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José Custódio de Sá e Faria e o mapa de sua viagem ao Iguatemi

José Custódio de Sá e Faria and the map of his trip to Iguatemi

RESUMO

O presente trabalho analisa o primeiro trecho do Diário de José Custódio de Sá e Faria, concretamente o caminho feito por terra, em quatro dias, entre São Paulo e Araritaguaba (Porto Feliz), que prosseguiria por rios até o Forte de Iguatemi. O foco são os cinco mapas que delineiam o trajeto percorrido nesses dias. O texto desse borrão, primeira versão feita durante a viagem, foi transcrito e comparado com outras versões do Diário e do mapa, em apêndice documental comentado APÊNDICE DOCUMENTAL COMENTADO Neste apêndice transcrevemos os dizeres dos cinco mapas de José Custódio utilizados na pesquisa e fazemos comentários para sua melhor compreensão. Comentamos também outras versões do mesmo diário e dos mapas e listamos documentos complementares de interesse direto. TRANSCRIÇÃO DOS DIZERES DOS BORRÕES DO DIÁRIO Na transcrição dos textos seguimos os princípios de: a) modernização ortográfica e inserção de vírgulas e pontos; o leitor poderá correlacionar facilmente a grafia antiga com a moderna; b) de colocar as abreviaturas por extenso, para facilitar a leitura; e c) em trechos mais longos, indicar a mudança de linha no original pelo sinal /. Fazemos a transcrição página por página, indicando o texto principal, que existe em quase todas, a seguir os topônimos colocados ao longo do caminho ou nas suas proximidades, obedecendo a sequência com que aparecem no caminhamento. Ao final de cada dia fazemos alguns comentários que ajudam a entender o diário, pessoas citadas e alguns pontos mais relevantes. A) Página 1 Texto principal Dia 3 de outubro de 1774 Saí da Cidade de São Paulo às 10 horas com as pessoas abaixo declaradas Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria Tenente de Artilharia Jerônimo da Costa Tavares Tenente de Infantaria Joaquim José Botelho Alferes de Infantaria Manoel Rodrigues D’Álvares Lobão Capelão João Nepomuceno [Ferreira Lustosa] Cirurgião Manoel Martins dos Santos Capitão de Aventureiros José Alexandre Mouras E 2 [22] soldados artilheiros [do Rio de Janeiro] Sargento José Pinto [da Silva] O Senhor General D. Luís Antônio de Souza, me acompanhou até a ponte dos Pinheiros e na saída da cidade me mandou salvar com tiros de artilharia. Chegamos à ponte dos Pinheiros às 11 horas e 25 [minutos], / onde Sua Excelência se despediu depois de fazermos / oração na Igreja daquela Aldeia dos Pinheiros / que é de índios. Continuamos a marcha / até as 4 horas da tarde por campos do- / brados, e paramos do outro lado da ponte do / Acotia em um rancho que ali se acha sem / camas por terem marchado as cargas adi- / ante e passamos com bastante frio. Andaríamos / da cidade até esse lugar 5 léguas. Topônimos no caminhamento - Ponte dos Pinheiros - Pirajuçara - Jaguaré - Pedro José - Rio Carapicuíba - Rio Tietê - Rio Cotia - Ponte do Cotia Comentários O fato de ter sido acompanhado pelo governador da capitania e ter sido saudado com tiros indica a importância da missão oficial. O general Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, 4° morgado de Mateus, era o governador da Capitania de São Paulo (1765-1775), recém-restaurada, depois de sua extinção em 1748. A lista dos participantes reforça o fato de ser um destacamento militar, que marcha em direção à meta, verbo que é empregado duas vezes. O nome dos participantes é completado com as informações do Diário n. I, cujo manuscrito se encontra na Biblioteca Nacional, como se aponta mais adiante. Também se corrige o número de soldados, que é 22, e não 2, como era de supor. Também chama a atenção o registro das horas com precisão de minuto e a quantidade de