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Independência funcional, aspectos clínicos e fatores sociodemográficos em pacientes na fase aguda do Acidente Vascular Cerebral: uma análise de associação

RESUMO

Objetivo

Analisar a associação da independência funcional com aspectos clínicos de comprometimento neurológico, a localização e extensão do dano neuronal e os fatores sociodemográficos em pacientes na fase aguda do AVC.

Método

Estudo analítico de recorte transversal, realizado com 90 pacientes adultos e idosos acometidos por AVC isquêmico, que tiveram admissão no ambiente hospitalar nas primeiras 24 horas após o evento vascular. A coleta dos dados referentes aos aspectos clínicos e fatores sociodemográficos foi realizada pelo prontuário eletrônico e/ou entrevista para descrever o perfil dos pacientes, Oxfordshire Community Stroke Project, Alberta Stroke Programme Early CT Score, National Institute of Health Stroke Scale e a Medida de Independência Funcional.

Resultados

O comprometimento neurológico, de acordo com a National Institute of Health Stroke Scale, foi associado à funcionalidade nas primeiras 24 horas após o AVC. Além disso, a presença de hipertensão arterial, idade, trabalho inativo, tabagismo e extensão do dano neuronal estiveram associados à dependência funcional, mas não permaneceram no modelo final deste estudo.

Conclusão

A dependência funcional está associada à hipertensão arterial, idade, trabalho inativo, tabagismo, extensão do dano neuronal e grau de comprometimento neurológico nas primeiras 24 horas após o evento vascular. Além disso, um nível mais elevado de comprometimento neurológico foi independentemente associado a níveis aumentados de dependência funcional.

Palavras-chave:
Estado funcional; AVC isquêmico; Neurologia; Atividades cotidianas; Manifestações neurológicas

ABSTRACT

Purpose

To analyze the association of functional independence with clinical aspects of neurological impairment, the location and extent of neuronal damage and sociodemographic factors in patients in the acute phase of stroke.

Methods

Analytical cross-sectional study in 90 adult and older patients affected by ischemic stroke, admitted to the hospital within 24 hours of the vascular event. Sociodemographic factors and clinical aspects data were collected from electronic medical records and/or interviews in order to depict the patients'profile, Oxfordshire Community Stroke Project, Alberta Stroke Programme Early CT Score, National Institute of Health Stroke Scale, and Functional Independence Measure.

Results

Neurological impairment, according to the National Institute of Health Stroke Scale, was associated with functioning in the first 24 hours after the stroke. Furthermore, the presence of arterial hypertension, age, inactive work, smoking and extent of neuronal damage were associated with functional dependence, but did not remain in the final model of this study.

Conclusion

Functional dependence is associated with arterial hypertension, age, inactive work, smoking, extent of neuronal damage, and degree of neurological impairment in the first 24 hours after the vascular event. Furthermore, a higher level of neurological impairment was independently associated with increased levels of functional dependence.

Keywords:
Functional status; Ischemic stroke; Neurology; Activities of daily living; Neurologic manifestations

INTRODUÇÃO

A independência funcional de um indivíduo depende de condições motoras e cognitivas satisfatórias, do funcionamento dos órgãos, dos sistemas e das estruturas do corpo e tem relação direta com o ambiente em que vive(11 Estrela TLRS, Assis SC, Daltro MCSL. Avaliação da funcionalidade de pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral através da escala de Rankin. FisioterBras. 2018;19(5, Supl):S192-9.). As condições de saúde estão relacionadas com a funcionalidade e a incapacidade, ao considerar o que o sujeito consegue ou não realizar em relação às habilidades motoras, cognitivas e sociais(22 Bitencourt TC, Santos FMK, Soares AV. Relação entre a funcionalidade e a capacidade motora de pacientes pós-AVC na fase aguda. Rev Neurocienc. 2020;28:1-18. http://dx.doi.org/10.34024/rnc.2020.v28.10241.
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). O Acidente Vascular Cerebral (AVC) é a principal causa de incapacidade no Brasil e no mundo, sendo que aproximadamente 90% dos indivíduos que sobrevivem mantém algum grau de deficiência(22 Bitencourt TC, Santos FMK, Soares AV. Relação entre a funcionalidade e a capacidade motora de pacientes pós-AVC na fase aguda. Rev Neurocienc. 2020;28:1-18. http://dx.doi.org/10.34024/rnc.2020.v28.10241.
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,33 Bettger JP, Thomas L, Liang L, Xian Y, Bushnell CD, Saver JL, et al. Hospital variation in functional recovery after Stroke. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2017;10(1):e002391. http://dx.doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.115.002391. PMid:28096203.
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).

