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Assistência aos doentes mentais no estado de S. Paulo

CONFERENCIAS

Assistência aos doentes mentais no estado de S. Paulo* * Conferência feita na inauguração das atividades do Centro de Estudos Franco da Rocha, em 27 de novembro de 1942.

Edgard Pinto Cezar

Diretor do Hospital Central de Juquerí e livre-docente de Clínica Psiquiátrica da Faculdade de Medicina da Universidade de S. Paulo

Ao iniciar esta simples e despretenciosa palestra, inaugurando as atividades do Centro de Estudos "Franco da Rocha", cumpre-me preliminarmente agradecer essa honra que me foi concedida pela mesa diretora dos seus trabalhos. Outros muito melhor poderiam se desempenhar desta missão, entre tantos e tão ilustres colegas que labutam na Assistência a Psicopatas ou no já vasto cenario das atividades psiquiátricas desta Capital. Quizeram entretanto os meus prezados amigos brindar-me com essa deferência que muito me desvanece.

Não vou ferir êsse tema em suas multiplas faces. Quero sòmente tecer alguns comentários que julgo oportunos sobre nossa situação atual, encarando mormente o que de mais urgente se torna necessário fazer para afastar deficiências graves ainda existentes e que vêm acarretando consequências desastrosas tanto para o Estado como para a Sociedade.

Podemos calcular que, em nosso meio, o número de doentes mentais que necessitam internação em hospital psiquiátrico atinge a 1 ½ por mil da população que, para êsse efeito, pode ser considerada como de 8 milhões de habitantes. Tomando essa base de cálculo que é fruto de nossa observação decorrente do movimento dos últimos anos da Assistência a Psicopatas, chega-se à conclusão que existem no Estado de São Paulo 12.000 doentes mentais que necessitam ser internados para conveniente tratamento.

Para atender a essa massa considerável de doentes mentais, o Estado mantem 7.500 leitos em seus hospitais psiquiátricos (Hospital Central de Juquerí, Colônias de Juquerí, Manicômio Judiciário e Hospital das Perdizes). Dos restantes, 1.000, aproximadamente, são atendidos em estabelecimentos privados. Ainda assim, restam 3.000 doentes que, embora necessitem urgentemente, não conseguem internação em estabelecimentos adequados. Muitos desses são mantidos em seus próprios domicílios, creando permanentemente uma situação de desassossego, não só para os da própria família, como aos vizinhos e à sociedade em geral, constituindo elementos de franca periculosidade. Outros, em grande número, mais infelizes, não podem dispor de um lar que os abrigue e vão para as celas das cadeias, quer da Capital, quer das cidades do interior do Estado, onde vão viver dias terriveis, no maior desconforto, privados de toda higiene e sem receberem a menor assistência médica. Nesses cubiculos, inféctos, cobertos de parasitas repugnantes, ficam dias intermináveis, aguardando a oportunidade de uma internação. Mesmo quando sejam suficientemente fortes para suportarem o ambiente adverso, só conseguem ingresso nos nossos hospitais quando a moléstia já atingiu a fase de cronicidade, tornando baldados todos os esforços visando uma cura. Muitos dêles, entretanto, menos desgraçados, vêm cessados seus padecimentos com a morte.

Em 1929, constituia espetáculo confrangedor assistir o desembarque, no Hospital Central de Juquerí, de turmas sucessivas dêsses desgraçados que tinham vivido anos consecutivos em nossos presidios das cidades do interior do Estado. Desnutridos, escaveirados, contaminados por moléstias as mais variadas entre as quais a tuberculose tomava perspectivas alarmantes, muitos dêles morriam ràpidamente, incapazes já de aproveitar o novo tratamento que lhes era ministrado. Enquanto os crônicos iam dando ingresso no Hospital Central de Juquerí, os doentes agudos, justamente aqueles que podiam melhor aproveitar uma ação terapêutica bem orientada, iam dando ingresso nas cadeias ocupando os lugares deixados pelos que tinham sido removidos. A consequência natural disso é evidente: inutilizava-se uma magnifica instalação hospitalar para doentes mentais, superlotando-a de doentes crônicos, ao passo que os doentes agudos, os únicos que poderiam ainda recuperar a saúde uma vez assistidos convenientemente, iam para as cadeias esperar que sua doença evoluísse para a cronicidade enquanto aguardavam internação.

