Sócrates parece querer esse poder de autosustentar-se. As cigarras contam para as musas quem as honrou (na dança, música, oratória, filosofia, amor). De todas as musas Calíope (bela voz, retórica, poesia épica) e Urânia são mencionadas como as musas que são avisadas pelas cigarras do nome dos que as honram dedicando sua existência à filosofia. No mito as cigarras não são simples animais, mas intermediários divinos, mensageiras encarnadas das musas, as cigarras do bosque vivem cantando-amando e transitando num plano divino.

As cigarras são os daímons que se comunicam e comunicam as ações dos homens aos deuses. Animais que religam homens e deuses - reconstituindo uma unidade com o todo. A filosofia é como uma composição musical (Phd. 61a) que agrada essas musas - que tem o céu, discursos divinos e humanos como objetivos primeiros. A voz das cigarras é corpórea, mas também é um lembrete do triunfo extático sobre a matéria física. Assim como as cigarras não estão presas ao imediato e corpóreo, estando fora de si no canto às musas, assim também o filósofo está fora de si, em direção à Beleza radiante. Ao incluir o mito das cigarras nesse cenário, figuras sedutoras da morte, de ressurreição e também ligadas às musas (filhas da memória e de Zeus governante), Platão nos coloca entre a sensibilidade do corpo (Dionísio) e a alma imortal (e as formas apolíneas) e onde o logos humano pode se integrar no êxtase do som animal e na música divina da natureza. Essas considerações sobre o estatuto ou natureza paradoxal da voz e da fonosfera no mito são feitas por Leven, 2015LEVEN, P. (2015) Mythologies of the Voice: Plato’s Cicadas and the Nature of the Voice. Society for Classical Studies, Available at https://classicalstudies.org/annual-meeting/146/abstract/mythologies-voice-plato%E2%80%99s-cicadas-and-nature-voice. Accessed in 05/06/2021.. Esse som é colocado entre o físico e o imaterial, sintoma de corpo e alma, ecoando as origens somáticas mas, como os insetos, escapa o confinamento do corpo. As cigarras representam o paradoxo de carregar a obra da voz para além da morte, voz que é mortal em sua fenomenalidade, mas imortal em potência. Calíope - a bela voz (também na eloquência), é colocada junto com Urania Celeste como as musas mais importantes para a filosofia.

Mas essa aparição e destaque das cigarras alerta Fedro para não se deixar embriagar totalmente pelo amor dos belos discursos humanos - incitando-o a examinar criticamente o valor deles, e quem os ouve (valor do texto e valor da anima do leitor), não se deixando levar totalmente como os homens “pré-cigarras”. Novamente Sócrates parece ‘conversar’ com as cigarras:

Vinde, nobres criaturas, e persuadi Fedro, pai de belos filhos, de que se não filosofar convenientemente jamais será digno de voltar a falar seja do que for! (Phdr. 261a)

Agora então cabe Sócrates e Fedro discutirem criticamente sobre os discursos anteriores tomados como exemplos. Essa conversa íntima com as cigarras sintetiza o centro do debate que eles terão, depois dos discursos retóricos sobre o amor, a filosofia é trazida a um jogo dialético. Esse conselho para filosofar serve também para o leitor - e esse conselho deve também vir das cigarras. Os dois discursos anteriores que servirão como exemplos para debate são ditos serem também de autoria das “profetisas das Musas” que cantam por cima da cabeça dos dois. Sócrates frequentemente se diz não ser autoridade nem ter o conhecimento absoluto, coloca esses ‘achados discursivos’ como provocados pelas cigarras - somente uma ironia filosófico-mitológica? (262d). Na tradução de Nunes (2011NUNES, C. A.. (2011). Platão. Fedro. Belém, Editora UFPA.):

A eloquência das ninfas, filhas de Aquelôo e de Pã, filho de Hermes, são imensamente superiores a de Lísias, filho de Céfalo. (Phdr. 263de)

Temos que a retórica e inspiração da fonosfera do bosque são mais fortes que a eloquência de uma só pessoa ou humano (Lísias filho de Céfalo). Mas Fedro também é pai de belos filhos discursivos pois os provocou junto com Sócrates (e com as cigarras?)- e é preciso filosofar para cuidar desses filhos.

