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Como a judicialização da cirurgia de implante coclear impacta o Sistema Único de Saúde

RESUMO

Objetivo

Descrever o impacto da judicialização na realização da cirurgia de implante coclear no Sistema Único de Saúde do Brasil, incluindo o serviço público e a saúde suplementar.

Métodos

Foi realizado um levantamento documental de acórdãos de todos os tribunais nacionais e a jurisprudência dominante, voltados à cirurgia do implante coclear no Sistema Único de Saúde, no período de 2007 a 2019, por meio da Plataforma Jusbrasil, utilizando o termo “implante coclear” para realização da busca. Também foi realizado um levantamento na plataforma DATASUS (Departamento de Informação do Sistema Único de Saúde) sobre quantos procedimentos de implante coclear unilateral e bilateral foram realizados no mesmo período.

Resultados

De acordo com o DATASUS, no período de 2008 a 2019 foram realizados 8.857 procedimentos de cirurgia de implante coclear pelos entes públicos ou pelas operadoras dos planos de saúde no país. Com relação à judicialização para solicitação da cirurgia do implante coclear, unilateral ou bilateral, foram encontrados 216 processos, representando 2,43% dos casos.

Conclusão

A judicialização da saúde, quando se considera a cirurgia do implante coclear, tem representado uma parcela mínima dos casos, o que demonstra baixo impacto no orçamento público e não tem expressiva ação na organização do Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave:
Implante coclear; Direitos civis; Direito à saúde; Política pública; Judicialização da saúde

ABSTRACT

Purpose

To describe the impact of Judicialization on the performance of Cochlear Implant (CI) surgery in the Brazilian Unified Health System (SUS), including the public service and supplementary health.

Methods

A documentary survey of judgments of all National Courts and the Dominant Jurisprudence focused on CI surgery in the SUS from 2007 to 2019 was carried out through the Jusbrasil Platform using the term “cochlear implant” to carry out the search. A survey was also carried out on the DATASUS platform on how many uni and bilateral CI procedures were performed in the same period.

Results

According to DATASUS, from 2008 to 2019, 8,857 CI surgery procedures were performed by Public Entities or Health Plan Operators in the country. With regard to Judicialization, for requesting unilateral or bilateral CI surgery, a total of 216 processes were found, representing a total of 2.43% of Judicialization of Cochlear Implant (CI) surgery.

Conclusion

In view of the data, it is possible to perceive that the Judicialization of Health when we consider the CI surgery has represented a small portion of the cases, which does not demonstrate a large impact on the public budget and does not have an impact on the organization of the SUS.

Keywords:
Cochlear implant; Civil rights; Right to health; Public policy; Judicialization of health

INTRODUÇÃO

A American Speech-Language-Hearing Association (ASHA) classifica que 60% dos distúrbios comunicativos advêm de deficiências auditivas(11 ASHA: American-Speech-Language-Hearing Association. Committee on Infant Hearing: guidelines for audiologic screening of newborn infants who are at risk for hearing impairment. ASHA. 1989;31:89-92.) e é estimado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que as perdas auditivas não tratadas acarretam um gasto anual de 980 milhões de dólares com os custos de saúde, apoio escolar e perda de produtividade(22 WHO: World Health Organization. Deafness and hearing loss [Internet]. Geneva; 2024 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs300/en/
http://www.who.int/mediacentre/factsheet...
).

Recentemente, a OMS(33 OMS: Organização Mundial de Saúde. OMS alerta que perda de audição pode afetar mais de 900 milhões até 2050. ONU News [Internet]; 2020 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/03/1705931
https://news.un.org/pt/story/2020/03/170...
) apresentou uma estimativa conservadora do impacto econômico mundial da perda auditiva incapacitante não tratada, com custos avaliados em dólares internacionais de 2015 (uma unidade de moeda definida pelo Banco Mundial), que está na faixa de US $ 750 a 750 bilhões em todo o mundo, ao incluir o custo da assistência médica sem a concessão do dispositivo eletrônico; o apoio educacional para crianças com perda auditiva superior a 50 dB na melhor orelha; a perda de produtividade, devido ao desemprego e aposentadoria prematura entre as pessoas com perda auditiva, e os custos sociais resultantes de isolamento social, dificuldades de comunicação e estigma.

Dessa forma, a perda auditiva é um problema de saúde pública, sendo que a OMS recomenda que cada país desenvolva programas nacionais com enfoque na prevenção, na prestação de serviços e na conscientização(33 OMS: Organização Mundial de Saúde. OMS alerta que perda de audição pode afetar mais de 900 milhões até 2050. ONU News [Internet]; 2020 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/03/1705931
https://news.un.org/pt/story/2020/03/170...
).