Passageiramente, chegou-se a dominar êsse estado de cousas, durante o governo do Dr. Adhemar de Barros. Chegamos então a receber considerável número de doentes agudos e os resultados surgiram esplendidos, apesar das graves lacunas existentes em nossa organisação. E' que, tendo sido concentrada rapidamente em Juquerí a quasi totalidade dos doentes mentais que naquela época necessitavam internação, não se tomou o cuidado de, ao mesmo tempo, reforçar o corpo médico de acôrdo com as novas circunstâncias. Isso acarretou a agravação tremenda do problema dos poucos psiquiátras dos nossos hospitais, que ficaram com uma tarefa muito superior às suas possibilidades de trabalho. As observações eram redigidas apressadamente, tornando-se impossível um estudo meticuloso de cada caso. Tornou-se necessário observar-se o critério da quantidade em evidente e fatal sacrificio da qualidade do trabalho médico. Apesar de toda a dedicação e esforços não era possível atender a todos os internados no seu devido tempo. As observações se atrazavam, os tratamentos não podiam ser ministrados com a necessária urgência. Mesmo depois de internados, havia doentes que ficavam longo tempo em observação, sem diagnóstico e sem tratamento médico, perdendo-se, não raro. as melhores oportunidades de intervenção terapeutica- curativa. Tinhamos, então, uma média permanente de 250 doentes por alienista.

Êsse estado de cousas poude ser um pouco suavisado com a admissão de médicos-estagiários que sem perceber vencimentos, prestaram por mais de ano consecutivo, preciosa colaboração. Êsses dedicados auxiliares só ultimamente, após grandes esforços do Dr. Pedro Augusto da Silva, puderam ser remunerados modestamente e a titulo precario. Deante dessa situação, dissemos então que estavamos perdendo desastradamente grande parte das vantagens que a rápida internação do doente mental poderia proporcionar. Tendiamos a funcionar como fábrica de doentes crônicos, contribuindo assim para aumentar ainda mais essa enorme legião de incuráveis que se constituem nas cadeias de todas as cidades do nosso Estado.

Entretanto, cada doente curável que perde a oportunidade de cura por não ter tratamento oportuno e adequado representa gravissimos problemas novos a solucionar: 1.°) E' uma família que perde um elemento válido, não raro seu único arrimo; 2.°) Na falta de seu chefe e arrimo, toda a família se precipita, não raro, numa situação de miseria com seu inexoravel cortejo de negras consequências; 3.°) O Estado ou a sociedade se vê na necessidade de amparar, por longos anos, um cidadão que podia e devia ter regressado ao-meio social como elemento válido, capaz de produzir.

Perde o Estado custeando a subsistência do inválido e perde ainda porque êsse elemento deixou de contribuir, com sua produção, com seus serviços, com suas rendas, para as rendas dos cofres públicos. Pelos dados de nossa observação cremos que anualmente entram em cronicidade, por falta de assistência adequada e oportuna cerca de 400 doentes mentais em nosso Estado. Si levarmos em conta que cada doente custa ao Estado, em média Cr.$ 1.800,00 por ano, veremos que cada ano o Estado se veria sobrecarregado com um aumento de despeza de Cr.$ 720.000,00. Isso sem falar nos desarranjos na economia doméstica e consequente repercussão na economia do Estado pela cessação da produtividade de elementos válidos. Nessa base teremos, em 5 anos, cerca de 2.000 doentes crônicos dos quais deveriamos destacar 20% por morte ou seja 400 doentes. Ainda assim, restarão 1.600 doentes. E nessa progressão teremos de marchar, tornando absolutamente insoluvel o problema da assistência aos doentes mentais a não ser a custa de enormes sacrifícios para o Estado e sem preencher as verdadeiras finalidades de um serviço psiquiátrico moderno, de caracter hospitalar, isto é, o objetivo da cura dos doentes que são internados em faze de curabilidade. Nessas bases, cada 5 anos o Estado, para dar assistência a êsse número crescente de doentes crônicos, veria suas despezas aumentar numa proporção aproximada de 2.940.000,00 cruzeiros, e assim indefinidamente...

