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OS NOMES PRÓPRIOS EM CONTEXTOS MULTICULTURAIS1 1 Resenha da obra: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021.

FELECAN, O; BUGHEȘIU, A. Names and Namings: multicultural aspectsChamPalgrave Macmillan, 2021

A obra Names and namings: multicultural aspects (Nomes e nomeações2 2 No título da obra e na introdução os organizadores usam o termo “naming” o qual, nos estudos onomásticos, é equivalente ao termo “namegiving” ambos são usados para descrever o processo pelo qual se atribui um nome próprio a entidades consideradas pelo nomeador como únicas e estão recomendados pelo International Council of Onomastic Sciences (ICOS), conforme se pode conferir em Onomastic terminology – ICOS (https://icosweb.net/publications/onomastic-terminology/). Ao longo desta resenha, em consonância com a escolha feita pelos organizadores da obra resenha, é usado o termo nomeação. : aspectos multiculturais) é uma coletânea organizada pelos professores romenos Oliviu Felecan e Alina Bugheșiu que reúne, em suas quase 500 páginas, 29 capítulos escritos por pesquisadores de diversos países. Nesses capítulos, são descritas e analisadas nomeações atuais e pretéritas em contextos de diversidade linguística e/ou culturais provenientes de 21 países. Ao final do capítulo de introdução à obra, os organizadores fazem uma descrição que realmente condiz com o teor da coletânea: “os estudos neste livro trazem para consideração análises multiculturais sincrônicas e diacrônicas e suas implicações para os nomes (próprios) e a nomeação em vários (monolíngues, bilíngues e monolíngues) países do mundo em áreas fronteiriças de contato.”3 3 Original: “The studies in this book offer for consideration in-depth synchronic and diachronic analyses of multiculturalism and its implications for names and naming in various (monolingual, bilingual and multilingual) countries of the world in cross-borders contact áreas” (FELECAN; BUGHEȘIU, 2021, p. 5). (FELECAN; BUGHEȘIU, 2021FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillian, 2021. Disponível em: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-73186-1. Acesso em: 14 set. 2021.
https://link.springer.com/book/10.1007/9...
, p. 5, tradução nossa).

Os capítulos desta coletânea estão divididos em duas seções: i. Naming Policies, Trends and Practices in the Context of Multiculturalism (Políticas e práticas de Nomeação no contexto de multiculturalismo) e ii. Naming as a Form of Identity Construction in Multicultural Societies (Nomeação como forma de construção identitária em sociedades multiculturais). A metodologia utilizada para a elaboração e a organização da obra foi a de reunir estudos diversificados sem a observação de um modelo rígido para a estruturação dos capítulos de modo a retratar, respeitar e enfatizar os diferentes pontos de vistas, metodologias e perspectivas de análises, isto é, as distintas maneiras pelas quais se pode investigar o multiculturalismo nos processos de nomeação e nos nomes.

Esta resenha está organizada da seguinte maneira: primeiro, apresenta-se a coletânea em suas características gerais; na sequência, descrevem-se capítulos selecionados para mostrar a diversidade de eixos contemplados e apontar as pesquisas que se destacaram em cada eixo; a seguir, apontam-se os capítulos nos quais houve alguma discussão teórica sobre o multiculturalismo e por fim, fechando a resenha, recomenda-se a leitura da obra resenhada.

Os capítulos dessa coletânea divulgam resultados de pesquisas abrangentes e aprofundadas e alguns deles apresentam e discutem definições de multiculturalismo. A maioria dos capítulos retrata situações atuais de multiculturalismo e sua influência nos nomes próprios; um conjunto considerável de capítulos descreve situações multiculturais constitutivas e históricas da formação de determinadas nações; há também quatro artigos que focam políticas linguísticas sobre o uso dos nomes próprios em contextos multiculturais e outros quatro que se dedicam ao impacto do multiculturalismo religioso dos nomes. As limitações de espaço de uma resenha impedem que se mencionem, se descrevam e se analisem todos os capítulos. Contudo, comenta-se, a seguir, um capítulo de cada um dos principais eixos identificados durante a leitura integral da obra. A seleção desses capítulos foi feita também por eles terem se destacado qualitativamente tendo em vista o conjunto da obra.

