Acessibilidade / Reportar erro

AVALIAÇÃO DO IMPACTO DO LODO DE ESGOTO NA MICROBIOTA DO SOLO UTILIZANDO O GENE 16S rRNA

EVALUATION OF THE IMPACT OF SEWAGE SLUDGE ON SOIL MICROBES USING THE 16S RRNA GENE

RESUMO

Este trabalho teve por objetivo estimar e comparar a diversidade microbiana de um solo tratado com lodo de esgoto (BAR 1N) com o mesmo solo sem tratamento (controle). A utilização do lodo de esgoto de origem industrial ou domiciliar em solos agrícolas como adubo orgânico é considerado, atualmente, uma alternativa promissora para disposição final deste resíduo. Estudos moleculares que utilizam a análise do gene 16S rRNA permitem a obtenção de informações relevantes acerca da ecologia microbiana, pois acredita-se que apenas 10% desses microorganismos podem ser cultivados. O DNA genômico dos micro-organismos presentes em ambos os solos foi extraído, clonado e, após amplificação por PCR, foi feito o sequenciamento do gene 16S rRNA. As sequências obtidas foram submetidas à análise de similaridade de nucleotídeos com o banco de dados GenBank para que pudessem ser identificadas e classificadas. Após a análise dos filogramas observou-se um número elevado de micro-organismos não identificados nos solos analisados. Os resultados demonstraram que os filos bacterianos que se destacaram foram Acidobacteria e Proteobacteria. Análises filogenéticas revelaram diferenças entre os solos, mostrando por meio de índice de diversidade bacteriana que o solo controle apresentou maior diversidade quando comparado ao solo BAR 1N. O filo Nitrospira revelou-se significativamente afetado pela aplicação do lodo de esgoto.

PALAVRAS-CHAVE
Biossólido; ecologia microbiana; metagenoma

ABSTRACT

The objective of this work was to evaluate and compare the microbial diversity of a soil treated with sewage sludge (BAR 1N) with the same soil without treatment (control). The use of industrial and domestic sewer sludge as organic fertilizer in agricultural soils is currently considered a promising alternative for the final destination of these residues. Molecular studies using the analysis of the gene 16S rRNA provide relevant information in regard to studies of microbial ecology, since it is believed that only 10% of these microorganisms can be cultivated. The sequences were submitted to analysis of nucleotide similarity, based on data in GenBank, in order to be identified and classified. Following phylogram analysis, a high number of nonidentified microorganisms were observed in the investigated soils. The results demonstrated that the outstanding bacterial phyla were Acidobacteria and Proteobacteria. Phylogenetic analyses revealed differences in both soils, based on the bacterial diversity index, showing that the test soil had more diversity when compared to the BAR 1N soil.

KEY WORDS
Biossolid; microbial ecology; metagenomic

INTRODUÇÃO

O uso agrícola do lodo de esgoto como adubo orgânico é considerado uma alternativa promissora para disposição final deste resíduo. Devido às suas propriedades físico-químicas, o lodo de esgoto pode ser utilizado em áreas degradadas a fim de recuperar as características necessárias para o desenvolvimento da vegetação (NASCIMENTO ARAUJO, 2004NASCIMENTO, C.W.A.; ARAÚJO, J.C.T. Redistribuição entre frações e teores disponíveis de zinco em solos incubados com lodo de esgoto. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.29, n.4, 2004.), incorporação de macro e micronutrientes (BETTIOL; CAMARGO, 2006BETTIOL W.; CAMARGO O.A. Lodo de esgoto: impacto ambientais na agricultura. Jaguariúna: EMBRAPA Meio Ambiente, 2006. 349p.), melhoria de áreas florestadas, fertilizantes em culturas anuais de grãos e condicionador de solo (MELO et al., 2004MELO, V.P.; BEUTLER, A.N.; SOUZA, Z.M.; CENTURION, J.F.; MELO, W.J. Atributos físicos de Latossolos adubados durante cinco anos com biossólidos. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.39, n.1, p.67-72, 2004.). Por outro lado, pouco se sabe a respeito dos impactos decorrentes dessa utilização e dos seus efeitos sobre a estrutura das comunidades microbianas dos solos e sua capacidade metabólica. Processos importantes, como a ciclagem de nutrientes, estão diretamente relacionados com a atividade e diversidade microbiana do solo, existindo ainda poucos trabalhos relacionados à avaliação da diversidade de micro-organismos em solos com aplicação de lodo de esgoto.