Qual o meio de sanar êsse estado de cousas? Seria necessario: 1.°) Ampliar imediatamente as nossas instalações para doentes crônicos, instalações tipo Colônia, de baixo custo de construção e de manutenção, creando-se organisações regionais, até atingir o minimo indispensavel de 11.000 leitos, dos quais 4.500 para mulheres.

2. ) Crear, anexas a essas Colônias regionais, pequenas Secções para doentes agudos, convenientemente preparadas para a aplicação dos meios terapeuticos modernos, (eletrochoque, convulsoterapia cardiazólica, insulinoterapia,malárioterapia, etc.) visando assim evitar um transporte penoso, à longa distância, de doentes agúdos, comumente agitados, inconvenientes êsses que presenciamos constantemente. Com isso obteríamos também internação mais rápida para que não se perdesse um tempo preciosissimo para garantia do tratamento. Junto a essas Colônias, que deveriam ficar em cidades importantes do nosso Estado, localizadas em pontos de convergência de zonas, funcionariam ambulatórios de psiquiatria que ampliariam consideravelmente seu raio de ação, tratando precocemente numerosos casos, evitando uma pezada sobrecarga de internados, com todas as vantagens que não necessitam ser ressaltadas.

3.°) Dar ao Hospital Central de Juquerí uma finalidade estritamente hospitalar, aliviando-o da imensa carga de doentes crônicos que abarrotam todas as suas dependências, desvirtuando suas verdadeiras finalidades. Êsse desiderato só poderá ser atingido quando o Estado ampliar suficientemente as instalações de Colônias para crônicos, para onde possam ser removidos todos os doentes nessas condições. Só assim veriamos sanada a situação verdadeiramente paradoxal em que temos vivido em materia de assistência a doentes mentais, isto é, recolhendo doentes crônicos a magnificas instalações hospitalares e recolhendo doentes agudos às cadeias do Estado. Muitos milhares de vidas preciosas tem sido, assim, consumidas e fàcilmente teriam sido poupadas si tivessem a devida assistência em tempo oportuno.

4.°) Para que o Hospital Central de Juquerí possa dar cabal desempenho às funções exigidas a um grande hospital de agudos, indispensável se torna reforçar sua estrutúra médica, provendo-o de especialistas competentes e dedicados, em número suficiente para atender cabalmente às necessidades dos serviços de todos os seus setores.

Infelizmente estamos muito longe dessa situação pois dispomos, em média, de um psiquiátra para 200 doentes mentais. Todos os psiquiátras notáveis que nos tem visitado, tanto do Paiz como do extrangeiro, e êstes principalmente, têm se admirado do exiguo número de especialistas em psiquiatria que trabalham no Hospital Central de Juquerí para atender número tão considerável de doentes. Por maiores que sejam os esforços dêsses dedicados colegas que comigo trabalham no Hospital Central de Juquerí, nunca chegam a dar vasão à enorme sobrecarga de serviços que sôbre êles se acumula constantemente.