Um exemplo de capítulo que retrata um contexto multicultural atual que impacta os nomes próprios é o escrito por Mangena e Waiaula (2021) sobre a situação atual de dois países africanos: o Quênia e o Zimbábue. Nesses países, convivem duas etnias cultural e linguisticamente díspares: os Bukusu e os Sabaot. Não obstante a utilização de nomes pessoais híbridos, no que se refere à toponímia, as práticas de nomeação e a interpretação sobre a motivação para a escolha dos topônimos são muito distintas. Os Bukusu sentem o lugar onde vivem como uma extensão de si mesmos e nomeiam os topônimos homenageando uma personalidade de destaque na comunidade. Já os Sabaot são nômades, para eles, a nomeação dos lugares é crucial pois é o que permite voltar aos lugares, especialmente se alguém da comunidade não consegue acompanhar o grupo que se desloca e “fica para trás”. Não surpreende que os nomes de lugares sejam alvo de disputa e de diferentes interpretações e narrativas pois eles funcionam como marcas de territorialização. Como explicam os pesquisadores: “Os Sabaot poderiam afirmar que são os ‘habitantes originais’ de um lugar porque o lugar tem um nome que é, evidentemente, um nome Sabaot, mas os Bukusu também poderiam afirmar serem os habitantes originais porque eles sempre viveram lá”4 4 Original: “The Sabaot could claim to be the ‘original inhabitants’ of a place because it evidently bears their name, but the Bukusu could also claim to be the original inhabitants, because they have always lived there” (MANGENA; WALIAULA. 2021, p. 432). (MANGENA; WALIAULA, 2021MANGENA, T.; WALIAULA, S. Multicultural Aspects of Name and Naming in African Cultures: The Case of Kenya and Zimbabwe. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.421-436., p.432, tradução nossa).

Um exemplo de estudo histórico de contextos multiculturais é o capítulo escrito por Czopek-Kopciuch (2021)CZOPEK-KOPCIUCH, B. Multiculturalism in Polish Toponymy. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.331-344. sobre o multiculturalismo na toponímia polonesa. Com relação aos nomes de origem germânica, a pesquisa informa que, desde o século XIII, foram oferecidos certos privilégios como isenção de taxas e tributos aos alemães que fossem colonizar determinada região polonesa a qual inclui a Pomerânia. Os dados mostram que a maioria dos topônimos em língua alemã sofreu polonização espontânea e que as guerras mundiais resultaram na homogeneização cultural e étnica do país: muitos foram expulsos, migraram ou foram assassinados (como foi o caso dos judeus perseguidos), hoje em dia, mais de 90% da população se autodefine como sendo etnicamente polonesa.

A leitura desse capítulo em especial pode interessar pesquisadores brasileiros que se dedicam à história de migração germânica e ao uso da língua alemã como língua de herança no Brasil tendo em vista que a Pomerânia é, reconhecidamente, a região de origem de boa parte dos migrantes alemães que veio ao Brasil cujos descendentes se definem como descendentes de alemães.

A interdisciplinaridade, perceptível em quase todos os capítulos, é outro aspecto a ser ressaltado. No Brasil, há pesquisadores que defendem que, apesar de poderem receber abordagens interdisciplinares, os estudos toponímicos, são, a princípio, pertencentes à Linguística e fazem parte da Lexicologia (DE SOUSA; DARGEL, 2020DE SOUSA, A. M.; DARGEL, A. P. T. P. Onomástica: interdisciplinaridade e interfaces. Revista GTLex, Uberlândia, v. 3, n. 1, p. 7-22, 20 abr. 2020. Disponível em: https://doi.org/10.14393/Lex5-v3n1a2017-1. Acesso em: 13 set. 2021.
https://doi.org/10.14393/Lex5-v3n1a2017-...
). No México, há questionamentos sobre se o mais acertado seria caracterizar a Onomástica como uma ciência linguística unidisciplinar ou multidisciplinar, haja vista sua relação com outras ciências (JIMENEZ SEGURA, 2021JIMÉNEZ SEGURA, S. La onomástica como rama interdisciplinaria de la lingüística, ¿ propuesta “unidisciplinaria”?. Onomástica Desde América Latina, Cascavel, v.2, n.4, p.147-175, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.48075/odal.v0i0.27527. Acesso em: 13 set. 2021.
https://doi.org/10.48075/odal.v0i0.27527...
). As pesquisas apresentadas pelos autores da obra resenhada, por sua vez, são quase todas interdisciplinares, contudo, não há qualquer menção, explicitação ou justificativa para tanto, como se a interdisciplinaridade em Onomástica fosse algo dado de antemão. É necessário partir de uma teorização coerente para melhor fundamentar cientificamente as pesquisas que adotam este viés a começar pela definição de nome próprio que pode ser ampliada e tornar-se ela também interdisciplinar, como é o caso da seguinte proposta de redefinição de nome próprio como