O mito das cigarras visa a expor, na própria composição da fábula, a arquitetura conceitual que é engendrada pelos argumentos platônicos nela implicados. As escolhas usadas na decodificação do real e o feixe de relações entre narrativas como o da cigarra intui o diálogo platônico ao rito, mais didático, mais apto a receber a interpretação filosófica [...] Os conceitos, as imagens e os argumentos, juntamente com as ações e situações, articulam-se e formam, por suas ligações, uma espécie de rede em que toda a matéria da experiência humana deve prender-se. É esse o Ideal platônico. (Siqueira de Azevedo Filho, 1990, p. 12)

A conversa-canto da filosofia está ligada ao que chamo aqui atmosfera ou ambiente do diálogo, ligação entre persuasão e a contextura do conjunto vivo. Platão atenta para o discurso enquanto organismo vivo e producente sintonizado com a situação, ao contrário do discurso escrito morto, soberbo e sem pé nem cabeça que Fedro carrega nas folhinhas (βιβλίοις )10 10 Lembrar que o livrinho se funde com a própria pessoa de Lísias no entender de Sócrates, como se Lísias estivesse presente nas folhinhas ( o que revela certo entrelace do humano não só com o natural, mas com o artificial - o texto).

Jardim de letras, Jardim de almas.

No debate acerca da arte dos discursos filosófica surge a questão da definição do discurso segundo a natureza como uma totalidade orgânica. Na natureza, as coisas do mundo podem ser vistas numa perspectiva tal que nenhuma delas é isolada do resto, mas são sempre vistas como um todo ordenado em conexão viva, pela qual tudo ganha posição e sentido (Jaeger, 1994JAEGER, W. (1994). Paideia: a formação do homem grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo, Martins Fontes., p. 11). Em 264c Sócrates diz, na tradução de Gomes, 2000GOMES, P. (2000) Platão. Fedro ou da Beleza. Lisboa, Guimarães Editores., que:

todo o discurso deve ser fomado como um ser vivo (animado) (ζῷον), ter seu organismo próprio, de modo a que não lhe faltem, nem a cabeça, nem os pés, de modo a que tanto os órgãos internos como externos se encontrem ajustados uns aos outros, em harmonia com o todo”. (Phdr. 264c)

Uma divisão por partes está atrelada a noção de dialética. O proceder da análise filosófica dos discursos pretende em primeiro lugar concentrar numa ideia, por meio de uma visão de conjunto, os elementos dispersos e definir em cada caso o ensinamento que se quer comunicar. Em segundo lugar (265e) pretende dividir as ideias pelas articulações (ἄρθρα) naturais (πέφυκεν). Sócrates é um apaixonado por esse processo de divisão e síntese - pois com isso (a dialética) ele aprende a falar e pensar, essa a origem e honra da linguagem humana: seu acesso a um plano das ideias.

E se encontro alguém que se me afigura com a aptidão de dirigir a vista para a unidade e a multiplicidade naturais, sigo-lhe o rasto tal como se um deus ele fosse.(Phdr. 270c)

Sócrates dá como exemplo de grande orador, Péricles, (Phdr. 270a) dizendo que todas as artes verdadeiramente grandes não dispensam a pesquisa sobre a natureza (φύσεως), lembrando de Anaxágoras - dedicado ao estudo da natureza (φύσιν) da mente (νοῦ).

Conhecer o modo de ser da alma também faz parte da retórica - para deixá-la saudável, por meio de instituições legais e convicções. O próprio Sócrates, que poderíamos pensar só se ocupar dos assuntos da cidade e da virtude do homem, diz (numa retradução inspirada na de Poratti, 2010PORATTI, A. (2010). Platão. Fedro. Madrid, Madrid, Ediciones Akal.):’

E você supõe que é possível compreender a natureza da alma de um modo digno de menção sem compreender a natureza do todo?