No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) é a estratégia adotada pelo poder público para a efetivação da saúde no país, com o acesso integral, universal e igualitário à população brasileira, sendo, assim, considerado um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo.

Nesse contexto, para os indivíduos com perda auditiva de grau severo e profundo que não se beneficiam do aparelho de amplificação sonora individual (AASI), existe consenso quanto à indicação do implante coclear (IC) no processo de reabilitação, devido à vasta evidência científica dos benefícios desse dispositivo eletrônico na aquisição e desenvolvimento da linguagem oral das crianças, assim como para a comunicação dos indivíduos com perda auditiva pós-lingual(44 Cordeiro BB, Banhara MR, Mendes CMC. Ganho auditivo e influência do tempo de privação auditiva na percepção de fala em usuários de implante coclear. Audiol Commun Res. 2020;25:e2282. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019-2282.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-6431-2019...

5 Sousa AF, Couto MIV, Martinho-Carvalho AC. Quality of life and cochlear implant: results in adults with postlingual hearing loss. Rev Bras Otorrinolaringol. 2018;84(4):494-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.06.005. PMid:28728951.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.0...
-66 Angelo TCS, Moret ALM, Costa OA, Nascimento LT, Alvarenga KF. Qualidade de vida em adultos usuários de implante coclear. CoDAS. 2016;28(2):106-12. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015097. PMid:27191872.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2016...
).

O uso do IC por pré-escolares propicia um grande avanço em suas habilidades sociais, permitindo uma interação social satisfatória e auxiliando, tanto na aquisição da linguagem oral, como na linguagem escrita, durante o período escolar(55 Sousa AF, Couto MIV, Martinho-Carvalho AC. Quality of life and cochlear implant: results in adults with postlingual hearing loss. Rev Bras Otorrinolaringol. 2018;84(4):494-9. http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.06.005. PMid:28728951.
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2017.0...
). Na vida adulta, a implantação do IC viabiliza um convívio social normativo, propiciando comunicação efetiva e participação autônoma na sociedade(66 Angelo TCS, Moret ALM, Costa OA, Nascimento LT, Alvarenga KF. Qualidade de vida em adultos usuários de implante coclear. CoDAS. 2016;28(2):106-12. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015097. PMid:27191872.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2016...
).

Nesse sentido, a estruturação da indicação do IC no Sistema Único de Saúde ganhou força por meio da Portaria n.º 1.278 de 1999, que aprovou pela primeira vez os critérios de indicação e contraindicação de implante coclear(77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.278, de 20 de outubro de 1999. Revogada. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1999 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1999/prt1278_20_10_1999.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
). No ano de 2014, foram instituídas novas Portarias, n.º 18/SCTIE/MS, de 10 de junho de 2014(88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 18/SCTIE/MS, de 10 de junho de 2014. Torna pública a decisão de incorporar procedimentos relativos à assistência hospitalar à saúde auditiva (implante coclear e prótese auditiva ancorada no osso) no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sctie/2014/prt0018_10_06_2014.html
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) e n.º 2.776, de 18 de dezembro de 2014(99 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.776, de 18 de dezembro de 2014. Aprova diretrizes gerais, amplia e incorpora procedimentos para a Atenção Especializada às Pessoas com Deficiência Auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2776_18_12_2014.html
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), seguidas da Portaria n.º 2.157 de 23 de dezembro de 2015(1010 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.157, de 23 de dezembro de 2015. Altera os art. 8º e 24 da portaria nº 2.776/GM/MS, de 18 de dezembro de 2014. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2015 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt2157_23_12_2015.html
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), as quais revogaram a portaria inicial e apresentaram atualizações para as diretrizes gerais de procedimentos de Atenção Especializada às Pessoas com Deficiência Auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS).

Contudo, é possível perceber que mesmo com uma política pública de saúde auditiva estruturada, com critérios técnicos específicos para a indicação cuidadosa do IC, ainda ocorre falha no sistema, falta ou morosidade na prestação do serviço e, neste momento, a família do deficiente auditivo (menor de idade) ou o próprio deficiente (adulto) buscam o Poder Judiciário para terem seus direitos atendidos. Este fenômeno é chamado de judicialização da saúde. De acordo com Relatório de Gestão do Ministério da Saúde referente ao ano de 2018, foram gastos R$ 130.473.223.218,12 com a saúde, sendo que destes, 1,31 bilhão com a judicialização(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Relatório de gestão 2018 [Internet]. Brasília; 2018 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_gestao_2018.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

Ao considerar que a judicialização tem sido um meio de acesso à saúde para alguns cidadãos, surgiu o questionamento se a ação do Poder Judiciário está presente quando considerada a área da audição, mais especificamente a cirurgia do IC. Não foram encontrados na literatura pesquisada estudos com foco na análise da judicialização na política de saúde auditiva no Brasil, ao considerar o IC.