[...] um nome singular, um objeto abstrato armazenado num endereço conceitual na mente do falante composto por um componente lógico, um componente lexical e um componente enciclopédico. Enquanto o primeiro responde pelo processamento necessário das informações para se chegar à compreensão de elocuções nas quais os nomes próprios são utilizados, os dois últimos integram o conhecimento linguístico e de mundo relativos ao nome próprio, correspondem ao conhecimento onomástico do falante ideal e pode abranger desde o conhecimento como em determinada língua e cultura os nomes são usados e suas características gramaticais até o conhecimento erudito sobre a etimologia e a origem dos nomes (SEIDE, 2021SEIDE, M.S. Proposta de definição interdisciplinar de nome próprio. Onomástica Desde América Latina, Cascavel, v.2, n.4, p.70-94, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.48075/odal.v0i0.27562. Acesso em: 20 out. 2022.
https://doi.org/10.48075/odal.v0i0.27562...
, p.86).

Outro ponto a ser considerado diz respeito à abrangência geográfica das pesquisas divulgadas. Os países mais representados na obra são, respectivamente, Rússia, Romênia e Estados Unidos. Há ao menos um capítulo ou parte de capítulo dedicado aos seguintes países: África do Sul, Alemanha, Algéria, Egito, Espanha, França, Grã-Bretanha, Hungria, Japão, Jordão, Marrocos, Nigéria, Noruega, Polônia, Quênia, República Checa, Sudão, Suécia, Ucrânia e Zimbábue.

O continente africano está bem representado também, embora não se mencione nenhum país africano lusófono. Há pouca representatividade das línguas e culturas que se expressam na língua francesa e na língua espanhola e nenhuma menção a países de língua oficial portuguesa. No que tange a língua francesa, há um capítulo que trata de países francófonos no continente africado (HATAB, 2021HATAB, W. A. Multicultural Aspects of Names and Naming in the Arab World. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.261-276.) e outro que inclui dados antroponímicos franceses (SCHOCHENMAIER, 2021SCHOCHENMAIER, E. Multicultural Patronymic Landscapes of Naming in Russia, France, Germany, Great Britain and Romania. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.133-148.). No que respeita à língua espanhola, há apenas um capítulo que retoma os trabalhos de Corominas (TORT-DONADA, 2021TORT-DONADA, J. Names and Naming in the Iberian Peninsula. Joan Coromine´s Intercultural Approach in Onomastics. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p. 295-314.). Não há nenhum capítulo sobre países lusófonos e hispânicos da América Latina. Para abranger esses países, línguas e culturas, seria preciso publicar um segundo volume do livro.

Ressalte-se, por fim, que os capítulos dedicados à Romênia são especialmente valiosos para as aulas de Filologia Românica, tendo em vista que este idioma faz parte das línguas românicas e seu estudo foi e é fundamental às pesquisas históricas de cunho comparativo. Os capítulos que focam a influência do multiculturalismo religioso na nomeação, por sua vez, são importantes para a área de estudo das religiões, por abrangerem a questão da intolerância religiosa em épocas e países distintos. A coletânea também pode ser útil aos estudos históricos, uma vez que todos os capítulos do segundo eixo da obra apresentam forte relações interdisciplinares com a História ao explicitarem o multiculturalismo constitutivo de diferentes países, motivo pelo qual podem ser úteis aos historiadores.