caminho andado, 5 léguas. Esse dado pode ser comparado com a somatória das distâncias parciais percorridas, calculadas a partir do tempo indicado em cada trecho do caminho. Campos dobrados indicam a energia do relevo, ou seja, grande quantidade de subidas e descidas no trecho, o que confere com o relevo atual. Os postos e ou patentes militares são as próprias da época, cuja origem é francesa, do século XVII: general (existente até hoje) corresponde às patentes mais elevadas; brigadeiro, introduzido em 1707, era o comandante de uma brigada ou de um único regimento; tenente, logo abaixo na hierarquia; alferes, oficial subalterno, que transportava a bandeira; capitão de aventureiros, correspondia a um comandante de soldados; soldados artilheiros. A isso se soma uma qualificação: aventureiros, artilheiros e outras. A relação de acompanhantes, com variações nos nomes, encontra-se também nos Documentos Interessantes, como se indica mais abaixo. B) Página 2 Texto principal Dia 4 de outubro de 1774 Saímos às 8 horas e 11 minutos da ponte / do Cotia e chegamos à Fazenda de Sua Majestade / (que foi dos jesuítas) às 3 horas da tarde. O / caminho é muito dobrado com serros por um / e outro lado dele, cobertos de arvoredos, e o / caminho é pelos espigões de alguns [dos mesmos serros]. O tenente / Policarpo teve ordem do Senhor General / para nos hospedar, o que fez com fartura. Esta fazenda foi dos jesuítas, e tem bastantes / escravos e o dito tenente atrás [mencionado] arrendava. Anda- / mos nesta marcha 7 léguas. Topônimos no caminhamento - 1/8 légua - Aldeia de Barueri - Tietê - Má descida com pedras e empinada - Paiol - Ignacio Barbosa - Caminho para a Vila de Itu - Freguesia de Araçariguama - Rancho de Araçariguama Símbolos de continuidade de desenho do caminho - Ω [símbolo semelhante a ômega maiúsculo sublinhado] colocado no trecho superior do desenho da parte esquerda e no trecho inferior do desenho da direita. - Uma pequena cruz de quatro pontas iguais, para indicar a continuidade por onde continua o caminho para Itu e que será retomado na folha seguinte. - Um pequeno círculo sublinhado, com uma cruz ao alto indicando capela. Trata-se da Capela Nova dedicada a Nossa Senhora da Conceição. - Percorrendo esse trecho a pé, constata-se que a “má descida com pedras e empinada”, relatada no texto, começa na atual Estrada Velha de Itu, em Jandira, entroncamento com a Rua das Cerejas, descendo em direção à rua Municipal, paralela à rodovia Cel. PM Nelson Tranchesi, nas proximidades da entrada da empresa Ficosa do Brasil. Desenhos notáveis - Aldeia de Barueri, da qual em nossos dias ainda existe pequena capela antiga, no local da primitiva, chamada de Nossa Senhora da Escada e facilmente localizável no bairro Aldeia. - Freguesia de Araçariguama, com a indicação da existência de uma capela ou igreja. Comentários A Fazenda de Sua Majestade corresponde às terras (sesmarias) que foram de Guilherme Pompeu de Almeida e de seu filho, padre, de mesmo nome, alcunhado de o banqueiro do sertão, a quem Pedro Taques dedica várias páginas em sua obra.24 Este as deixou em herança aos jesuítas, que ficaram na posse delas até sua expulsão, quando as terras foram declaradas patrimônio da coroa. Esta as arrendou a particulares, e nessa época a Policarpo Joaquim de Oliveira, mencionado logo a seguir. Este Policarpo, em petição/requerimento ao rei, anexa um mapa de suas terras, de ambos os lados do Tietê, que foi copiado do mapa de Custódio. Para dirigir-se a essa fazenda, a tropa abandonou o caminho direto para Itu, indicando com uma cruz o ponto de abandono, que seria retomado no dia seguinte, já num ponto mais adiante, mas medindo-se ângulos e distâncias, pode-se desenhar o mapa e interpolar o caminho direto, sem passar pela fazenda. Na versão