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Em memória do Dr. José Victor Dourado

OBTUÁRIO

Em memória do Dr. José Victor Dourado

José Victor Dourado pereceu em 18 de abril, dia em que um acidente trágico roubou-lhe a vida, preciosa por tantos e tantos títulos. Uma fatalidade perfeita — fria, impiedosa, amarga, certeira no golpe — que, sacrificando a ele, tantos atingiu! Assim sentiram os que o estimavam, que eram todos os que o conheceram, e notadamente os reurologistas de S. Paulo.

Muito jovem ainda, era já um vencedor, com um currículo dos mais promissores na especialidade. Tudo nele falava de um invejável futuro. Senhor de personalidade individual e profissional que se afirmava em sentido nitidamente ascendente, colheu-o a morte em plena marcha para o alto e para as conquistas que, nas carreiras intelectuais e científicas, são privilégios dos bem dotados. José Victor Dourado era realmente um bem dotado: bondade fundamental, caráter excelente, inteligência forte, seletiva e aberta à atração das ciências e das artes, eram as características da sua jovem e forte personalidade, à qual fina modéstia e esmerada educação emprestavam o encanto, a sedução pessoal a que não podiam fugir quantos tiveram ocasião de conhecê-lo.

Sua morte enlutou todo o círculo neurológico paulista e especialmente estes "Arquivos de Neuro-Psiquiatria". Foi ele um dos fundadores e figurava entre os seus mais assíduos e competentes colaboradores, freqüentando as suas colunas ora como articulista, ora como analista e, nesta qualidade, revelando sempre espírito crítico que se caracterizava por inalterável equilíbrio. A Secção de Neuro-Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina contava-o entre os sócios que mais e melhor a prestigiavam, quer desempenhando cargos na mesa diretora, quer contribuindo com trabalhos e pesquisas na especialidade; admiração e calorosa estima eram, ali, a resposta geral às suas formosas virtudes.

Nos exemplares serviços de assistência neurológica do I. A. P. C, também deixou a sua morte um vácuo doloroso e profundo. José Victor Dourado ingressou nesse serviço após memorável e rigoroso concurso. Logo em seguida, com os seus companheiros Antonio B. Lefèvre e Caetano da Silva Júnior, conseguiu organizar nesse instituto um perfeito serviço neurológico, sem similar em instituições congêneres. Encontrando propício o campo, pôde ele revelar um dos seus mais fortes pendores - a capacidade de organização. Tão fortes qualidades de trabalho e ordem não passaram despercebidas aos seus chefes que o distinguiram com encargos honrosos se bem que espinhosos, entre os quais o de examinar em concursos de neurologia em Belém e no Recife. De como retribuiu as distinções recebidas fala bem expressivamente o alto e brilhante desempenho que deu a tais encargos, surpreendendo, aliás, somente aos que não o conheciam.

Onde, entretanto, mais fundo feriu o golpe foi no Serviço de Neurologia da Escola Paulista de Medicina. Ainda estudante, ali iniciou os primeiros passos na especialidade; ao termo do período escolar, já se achava integrado no Serviço como um dos mais eficientes elementos, conquistando sem demora o posto de assistente efetivo. Como assistente, José Victor Dourado não era espetacularmente brilhante; era retilíneo, inteligente, orientado por uma visão clara, alicerçada numa perfeita independência de atitudes. Mentalmente alerta, de comportamento senhoril, continuava entretanto o mesmo estudante sempre ávido de mais conhecimentos neurológicos. A elegância de expressão, aliada à precisão e correção de linguagem, era outro traço característico desse moço que, desde cedo, evidenciou belíssima capacidade didática, método e grande fluência expositiva; quer teóricas ou práticas, suas aulas eram perfeitas. Ao lado de tudo isso, era de ver a bondade com que tratava os humildes no Serviço Hospitalar, a eles dedicando-se profunda e sinceramente.

José Victor Dourado era um espírito ímpar. Grande estudioso e trabalhador, trazendo em si todas as forças positivas que fariam dele um autêntico realizador, era um grande desprendido. Nunca vimos nele um traço sequer de egoísmo. Exemplo bem vivo deu-o ao ser nomeado assistente do I. A. P. C. Desfrutava ele, nesse tempo, no Hospital N. S. da Aparecida, de excelente posição que lhe conferia tanto realce, como autoridade. Não quis, entretanto, conservá-la, como poderia. Abriu mão dela, generosa e superiormente, para não furtar a oportunidade a outrem. Registre-se o gesto, tão raro nesta tão materializada e egoísta época.

Uma das características de José Victor Dourado era por certo o seu equilíbrio, talvez inspirado no aforismo de Terêncio: "Homo sum. Humanum nil a me alienum puto". Por tudo se interessava; possuidor de sólida formação filosófica e cultor das artes, dedicava-se, por outro lado, com fiel regularidade, aos esportes. Era excelente nadador; quis o capricho do destino que viesse a morrer por submersão...

Era ele um homem de fé, criada pela sua consciência e sustentada por uma ética de bondade e confiança em si. Otimista, acreditava que todas as cousas na natureza tinham sido criadas para o bem e, portanto, a conquista do "melhor" constituía cativante convite para os mais árduos trabalhos.

Este é um retrato pobre do nosso querido morto. Embora de sete anos apenas a sua trajetória em nosso meio, será José Victor Dourado sempre lembrado pela sua vida e seu exemplo de amor ao trabalho, fidelidade aos ditames da medicina, retidão e bondade. Os seus amigos e especialmente os companheiros da especialidade recordar-se-ão, com respeito e saudade, daquele homem fino, inteligente, ponderado e generoso; sua memória será piedosamente conservada em nosso círculo neurológico, que tanto esperava de sua promissora vida profissional e ao qual êle tanto amou e dignificou.

Prof. Paulino W. Longo

Catedrático de Neurologia na Escola Paulista de Medicina

TRABALHOS DO DR. JOSÉ VICTOR DOURADO

1. Acidentes no tratamento da coréia de Sydenham pelo método de Balena. In Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 2: 458 (dezembro) 1944 - em colaboração com o Dr. Paulo Pinto Pupo.

2. Tumor da fossa posterior com sintomatologia atípica. In Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 3: 157 (julho) 1945 - em colaboração com o Dr. Paulo Pinto Pupo.

3. Meningite estafilocócica. Registro de um caso curado pela associação penicillna- sulfa-dtazina. In Pediatria Prática 17: 17 (janeiro) 1946 - em colaboração com os Drs. Octavio Lemmi e Pedro Refinetti.

4. Tiaminoterapia intra-raqueana nas síndromes neuranêmicas. A ser publicado em Arquivos de Neuro-Psiquiatria 6: (setembro) 1948 - em colaboração com os Drs. Paulo Pinto Pupo, Dante Giorgi e O. Ratto.

Trabalhos em preparação

1) Tratamento da coréia de Sydenham pelo hormônio feminino. Tese para concurso para a livre-docência.

2) Formas atípicas de neurolues (estudo baseado em 83 observações).

3) Idéias progressistas em eletricidade médica: Electrodiagnóstico. Eletromiografia. Cronaxia em face do EEG.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Fev 2015
  • Data do Fascículo
    Jun 1948
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