Assim, o objetivo deste estudo foi descrever o impacto da judicialização na realização da cirurgia de implante coclear (IC) no Sistema Único de Saúde do Brasil (SUS), incluindo o serviço público e a saúde suplementar.

Acredita-se que os resultados obtidos permitirão compreender o impacto da judicialização no número de cirurgias de implante coclear realizadas no Brasil e serão de grande valia para melhorar a qualidade dos serviços públicos do SUS, com o intuito de superar as desigualdades.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo quantitativo de natureza exploratória documental, realizado no Programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (Linha de Pesquisa Processos e Distúrbios da Audição), Universidade de São Paulo, Bauru (SP).

O estudo foi dispensado da análise por comitê de ética, pois foram utilizados dados secundários apresentados nos Sistemas de Informação públicos, a fim de compreender o panorama nacional do implante coclear no Sistema Único de Saúde (SUS). Os Sistemas de Informação públicos consultados foram o Departamento de Informação do SUS (DATASUS) e o Jusbrasil. Também não houve necessidade do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), pois não houve paciente/sujeito envolvido na coleta de dados.

O Departamento de Informação do SUS (DATASUS), que disponibiliza informações para subsidiar análises objetivas da situação sanitária, foi analisado para verificar o número de cirurgias de implante coclear realizadas por estado e por região do país, no período de 2007 a 2019, que é o período disponível na plataforma.

O Jusbrasil é uma plataforma que compila informações jurídicas por meio de artigos, jurisprudência, Diários Oficiais e legislação, de forma pública. Com esta ferramenta, foi realizado um levantamento de acórdãos de todos os tribunais nacionais e a jurisprudência dominante, voltados à cirurgia do implante coclear no Sistema Único de Saúde, no período de 2007 a agosto de 2019.

Na aba “Jurisprudência” da plataforma foram selecionados todos os tribunais brasileiros. Com o intuito de garantir que todos os processos fossem disponibilizados, utilizou-se o termo genérico “implante coclear”. Após a leitura do conteúdo dos processos, foi realizada a separação daqueles voltados à solicitação da cirurgia do IC unilateral ou bilateral, selecionados por ordem de data, ou seja, dos mais antigos para os mais recentes. Nos processos selecionados, foram considerados para análise os seguintes dados:

  1. estado: local de origem do processo, ou seja, onde foi protocolado;

  2. requisição: a cirurgia foi requerida ao poder público ou saúde suplementar;

  3. caracterização do procedimento: cirurgia unilateral ou bilateral;

  4. dados do processo: se houve pedido de tutela antecipada e qual o resultado desse pedido e se o processo foi considerado procedente. Tutela antecipada refere-se ao pedido concedido antes de o processo ter sua decisão final.

Foram analisados os processos voltados à solicitação de cirurgia do IC unilateral ou bilateral. As variáveis analisadas incluíram estado de origem do processo, se houve tutela antecipada ou não, e a sentença final do processo.

Foi realizada análise descritiva dos dados, por meio de porcentagem demonstrada em gráficos e tabelas.

RESULTADOS

De acordo com o DATASUS, foram realizados 8.857 procedimentos de implante coclear unilateral e bilateral por entes públicos ou pelas operadoras dos planos de saúde, no período de 2007 a 2019.

Na busca de processos referentes à solicitação de cirurgia de IC, foram encontrados, no período de 2007 a 2019, 995 processos. Destes, 265 foram trazidos em duplicidade pela Plataforma Jusbrasil e 283 tratavam de solicitações genéricas requeridas pelo usuário de IC, mas não especificamente o objeto do presente estudo, como, por exemplo, aposentadoria por invalidez, concessão de benefícios, acidente de trabalho, dentre outras.

Dessa forma, 447 processos estavam voltados à reabilitação, sendo que 231 processos contemplavam a manutenção do implante coclear e 216 a solicitação da cirurgia do implante coclear, unilateral ou bilateral.

Inicialmente, constatou-se que 166 (76,8%) processos referiam-se a solicitações para o implante unilateral e 50 (23,1%) para o implante bilateral. A distribuição do total de procedimentos de implante coclear unilateral e bilateral realizados por estado e pelos entes públicos ou operadoras dos planos de saúde, de acordo com o ano de realização, está apresentada nas Tabelas 1 e 2.

Tabela 1
Distribuição dos 166 processos com solicitação do implante coclear unilateral, de acordo com o estado de origem e ano de protocolo
Tabela 2
Distribuição dos 50 processos com solicitação do implante coclear bilateral, de acordo com o estado de origem e ano de protocolo

A Tabela 1 demonstra a distribuição dos 166 processos com solicitação do implante coclear unilateral, de acordo com o estado de origem e ano de protocolo.