A diversidade de micro-organismos no solo é importante para manter sua boa qualidade, já que eles desempenham inúmeras funções importantes nos solos como a participação nos ciclos do carbono, nitrogênio, fósforo (BORNEMAN, 1996BORNEMAN, J. Molcecular microbial diversity of an agricultural soil in Wisconsin. Applied and Environmental Microbiology, v.62, n.6, p.1935-1943, 1996.), atividades metabólicas relevantes para o crescimento das plantas, recuperação de áreas degradadas (NASCIMENTO ARAUJO, 2004), decomposição de resíduos orgânicos, sequestro e desintoxicação de substâncias tóxicas (COSTANZA et al., 1997COSTANZA, R.; D’ARGE, R.; DE GROOT, R.; FABER, S.; GRASSO, M.; HANNON, B.; LIMBURG, K.; NAEEM, S.; O’NEILL, R.V.; PARUELO, J.; RASKIN, R.G.; SUTTON, P.; BELT, M. van den. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, v.387, p.253-260, 1997.).

Metodologias moleculares contribuem para o desenvolvido de análise da diversidade microbiana dos solos (AMANN et al., 1995AMANN, R.I., LUDWIG, W.; SCHLEIFER, K.H. Phylogenetic identification and in situ detection of individual microbial cells without cultivation. Microbiology Review, n.59, p.143-169, 1995.; SANDAA et al., 1998SANDAA, R.A.; ENGER, O.; TORSVIK, V. Rapid methods for fluorometric quantification of DNA in soil. Soil Biology and Biochemistry, v.30, n.2, p.265-268, 1998.), revelando um novo cenário de distribuição dos micro-organismos em diferentes habitats (CANHOS et al., 1997CANHOS, V.P., MANFIO, G.P., VAZOLLER, R.F.; PELLIZARI, V.H. Diversidade no domínio bactéria. In: JOLY, C.A.; BICUDO, C.E.M. (Org.). Biodiversidade do Estado de São Paulo, Brasil: síntese do conhecimento ao final do século XX. 1. Microorganismos São Paulo: Fapesp, 1997. v.1, p.1-13,; PEREIRA et al., 2006PEREIRA, R.M.; DA SILVEIRA, E.L.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Molecular characterization of bacterial populations of different soils. Brazilian Journal of Microbiology, v.4, n.37, p.439-447, 2006.; SILVEIRA et al., 2006SILVEIRA, E.L.; PEREIRA, R.M.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Bacterial diversity of soil under eucalyptus assessed by 16S rDNA sequencing analysis. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.41, n.9, p.1507-1516, 2006.), inclusive dos microorganismos ainda não-cultivados em laboratório.

Este trabalho teve por objetivo analisar e comparar a diversidade genética de comunidades microbianas de um solo com aplicação de lodo de esgoto (BAR 1N) com o mesmo sem a aplicação (controle) pela abordagem metagenômica.

MATERIAL E MÉTODOS

As amostras de solo foram obtidas de áreas da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de Jaguariúna, SP, Brasil, localizada na latitude 22º 41' sul, longitude 47º W e altitude de 570 m e classificadas como Latossolo Vermelho Distroférrico (textura argilosa). Coletadas em 12 pontos ao acaso ( 0-20 cm profundidade) em zigue-zague, tanto para o solo sem tratamento (controle) como para o solo com aplicação do lodo de esgoto (BAR 1N), ambos separados por aproximadamente 500 m de distância. As amostras foram homogeneizadas, resultando em uma amostra composta para cada solo e foram submetidas a análises químicas e granulométricas (Tabela 1).

Tabela 1
Características químicas e granulométricas dos solos BAR 1N e teste.