O dialético deve saber distinguir entre caracteres das almas e saber que discursos convencem e conduzem quais tipos de almas, e por quê. O discurso precisa saber da verdade do que se trata, ter um método para não cair nas semelhanças relativistas com as coisas. O retórico não pode ficar só no nível das opiniões, deve analisar as coisas no discurso de forma a articular o tema em suas partes próprias. É preciso saber acerca da natureza do assunto, se sua definição é consensual ou não. Saber da natureza das almas e de quais as potências que as afetam em geral - assim como o médico não conhece só um corpo, o retórico-filósofo não conhece só uma alma.

A escrita é comparada com uma pintura e simulacro - que apresenta seus produtos como vivos, mas questionadas, calam-se. (Phdr. 275d) Uma das críticas centrais acerca da escrita é sua incapacidade de dar conta das perguntas e desafios, ataques, se auto-defendendo, se auto-movimentando. O filósofo quer saber o modelo discursivo que vive e responde produzindo sentido. Estamos procurando um discurso que se escreve com ciência na alma daquele que aprende e que pode se defender, sabendo calar e falar diante da situação e audiência apropriada. (Phdr. 276a). Em comparação com esse discurso vivo e animado a escrita é apenas simulacro.

Essa crítica à escrita nos leva à alegoria técnica do agricultor com as sementes: aquele que tem a ciência do justo e a do belo e bom, usa sua inteligência como ele e “semeia num solo adequado” (Phdr. 275c). A semente discursiva da dialética é portanto outra forte e central alegoria natural. Na tradução de Souza, 2016SOUZA, J. C. (trad.) (2016). Platão. Fedro. Posfácio e notas José Trindade dos Santos. São Paulo, Editora 34.:

“... mais belo é o empenho em torno disso quando alguém, usando a arte dialética, pega uma alma condigna e nela planta e semeia com ciência discursos que a si mesmos e ao que plantou são capazes de assistir, e, não estéreis, têm uma semente da qual outros, em outros naturais brotando, são capazes de sempre garantir imperecível este efeito, e fazendo no que as tem a maior felicidade que é possível ao homem. (Phdr. 277a)

O discurso pode ser cativante e provocante no sentido de persuasivo e encantatório, mas deve também ser passível de um exame dialogante, que pode criar sementes férteis com um princípio de autodefesa e persuasão.

Com o calor já tendo baixado, Sócrates faz uma oração final - uma conversa com os deuses e Pã onde pede para essas entidades o tornarem belo por dentro. Que o que possuísse por fora tivesse amizade com o que possuía por dentro - que ele considere riqueza a sabedoria, e que de ouro só tenha o que temperante possa levar. Ao que Fedro pede o mesmo apelando para a comunhão da amizade. Podemos ver nessa oração também uma alfinetada final nos retóricos e sofistas, comuns em Atenas - que cobravam dinheiro por suas palestras privadas - por discursos ambiciosos ou relativistas nem sempre em harmonia com o todo nem consigo - mas aprazíveis por encomenda - preocupados com o parecer das massas (Phdr. 273b). Essa reverência aos deuses ‘daqui’, especialmente a Pan, revela uma conexão de Sócrates com a totalidade da natureza. Pan é a divindade dos bosques, florestas, dos caçadores e pastores. Semi humano e semi animal a sua presença invisível causava pânico em quem atravessa seu reino. Seu nome também estava associado com o ‘todo’ ou totalidade. No Crátilo (Cra. 408b-d), Pan é filho de Hermes (inventor do logos) e sua parte de cima é verdadeira, tranquila e divina, enquanto a de baixo é semelhante a um bode. Essa oração final do Fedro sugere que a alma faz parte da totalidade e é essa síntese monstruosa de espécies - uma divina e outra bestial. (Griswold, 1996GRISWOLD, C. L. (1996). Self-Knowledge in Plato’s Phaedrus. New Haven and London, Pennsylvania State University Press., p. 229)

Platão procede na transição de elementos populares, retórica, religião, poesia, mito, erotismo e amizade, para construir e parir a verdade na alma, sem torná-la demasiada abstrata ou dogmática. A riqueza da sabedoria e da temperança enquanto disposição para o conhecimento do bem e sintonia do indivíduo com a totalidade dos seres é o pedido final aos deuses. Depois de terem respirado o ar do bosque, o diálogo termina com um ‘vamos’ de volta à cidade.