A Tabela 2 apresenta a distribuição dos 50 processos com solicitação do implante coclear bilateral, de acordo com o estado de origem e ano de protocolo.

Na análise da assistência em saúde, a Tabela 3 expõe a distribuição das solicitações de IC unilateral e bilateral direcionadas aos entes públicos e às operadoras dos planos de saúde.

Tabela 3
Distribuição das solicitações de implante coclear unilateral e bilateral direcionadas aos entes públicos e as operadoras dos planos de saúde

As decisões finais dos processos de IC unilateral e bilateral, comparadas à solicitação da antecipação de tutela, indicando se o pedido foi aos entes públicos ou às operadoras dos planos de saúde, são apresentadas na Tabela 4.

Tabela 4
Decisões finais dos processos de implante coclear unilateral e bilateral comparadas à solicitação da antecipação de tutela, indicando se o pedido foi aos entes públicos ou às operadoras dos planos de saúde

A distribuição de solicitações de implante coclear unilateral e bilateral separadas pelo réu do processo (poder público ou operadores dos planos de saúde), de acordo com a autoria (menor, adulto, interditado), está demonstrada na Tabela 5.

Tabela 5
Distribuição de solicitações de implante coclear unilateral e bilateral separadas por réu no processo (poder público ou operadoras dos planos de saúde), de acordo com a autoria (menor, adulto, interditado)

DISCUSSÃO

O Brasil possui um dos maiores sistemas públicos na área da saúde, com abrangência de mais de 70% da população brasileira(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Relatório de gestão 2018 [Internet]. Brasília; 2018 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_gestao_2018.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). Nesse contexto, foram realizadas 8.857 cirurgias de IC no período de janeiro de 2008 a outubro de 2019. No mesmo período, foram protocolados 216 processos com solicitação de IC. Destes, 166 processos solicitaram IC unilateral e 50 solicitaram IC bilateral.

O IC unilateral está previsto no sistema público desde o ano de 1999 e o IC bilateral desde o ano de 2014. Por outro lado, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) regulamentou ambos os procedimentos em 2012(77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.278, de 20 de outubro de 1999. Revogada. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1999 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1999/prt1278_20_10_1999.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...

8 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 18/SCTIE/MS, de 10 de junho de 2014. Torna pública a decisão de incorporar procedimentos relativos à assistência hospitalar à saúde auditiva (implante coclear e prótese auditiva ancorada no osso) no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sctie/2014/prt0018_10_06_2014.html
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9 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.776, de 18 de dezembro de 2014. Aprova diretrizes gerais, amplia e incorpora procedimentos para a Atenção Especializada às Pessoas com Deficiência Auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2776_18_12_2014.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
-1010 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.157, de 23 de dezembro de 2015. Altera os art. 8º e 24 da portaria nº 2.776/GM/MS, de 18 de dezembro de 2014. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2015 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt2157_23_12_2015.html
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,1212 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Resolução normativa nº 261, de 28 de julho de 2011. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2011 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTc4Mg==
http://www.ans.gov.br/component/legislac...
).

A regulamentação do procedimento bilateral no Brasil é ainda recente, o que demonstra a cautela na incorporação de procedimentos no SUS, inevitavelmente refletindo em demora para que o paciente tenha acesso ao tratamento. Neste sentido, os processos judiciais contra o poder público com a solicitação de IC bilateral antes de 2014 e aqueles dirigidos às operadoras antes de 2012 justificam-se pela falta de regulamentação(88 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 18/SCTIE/MS, de 10 de junho de 2014. Torna pública a decisão de incorporar procedimentos relativos à assistência hospitalar à saúde auditiva (implante coclear e prótese auditiva ancorada no osso) no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sctie/2014/prt0018_10_06_2014.html
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9 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.776, de 18 de dezembro de 2014. Aprova diretrizes gerais, amplia e incorpora procedimentos para a Atenção Especializada às Pessoas com Deficiência Auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2776_18_12_2014.html
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-1010 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.157, de 23 de dezembro de 2015. Altera os art. 8º e 24 da portaria nº 2.776/GM/MS, de 18 de dezembro de 2014. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2015 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt2157_23_12_2015.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
).