O lodo de esgoto utilizado no experimento foi obtido na Estação de Tratamento de Esgoto de Barueri, SP, que trata esgoto domiciliar e industrial.

A extração do DNA metagenômico das comunidades microbianas de cada solo, a amplificação, o sequenciamento do gene 16S rRNA e a análise das sequências observadas foram realizados conforme proposto por PEREIRA et al. (2006)PEREIRA, R.M.; DA SILVEIRA, E.L.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Molecular characterization of bacterial populations of different soils. Brazilian Journal of Microbiology, v.4, n.37, p.439-447, 2006. e SILVEIRA et al.(2006)SILVEIRA, E.L.; PEREIRA, R.M.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Bacterial diversity of soil under eucalyptus assessed by 16S rDNA sequencing analysis. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.41, n.9, p.1507-1516, 2006.. Cada sequência de DNA distinta obtida foi definida como Unidade Operacional Taxonômica (OTU). As sequências foram alinhadas pelo programa CLUSTALX v.1.81 (THOMPSON et al., 1997THOMPSON, J.D.; GIBSON, T.J.; PLEWNIAK, F.; JEANMOUGIN, F.; HIGGINS, D.G. The CLUSTAL_X windows interface: flexible strategies for multiple sequence alignment aided by quality analysis tools. Nucleic Acids Research, v.25, p.4876–4882, 1997.) e submetidas à análise de agrupamento filogenético. Os filogramas foram construídos utilizando o método da distância com algoritmo “Neighbor-Joining” SAITOU; NEI (1987)SAITOU, N.; NEI M. The neighbor-joining metod: a new method for constructing phylogenetic trees. Molecular Biology Evolution, v.4, p.406-425, 1987. e o modelo de substituição de nucleotídeos Kimura 2-P (KIMURA, 1980KIMURA, M. A simple method for estimating evolutionary rates of base substitutions through comparative studies of nucleotide sequences. Journal of Molecular Evolution, v.16, n.2, p.111-120, 1980.). As matrizes de distância foram processadas pelo programa MEGA, version 2.1 (KUMAR et al., 2001KUMAR, S.; TAMURA, K.; JAKOBSEN, I. B.; NEI, M. Mega2: molecular evolutionary genetics analysis software. Bioinformatics, v.17, p.1244-1245, 2001.) com bootstrap de 1.000 repetições. A análise da diversidade genética e diferenciação intra e interbibliotecas de sequências 16S rRNA foi realizada utilizando-se os programas Libshuff (SINGLETON et al., 2001SINGLETON, D.R.; FURLONG, M.A.; RATHBUN, S.L.; WHITMAN, W.B. Quantitative comparisons of 16S rRNA gene sequence libraries from environmentalsamples. Applied and Environmental Microbiology, v.67, p. 4374-4376, 2001.), Arlequin (SCHNEIDER et al., 2000SCHNEIDER, S.D.; FURLONG, M.A.; EXCOFFIER, L. Arlequin version 2.000: a software for population genetics data analysis. Geneva: Genetics and Biometry laboratory, University of Geneva, 2000.) e pelo pacote “PHYLIP” (FELSENTEIN; PHYLIP, 1989FELSENSTEIN, J. PHYLIP: phylogeny inference package (Version 3.2). Cladistics, v.5, p.164-166, 1989.). A estimativa do número das espécies foi realizada pelo programa “EstimateS” versão 6.0b1 (HILL et al., 2002HILL, T.C.J.; WALSH, K.A.; HARRIS, J.A.; MOFFETT, B.F. Using ecological diversity measures with bacterial communities. FEMS Microbiology Ecology, v.43, p.1-11, 2002.) através do estimador não paramétrico ACE (“Abundance-base Coverage Estimator”).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A aplicação do lodo no solo modificou algumas propriedades químicas como pH, que apresentou aumento de acidez, e um aumento de fósforo (Tabela 1). Isto pode ter influenciado a população microbiana nesse solo, uma vez que os filos Acidobacteria, Actinobacteria, Firmicutes, Proteobcateria e divisão NKB19 predominaram nas amostras BAR-1N (solo tratado), enquanto nas amostras de solo controle (solo não tratado) apenas os filos Nitrospira e Verrucomicrobia (Tabela 2) tiveram um aumento no numero de seus clones. Foram parcialmente sequenciados 155 clones das duas bibliotecas (BAR 1N e controle), sendo 74 clones pertencentes as amostras do solo BAR 1N e 81 ao controle. As sequências obtidas apresentaram, tamanho e qualidade adequadas para a estimativa da população bacteriana, nas duas áreas conforme PEREIRA et al. (2006)PEREIRA, R.M.; DA SILVEIRA, E.L.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Molecular characterization of bacterial populations of different soils. Brazilian Journal of Microbiology, v.4, n.37, p.439-447, 2006.. Após a análise do BLAST, foram encontradas 48 sequências distintas ou OTUs para BAR 1N e 61 sequências ou OTUs para a amostra controle (Tabela 2). Todas as sequências obtidas apresentaram taxas de similaridade variando de 85 a 100% em relação ao GenBank.