Para que se possa avaliar a sobrecarga a que estão submetidos os psiquiátras do Hospital Central de Juquerí, basta que citemos os seguintes dados: Em 941, somados os doentes que ingressaram durante o ano com os que existiam em 1.° de Janeiro, apuramos um movimento total de 5.621 doentes. Entretanto, para atender essa massa considerável de doentes dispunha o Hospital Central de Juquerí tão sòmente de 4 psiquiátras, o que corresponde a uma média de 400 doentes por ano para cada médico!... Si levarmos em conta que cada doente deve ser visto e reexaminado no minimo uma vez por mês, chegamos à conclusão que cada psiquiátra deveria proceder, ao menos, 4.800 exames por ano.

Êsses exames deveriam ser executados em 6 dias uteis por semana, ou 288 dias uteis por ano, de cujo total devemos destacar os 20 dias de férias regulamentares, 24 dias de plantão, 24 dias de folgas compensadoras de plantão e mais feriados e pontos facultativos. Isso feito, apuramos que os dias de trabalho psiquiátrico na respectiva Secção de cada alienista se reduzem a 210 por ano, no máximo. Isso quer dizer que cada psiquiátra teria necessidade de proceder 22 exames psiquiátricos por dia de 2 ½ horas de serviço, portanto só podendo gastar no máximo 7 minutos em cada exame!...

Creio que não necessito aduzir novos argumentos para evidenciar que é enorme a deficiência de psiquiátrías no Hospital Central de Juquerí e que só mesmo por um espírito de grande dedicação aos trabalhos e exata compreensão dos seus deveres, conseguem os nossos colegas manter, em relativa eficiência, os seus serviços. Impossivel entretanto se torna, nessas circunstâncias evitar deficiências que vão comprometer o bom nome do estabelecimento e dos que nêle trabalham, sem que culpa alguma caiba a nós e a êles.

Entretanto, posso adiantar-lhe que a clara visão do Dr. Pedro Augusto da Silva, atual Diretor da Assistência a Psicopatas, nos proporcionou uma viva esperança de poder vêr êsse problema solucionado tão brevemente quanto as circunstâncias o permitam, pois, já sabemos que seus pontos de vista são sensivelmente idênticos aos que aqui formulamos.

E' preciso que ressaltemos que o atual estado de cousas representa grave erro sob tríplice aspecto: 1.°) Erro sob o ponto de vista técnico-psiquiátrico pois não damos assistência adequada e oportuna aos que mais necessitam; 2.°) Erro social pois com a atual organisação estamos contribuindo para aumentar o número de doentes crônicos que poderiam ficar curados si atendidos oportunamente; 3.°) Erro económico e financeiro, pois privamos o Estado e a sociedade de elementos produtivos e aumentamos desmesuradamente, todos os anos, o número de pensionistas crônicos do Estado que, com êles, terá de dispender importâncias consideráveis, não raro por várias dezenas de anos. O Estado todos os anos, assim se vê expoliado de numerosos elementos validos que poderiam contribuir poderosamente para o aumento de produção e portanto do nosso potencial económico, elementos que vão constituir um pêso negativo na sua balança de valores.

Para bem podermos avaliar o que significa a internação precóce dos doentes mentais, basta lembrar algumas cifras do movimento de altas concedidas de 1935 a 1942 (vide gráfico 1).


Até 1938 o Hospital estava completamente abarrotado de doentes crônicos e, por maiores que fossem os esforços do corpo médico, o número de altas concedidas se mantinha num nível muito baixo. Em 1939, com a internação tumultuaria de quasi 4.000 doentes, apesar dos graves inconvenientes déssa fórma de internação, foram evidentes os beneficios apurados. Nesse ano já pudemos conceder 323 altas, contra 192 em 1938 e, em 1940, já atingíamos a 609 e, em 1941, alcançavamos a alta cifra de 614 altas!

Atualmente, entretanto, já nos inquietamos pois começa a declinar o número de altas, apesar de continuarem as atividades médicas com a mesma intensidade anterior. E' que, mormente na Divisão Feminina do Hospital, já estamos voltando ao estado de congestionamento de doentes crônicos que zombam de todos os esforços dos alienistas. Si essa situação perdurar, assistiremos o progresivo declinio do número de altas, como consequência direta do retardamento da internação dos doentes agudos.