da Biblioteca Nacional, acrescenta que estavam “costeando o Tietê”, coisa que se nota pelo mapa. Também se acrescenta que “a casa onde viviam os jesuítas é sofrível, e a capela [também]”. C) Página 3 Texto principal Obs.: Nesta página não há um texto principal, mas somente topônimos. O desenho do percurso desse dia completa-se com o desenho da página seguinte, onde se coloca um texto explicativo para as duas. As duas metades dessa página são dedicadas ao desenho do caminho. Topônimos no caminhamento - Saída do caminho - Serras altas - Caminho por cima do morro - Saída do campo - Caminho - Putribu [rio] - Cachoeira Símbolos de continuidade de desenho do caminho - Uma pequena cruz indica a continuidade com o caminho para Itu, abandonado para dirigir-se à fazenda e agora retomado. - Um pequeno círculo com um xis indica que o caminho desenhado na parte esquerda no cimo da folha continua na parte de baixo do desenho da direita. - Da mesma forma, há um losango com um xis em seu interior na página 3 (topo da coluna 2) e que não aparece na página 4 atualmente, por ter sido mutilada, mas aparece em fotos anteriores dessa página, como se vê na figura 20. Figura 20 Símbolo de losango presente nessa página. Foto: arquivo pessoal dos autores. Comentários - Há pequenas casas desenhadas ao longo do caminho. Neste desenham-se algumas ilhas e uma cachoeira, como se vê pelos topônimos. - Nesse mapa o caminho aproxima-se do Tietê, correndo às suas margens por um bom trecho. - Encontra-se nele também uma interessante bifurcação e suas alternativas. O tramo da esquerda é composto pelos tracejados indicados por caminho por cima do morro e saída do campo e não foi seguido pela tropa, que foi, portanto, pela alternativa da direita margeando o rio. Os dois caminhos existem até hoje, e o primeiro está, em parte, dentro de uma propriedade privada. - A alternativa pelo alto do morro corresponde ao espigão que passa pelo chamado, na época, Morro do Putribu ou Aputribu, enquanto a outra vai pelas baixadas. Atualmente esse topônimo aplica-se a outro morro, nas imediações. - Cruzaram também o riacho Putribu, pouco distante da sede da fazenda de mesmo nome. Em 21 de abril de 1660, nessa fazenda de Manuel Bicudo Bejarano, compareceram o tabelião de Santana de Parnaíba para registrar que Baltazar Fernandes doava aos beneditinos de Parnaíba a capela de Nossa Senhora da Ponte. Esse ato, presentes as partes interessadas, deu origem à cidade de Sorocaba. - As Serra Altas correspondem à atual Serra do Guaxatuba (ou do Piraí), a sudoeste do município de Cabreúva (ver imagem abaixo). - O desenho de Custódio mostra: (a) Cachoeiras (que na verdade são corredeiras); (b) ilhas; e depois (c) um ponto onde o caminho segue reto, com rumo aproximado noroeste, e o Tietê afasta-se da estrada em direção ao norte. Essa estrada corresponde a um trecho da estrada Municipal do Pau d’Alho (Itu 030). D) Página 4 Texto principal Dia 5 de outubro [de] 1774 Saímos de Araçariguama às 9 horas e 28 [minutos] / e marchamos até a vila de Itu, aonde chegamos / às 5 horas da tarde, e nos foi encontrar no / caminho o Alferes Felipe Freire com um pique / te de cavalaria auxiliar e algumas pessoas / principais da vila e em duas casas de fronte / da cadeia nos aquartelamos, as quais havia / mandado por aprontar o senhor General. Mar / chamos neste dia 7 léguas. Topônimos no caminhamento - Serrania ao longe, distâncias de ¼ e ½ légua - Principia a picada - Acaba a picada - Terrenos mui dobrados - Engenho do doutor Antônio José de Sousa, 1/8 [de légua, na direção] N - Pirapitingui (riacho) - Vila de Itu [com o símbolo de círculo e cruz] Desenhos notáveis - Planta da Vila de Itu, com ruas e quadras, onde se pode ler: Figura por estimação da Vila de Itu; São Francisco (igreja); Matriz