No que se refere à discussão de conceitos de multiculturalismo, há capítulos que incluem discussão sobre o que se pode entender por multiculturalismo. Eles são os seguintes: o segundo capítulo do livro, “Multicultural Aspects of Names and Naming in United States” de Nuessel (2021)NUESSEL, F. Multicultural Aspects of Names and Naming in the United States. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.9-22. (Aspectos multiculturais dos nomes e da nomeação nos Estados Unidos), o sexto, “Multicultural Aspects of Name and Naming in Russian Post-Soviet Streetscapes”, (Aspectos multiculturais dos nomes e da nomeação na Paisagem das ruas da Rússia Pós-Soviética) de Golomidova, o décimo terceiro, “Multicultural Features in Scandinavian Toponymy” (Características multiculturais na toponímia Escandinava), de Nyströn e o vigésimo segundo capítulo “Multicultural Aspects of Names and Naming Reflected in German Brands”, (Aspectos multiculturais dos nomes e da nomeação refletido em marcas alemãs) de Angelika Bergien5 5 Os demais capítulos da coletânea não discutem ou explicitam como seus autores conceituam multiculturalismo. Não é o objetivo desta resenha discuti-los embora se saiba como são diversos os enfoques adotados, McLaren (1997) menciona o conservador, o liberal de direita, o liberal de esquerda e o crítico e Hall (2003) propõe a existência de outros dois: o pluralista e o corporativo (presente, por exemplo, por Bergien na obra resenhada. .

Nuessel (2021)NUESSEL, F. Multicultural Aspects of Names and Naming in the United States. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.9-22. explica que o multiculturalismo é um conceito dinâmico que se desenvolve por fases tendo em vista que há, aos menos, três maneiras de se entender este conceito:

  1. Como resultado do reconhecimento da existência de múltiplas culturas na maioria das sociedades contemporâneas;

  2. Como análise das atitudes das pessoas perante sociedades multiculturais as quais podem ser de oposição, tolerância ou aprovação;

  3. Como propostas de ações que levem ao reconhecimento e à aprovação do multiculturalismo e à implementação de políticas públicas que levem ao apoio e à manutenção do multiculturalismo numa dada sociedade.

De fato, a agenda multiculturalista abrange o reconhecimento, a tolerância ou a aceitação e culmina com a aprovação, manutenção e conservação do multiculturalismo na sociedade para o que se requerem políticas linguísticas e culturais positivas e inclusivas.

Nyströn também faz considerações sobre o tema ao questionar que nomes de lugares podem ser considerados como multiculturais num dado contexto. Seus questionamentos se centram no que pode ser avaliado como manifestação do multiculturalismo em uma sociedade determinada. Ele defende que apenas se pode considerar como multicultural6 6 Nesta resenha, há uso dos termos multiculturalismo (o qual corresponde ao termo em inglês “multiculturalismo” e do termo “multicultural” (o qual corresponde ao termo em inglês “multicultural”. aquilo que as pessoas percebem com tal e não os aspectos culturais que remetem a línguas e a culturas estrangeiras mas que estão naturalizados e não são assim percebidos:

Certamente, palavras, nomes de lugares e nomes de pessoas de origem estrangeira, às vezes, fazem parte nos nomes de nossas ruas e rodovias, mas, via de regra, esses são nomes há muito estabilizados na Suécia como um todo, então, nós não os sentimos como sendo uma influência estrangeira ou multicultural.7 7 Original: “Of course, words, place names and personal names of foreigner origin sometimes form part of our street and road names, but as a rule these are words and names long established in Swedish in general, so we get no sense of a foreign or multicultural influence”. (NYSTRÖM, 2021, p. 199). (NYSTRÖM, 2021, p. 199, tradução nossa).