A pertinente questão é: “Por que os processos continuaram sendo protocolados mesmo após essas regulamentações?”. Acredita-se que há um período para estruturação do sistema, que exige tempo e recursos financeiros, mas não tão longo ao ponto de justificar as demandas judiciais(1313 Reis C, Pimentel V, Machado L, Barbosa L. Saúde. In: Puga F, Castro LB, editores. Visão 2035: Brasil, país desenvolvido: agendas setoriais para alcance da meta [Internet]. Rio de Janeiro: BNDES; 2018. p. 289-312 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/16040/3/PRLiv214078_Visao_2035_compl_P.pdf
https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitst...
).

Especificamente no caso da cirurgia do IC, é importante ressaltar que, por se tratar de procedimento de alta complexidade, o recurso financeiro, em princípio, está disponível, pois possui verba vinculada(1111 Brasil. Ministério da Saúde. Relatório de gestão 2018 [Internet]. Brasília; 2018 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_gestao_2018.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
).

O implante coclear, como dispositivo eletrônico, exige responsabilidades que justificam o fato de um serviço não poder, simplesmente, aumentar o número de cirurgias oferecidas para atender a demanda e consequentemente diminuir a judicialização na área. No decorrer dos anos, a etapa pós-cirúrgica no tratamento demonstrou demandas complexas a serem gerenciadas, como, por exemplo, a necessidade de manutenção dos acessórios do implante coclear, troca do processador de fala e, mais recentemente, o reimplante coclear, ao considerar o tempo de vida útil de um equipamento eletrônico. É importante ressaltar também que o IC exige um acompanhamento periódico de cada paciente para mapeamento do dispositivo por um profissional fonoaudiólogo especialista na área.

Independentemente das justificativas, o que se observa na área da saúde é a falta ou a morosidade no atendimento, que levam o paciente buscar o Poder Judiciário(1414 Mansur SL. O fenômeno da judicialização na sociedade contemporânea. Jusbrasil [Internet]; 2016 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://samealuz.jusbrasil.com.br/artigos/389418859/o-fenomeno-da-judicializacao-na-sociedade-contemporanea
https://samealuz.jusbrasil.com.br/artigo...
).

De acordo com os dados das Tabelas 1 e 2, os estados que estiveram à frente nas solicitações de cirurgia de IC unilateral e bilateral foram São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná. Esses dados contrariam a expectativa de que em regiões de maior pobreza e menor acesso ao serviço público, a judicialização seria mais pronunciada. Contudo, esse achado pode se justificar pelo fato de que nas regiões de maior riqueza exista maior acesso à informação e, com isso, os cidadãos buscam a efetivação de seus direitos. Nessa perspectiva, a judicialização acaba por favorecer a população que mora nos estados mais ricos do país(1515 Vargas-Peláez CM, Rover MR, Leite SN, Rossi Buenaventura F, Farias MR. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines: a scoping study. Soc Sci Med. 2014 Nov;121:48-55. http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2014.08.042. PMid:25306409.
http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.20...
).

Por outro lado, os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Pará, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins não foram citados e, consequentemente, não apresentaram nenhum processo sobre IC (Tabelas 1 e 2). Na tentativa de compreender este achado, ressalta-se o fato de essas localidades não possuírem o serviço de atenção especializada às pessoas com deficiência auditiva, o que pode dificultar o IC ser assumido como conduta clínica no tratamento da deficiência auditiva, apesar de que a prescrição médica poderia ser uma forma de pressionar os estados e as operadoras de saúde a incorporarem o procedimento e oferecerem atendimento à população desses estados(1616 Brasil. Ministério da Saúde. Serviço de Atenção a Saúde Auditiva. Indicadores: serviço especializado: classificação: implante coclear [Internet]. Brasília; 2019 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://cnes2.datasus.gov.br/Mod_Ind_Especialidades_Listar.asp?VTipo=107&VListar=1&VEstado=00&VMun=00&VComp=00&VTerc=00&VServico=107&VClassificacao=005&VAmbu=&VAmbuSUS=&VHosp=&VHospSus=
http://cnes2.datasus.gov.br/Mod_Ind_Espe...
).

Outro aspecto relevante foi a análise comparativa das solicitações que demonstraram maior número para cirurgia de IC unilateral do que para IC bilateral. No decorrer dos anos, as evidências científicas mostraram que o IC bilateral é a conduta clínica para restabelecer a audição binaural, que está relacionada às habilidades auditivas de localização sonora e percepção de fala em ambientes ruidosos(1717 Hyppolito MA, Bento RF. Rumos do Implante Coclear bilateral no Brasil. Rev Bras Otorrinolaringol. 2012;78(1):2-3. http://dx.doi.org/10.1590/S1808-86942012000100001.
http://dx.doi.org/10.1590/S1808-86942012...
). Por que, então, os processos com solicitação de IC bilateral foram em menor número em relação aos processos com solicitação de IC unilateral?