Bom Jesus, Cadeia, Igreja nova; Carmo. Comentários Fala-se de Araçariguama, mas subentende-se que é a fazenda e não a freguesia. Continua a confirmação da linguagem militar: marchamos, aquartelamos. Os terrenos continuam dobrados e nesse trecho, com o qualificativo mui. De fato, há uma pequena serra nesse trecho. Devia haver um trecho de caminho pior, pois ele informa os pontos em que principia e termina a picada. Resquício da trilha de índios e depois de bandeirantes. Mas no resumo que faz deste dia, no Diário da Biblioteca Nacional, informa, como um resumo geral: “os terrenos são dobrados, mas o caminho é excelente”. A existência de um engenho é uma amostra da nova tendência da economia, incentivada pelo morgado de Mateus. No Diário n. I da Biblioteca Nacional, acrescenta nesse dia: “tem bastantes moradores e muitas fazendas de lavoura, sendo a principal a do açúcar, que fornece toda à Capitania”. Corresponde ao início do segundo ciclo do açúcar em São Paulo. O desenho da Vila de Itu é, de fato, um esboço sem métrica, mas estão em posição correta as igrejas, conventos (São Francisco e Carmo) e demais edifícios, que existem até hoje, menos o de São Francisco, do qual restam só ruínas. No Diário n° I da Biblioteca Nacional, acrescenta a frase: “A matriz se anda fazendo de novo (reforma).” A igreja nova é a Igreja Nossa Senhora da Candelária que foi terminada em 1780 e estava em construção na época da passagem de José Custódio. E) Página 5 Texto principal Dia 6 de outubro de 1774 Saímos da vila de Itu, (que quer dizer água que cai de alto, de fronte da qual à distância de uma légua para o norte se acha um grande salto no rio Tietê, de mesmo nome), pelas 7 horas e 52 minutos e tendo marchado 3 léguas encontramos o Ajudante de Ordens do Senhor General e outras pessoas principais da freguesia de Araritaguaba, que nos vinham esperar e todos marchamos à dita freguesia, onde chegamos às 12 horas e 30 minutos e achamos aposentadoria com toda a grandeza, por ordem do Senhor General. Obs.: na sequencia ele anota já o dia seguinte, como abaixo. Dia 7 de outubro Se carregou o meu trem nas canoas e se aprontaram algumas miudezas que faltavam e ficamos esperando que chegasse o padre capelão que ficou na cidade [de Itu]. Topônimos no caminhamento - Vila de Itu [com o símbolo tradicional] - Córrego de São Francisco - Água podre - Itaí Guaçú - Campo - Pimenduba (hoje Ponunduva) - Caiacatinga - Engordador - Lagoa do morro torto - Morro torto - Avecuá - Lagoa de água podre - Freguesia de Araritaguaba [com o símbolo tradicional] - Tietê [rio e fim do caminho feito por terra] Desenhos notáveis - Planta da freguesia de Araritaguaba, com a seta do norte e o topônimo das duas igrejas: Nossa Senhora Mãe dos Homens e Nossa Senhora da Penha. Comentários Esse é o trecho final feito a cavalo, para embarcar em canoas no Tietê, em Araritaguaba, hoje Porto Feliz. De 7 a 12 ficaram nesse porto, carregando o equipamento pessoal (que ele chama de trem) e geral. No Diário n. I, acrescenta: “Esta freguesia tem bastante gente e me asseguraram que já teve mais e fora mais rica quando as tropas de Cuiabá e Mato Grosso seguiam este caminho, o que se tem diminuído por passarem hoje a maior parte delas por Goiases para o Rio de Janeiro”. Com a abertura do novo caminho por terra e o fim das monções, o antigo porto decresceu. Fazendo um balanço dos locais onde ficaram, constata-se que contaram sempre com boa acolhida e se vê que isso ocorria por ordens do governador da capitania, através de seu ajudante de ordens, que os precedia. Fazendo as contas das léguas percorridas, na somatória macro, tem-se a tabela 5. Tabela 5 Quantidade de léguas percorridas Dia Léguas percorridas Acumulado Ponto de pernoite 3/10 5 + 1,5 6,5 Rancho do Cotia 4/10 7 13,5 Fazenda de Araçariguama 5/10 7 20,5 Vila de Itu 6/10 3 23,5 Freguesia de Araçariguama Obs.: 1. No primeiro dia somamos légua e meia, de São Paulo à ponte do Pinheiros. Esse total confere com o balanço final feito por ele: 24 léguas. 