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Compressão medular por neurinoma gigante. Extirpação cirúrgica

REGISTRO DE CASOS

Compressão medular por neurinoma gigante. Extirpação cirúrgica

Rolando A. TenutoI; J. A. Caetano Da Silva Jr.II

IAssistente de Clínica Neurológica (Prof. A. Tolosa) e da 3.ª C. C. (Prof. B. Montenegro) da Fac. Med. Univ. São Paulo. Neurocirurgião do Hospital das Clínicas

IIAssistente de Clínica Neurológica (Prof. A. Tolosa) da Fac. Med. Univ. São Paulo

RESUMO

Os AA. apresentam o caso de um paciente portador de neurinoma intrarraqueano, que melhorou extraordinàriamente após a extirpação do tumor, apesar do tempo relativamente longo de evolução. Referem-se particularmente à discordância entre os dados clínicos è os mielográficos, manifestando-se favoráveis à obediência aos dados clínicos, que seriam menos sujeitos a erros.

SUMMARY

The authors present the case history of a patient with an intrarachidian neurinoma. In spite of the relatively long duration history there was an uneventful recovery after extirpation of the tumor. The myelographic and clinical findings were somewhat discordant and the authors advise to rely more on the latter.

Justifica a divulgação deste caso o resultado bastante satisfatório obtido com a intervenção cirúrgica, embora se tratasse de doença com evolução lenta e antiga, portanto, com poucas possibilidades de recuperação. A par disso, merecem referência o tamanho excepcionalmente grande do tumor e a disparidade dos dados fornecidos pelos exames mielográfico e clínico.

M. A., brasileiro, casado, com 54 anos, pedreiro, internado no Hospital das Clínicas da Fac. Med. Univ. São Paulo (Reg. 29003) em 14 de fevereiro de 1946, informando que sua doença surgira dois anos antes, com dormência nas pernas e pés, acompanhada de dificuldade para andar. Nessas condições permaneceu 3 a 4 meses, trabalhando com dificuldade. Com o progredir da doença só conseguia locomover-se apoiado às paredes; há 18 meses já não andava. A par das sensações parestésicas, começou a apresentar endurecimento progressivo nos membros inferiores, com crises de exacerbação. Quatro meses antes da internação, apresentou distúrbios de micção, com alternativas de retenção e incontinência. Os distúrbios sensitivos ascenderam até o abdome e parte inferior do tórax. Nos antecedentes nada havia de interessante.

Exame clínico-neurológico - Dec úbito obrigatório, indiferente. Pele seca nos membros inferiores e no tronco e úmida nos membros superiores e segmento cefálico. Panículo adiposo normal. Musculatura e esqueleto normais. Gânglios ing&uumlínais palpáveis, pequenos, duros e indolores. Pressão arterial 185 x 115. Impotência coeundi. Só conseguia sentar-se com grande esforço e ajuda. Membros inferiores em extensão e tendência à adução. Paralisia nos membros inferiores, sendo apenas possíveis, com grande esforço, apenas alguns movimentos de pequena amplitude. Paralisia dos movimentos do tronco em sua metade inferior. Paresia dos movimentos de adução e abdução dos dedos da mão direita. Coordenação normal nos membros superiores e de pesquisa prejudicada nos inferiores. Hipertonia de tipo piramidal nos membros inferiores. Marcha impossível, ausência de hípercinesias. Sinal de Babinski presente bilateralmente, tanto pela excitação plantar como pelas manobras de Schaefer, Gordon, Oppenheim. Reflexos cremastéricos e cutâneo-abdominais abolidos. Reflexos profundos dos membros inferiores exaltados e dos superiores, normais. Clono dos pés e rótulas. Automatismo medular. Sensibilidade: subjetivamente, parestesias e hipoestesia de T2 para baixo; ausência de dores. Objetivamente, havia anestesia total a partir de T4, com uma área de hipoestesia a montante, até Ti, irradiando-se para a face mediai dos ante-braços (fig. 1). Atrofia dos 3.° e 4.° interósseos dorsais na mão direita. Alternativas de incontinência e retenção vesical. Tendência à retenção retal. Anidrose no abdome e membros inferiores.


Exames complementares - Exame do líqüido cefalorraqueano: punção lombar em posição deitada; pressão inicial 8 (Claude); provas manométricas de Stookey mostrando bloqueio parcial do canal raqueano; líquor límpido e levemente xantocrômico; O células por mm3 1,40 grs. de proteínas, 7,10 grs. de cloretos e 0,62grs. de glicose por litro; r. Pandy e Nonne fortemente positivas; r. benjoim coloidal 22222.22100.00000.0; r. Takata-Ara fortemente positiva, tipo meningítico; r. Wassermann e Steinfeld negativas até com 1 cc. Perimielografia com lipiodol: alargamento acentuado do canal raqueano na região cervical, com seu maior diâmetro ao nível de C1. Parada do lipiodol na altura do corpo C; a massa opaca era limitada inferiormente por uma linha curva de concavidade inferior (imagem em zimbório). Sinais de bloqueio ao nível do corpo C2 (fig. 2).