Para que isso não aconteça, indispensavel se torna a ampliação das instalações para crônicos, tanto de homens como de mulheres e refôrço do corpo clínico do Hospital Central. Com a primeira medida, descongestionaremos as instalações pròpriamente hospitalares dos doentes crônicos, cujas vagas serão ocupadas por doentes agudos. Com a segunda medida, poderiamos dar tratamento rápido e eficiente a êsses doentes agudos que assim poderiam apresentar considerável percentagem de altas.

E' bem sabido que os doentes mentais, em sua maioria, se beneficiam magnificamente quando tratados precocemente a ponto de, em certos grupos mórbidos, a percentagem de alta atingir 80% entre os doentes com até 6 meses de moléstia, fato êste não só de nossa própria observação, como confirmado pelos dados apurados nas estatísticas de outros estabelecimentos hospitalares.

Também é sabido, e nossas observações o confirmam, que essa elevada percentagem vae declinando ràpidamente a ponto de ser, em média, de 10% quando a doença acusa uma duração de 4 ou mais anos (Vide gráfico n. 2). Torna-se assim imprecindivel que não haja o menor retardo na internação dos doentes agudos, pois alguns meses de espera podem significar uma modificação radical do prognóstico que se tornará muito mais reservado.


Atualmente, com uma média de 200 doentes por alienista, nos achamos na impossibilidade de proporcionar uma assistência tão rigorosa como se faz mister. Julgamos indispensável que cada pavilhão, cuja lotação não deve ír além de 160 leitos, deve ter no minimo 3 psiquiátras; um chefe de serviço e dois assistentes. Com essa estrutura, os pavilhões de agudos poderiam ter um serviço ativissimo e perfeitamente eficiente, embora para isso se exigisse a máxima dedicação e perfeita coordenação de todos. A simples circunstância de se formar um ambiente médico em cada pavilhão, permitindo a troca de idéias e a mutua ajuda, seria de incalculaveis benefícios. O necessario isolamento em que trabalham atualmente os psiquiátras e o desproporcionado número de doentes a cargo de cada um, acarreta deficiências profundas e com o tempo surgem vícios de orientação médica que necessitam ser evitados a todo custo.

As observações superficiais, os diagnósticos apressados e mal fundamentados ou então incompletos quando não errados, o desprezo da acurada investigação etiológica, a terapeutica não bem adequada que de tudo isso decorre, são consequências inevitáveis em serviços médicos sobrecarregados, com todas as suas deploráveis consequências. E' indispensável que os poderes públicos compreendam que, gastando mais com o refôrço do corpo médico, praticam uma política muito mais sábia, pois evitam a sobrecarga de doentes crônicos que acarretará, como tem acarretado, consequências económicas e financeiras muito mais desfavoráveis ao Estado e à sociedade. E' fundamental dar-se uma completa estrutura médica ao Hospital Central de Juquerí, pois só assim poderemos colhêr os maravilhosos resultados que os modernos recursos terapeuticos podem proporcionar aos doentes mentais.

Muito já foi feito entre nós. Progressos consideráveis foram obtidos nestes últimos anos. Torna-se entretanto indispensável completar a tarefa para que possamos atingir os objetivos colimados. Mais um esfôrço decidido nesse setor da assistência pública e teremos atingido tão almejada meta que enormes beneficios proporcionará.