São exemplos deste tipo de nome de lugar os nomes suecos Baltiska vägen (Caminho Báltico), Kinagatan (rua China) e Ryska gränd (Beco Russo). Ele observa também que, na Escandinávia, há cada vez mais edifícios sendo nomeados com nomes total ou parcialmente em língua inglesa como é o caso do nome Mall of Scandinavia (Shopping da Escandinávia), nomes assim não são considerados pelo pesquisador como multiculturais, pois não resultam em diversidade cultural (NYSTRÖM, 2021).

Ainda nesse mesmo capítulo, também são mencionados nomes de lugares nas línguas autóctones as quais têm recebido, deste final da década de 70 do século passado, políticas linguísticas afirmativas, mas que, até hoje, se não são mais esquecidos, ainda são silenciados: Nyströn informa que sinais de trânsito na língua sami costumam ser pichados. Um exemplo de nome de lugar parcialmente formado por língua autóctone é o nome Gällivare formado pelo nome vare que significa montanha na língua sami (NYSTRÖM, 2021).

Golomidova defende que a principal característica do multiculturalismo é a defesa do direito à existência igualitária de diferentes vidas culturais em sociedades multiétnicas e explica que:

Na segunda metade do século vinte e começo do século XXI, as razões para o aumento da atenção científica para o fenômeno do multiculturalismo foram, obviamente, a renovação da paisagem política no mapa de diferentes continentes, a liberalização da legislação em vários países, os processos de globalização e tendências opostas de preservação de identidade étnica, bem como por um interesse significativo pela identidade territorial, nacional e étnica.8 8 Original: “In the second half of the twentieth—beginning of the twenty-first century, the obvious reasons for the growth of scientific attention to the phenomenon of multiculturalism were the renewal of the political landscape on the map of different continents, the liberalization of legislation in a number of countries, the processes of globalization and the opposite tendencies to preserve ethnic identity, as well as a significant interest in territorial, national and ethnic identity.” (GOLOMIDOVA, 2021, p.73). (GOLOMIDOVA, 2021GOLOMIDOVA, M. Multicultural Aspects of Name and Naming in Russian Post-Soviet Streetscapes. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.73-97., p.73, tradução nossa).

Partindo do pressuposto de que o multiculturalismo deve levar ao reconhecimento e à defesa de identidades étnicas, a pesquisadora russa verifica em que medida isto se dá nas políticas toponímicas oficiais de municípios multiétnicos russos e mostra que há municípios que aplicam essas políticas de modo mais sistemático. Um exemplo positivo é a cidade de Kazan onde 48,6% da população é etnicamente russa, 47,6% tartar, e 4% pertencem a outras etnias. Nesta cidade, está em vigor uma política que estabelece que os nomes de ruas estejam primeiramente na língua tartar nas placas de ruas: “Em primeiro lugar, ela se manifesta na fixação consistente de nomes de rua nas línguas oficiais da república, o tatar e o russo: Үзәк урамы—улица Центральная ‘Rua do Centro’ ”9 9 Original: “First of all, this is manifested in the consistent fixation of street names in the state languages of the Republic, in Tatar and in Russian: Үзәк урамы—улица Центральная ‘Central street’.” (GOLOMIDOVA, 2021, p.77). (GOLOMIDOVA, 2021GOLOMIDOVA, M. Multicultural Aspects of Name and Naming in Russian Post-Soviet Streetscapes. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.73-97., p.77, tradução nossa).

Também a partir deste ideal de multiculturalismo, a pesquisadora alemã Bergien verifica em que medida o multiculturalismo existente na sociedade alemã influencia a escolha de nomes de marcas e produtos alemães. Poucos exemplos foram encontrados, mas são casos que mostram que o responsável pela escolha do nome próprio almejou representar, como público alvo, uma determinada parcela da sociedade. Uma das nomeações em que se percebe o reflexo da diversidade cultural da Alemanha utilizou a estratégia de fazer uma extensão de uma marca já existente via adição de um nome secundário criado para estabelecer comunicação com o público-alvo pretendido:

Em 2006, por exemplo, o Deutsche Bank (Banco Alemão) decidiu criar uma nova divisão tendo por alvo clientes turcos na Alemanha. O nome da marca escolhido foi Bankamiz, que, literalmente, significa em turco “nosso banco” ou “o banco de nós”. Uma das primeiras imagens a ser desenvolvida para promover esta nova marca, que desde então se tornou o ícone da marca, foi uma xícara de chá. O Deutsche Bank escolheu o chá por ele ser parte da cultura turca. O chá é apreciado pelos turcos e é também um símbolo de amizade e hospitalidade.10 10 Original: “In 2006, for example, Deutsche Bank decided to create a new division to target Turkish customers in Germany. The brand name chosen was Bankamiz, which literally means in Turkish ‘our bank’ or ‘the bank of us’. One of the first images to be developed to promote this new brand, which has since become the brand’s icon, was a cup of tea. Deutsche Bank selected tea since it is part of Turkish culture. Tea is appreciated and is also a symbol of friendship and hospitality.” (BERGIEN, 2021, p. 356). (BERGIEN, 2021BERGIEN, A. Multicultural Aspects of Names and Naming Reflected in German Brands. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.345-360., p. 356, tradução nossa).

Além de utilizarem uma ou mais concepções de multiculturalismo discutidas nos capítulos já mencionados, os estudos apresentados na coletânea são abrangentes em vários sentidos:

  1. por analisar diversos tipos de nome próprios: nomes de lugar, nomes de marca, prenome, sobrenome e apelidos e/ou;

  2. por abranger tanto o multiculturalismo constitutivo histórico da sociedade quanto o culturalismo no tempo presente; e/ou

  3. por reunir e analisar dados provenientes de várias sociedades numa dada região.

Pela riqueza dos dados, por sua abrangência e profundidade analítica, conclui-se pela recomendação da leitura da coletânea Names and Namings e sua utilização em diferentes contextos escolares universitários tendo em vista que para além das aulas de Onomástica (área de estudo especificamente voltado aos nomes próprios), capítulos selecionados da obra podem ser úteis aos estudos multiculturais, aos estudos interdisciplinares que focam regiões específicas como a parte África em que a língua inglesa é uma das línguas oficiais, o Islã e o Leste Europeu.

O livro está disponível em pdf, em versão eletrônica e em versão impressa e pode ser adquirido pelo site da editora integralmente ou, separadamente, por capítulos.

SEIDE, M.; SAPARAS, M. Proper names in multicultural contexts. Alfa, São Paulo, v.66, 2022.