Dentro de uma lógica, os processos são baseados no laudo médico, com prescrição do tratamento que o profissional acredita ser adequado para o caso em análise. Portanto, é possível inferir que as solicitações de IC unilateral continuam sendo a conduta clínica mais comum, achado condizente com o descrito na literatura(1717 Hyppolito MA, Bento RF. Rumos do Implante Coclear bilateral no Brasil. Rev Bras Otorrinolaringol. 2012;78(1):2-3. http://dx.doi.org/10.1590/S1808-86942012000100001.
http://dx.doi.org/10.1590/S1808-86942012...
).

Os dados apresentados na Tabela 3 demonstram que 124 processos (75%) do total de 166 processos com pedido de cirurgia unilateral foram dirigidos às operadoras de planos de saúde. Em contraponto, o número de processos contra o SUS esteve em 25,3% de todos os pedidos, o que permite inferir que, no caso do IC unilateral, o SUS está prestando um serviço mais eficaz que os planos de saúde.

Esse resultado denota surpresa, devido ao fato de que as operadoras estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e à regulamentação da ANS e, por contrato, estão obrigadas ao atendimento e à prestação de saúde. De acordo com os dados, a prestação desse serviço não tem correspondido ao que dele se espera, fazendo com que o usuário tenha que socorrer-se da Justiça para fazer valer seu contrato e obrigar a operadora a prestar um serviço pelo qual está sendo remunerada para oferecer(1212 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Resolução normativa nº 261, de 28 de julho de 2011. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2011 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTc4Mg==
http://www.ans.gov.br/component/legislac...
,1818 Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1990. [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
).

Ao considerar a cirurgia de IC bilateral, esse panorama se modifica, pois o número de processos contra o setor de público aumentou significativamente (60%), mostrando-se maior que aqueles voltados às operadoras de planos de saúde (40%), como é possível verificar na Tabela 3.

Nesse sentido, deve ser considerado que a cirurgia de IC bilateral foi incorporada como procedimento no SUS apenas em 2014, para posterior credenciamento gradativo dos serviços. Caso não haja uma mudança significativa no cenário atual, a demanda dificilmente será atendida em médio prazo, pois, associados aos casos novos, existem todos os usuários de IC unilateral, potenciais candidatos ao IC bilateral (no caso, 8.857 pacientes, conforme dados do DATASUS). De acordo com um dos princípios do SUS, a universalidade, o paciente que possua indicação para realizar o segundo IC pode realizar a cirurgia em hospital público, mesmo que o primeiro IC tenha sido obtido por meio de um plano privado de saúde.

Com relação às operadoras de saúde, ressalta-se que a ANS regulamentou esse procedimento em 2012, o que reforça o descrito anteriormente, ou seja, a fragilidade na prestação do serviço ora oferecido por contrato. É importante destacar que, ao assinar o contrato com a operadora, o usuário acredita que terá a assistência necessária caso algum mal lhe acometa(1212 Brasil. Agência Nacional de Saúde. Resolução normativa nº 261, de 28 de julho de 2011. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2011 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.ans.gov.br/component/legislacao/?view=legislacao&task=TextoLei&format=raw&id=MTc4Mg==
http://www.ans.gov.br/component/legislac...
,1818 Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1990. [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
).

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, as operadoras dos planos de saúde são consideradas fornecedores e prestam serviços de atendimento em saúde. Neste sentido, o artigo 4º do CDC estabelece a Política Nacional das Relações de Consumo, que tem como objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo. Isso significa que, ao descumprir o contrato firmado com o usuário, a operadora desrespeita o CDC, podendo, inclusive, ser processada e condenada a prestar o atendimento necessário ao usuário. Tal conduta reforça a judicialização, uma vez que o consumidor, para ter seu direito cumprido, precisa se valer do Poder Judiciário, obrigando a operadora a realizar o que está previsto em contrato(1818 Brasil. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1990. [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Lei...
,1919 Boaventura T. Plano de saúde não pode negar tratamento prescrito por médico. Migalhas [Internet]; 2 out 2017 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI266410,61044-Plano+de+saude+nao+pode+negar+tratamento+prescrito+por+medico
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI...
).