A etiologia do AVC é diversa e os fatores predisponentes incluem fatores não modificáveis (como idade e sexo) e fatores modificáveis (como hipertensão, diabetes mellitus, colesterol elevado, doenças cardiovasculares, sedentarismo, fibrilação atrial, tabagismo e consumo de álcool)(44 Donkor ES. Stroke in the 21st century: a snapshot of the burden, epidemiology, and quality of life. H Stroke Res Treat. 2018;20:3238165.). Com aumento da expectativa de vida da população brasileira e com a alta da prevalência de doenças crônicas em idosos, têm ocorrido um aumento considerável no número de indivíduos com sequelas de doenças e lesões cerebrais(55 Prodinger B, O’Connor RJ, Stucki G, Tennant A. Establishing score equivalence of the Functional Independence Measure motor scale and the Barthel index, utilizing the International Classification of Functioning, Disability and Health and Rasch measurement theory. J Rehabil Med. 2017;49(5):416-22. http://dx.doi.org/10.2340/16501977-2225. PMid:28471470.
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).

Dependendo da artéria envolvida, da localização da lesão e da extensão do dano cerebral, inúmeras complicações podem afetar os aspectos da vida do indivíduo(66 Rayegani SM, Raeissadat SA, Alikhani E, Bayat M, Bahrami MH, Karimzadeh A. Evaluation of complete functional status of patients with stroke by Functional Independence Measure scale on admission, discharge, and six months poststroke. Iran J Neurol. 2016;15(4):202-8. PMid:28435628.). As diretrizes para o manejo precoce de pacientes hospitalizados com AVC isquêmico agudo incluem o uso de escalas para classificação da gravidade do AVC, preferencialmente a NIHSS, exames de imagem de cabeça e pescoço, avaliação de glicemia, medição de pressão arterial e temperatura, antiplaquetários e tratamento anticoagulante, avaliação de disfagia, suporte respiratório, realização de trombectomia mecânica, entre outros. Além disso, recomenda-se que todos os indivíduos sejam avaliados quanto à funcionalidade, visando à reabilitação em tempo adequado(77 Powers WJ, Rabinstein AA, Ackerson T, Adeoye OM, Bambakidis NC, Becker K, et al. Guidelines for the early management of patients with acute ischemic stroke: 2019 update to the 2018 guidelines for the early management of acute ischemic stroke: a guideline for healthcare professionals from the American Heart Association/American Stroke Association. Stroke. 2019 Dez;50(12):e344-418. http://dx.doi.org/10.1161/STR.0000000000000211. PMid:31662037.
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).

Distúrbios posturais, déficits sensoriais e motores, hemiplegia, hemiparesia, alterações cognitivas, alterações de linguagem oral ou escrita (compreensão e/ou expressão), dificuldades de fala, disfagia, comprometimento da memória e desorganização do pensamento são algumas das alterações típicas causadas pelo AVC(66 Rayegani SM, Raeissadat SA, Alikhani E, Bayat M, Bahrami MH, Karimzadeh A. Evaluation of complete functional status of patients with stroke by Functional Independence Measure scale on admission, discharge, and six months poststroke. Iran J Neurol. 2016;15(4):202-8. PMid:28435628.). A perda de independência e autonomia nas atividades de vida diária (AVD) é o impacto mais significativo, causando as piores consequências ao paciente(33 Bettger JP, Thomas L, Liang L, Xian Y, Bushnell CD, Saver JL, et al. Hospital variation in functional recovery after Stroke. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2017;10(1):e002391. http://dx.doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.115.002391. PMid:28096203.
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). A dependência funcional pode levar a distúrbios emocionais, alterações de humor, limitações de atividades e restrições de participação, afetando diretamente sua qualidade de vida(66 Rayegani SM, Raeissadat SA, Alikhani E, Bayat M, Bahrami MH, Karimzadeh A. Evaluation of complete functional status of patients with stroke by Functional Independence Measure scale on admission, discharge, and six months poststroke. Iran J Neurol. 2016;15(4):202-8. PMid:28435628.).