Tabela 2
Distribuição das sequências dos clones 16S rRNA observados nos solos teste e BAR 1N.

O número de clones sequenciados nas duas bibliotecas revelou diversidade de bactérias pertencentes ao filo Acidobacteria. Este filo é frequentemente encontrado em amostras ambientais como fontes termais, ambientes marinhos, terrestres e animais quando avaliados pela análise do gene 16S rRNA (BARNS et al., 2007BARS, S.M.; CAIN, E.C.; SAMMERVILLE, L.; KUSKE, C.R. Acidobacteria phylum sequences in uraniumcontaminated sediments greatly expand the known diversity within the phylum. Applied Environmental Microbiology, v.73, n.9, p.3113-3116, 2007.). HIRASHI et al. (1995)HIRASHI, A.; KISHIMOTO, N.; KOSAKO, Y.; WAKAO, N.; TANO, T. Philogenetic position of the menaquinonecontaining acidophilic chemoorganotroph Acidobacterium capsulatum. FEMS Microbiology Letters, v.132, p.91-94, 1995. realizaram análises com este mesmo gene e propuseram que este agrupamento fosse denominado Acidobacteria, possuindo atualmente três representantes cultiváveis. DUNBAR etal. (2002)DUNBAR, J.; BARNS, S.M.; TICKNOR, L.O.; KUSKE, C.R. Empirical and theoretical bacterial diversity in four Arizona soils. Applied and Environmental Microbiology, v.68, n.6, p.3035-3045, 2002. relataram a abundância desse filo em diversos estudos de meio ambiente mostrando que ele está presente praticamente em todos habitats do mundo e em diferentes ecossistemas. Em alguns casos, representantes desse filo constituíam cerca de 30 a 50% do total da população bacteriana obtida de diferentes solos (SILVEIRA et al., 2006SILVEIRA, E.L.; PEREIRA, R.M.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Bacterial diversity of soil under eucalyptus assessed by 16S rDNA sequencing analysis. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.41, n.9, p.1507-1516, 2006.). QUASEIR et al. (2003)QUASEIR, A; OCHSENREITER, T.; LANZ, C.; SCHUSTER, S.C.; TREUSCH, A, H.; ECK, J.; SCHLEPER, C. Acidobacteria form a coherent domain; evidence from environmental genomics, Molecular Microbiology, v.50, 563-575, 2003. verificaram a existência de proteínas semelhantes (PurF/PurL) entre o filo Acidobacteria e o filo Proteobacteria sugerindo uma ocorrência de transferência horizontal des ses genes entre esses filos durante a evolução, principalmente com a ordem Rhizobiales.

Dentre as 74 OTUs encontradas na biblioteca BAR 1N, 48 foram agrupadas em 7 filos diferentes e somente 3 sequências pertencentes ao filo Divisão NKB foram observadas no solo BAR 1N (Fig. 2). Por outro lado, na biblioteca controle, 61 OTUs foram classificadas em 6 filos diferentes e nenhuma sequência pertencente a esta divisão se agrupou. (Fig. 1).