REFERÊNCIAS

  • BERGIEN, A. Multicultural Aspects of Names and Naming Reflected in German Brands. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.345-360.
  • CZOPEK-KOPCIUCH, B. Multiculturalism in Polish Toponymy. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.331-344.
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    » https://doi.org/10.14393/Lex5-v3n1a2017-1
  • FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillian, 2021. Disponível em: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-73186-1 Acesso em: 14 set. 2021.
    » https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-73186-1
  • GOLOMIDOVA, M. Multicultural Aspects of Name and Naming in Russian Post-Soviet Streetscapes. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.73-97.
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  • MANGENA, T.; WALIAULA, S. Multicultural Aspects of Name and Naming in African Cultures: The Case of Kenya and Zimbabwe. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.421-436.
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  • SEIDE, M.S. Proposta de definição interdisciplinar de nome próprio. Onomástica Desde América Latina, Cascavel, v.2, n.4, p.70-94, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.48075/odal.v0i0.27562 Acesso em: 20 out. 2022.
    » https://doi.org/10.48075/odal.v0i0.27562
  • SCHOCHENMAIER, E. Multicultural Patronymic Landscapes of Naming in Russia, France, Germany, Great Britain and Romania. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.133-148.
  • TORT-DONADA, J. Names and Naming in the Iberian Peninsula. Joan Coromine´s Intercultural Approach in Onomastics. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p. 295-314.
  • 1
    Resenha da obra: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021.
  • 2
    No título da obra e na introdução os organizadores usam o termo “naming” o qual, nos estudos onomásticos, é equivalente ao termo “namegiving” ambos são usados para descrever o processo pelo qual se atribui um nome próprio a entidades consideradas pelo nomeador como únicas e estão recomendados pelo International Council of Onomastic Sciences (ICOS), conforme se pode conferir em Onomastic terminology – ICOS (https://icosweb.net/publications/onomastic-terminology/). Ao longo desta resenha, em consonância com a escolha feita pelos organizadores da obra resenha, é usado o termo nomeação.
  • 3
    Original: “The studies in this book offer for consideration in-depth synchronic and diachronic analyses of multiculturalism and its implications for names and naming in various (monolingual, bilingual and multilingual) countries of the world in cross-borders contact áreas” (FELECAN; BUGHEȘIU, 2021FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillian, 2021. Disponível em: https://link.springer.com/book/10.1007/978-3-030-73186-1. Acesso em: 14 set. 2021.
    https://link.springer.com/book/10.1007/9...
    , p. 5).
  • 4
    Original: “The Sabaot could claim to be the ‘original inhabitants’ of a place because it evidently bears their name, but the Bukusu could also claim to be the original inhabitants, because they have always lived there” (MANGENA; WALIAULA. 2021MANGENA, T.; WALIAULA, S. Multicultural Aspects of Name and Naming in African Cultures: The Case of Kenya and Zimbabwe. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.421-436., p. 432).
  • 5
    Os demais capítulos da coletânea não discutem ou explicitam como seus autores conceituam multiculturalismo. Não é o objetivo desta resenha discuti-los embora se saiba como são diversos os enfoques adotados, McLaren (1997)MCLAREN, P. Multiculturalismo crítico. Tradução Bebel Orofino. São Paulo: Cortez, 1997. menciona o conservador, o liberal de direita, o liberal de esquerda e o crítico e Hall (2003)HALL, S. A questão cultural. In: SOVIK, L.(org.). Da diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: Ed. da UFMG, 2003. p.51-100. propõe a existência de outros dois: o pluralista e o corporativo (presente, por exemplo, por Bergien na obra resenhada.
  • 6
    Nesta resenha, há uso dos termos multiculturalismo (o qual corresponde ao termo em inglês “multiculturalismo” e do termo “multicultural” (o qual corresponde ao termo em inglês “multicultural”.
  • 7
    Original: “Of course, words, place names and personal names of foreigner origin sometimes form part of our street and road names, but as a rule these are words and names long established in Swedish in general, so we get no sense of a foreign or multicultural influence”. (NYSTRÖM, 2021, p. 199).
  • 8
    Original: “In the second half of the twentieth—beginning of the twenty-first century, the obvious reasons for the growth of scientific attention to the phenomenon of multiculturalism were the renewal of the political landscape on the map of different continents, the liberalization of legislation in a number of countries, the processes of globalization and the opposite tendencies to preserve ethnic identity, as well as a significant interest in territorial, national and ethnic identity.” (GOLOMIDOVA, 2021GOLOMIDOVA, M. Multicultural Aspects of Name and Naming in Russian Post-Soviet Streetscapes. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.73-97., p.73).
  • 9
    Original: “First of all, this is manifested in the consistent fixation of street names in the state languages of the Republic, in Tatar and in Russian: Үзәк урамы—улица Центральная ‘Central street’.” (GOLOMIDOVA, 2021GOLOMIDOVA, M. Multicultural Aspects of Name and Naming in Russian Post-Soviet Streetscapes. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.73-97., p.77).
  • 10
    Original: “In 2006, for example, Deutsche Bank decided to create a new division to target Turkish customers in Germany. The brand name chosen was Bankamiz, which literally means in Turkish ‘our bank’ or ‘the bank of us’. One of the first images to be developed to promote this new brand, which has since become the brand’s icon, was a cup of tea. Deutsche Bank selected tea since it is part of Turkish culture. Tea is appreciated and is also a symbol of friendship and hospitality.” (BERGIEN, 2021BERGIEN, A. Multicultural Aspects of Names and Naming Reflected in German Brands. In: FELECAN, O.; BUGHEȘIU, A. (org.). Names and Namings: multicultural aspects. Cham: Palgrave Macmillan, 2021. p.345-360., p. 356).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    4 Out 2021
  • Aceito
    24 Jan 2022
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