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Revisão clínico-prática de postulados doutrinários sôbre as depressões

Criticism of practical-clinical postulates on depressions

O autor, que trabalha no Nordeste do Brasil, em área marcadamente "subdesenvolvida", vale-se de material recolhido em sua clínica universitária (Hospital Geral), tanto de ambulatório (73 doentes), como de internados (75 doentes), como ainda de 23 de clínica privada. O grupo menos numeroso é o de deprimidos endógenos, 20 (psicose maníaco-depressiva), seguido dos 55 involutivos e dos 81 de outra natureza. Em 12 suicidas apenas um era deprimido endógeno e em 11 que tentaram o suicídio, só 4 eram endógenos. Daí deduz o autor que a depressão endógena é atualmente em sua região a menos freqüente e a menos grave das depressões, fato confirmado também pelo maior índice de remissões nesse tido de depressão. Talvez a facilidade maior do diagnóstico dessa forma junto à excelência da terapêutica convulsiva, explique a maior presteza, precisão e o êxito usual do tratamento. No material do autor, a depressão involutiva se apresenta, como em tôda parte, como problema de gravidade crescente devido ao - aumento da longevidade e da inexistência de assistência organizada aos velhos em nossa região. O grupo mais importante de depressões é, agora, práticamente o das reativas, e o das chamadas "depressões de transfundo" (Hintergrunkreaktio-nen de Kurt Schneider), depressão muitas vêzes assestada em portadores de doenças internas. As ditas "depressões neuróticas" estão incluídas nas reativas. Aliás fixou-se, no material do autor, o fato da depressão ser tudo no quadro mental ora ser apenas componente parcelar dêle, o que é muito mais freqüente e mais grave como as cifras de suicídio o mostram. O autor verificou que os casos mais difíceis de assistir com êxito são aquêles onde as condições de pauperismo, subalimentação, desproteção social, falta de instrução e de profissão vão organizando "estilos de vida", sem esperança, levando o homem à apatia, resignação, passividade e inércia ou a formas de vida restritas ao corpo, ditas em filosofia existencial - "existir no corporal". A miséria em todos os sentidos vai configurando o "transfundo" fixo da existência, exigindo adaptação à falta de tudo o que leva à paralisia das apetências. Nossa literatura já fixou há muito tempo o "Jeca Tatu" fatalista e inerte. A Psiquiatria antiga proclamava a tristeza como o sintoma cardinal da depressão. O autor em sua casuística mostra que, em vez disso, a constante maior é agora a perda de apetências com e sem tristeza, ou seja, a forma de viver na apatia, no desânimo, na indiferença, no conformismo resignado e restritivo ou na agressividade e sofisticação adquiridos compulsòriamente tanto por condições econômico-sociais, como por doença interna, invalidez, doenças dolorosas ou fortemente restritivas do convívio, aviltamento da existência, conflitos, doenças incuráveis ou pelo aniquilamento lento e vivido sem conformismo, dadas as condições de declínio e velhice. A perda do "sentido de vida" é o denominador comum. A maioria dos deprimidos não é mais alcançada pela Psiquiatria e circula sem "insight" no meio social, ignorando a sua condição de deprimido ou de desesperado ou recorre à religião e às seitas primitivas ou simplesmente se acomoda ao auto-apagamento ou reage com fórmula própria, mascarando a depressão com irritação, queixumes, agressividade, sofisticação e até delinqüência ou suicídio sem procurar médico; outra porção de deprimidos vai aos hospitais e a tôdas as clínicas e ambulatórios e cedo ou tarde se convence da inutilidade dos recursos médicos face às dimensões de suas dificuldades reais insolúveis pela medicina e abandona o tratamento exclusivamente técnico. Os que procuram o psiquiatra em boa parte são os mais esclarecidos e esperançosos da tecnologia, mas também os que, por incapacidade confessada de dirigir-se, procuram conselho e apoio do médico e dos remédios. Os deprimidos comumente estudados pela Psiquiatria clássica são os mais "acadêmicos" da série depressiva. A Psiquiatria clássica os divide em endógenos, reativos, constitucionais, sintomáticos e orgânicos. As depressões de transfundo e a existencial foram, no trabalho do autor, inspiradas em Kurt Schneider e Ludwig Binswanger.


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