Fig. 1
Dendograma filogenético representando clones pertencentes aos filos Firmicutes, Actinobactéria e Proteobactéria obtidos de sequências pareciais do gene 16S rRNA de solo BAR 1N e teste. A sequência 16S rRNA de "Uncultures Archaeon" (nº GenBank AB 055990) foi usado como raiz. Todos os clones estão cadastrados no NCBI (GenBank), acessados por SL (Soil BAR1N) e ST (Soil Test).
Fig. 2
Dendograma filogenético representando clones pertencentes aos filos Nitrospira, Actinobactéria, Verrucomicrobia e Divisão NKB19 obtidos de sequências pareciais do gene 16S rRNA de solo BAR 1N e teste. A sequência 16S rRNA de "Uncultures Archaeon" (nº GenBank AB 055990) foi usado como raiz. Todos os clones estão cadastrados no NCBI (GenBank), acessados por SL (Soil BAR1N) e ST (Soil Test).

Analisando a distribuição dos clones nos diferentes filos observou-se que a maioria das sequências da biblioteca BAR 1N, 37,8% foi agrupada no filo Acidobacteria, enquanto que na biblioteca teste 35,8% agruparam-se com o mesmo filo, conforme visualizado na Tabela 2. Para o filo Firmicutes, observa-se um menor número de clones agrupados. Organismos pertencentes a esse filo apresentam baixo teor de G + C e metabolismo caracterizado por homo e heterofermentação, assim, permitem que prevaleçam em ambientes com grande quantidade de nutrientes disponíveis e áreas com baixa competição, características típicas de micro-organismos estrategistas R. Geralmente são encontrados em ambientes instáveis que estejam passando por transições (ATLAS; BARTHA, 1997ATLAS, R.M.; BARTHA, R. Microbial evolution and biodiversity: the origins of life. In: __________________ (Ed.). Microbial ecology: fundamentals and applications. 4th. ed. Menlo Park: Book News, 1997. p.37-39.).

Foram, também observadas frequências distintas de micro-organismos de alguns filos entre os solos estudados. Clones pertencentes ao filo Proteobacteria foram encontrados em maior quantidade no solo BAR 1N. Por outro lado, sequências agrupadas aos filos Verrucomicrobia e Nitrospira estão presente em maior número para amostra de solo controle (Tabela 2).

Dentre estes dois filos citados, o filo Nitrospira revela-se significativamente afetado pela aplicação do lodo de esgoto. Desta forma observa-se que a aplicação de lodo de esgoto em solos agrícolas é um fator de alteração da microbiota do solo, pois ele interfere no crescimento de alguns micro-organismos. Apenas uma sequência foi classificada como pertencente a esse filo em comparação com a amostra de solo controle, que apresentou dez sequências (Tabela 2). Esse filo é representado por bactérias aeróbias gramnegativas atuantes no ciclo do nitrogênio em ambientes aquáticos através da oxidação do nitrato. FAORO (2006)FAORO, H. Determinação da biodiversidade da Archaea e Bactéria da Mata Atlântica Paranaense. 2006. 183 p. Dissertação (Mestrado em Ciências-Bioquímica) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006. supõe que esse grupo pode ter atividades semelhantes no solo.