A identificação da funcionalidade e do comprometimento neurológico do paciente na fase aguda pós-AVC é de extrema importância para detectar o nível das limitações e da dependência desses indivíduos em tarefas como alimentar-se, comunicar-se, tomar banho, vestir-se, deambular, deitar-se e levantar-se, dentre outras(22 Bitencourt TC, Santos FMK, Soares AV. Relação entre a funcionalidade e a capacidade motora de pacientes pós-AVC na fase aguda. Rev Neurocienc. 2020;28:1-18. http://dx.doi.org/10.34024/rnc.2020.v28.10241.
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,33 Bettger JP, Thomas L, Liang L, Xian Y, Bushnell CD, Saver JL, et al. Hospital variation in functional recovery after Stroke. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2017;10(1):e002391. http://dx.doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.115.002391. PMid:28096203.
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,88 Campos TF, Dantas AATSG, Melo LP, Oliveira DC. Grau neurológico e funcionalidade de pacientes crônicos com acidente vascular cerebral: implicações para a prática clínica. Arq Cienc Saúde. 2014;21(1):28-33.). A mensuração cuidadosa e abrangente da condição funcional do indivíduo desde a fase aguda é fundamental para o manejo clínico e para a reabilitação, proporcionando melhores tratamentos e resultados mais favoráveis aos pacientes(22 Bitencourt TC, Santos FMK, Soares AV. Relação entre a funcionalidade e a capacidade motora de pacientes pós-AVC na fase aguda. Rev Neurocienc. 2020;28:1-18. http://dx.doi.org/10.34024/rnc.2020.v28.10241.
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,33 Bettger JP, Thomas L, Liang L, Xian Y, Bushnell CD, Saver JL, et al. Hospital variation in functional recovery after Stroke. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2017;10(1):e002391. http://dx.doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.115.002391. PMid:28096203.
http://dx.doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.1...
,55 Prodinger B, O’Connor RJ, Stucki G, Tennant A. Establishing score equivalence of the Functional Independence Measure motor scale and the Barthel index, utilizing the International Classification of Functioning, Disability and Health and Rasch measurement theory. J Rehabil Med. 2017;49(5):416-22. http://dx.doi.org/10.2340/16501977-2225. PMid:28471470.
http://dx.doi.org/10.2340/16501977-2225...
,66 Rayegani SM, Raeissadat SA, Alikhani E, Bayat M, Bahrami MH, Karimzadeh A. Evaluation of complete functional status of patients with stroke by Functional Independence Measure scale on admission, discharge, and six months poststroke. Iran J Neurol. 2016;15(4):202-8. PMid:28435628.).

A avaliação da capacidade funcional possibilita verificar o desempenho na realização das atividades de vida diária (AVD), enquanto a avaliação neurológica pode indicar quais as funções sensoriais, motoras e cognitivas podem estar afetadas ou preservadas, servindo como base para o planejamento das estratégias de reabilitação a curto e longo prazo(88 Campos TF, Dantas AATSG, Melo LP, Oliveira DC. Grau neurológico e funcionalidade de pacientes crônicos com acidente vascular cerebral: implicações para a prática clínica. Arq Cienc Saúde. 2014;21(1):28-33.). Desta forma, considerando que é na fase aguda que ocorre uma recuperação mais rápida dos déficits(99 Kimura T. The items and level contributing to improve in less than 50 motor functional independence measure upon admission in the stroke recovery rehabilitation ward. J Phys Ther Sci. 2019;31(5):418-23. http://dx.doi.org/10.1589/jpts.31.418. PMid:31164778.
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), a classificação do grau de independência do indivíduo, ainda nesta fase, possibilita maiores chances de intervenção e reabilitação e, consequentemente, um melhor prognóstico funcional e de qualidade de vida para o indivíduo.