De acordo com o artigo 5°, inciso II da lei 8.080/1990 que instituiu o SUS(2020 Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.Lei que institui o SUS. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1990 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm
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), são objetivos do SUS promover políticas públicas para promoção da saúde da população. Tais objetivos, no caso do IC unilateral e bilateral, foram cumpridos por meio das Portarias n.º 1.278 de 1999, n.º 18/SCTIE/MS, de 10 de junho de 2014 e n.º 2.776, de 18 de dezembro de 2014, seguidas da Portaria nº 2.157 de 23 de dezembro de 2015(77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.278, de 20 de outubro de 1999. Revogada. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1999 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1999/prt1278_20_10_1999.html
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8 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 18/SCTIE/MS, de 10 de junho de 2014. Torna pública a decisão de incorporar procedimentos relativos à assistência hospitalar à saúde auditiva (implante coclear e prótese auditiva ancorada no osso) no Sistema Único de Saúde - SUS. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sctie/2014/prt0018_10_06_2014.html
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9 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.776, de 18 de dezembro de 2014. Aprova diretrizes gerais, amplia e incorpora procedimentos para a Atenção Especializada às Pessoas com Deficiência Auditiva no Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2014 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt2776_18_12_2014.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
-1010 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.157, de 23 de dezembro de 2015. Altera os art. 8º e 24 da portaria nº 2.776/GM/MS, de 18 de dezembro de 2014. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 2015 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt2157_23_12_2015.html
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). Os dados obtidos no presente estudo demonstraram que apenas estabelecer critérios para realização do IC não é suficiente para se obter a eficácia de uma política na área da saúde.

Mesmo após a regulamentação do IC unilateral e bilateral pela ANS, em 2012, e as regulamentações do Ministério da Saúde destinadas ao SUS desde 1999 para IC unilateral e 2014 para IC bilateral, os processos continuam a ser protocolados frente à não prestação do serviço (Tabela 3).

A Tabela 4 apresenta a comparação entre as decisões finais e a antecipação de tutela na cirurgia do IC unilateral e bilateral. Acredita-se que tal comparação é importante para se verificar se há um padrão de ação nos tribunais. Como se trata de uma cirurgia de alto custo, após a concessão da tutela antecipada, a cirurgia é realizada, ou seja, o pedido é satisfeito, mesmo sem a decisão final, o que é possível em caso de urgência e necessidade comprovada no processo. Diante dos dados informados, acredita-se que os tribunais têm seguido uma tendência ao conceder a antecipação de tutela com base em documentos acostados no processo de forma assertiva, pois, praticamente, todas as concessões de antecipação de tutela foram confirmadas na decisão final(2121 Brasil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 16 mar 2015 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
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,2222 Bastos A. Tutela de urgência: análise do art. 300 no Novo CPC. SAJADV [Internet]; 2019 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://blog.sajadv.com.br/tutela-de-urgencia-art-300/
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).

Observou-se apenas uma decisão final negativa após a confirmação da tutela antecipada, no caso do IC unilateral. Nesse caso concreto, a concessão da tutela antecipada foi confirmada para que o plano de saúde realizasse o procedimento. O plano de saúde, ao tomar ciência da concessão, disponibilizou os médicos credenciados para realização da cirurgia, porém, o autor preferiu um médico particular, por acreditar que os médicos do plano de saúde não eram especialistas em IC. Ao realizar a cirurgia particular, o autor solicitou o ressarcimento do valor pago, o que foi negado pelo magistrado, uma vez que o plano liberou o procedimento e o autor se recusou a fazê-lo. Portanto, esse foi o único caso em que houve a concessão da tutela antecipada com decisão final negativa (Tabela 4).

Para a cirurgia de IC bilateral, em apenas um caso, o autor só conseguiu demonstrar a urgência de um dos implantes e, por isso, o magistrado concedeu a tutela antecipada para apenas um IC.

Os dados da Tabela 5 demonstram que houve deficiência na prestação do serviço, tanto público, quanto na saúde suplementar, observada tanto para menores de idade, quanto para adultos.

A literatura específica refere que a cirurgia de IC unilateral é inquestionável em eficácia técnica quando realizada nos primeiros anos de vida, de acordo com os critérios de indicação e contraindicação(2323 Silva BCS, Moret ALM, Silva LTDN, Costa OAD, Alvarenga KF, Silva-Comerlatto MPD. Glendonald Auditory Screening Procedure (GASP): marcadores clínicos de desenvolvimento das habilidades de reconhecimento e compreensão auditiva em crianças usuárias de implante coclear. CoDAS. 2019;31(4):e20180142. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192018142. PMid:31433038.
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). Contudo, mesmo passados 20 anos da primeira normativa brasileira elaborada de acordo com as evidências cientificas dos benefícios do IC na criança, pode-se observar, na Tabela 5, que a maioria dos processos foi solicitada por menores de idade(77 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 1.278, de 20 de outubro de 1999. Revogada. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 1999 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/1999/prt1278_20_10_1999.html
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). Este dado demonstra que a absoluta prioridade garantida ao menor não está sendo assegurada em todos os casos, caracterizando a ineficácia do sistema. Importante ressaltar que a Lei e a Constituição Federal estão a favor do paciente nesse caso e obrigam a prestação do atendimento com prioridade.