LEE (1996)LEE, S.Y. Estimation of the abundance of an uncultured soil bacterial strain by a competitive quantative PCR method. Applied and Environmental Microbiology, v.62, p.3787-3793, 1996. relatou que o filo Verrucomicrobia representa aproximadamente de 1% a 10% das bactérias de um solo não cultivado no interior da Austrália e EUA. Os resultados obtidos no presente trabalho corroboram com os descritos por LEE (1996)LEE, S.Y. Estimation of the abundance of an uncultured soil bacterial strain by a competitive quantative PCR method. Applied and Environmental Microbiology, v.62, p.3787-3793, 1996., na amostra de solo controle ocorreu 33,3% de representantes desse filo, sendo que na amostra de solo BAR 1N a proporção foi reduzida para 12,1%, considerando assim a aplicação do lodo de esgoto como um fator de alteração da microbiota do solo. Por outro lado, foi verificado um aumento na porcentagem de sequências agrupadas no filo Actinobacteria, na amostra de solo BAR 1N (Tabela 2). Representantes desse filo têm grande interesse econômico por produzirem substâncias complexas para degradação do material orgânico, tendo como característica a produção de diversos antibióticos. Resultados semelhantes foram encontrados por PEREIRA et al. (2006)PEREIRA, R.M.; DA SILVEIRA, E.L.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Molecular characterization of bacterial populations of different soils. Brazilian Journal of Microbiology, v.4, n.37, p.439-447, 2006. que verificaram um aumento populacional desse filo em solo intensamente cultivado em relação a um solo coberto por floresta, provavelmente devido a alterações do meio ambiente causados pelas práticas e cultivos agrícolas.

Já a quantidade de sequências agrupadas ao filo Proteobacteria observada no solo BAR 1N foi maior em relação a amostra de solo controle (Fig. 1), com valores de 24,3% e 8,6%, respectivamente (Tabela 2). Resultados semelhantes foram obtidos por TIEDJE (1999)TIEDJE, J.M.; STEIN, J.L. Microbial Biodiversity: Strategies for its recovery. In: DEMAIN, A.L.; DAVIES, J. (Ed.). Manual of Industrial Microbiology and Biotechnology. Washington, DC.: Amer. Soc. Microbiol., 1999. p.682-692. e SANDAA et al. (1998)SANDAA, R.A.; ENGER, O.; TORSVIK, V. Rapid methods for fluorometric quantification of DNA in soil. Soil Biology and Biochemistry, v.30, n.2, p.265-268, 1998. que relataram o predomínio desse filo em solos de cultivo e contaminados com metal pesado que geralmente têm um pH mais ácido. Neste trabalho, verifica-se que o solo BAR 1N apresentou maior acidez quando comparado com o solo controle, o que pode ter permitido melhor desenvolvimento de bactérias desse filo.

As análises de diversidade genética dos clones 16S rRNA heterólogos para as bibliotecas BAR 1N e teste resultaram em um valor estatisticamente significativo (P ≤ 0.001), sendo 1,231 para teste versus BAR 1N e 1,104 para BAR 1N versus teste na análise realizada pelo Libshuff. Essas análises sugerem que as áreas estudadas são distintas, mas que existe uma taxa relativa de similaridade entre os solos amostrados.

O índice de diferenciação genética (FST) entre as duas comunidades bacterianas (BAR 1N e controle) foi significativo (FST = 0.01268, para P < 0.05), sugerindo que, embora o valor seja relativamente baixo, as duas comunidades são geneticamente distintas. Por outro lado, um dado interessante foi a existência de uma maior diversidade genética em cada solo individualmente do que entre as comunidades presentes BAR 1N e controle, concordando com os resultados já obtidos que os filos se repetem havendo, entretanto, alteração das frequências genotípicas para os indivíduos. Os resultados da variação genética intra-populacional calculados pelo AMOVA apresentaram uma média de 98.73, ou seja, há uma grande variabilidade de organismos dentro de uma mesma comunidade, embora a maioria dos clones esteja presente em ambas as amostras dos solos.

O software Arlequim analisou sequências de DNA com 607 pares de bases de cada clone em ambos os solos calculando também a média das diferenças entre pares de bases, valores que foram de 74.35 e 88.614 para as bibliotecas lodo e controle, respectivamente. Já o número de nucleotídeos polimórficos, em ambos os solos, apresentou valores de 537 e 566 nas bibliotecas lodo e controle, respectivamente. Estes valores indicam a existência de uma maior diversidade genética na amostra controle em relação a BAR 1N (Tabela 2).

CONCLUSÕES

Ocorre uma diversidade bacteriana maior na amostra de solo controle em relação a BAR 1N a amostra com aplicação de lodo.