Não se diga que o Estado não poderá arcar com as despezas que tal organisação acarretaria. Uma modificação na legislação sôbre a internação de doentes mentais, poderia fàcilmente cobrir o excesso de despezas que seria necessário fazer. Refiro-me ao problema do doente contribuinte. Com a atual legislação, o Estado vêm dificultando sobremaneira a internação de pensionistas, creando exigências descabidas, não raro impossiveis de serem satisfeitas. Por outro lado, crea todas as facilidades para a internação dos indigentes, bastando para isso juntar um atestado de indigência passado por uma autoridade policial, ao requerimento de internação. Bem sabemos quanto é facil de se obter, indevidamente, tais documentos. Com consequência diréta é isso que vemos em Juquerí!... Numerosissimos doentes que nada têm de indigentes, usufruindo indevidamente uma assistência gratuita, em detrimento dos verdadeiramente necessitados. Tudo isso, entretanto, pode ser fàcilmente resolvido e já, em 1939, apresentamos um estudo nesse sentido que si tivesse sido executado estaria produzindo esplendidos resultados.

As disposições em vigor, como o dissemos, só cream dificuldades para a internação dos pensionistas. Obrigam o responsável pelo doente a fazer pagamentos adeantados de 900 cruzeiros por trimestre, de maneira absolutamente rígida, quando poderia graduar as pensões em 100, 200 e 300 cruzeiros por mês, pagaveis adeantadamente. O arbitramento das pensões deveria ficar a cargo de comissões municipais de assistência social que julgariam com facilidade e pleno conhecimento de causa. Obrigam a fazer os pagamentos na Recebedoria de Rendas da Capital, quando poderiam facilitar muito mais, facultando o pagamento nas Coletorias Municipais. Obrigam o responsável pelo doente a arranjar fiador idoneo residente na Capital, quando seria muito mais lógico que aceitasse fiador residente na mesma cidade em que reside o responsável pelo doente.

Si essas modificações fossem adotadas, certamente veriamos crescer consideràvelmente o número de pensionistas em nosso Hospital, desaparecendo ràpidamente os falsos indigentes. Mesmo os doentes já internados, poderiam passar por uma revisão por parte das Comissões Municipais de Assistência Social que arbitrariam as pensões dos que estivessem em condições de pagá-las. Só com isso, o Estado ficaria consideravelmente aliviado em seus encargos e, como consequência, sobraria verba para a execução do programa que propomos.

Tenho certeza que, adotadas as medidas que propomos, veriamos imediatamente aumentar consideravelmente o número de doentes saidos com alta todos os anos e evidente declínio do número de crônicos. Em vez de darmos 600 altas em um ano, teríamos então amplas possibilidades de dar 1.200 ou mais até, tudo ficando na dependência das condições dos doentes ao serem internados. Não é utopia dizer que talvez então pudessemos assistir até a um declínio do número de doentes mentais em nosso Estado!... O que é hoje quasi um sonho, talvez seja amanhã esplendida realidade. Os recursos terapeuticos atuais e os que certamente virão no rápido evoluir que estamos assistindo, tornam perfeitamente admissiveis tais conjeturas.

Caros amigos do Centro de Estudos Franco da Rocha - Meus prezados colegas. Deveria encerrar esta palestra com um estudo sôbre certos aspectos da incidência de algumas moléstias mentais entre nós. Circunstâncias imprevistas me forçaram a deixar para outra oportunidade a apresentação dos resultados dos nossos estudos, pelo que lhes peço excusas. Entretanto, espero que não seja de mau agouro para o Centro de Estudos Franco da Rocha, a falta de brilho que caracterizou a palestra de hoje. Consola-me entretanto, saber que o assunto focalizado é do máximo interesse para todos e que, si conseguirmos realizar o programa focalizado, teremos elevado a Assistência a Psicopatas a um nível de eficiência prática e científica, só comparavel aos mais elevados padrões existentes no mundo. Anima-me a esperança dessas realizações, sonho que espero ver concretizado antes de entregar a mãos mais competentes a direção do Hospital Central de Juquerí. Conto, para isso, com o apôio do Centro de Estudos Franco da Rocha que constituirá uma poderosa alavanca para incentivar o progresso da especialidade em nosso meio, encarando o bem social e a grandeza da Pátria.

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    Conferência feita na inauguração das atividades do Centro de Estudos Franco da Rocha, em 27 de novembro de 1942.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1943
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