Adicionalmente, o número elevado de processos de adultos não era esperado, 45% do total, uma vez que os critérios para indicação da cirurgia de IC nessa faixa etária são mais restritivos, pois, na perda auditiva congênita, o paciente tem que ser necessariamente oralizado, condição difícil de ser alcançada na perda auditiva profunda com o uso do aparelho de amplificação sonora individual. Neste estudo, não há dados suficientes para discutir este achado, pois os processos no Jusbrasil não disponibilizam informações específicas que permitiriam caracterizar a perda auditiva, adquirida ou congênita, assim como se o indivíduo é oralizado ou não.

Conforme observado no presente estudo, a saúde auditiva das pessoas que estavam pleiteando o IC, na maioria das vezes era urgente e a demora poderia trazer um dano irreversível no caso das crianças. Em função disso, a família do paciente, ou até o próprio paciente, ao receber uma negativa da operadora do plano de saúde, ou perceber a morosidade do sistema público, recorreu ao Poder Judiciário para a realização da cirurgia ou manutenção do equipamento implantado. A busca ao Poder Judiciário nesta situação reflete a maior das dificuldades que a família de um deficiente auditivo pode ter: o direito no papel, mas não na prática.

Contudo, quando o paciente demonstra a urgência e relevância do caso por meio do laudo médico, o juiz concede a antecipação de tutela como forma de garantir o direito em tempo hábil a ser útil(2121 Brasil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União [Internet]; Brasília; 16 mar 2015 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm
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,2424 Martins LA, Rigoni KPM. Tutela antecipada: natureza e requisitos para sua concessão. JUS [Internet]; 2015 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/36095/tutela-antecipada-natureza-e-requisitos-para-sua-concessao
https://jus.com.br/artigos/36095/tutela-...
). Assim, o sistema judiciário tem assumido um papel facilitador ao efetivar o direito ao IC de forma ágil e, consequentemente, impedir que a execução da sentença se torne inutilizável em razão da demora.

Diante dos dados, acredita-se que os tribunais têm atuado com ponderação e equilíbrio ao conceder a tutela antecipada frente a cada caso, uma vez que as tutelas antecipadas têm sido confirmadas com a decisão final no mesmo sentido. A cautela e o equilíbrio dos tribunais se mostram muito importantes, tendo em vista que as cirurgias são de alto custo e orçamentos finitos, tanto dos entes públicos, quanto das operadoras de planos de saúde, o que poderia onerar demasiadamente os prestadores de serviço em saúde, caso as decisões finais não seguissem a mesma linha das concessões de tutela antecipada(1515 Vargas-Peláez CM, Rover MR, Leite SN, Rossi Buenaventura F, Farias MR. Right to health, essential medicines, and lawsuits for access to medicines: a scoping study. Soc Sci Med. 2014 Nov;121:48-55. http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.2014.08.042. PMid:25306409.
http://dx.doi.org/10.1016/j.socscimed.20...
,2525 Godois L. Direitos versus orçamentos: uma análise sobre o custo da judicialização da saúde no município de Cerro Largo/RS [dissertação]. Cerro Largo, RS: Universidade Federal da Fronteira Sul; 2017 [citado em 2022 Out 11]. Disponível em: https://rd.uffs.edu.br/handle/prefix/1891
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).

Como limitação deste estudo destaca-se a impossibilidade de acesso integral aos processos judiciais, o que dificultou outras inferências e conclusões.

CONCLUSÃO

Mesmo após a regulamentação da cirurgia do IC unilateral e bilateral, a judicialização está presente para que o cidadão que busca assistência à saúde, menor de idade e adulto, tenha acesso ao seu direito constitucionalmente garantido.

Os estados mais ricos apresentaram a maior taxa de judicialização e o sistema judiciário tem demonstrado coerência em suas decisões, visto que a tutela antecipada foi confirmada com a decisão final favorável em todos os casos em que o cidadão, por meio de documentos, demonstrou a necessidade e urgência do procedimento.

Assim como em outras especialidades, para o cidadão que busca assistência à saúde, a judicialização se apresenta como um relevante e importante acesso ao seu direito constitucionalmente garantido. Contudo, não se trata de uma prática comum, visto que, na cirurgia do implante coclear unilateral e bilateral, representa 2,43% do total de cirurgias realizadas, demonstrando baixo impacto no orçamento público e sem expressiva ação na organização do Sistema Único de Saúde.

AGRADECIMENTOS

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento e apoio ao estudo.

  • Trabalho realizado na Faculdade de Odontologia de Bauru – FOB, Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil.
  • Financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), número do processo: 88887.802630/2023-00.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Out 2022
  • Aceito
    09 Dez 2023
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