Um aumento na diversidade populacional do filo Acidobacteria, Actinobacteria e Proteobacteria da biblioteca BAR 1N em relação à biblioteca controle que a utilização do lodo de esgoto em práticas agrícolas é promissora, ocorrendo microrganismos com grande capacidade de decomposição da matéria orgânica.

Existe uma maior diversidade genética em cada amostra de solo individualmente, do que entre as comunidades presentes nas amostras do solo com e sem aplicação do lodo.

AGRADECIMENTOS

À Fapesp (nº 03/00851-9) pelo auxílio financeiro e à Capes pela concessão de bolsa ao primeiro autor. Aos bioinformatas Maurício Egídio Cantão e Dr. Luciano Kishi pela ajuda nas análises contidas neste trabalho e à Tehuni Orlando Gonzáles pela colaboração na elaboração deste artigo.

REFERÊNCIAS

  • AMANN, R.I., LUDWIG, W.; SCHLEIFER, K.H. Phylogenetic identification and in situ detection of individual microbial cells without cultivation. Microbiology Review, n.59, p.143-169, 1995.
  • ATLAS, R.M.; BARTHA, R. Microbial evolution and biodiversity: the origins of life. In: __________________ (Ed.). Microbial ecology: fundamentals and applications. 4th. ed. Menlo Park: Book News, 1997. p.37-39.
  • BARS, S.M.; CAIN, E.C.; SAMMERVILLE, L.; KUSKE, C.R. Acidobacteria phylum sequences in uraniumcontaminated sediments greatly expand the known diversity within the phylum. Applied Environmental Microbiology, v.73, n.9, p.3113-3116, 2007.
  • BETTIOL W.; CAMARGO O.A. Lodo de esgoto: impacto ambientais na agricultura. Jaguariúna: EMBRAPA Meio Ambiente, 2006. 349p.
  • BORNEMAN, J. Molcecular microbial diversity of an agricultural soil in Wisconsin. Applied and Environmental Microbiology, v.62, n.6, p.1935-1943, 1996.
  • CANHOS, V.P., MANFIO, G.P., VAZOLLER, R.F.; PELLIZARI, V.H. Diversidade no domínio bactéria. In: JOLY, C.A.; BICUDO, C.E.M. (Org.). Biodiversidade do Estado de São Paulo, Brasil: síntese do conhecimento ao final do século XX. 1. Microorganismos São Paulo: Fapesp, 1997. v.1, p.1-13,
  • COSTANZA, R.; D’ARGE, R.; DE GROOT, R.; FABER, S.; GRASSO, M.; HANNON, B.; LIMBURG, K.; NAEEM, S.; O’NEILL, R.V.; PARUELO, J.; RASKIN, R.G.; SUTTON, P.; BELT, M. van den. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature, v.387, p.253-260, 1997.
  • DUNBAR, J.; BARNS, S.M.; TICKNOR, L.O.; KUSKE, C.R. Empirical and theoretical bacterial diversity in four Arizona soils. Applied and Environmental Microbiology, v.68, n.6, p.3035-3045, 2002.
  • FAORO, H. Determinação da biodiversidade da Archaea e Bactéria da Mata Atlântica Paranaense 2006. 183 p. Dissertação (Mestrado em Ciências-Bioquímica) Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006.
  • FELSENSTEIN, J. PHYLIP: phylogeny inference package (Version 3.2). Cladistics, v.5, p.164-166, 1989.
  • HILL, T.C.J.; WALSH, K.A.; HARRIS, J.A.; MOFFETT, B.F. Using ecological diversity measures with bacterial communities. FEMS Microbiology Ecology, v.43, p.1-11, 2002.
  • HIRASHI, A.; KISHIMOTO, N.; KOSAKO, Y.; WAKAO, N.; TANO, T. Philogenetic position of the menaquinonecontaining acidophilic chemoorganotroph Acidobacterium capsulatum FEMS Microbiology Letters, v.132, p.91-94, 1995.
  • KIMURA, M. A simple method for estimating evolutionary rates of base substitutions through comparative studies of nucleotide sequences. Journal of Molecular Evolution, v.16, n.2, p.111-120, 1980.