2. As léguas pela poligonal supõem o cálculo da distância a partir do tempo medido por José Custodio e sua tropa, através da velocidade média estimada no trecho. 3. Os dados do texto podem ser conferidos com os da poligonal, em termos de tempo e de distâncias, podendo-se inferir algumas conclusões. Para isso são úteis as tabelas 6 e 7 abaixo. Tabela 6 Tabela comparativa de tempos. DIa Minutos declarados Em horas Início menos fim (em horas) Descanso e paradas 1 216 3,6 4,6 1,0 2 361 6,0 6,8 0,8 3 435,5 7,3 7,5 0,3 4 292,5 4,9 4,6 -0,2 Nessa tabela, para cada dia, indica-se a soma dos minutos declarados na poligonal que são convertidos para hora e fração na coluna seguinte. Da mesma forma, calcula-se a diferença horária tendo em conta a hora de saída e a de chegada. A última coluna refere-se ao tempo que pararam, calculado por diferença. O número negativo ao final indica que não devem ter parado, além de um erro de avaliação dos tempos. Tabela 7 Tabela comparativa de distâncias calculada e declarada. Dia Distância (m) Léguas Léguas declaradas Diferença 1 20.520 3,4 5,0 1,6 2 34.295 5,7 7,0 1,3 3 41.373 6,9 7,0 0,1 4 27.788 4,6 3,0 -1,6 Total = 123.975 20,7 22,0 1,3 Nessa tabela a coluna das distâncias refere-se à soma dos trechos declarados na poligonal, supondo uma velocidade média ajustada, em metros. A coluna seguinte transforma essa distância em léguas, de 6 km. A coluna seguinte se refere às léguas percorridas, segundo a declaração do texto. A última coluna refere-se à diferença entre ambas, levando-se à conclusão de que em todos os dias houve um certo exagero na distância percorrida, a menos do último dia, reforçando a tese de que houve um erro na anotação do tempo de saída e/ou chegada. F) Versões do Diário de José Custódio de Sá e Faria e outros documentos relacionados São comentadas a seguir as versões do diário e/ou de mapas utilizados na presente pesquisa, como fontes complementares. 1. Versão disponível na Mapoteca do Itamaraty. É a versão que comentamos, composta do chamado diário de campo, das primeiras, segundas e terceiras reduções e de mapas aquarelados simples, conforme descrição de Bueno.25 Como explicado, restringimo-nos às cinco primeiras páginas, dos borrões, referentes aos dias 3 a 7 de outubro de 1774. 2. Manuscrito da Biblioteca Nacional (Diários n. 1 e n. 2) É um manuscrito disponível na Biblioteca Nacional, Faria (1775, a) e tem por título: Diário da viagem que fez o brigadeiro José Custódio de Sá e Faria desde a cidade de São Paulo até a Praça de Nossa Senhora dos Prazeres do rio Iguatemi. Escrito já na fortaleza de Iguatemi, datado de 31 de janeiro de 1775, pertence à Coleção Morgado de Mateus e a ele vai dirigido o escrito. Há também outras correspondências, entre o brigadeiro e Luís Antônio de Sousa Botelho Mourão, Martinho de Melo e Castro, e outros, sobre a Praça do Iguatemi. Depois de algumas páginas com documentos diversos, há uma apresentação e inicia-se o Diário N° I°, que é uma versão em terceira pessoa dos borrões feitos durante a viagem. Contém, a partir da página 104, com o título Diário N° II°, 23 mapas aquarelados (em branco e preto nessa versão da Biblioteca Nacional), representando os rios percorridos e a dita praça. No total são 300 páginas escritas no que hoje é um caderno, mas parece que se trata de folhas soltas que se juntaram. Isso porque misturam-se escritos de outros autores e a sequência dos documentos não é cronológica. O primeiro documento é de 8 de dezembro de 1774, o seguinte, assinado por Jozé Gomez de Gouveia, é de 6 de