Intervenção cirúrgica - Laminectomia sob anestesia local, de C3 a C1. Duramáter tensa e azulada. Incisada a meninge, notou-se grande cisto, cujo polo superior atingia a altura de C e se estendia até Co, limite inferior da laminectomia.

Aberto o cisto, verificou-se, no seu polo inferior, por transparência, um tumor que se prolongava para baixo, o que obrigou a ampliação da intervenção até as lâminas Ta, Ta e T3j afim de expor totalmente a neoplasia. Ao nível de Ti, uma raiz posterior (fig. 3) contornava e abraçava o tumor, pouco aderida a êle, desfeitas essas aderencias e luxado o tumor, essa raiz poae ser libertada. Á tentativa de retirada do nódulo, verificou-se a existência de um prolongamento, (corno pedículo, que penetrava em um buraco de conjugação, independentemente &uumle qualquer raiz; esse pedículo foi seccionado e cauterizado. Retirada a neoformação, restou grande cavidade com a medula fortemente comprimida e desviada para a esquerda, exibindo sobre seu dorso uma impiessão tumoral. Libertadas as aderencias das meninges, a medula voltou ao centro do canal que, sondado, mostrou-se permeável. A intervenção foi dada como terminada, sendo feita sutura anatômica dos planos. O exame histopatológico do material extraído revelou tratar-se de neurinoma.


Evolução - Nos primeiros dias após a intervenção, iniciaram-se francas e surpreendentes melhoras, sendo indicadas, uma semana depois, aplicações de radioterapia profunda em dose anti-inílamatória. Um mês após a intervenção, em plena vigência da radioterapia, surgiu, no território de distribuição radicular de G e Ti, uma erupção vesiculosa, dolorosa, característica da ganglionite posterior - herpes zoster (fig. 4). Iniciada logo a movimentação passiva e reeducação muscular, houve recuperação quase total da motricidade voluntária dos membros inferiores. A anestesia regrediu, sendo substituída por hiperestesia superficial, à qual seguiu-se hipoestesia superficial e profunda, que assim se manteve, com poucas variações, até a alta do doente. Dois meses depois da intervenção, o doente principiou a andar. As melhoras se acentuaram até que, em 26 de setembro, quando lhe foi dada alta hospitalar, o paciente tinha boa movimentação dos membros inferiores, com discreta diminuição da força muscular para todos os movimentos voluntários, além de pequena diminuição da força dos movimentos de adução e abdução dos dedos da mão direita. Ataxia de tipo sensitivo nos membros inferiores. Marcha possível, porém espasmódica e com apoio em bengalas. Reflexos profundos vivos. Sinal de Babinski bilateral. Reflexos cutâneo-abdominais e cremastéricos presentes e normais. Automatismo medular e esboço de clono dos pés e rótulas. Sensibilidade: hipoestesia discreta de T4 para baixo. O exame do liq&uumlido cefalorraqueano foi inteiramente normal, inclusive as provas manométricas.


Tornamos a ver o paciente em fevereiro de 1948, dois anos após a intervenção, andando apoiado em bastão, com marcha espasmódica, discreta hipertonia dos membros inferiores, reflexos profundos vivos, sinal de Babinski à direita e clono nos pés. Hipoestesia superficial e profunda dos membros inferiores. Parestesias na mão direita, margem cubital.

COMENTÁRIOS

Houve apreciável recuperação sensitivo-motora, embora a retirada do neoplasma fosse feita somente um ano depois do início dos sintomas e apesar de ter sido a medula fortemente comprimida, fatos que faziam supor resultados precários. Chamou-nos a atenção, também, o antagonismo que foi observado entre os resultados da perimielografia e do exame clínico, que localizaram a lesão em níveis bastante diversos. Esses fatos indicam que, na eventualidade de tal discordância, as conclusões devem ser precedidas de um estudo acurado para que se evitem laminectomias em local inadequado. Parece-nos que, quando existir esta discordância, a melhor orientação é fornecida pelo exame clínico, já que a freq&uumlência com que as neoplasias são acompanhadas de aracnoidites, pode levar a falsas interpretações quanto ao nível das lesões indicadas pela mielografia. A perimielografia seria, no caso, indispensável para a evidenciação do bloqueio raqueano sem, contudo, pre julgar correspondência exata com o nível da lesão neurológica.

Trabalho apresentado à Secção de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina, em 5 dezembro 1946.

Rua São Vicente de Paulo, 110 - Paulo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1949
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