  • KUMAR, S.; TAMURA, K.; JAKOBSEN, I. B.; NEI, M. Mega2: molecular evolutionary genetics analysis software. Bioinformatics, v.17, p.1244-1245, 2001.
  • LEE, S.Y. Estimation of the abundance of an uncultured soil bacterial strain by a competitive quantative PCR method. Applied and Environmental Microbiology, v.62, p.3787-3793, 1996.
  • MELO, V.P.; BEUTLER, A.N.; SOUZA, Z.M.; CENTURION, J.F.; MELO, W.J. Atributos físicos de Latossolos adubados durante cinco anos com biossólidos. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.39, n.1, p.67-72, 2004.
  • NASCIMENTO, C.W.A.; ARAÚJO, J.C.T. Redistribuição entre frações e teores disponíveis de zinco em solos incubados com lodo de esgoto. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.29, n.4, 2004.
  • OLIVEIRA, F.C.; MARTIAZZO, M.E.; MARCIANO, C.R.; ROSSETO, R. Efeitos de aplicações sucessivas de lodo de esgoto em um Latossolo Amarelo distrófico cultivado com cana-de açúcar, carbono orgânico, condutividade elétrica, pH e CTC. Revista Brasileira de Ciência do Solo, v.26, p.505-519, 2002.
  • PEREIRA, R.M.; DA SILVEIRA, E.L.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Molecular characterization of bacterial populations of different soils. Brazilian Journal of Microbiology, v.4, n.37, p.439-447, 2006.
  • QUASEIR, A; OCHSENREITER, T.; LANZ, C.; SCHUSTER, S.C.; TREUSCH, A, H.; ECK, J.; SCHLEPER, C. Acidobacteria form a coherent domain; evidence from environmental genomics, Molecular Microbiology, v.50, 563-575, 2003.
  • SAITOU, N.; NEI M. The neighbor-joining metod: a new method for constructing phylogenetic trees. Molecular Biology Evolution, v.4, p.406-425, 1987.
  • SANDAA, R.A.; ENGER, O.; TORSVIK, V. Rapid methods for fluorometric quantification of DNA in soil. Soil Biology and Biochemistry, v.30, n.2, p.265-268, 1998.
  • SCHNEIDER, S.D.; FURLONG, M.A.; EXCOFFIER, L. Arlequin version 2.000: a software for population genetics data analysis. Geneva: Genetics and Biometry laboratory, University of Geneva, 2000.
  • SILVEIRA, E.L.; PEREIRA, R.M.; SCAQUITTO, D.C.; PEDRINHO, E.A.N.; VAL-MORAES, S.P.; WICKERT, E.; CARARETO-ALVES, L.M.; LEMOS, E.G.M. Bacterial diversity of soil under eucalyptus assessed by 16S rDNA sequencing analysis. Pesquisa Agropecuária Brasileira, v.41, n.9, p.1507-1516, 2006.
  • SINGLETON, D.R.; FURLONG, M.A.; RATHBUN, S.L.; WHITMAN, W.B. Quantitative comparisons of 16S rRNA gene sequence libraries from environmentalsamples. Applied and Environmental Microbiology, v.67, p. 4374-4376, 2001.
  • THOMPSON, J.D.; GIBSON, T.J.; PLEWNIAK, F.; JEANMOUGIN, F.; HIGGINS, D.G. The CLUSTAL_X windows interface: flexible strategies for multiple sequence alignment aided by quality analysis tools. Nucleic Acids Research, v.25, p.4876–4882, 1997.
  • TIEDJE, J.M.; STEIN, J.L. Microbial Biodiversity: Strategies for its recovery. In: DEMAIN, A.L.; DAVIES, J. (Ed.). Manual of Industrial Microbiology and Biotechnology Washington, DC.: Amer. Soc. Microbiol., 1999. p.682-692.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2009

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2008
  • Aceito
    19 Maio 2009
Instituto Biológico Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 1252 - Vila Mariana - São Paulo - SP, 04014-002 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: arquivos@biologico.sp.gov.br