dezembro, o seguinte do dia 6, a tabela seguinte é de 1º de dezembro, a seguinte carta de 4 de dezembro, outro mapa é de 1773, e assim por diante. O juntar em cadernos pode ser obra do próprio brigadeiro, já que na página 214, fala do “quaderno n° 2”. Por meio dele chegaram-nos diversos complementos: os dias totais de viagem, que ele enviou imediatamente esse primeiro diário-relatório para o governador, com o fim de que o remetesse à Corte. Dá conta não só da viagem e do mapa feito, mas do estado da fortaleza e dos homens. À página 34, inicia-se um texto geral, que tem a forma de um relato explicativo do que vem a seguir, e conta-se um pouco da geografia da região e de sua história, baseando-se no conhecido jesuíta Charlevoix, transcrevendo-se inclusive alguns trechos em francês. Explicam-se os documentos anexos, em geral mapas. Na página 48 grafa-se no meio da página o título “Diário N° I°” e depois, no fim dela, “Primeira Via”. Já na página 50 inicia-se um texto que é basicamente o mesmo presente no borrão que se comenta, com a diferença de estar na forma de um relato em terceira pessoa: “Em 3 de outubro saiu o dito brigadeiro da cidade de São Paulo com a[s] pessoas abaixo declaradas...”, em contraposição ao original “Dia 3 de outubro de 1774. Saí da Cidade de São Paulo às 10 horas com as pessoas abaixo declaradas”. O trecho em terra é resumido em dois mapas e as particularidades são as seguintes. No plano I, registra também a cidade de São Paulo e a aldeia de Pinheiros, desenha erradamente o Pirajuçara e o Pirajuçara Mirim, embora inominados, correndo para a esquerda e não para a direita; também desenha erradamente a aldeia de Barueri no lado esquerdo do Tietê, quando na realidade situava-se na margem direita (à época da viagem de Custódio, bem antes da retificação desse rio). Registra o Pinheiros e o Tietê, em toda a extensão da folha. No plano II, estabelece a conexão com o desenho anterior através da letra A, desenha o caminho para Itu, como principal, e a derivação que fizeram para pernoitar na fazenda Araçariguama, desenha também o caminho pelo espigão do morro do Putribu, só esboçado nos borrões. Esses desenhos se fazem só por uma face (páginas ímpares), mas nota-se que o conjunto esteve fechado, pois a tinta passou para as páginas pares anteriores, em desenho espelhado. Depois da prancha XIX, há desenhos gerais, de toda a rota, do rio Tietê. Embora não faça parte do trecho em estudo, convém dizer que o documento atesta também o que ficou chamado de “Os martírios do Iguatemi”, por meio, por exemplo, de um documento assinado pelo capelão atestando a morte de 210 homens, 95 mulheres e 194 crianças, num total de 499 pessoas.26 3. Versão datilografada do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Aparece na Revista trimestral do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Brasil, tomo XXXIX, 1876, e está disponível em meio digital.27 Começa na p. 213, com o material cartográfico: os 19 mapas parciais de José Custódio foram reduzidos a uma carta única. Por seu tamanho não seria facilmente apensa ao número da revista e por isso foi dividido em quatro vistas parciais, não articuladas, mas que permitem visualizar o todo. O manuscrito foi oferecido ao IHGB pelo conselheiro Francisco Inácio Marcondes Homem de Mello (1837-1918). Este foi professor de História do Colégio Pedro II, cartógrafo e professor de geografia, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Foi presidente da Província de São Paulo (1864). Esse mapa é na realidade uma boa composição e as partes têm dimensões aproximadas de 64 cm x 42 cm. Possui quadrículas de grau em grau em latitudes e longitudes, estas com origem no Rio de Janeiro. Apresenta uma tabela com sete pontos astronômicos medidos, um deles só com latitude, observada pelo autor da viagem, sendo os demais aproveitados das medições: um ponto do Barão de Maracaju, três da Estrada de Ferro D. Izabel e dois do Dr. Lacerda e Almeida, um deles a cidade de São Paulo. Assim, os bonitos desenhos parciais de José Custódio não são apresentados. O texto aparece a partir da página 219 e recolhe os documentos mais significativos do manuscrito da Biblioteca Nacional, em concreto o texto geral sobre a região do Iguatemi e o Diário N° I°, com pequenos erros de transcrição, que não comprometem o sentido geral. 