Conclusão

O Fedro termina (e começou) com indicações de movimento. Mesmo a conversa tendo acontecido fora dos muros, não poderia ter acontecido sem a pólis no pano de fundo. Sócrates também é sustentado por uma cidade cosmopolita - e também seu discurso sofisticado - mas se vê capaz de olhar além dos limites da cidade - para si e para o todo. A oração final pode servir como crítica ao modelo de vida exarcebado e manipulador da natureza. Por que Platão escreve tantas referências a sua cena e no desfecho do diálogo ele tem o trabalho de trazer a tona novamente o cenário vivo à nossa atenção enquanto seu tópico transita entre amor e retórica? As admoestações que Sócrates faz inspirado pela presença das cigarras e pelo bosque se estendem não só a Fedro mas também ao leitor. Mais do que somente uma brincadeira literária, tem em vista as preocupações do diálogo, tem um propósito filosófico. O bosque, as cigarras, o rio e as árvores, acabam por adentrar na discussão do amor e da arte dos discursos. Todos esses elementos - bosque, árvores, rio, ventos, sol, o carvalho, as pedras, o plátano, o canto das cigarras - se juntam para formar o ambiente e em especial a topografia do diálogo. Elementos que vão se combinando para pensar uma filosofia orgânica do discurso e sementes discursivas da dialética.

Entre pós-humanismo, o conhece-te a ti mesmo, natureza e discurso em Platão, tentei proporcionar uma leitura não tão focada no humano e no discurso artificial que relativiza a linguagem, buscando através do diálogo uma interconexão entre os seres - e mostrar como essa reflexão se desenvolve num método vivo de escrita-dialética das formas nas almas, não simplesmente abandonando o sensível mas aceitando-o e percorrendo-o.

O próprio discurso oral carrega suas armadilhas e deve ser cuidado por uma filosofia da verdade e da realidade, do ser - e portanto de seu pulsar, seu brotar criativo e animado - que preserve a busca contínua e fertilidade dos solos das almas a que se dirige. Os discursos precisam responder, se adaptar, se flexionar e se assistir, escrevendo com ciência na alma do aprendiz constante.

A atmosfera em que ocorre o diálogo está no diálogo. No diálogo descobrimos o cosmos e seus inúmeros seres, e o cosmos e os seres estão em diálogo. Platão parece um pampsiquista, anima e simboliza toda a realidade - e assim o discurso filosófico anima a realidade e vice-versa. A apropriação das cenas por Sócrates e sua progressiva metaforização pode ser vista com ironia, mas serve principalmente aos fins do pensamento no percurso do diálogo. Ao contrário de distintos e afastados da natureza, repensamos o ser humano (e seu discurso) mergulhado nela, numa imersão dialógica entre plantas, rios, rochas, animais, humanos e deuses naturais. Vimos como o ser humano é um intermediário, permeado de um processo dinâmico e em comunicação. A diversidade que aparece em cena no Fedro é preferível à monotonia: diversidade de espécies e de linguagens que se encontram, mesmo em um mundo complicado, é melhor que um mundo simples e monocolor, somente humano (onde só o humano tem mente, intenção, vontade, palavra). O logos filosófico também não é somente uma conversa intelectual vaidosa, mas representa argumentos (Ferrari, 1987FERRARI, F. (1987). Listening to the Cicadas: A study of Plato’s Phaedrus. Cambridge, Cambridge University Press., p. 6) que são ao mesmo tempo modos de viver a boa vida. A divisão de mundo cultura-natureza talvez seja mais um fenômeno moderno. A distinção dessa fronteira é borrada e perde a nitidez no Fedro - há uma descentração da imagem metafísica do humano, que está em relação constitutiva e fora de si com o outro não-humano e com o contexto maior do cosmos (Griswold, 1996GRISWOLD, C. L. (1996). Self-Knowledge in Plato’s Phaedrus. New Haven and London, Pennsylvania State University Press., p. 92). Sócrates, no fim das contas, ao procurar por si mesmo, não dá as costas para a natureza nem a vê como algo passivo. O diálogo é uma criação da vida em busca de integração enquanto processo auto-movente, orgânico e erótico-pedagógico que leva à felicidade o quanto for possível ao homem.