4. Mapas aquarelados sem texto Trata-se também de documento disponível na Biblioteca Nacional: Faria (1775), denominado como: Configuraçam dos rios Tietê, Paraná, Iguatemi. É uma versão cartograficamente muito semelhante ao outro texto da Biblioteca Nacional (n. 2, acima), com a mesma denominação (Configuraçam...). Apresenta-se a seguir as duas primeiras pranchas, que correspondem ao trecho de caminho analisado. Nestes continuam os erros dos rios Pirajuçara e Pirajuçara Mirim correrem para o lado contrário ao real. O sentido estava correto nos borrões, mas houve um engano ao passar a limpo. A aldeia de Barueri, corretamente situada no original (margem direita), passou para a margem oposta, como no outro manuscrito. Continua desenhando acertadamente as opções de caminho, pela Fazenda Araçariguama e as pela baixada e espigão do morro do Putribu. 5. Versão produzida pelo brigadeiro Manuel Martins do Couto Reis (1775) Esse documento foi produzido por seu autor, dispondo dos dados de José Custódio e acrescentando algumas notas. Os mapas estão disponíveis no Arquivo Nacional (REIS, 1775) e o traçado cartográfico coincide e apresenta os mesmos pequenos erros do original do qual ele copia. Esses erros só serão corrigidos no mapa de Francisco José de Lacerda e Almeida, elaborado anos mais tarde. A seguir, na figura 23, pode-se ver um desses mapas, como exemplo. Figura 21 Mapa aquarelado elaborado por José Custódio, prancha n. 1. Acervo da Biblioteca Nacional, Faria (1775). Foto: arquivo pessoal dos autores. Figura 22 Mapa aquarelado elaborado por José Custódio, prancha n. 2. Acervo da Biblioteca Nacional, Faria (1775). Foto: arquivo pessoal dos autores. Figura 23 Trecho de mapa produzido por Manuel Martins do Couto Reis (1775), a partir do mapa de José Custódio. Acervo do Arquivo Nacional. Foto: arquivo pessoal dos autores. 6. Outros documentos que completam as informações Outros documentos que se referem aos preparativos e a viagem, de José Custódio e que podem ser encontrados nos Documentos Interessantes (1894-1896): a) Documento de 11 de outubro de 1774, com a Lista dos acompanhantes na viagem entre São Paulo e Porto Feliz, volume 10, Iguatemi, 1895, p. 161. b) Documento de 13 de setembro de 1774, trata das cavalgaduras (70 cavalos) a serem providenciadas para a viagem até Porto Feliz, volume 8, 1895, pp. 157-158. Sendo 40 cargueiros, 8 para os oficiais, 22 para os soldados. c) Documento de 25 de setembro de 1774, falando da nomeação do capelão e dos mais tropeiros que o acompanharam na viagem, volume 8, 1895, p. 164. d) Documentos vários sobre os preparativos de viagem, disponíveis no Arquivo Histórico Ultramarino. . Uma análise das informações latentes permitiu determinar em detalhe esse antigo caminho que data de tempos imemoriais, provavelmente do século XVI. Desenvolveu-se uma metodologia de trabalho para essa determinação que pode ser aplicada em outros casos e torna-se particularmente interessante em um momento em que os órgãos responsáveis pelo patrimônio realizam tombamentos de caminhos.

PALAVRAS-CHAVE:
José Custódio de Sá e Faria; Caminhos de Itu; Mapas do século XVIII; Metodologia para a determinação de caminhos antigos

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