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  • ZASLAVSKY, R. A. (1981). A hitherto Unremarked Pun in the Phaedrus. Apeiron 15, n. 2, p. 115-6.
  • 1
    O termo Φύσις é polissêmico, segundo o Liddel-Scott (2001LIDDEL, H. G.; SCOTT, R.; (2001) A Greek-English Lexicon. in: CRANE, R. G. (ed.) Perseus Digital Libray. Tufts University, Available at: http://www.perseus.tufts.edu. Accessed on 18/04/2022.) significa: 1. origem (natureza como um poder de originar - produção); 2. crescimento, resultado de crescimento, 3. constituição ou forma natural; 4. lugar natural ou posição de uma juntura ou osso; 5. natureza da mente - caráter, disposições, temperamento, instinto dos animais; 6. ordem regular da natureza (cosmos); 7. naturalmente (em oposição à convencionalmente); 7. Criatura, plantas; 8. gênero, tipo, espécie. Segundo o dicionário grego-português de Isidro Pereira (8ªedição) (Φύσις): 1. Natureza ou maneira de ser de uma coisa; 2. Forma do corpo, natureza da alma; 3. Disposição natural, condição natural; 4. Força produtora; 5. Substância das coisas; 6. Ser animado. Penso que no Fedro todos esses sentidos se combinam de alguma forma - e o ζῷον se encaixa como ‘criatura’, ou ser vivo animado que tem uma origem e que cresce.
  • 2
    Entendo vagamente por pós-humanismo aqui a tentativa de pensar filosófica e culturalmente acerca das implicações éticas, epistemológicas e retóricas de expandir o círculo de concernimento moral e subjetividade para além da espécie humana.
  • 3
    Nesse caso φύσει é utilizado no sentido de “por origem” da constituição divina, forma ou origem natural.
  • 4
    Hera é a esposa de Zeus e a deusa do amor, fertilidade da natureza e também uma personificação da atmosfera.
  • 5
    Aquelóo é um Deus Rio. As ninfas são deidades femininas benevolentes associadas com os fenômenos naturais como córregos, florestas e montanhas.
  • 6
    Podemos ler essa passagem como ironia? Sócrates finge não saber das coisas da natureza (para seduzir Fedro?), mas depois revela saber mais do que diz. Griswold (1996GRISWOLD, C. L. (1996). Self-Knowledge in Plato’s Phaedrus. New Haven and London, Pennsylvania State University Press.) na p. 34 diz que é falso que Sócrates nunca sai da cidade ( Phdr. 230d, Cri. 52b). Para ele Sócrates revela conhecer o cenário do diálogo apesar de reagir como se fosse algo novo. Uma outra possibilidade é também pensar que Platão escritor está articulando ironicamente esses momentos de Sócrates -o personagem Sócrates pode estar espontaneamente convencido nesse momento do diálogo do que diz, mas o autor constrói o processo dramático em que vai se revelando um outro aspecto do personagem.
  • 7
    É interessante pensar se Sócrates está de fato possesso ou está a fazer uma espécie de jogo retórico com a mentalidade de Fedro ( a mentalidade grega em geral quando se trata dos discursos) para convencê-lo a se tornar filósofo. Desse modo temos uma articulação entre a inspiração divina e o trabalho (práxis) da dialética da linguagem humana.
  • 8
    Há uma discussão sobre se Sócrates segue ou não a hipótese de Lísias. Ver Nussbaum, 2004NUSSBAUM, M. (2004). La Fragilidad del Bien. Madrid, Antonio Machado Libros. .
  • 9
    Podemos associar essa característica com o exposto no Phd.65a-66a: o ideal de uma alma sem o corpo mortal como obstáculo para desenvolver o conhecimento do ser.
  • 10
    Lembrar que o livrinho se funde com a própria pessoa de Lísias no entender de Sócrates, como se Lísias estivesse presente nas folhinhas ( o que revela certo entrelace do humano não só com o natural, mas com o artificial - o texto).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Jan 2022
  • Aceito
    22 Jul 2022
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