Na literatura, são encontrados estudos que buscam estimar a funcionalidade na fase crônica da doença, visando analisar os benefícios da reabilitação(11 Estrela TLRS, Assis SC, Daltro MCSL. Avaliação da funcionalidade de pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral através da escala de Rankin. FisioterBras. 2018;19(5, Supl):S192-9.,66 Rayegani SM, Raeissadat SA, Alikhani E, Bayat M, Bahrami MH, Karimzadeh A. Evaluation of complete functional status of patients with stroke by Functional Independence Measure scale on admission, discharge, and six months poststroke. Iran J Neurol. 2016;15(4):202-8. PMid:28435628.,88 Campos TF, Dantas AATSG, Melo LP, Oliveira DC. Grau neurológico e funcionalidade de pacientes crônicos com acidente vascular cerebral: implicações para a prática clínica. Arq Cienc Saúde. 2014;21(1):28-33.,1010 Araújo LS, Assis SC, Belchior ACS. Avaliação da funcionalidade de pacientes com sequelas de acidente vascular cerebral por meio da escala MIF. Fisioter Bras. 2018;19(5, Supl Supl):S208-17. http://dx.doi.org/10.33233/fb.v19i5.2624.
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). Outros estudos abordam a condição funcional do indivíduo ainda na fase aguda(22 Bitencourt TC, Santos FMK, Soares AV. Relação entre a funcionalidade e a capacidade motora de pacientes pós-AVC na fase aguda. Rev Neurocienc. 2020;28:1-18. http://dx.doi.org/10.34024/rnc.2020.v28.10241.
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,1111 Costa FA, Silva DLA, Rocha VM. Severidade clínica e funcionalidade de pacientes hemiplégicos pós-AVC agudo atendidos nos serviços públicos de fisioterapia de Natal (RN). Cien Saude Colet. 2011;16(Supl Supl. 1):1341-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000700068. PMid:21503484.
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), porém não na admissão hospitalar, ou seja, nas primeiras 24h pós-AVC. Assim, é possível pressupor que os pacientes apresentem algum grau de dependência funcional nas primeiras horas após o evento vascular, considerando aspectos individuais e clínicos. Diante disso, o presente estudo tem como objetivo analisar a associação da independência funcional com aspectos clínicos de comprometimento neurológico, a localização e extensão do dano neuronal e os fatores sociodemográficos em pacientes na fase aguda do AVC.

MÉTODOS

Estudo analítico de recorte transversal, realizado com pacientes internados na Unidade de Acidente Vascular Cerebral (U-AVC) do Hospital Risoleta Tolentino Neves (HRTN), em Belo Horizonte, Minas Gerais - Brasil. A U-AVC do HRTN é credenciada pelo Ministério da Saúde como Centro de Referência tipo III para o atendimento ao AVC. Os centros de referência tipo III contam com a mais complexa organização para atendimento ao AVC agudo prevista no programa da linha de cuidados em AVC da rede de atenção às urgências do Ministério da Saúde(1212 Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n° 665, de 12 de abril de 2012. Dispõe sobre os critérios de habilitação dos estabelecimentos hospitalares como Centro de Atendimento de Urgência aos pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC), no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), institui o respectivo incentivo financeiro e aprova a Linha de Cuidados em AVC. Diário Oficial da União; Brasília; 12 abr. 2012.). O tratamento do AVC inclui a gestão de todos os casos de AVC agudo internados na instituição (com exceção dos que necessitam de cuidados intensivos e daqueles para os quais estão definidos cuidados paliativos), com enfoque no tratamento da fase aguda, reabilitação precoce (incluindo fonoaudiologia, fisioterapia e terapia ocupacional) e investigação etiológica abrangente.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (CAAE - 32809514.4.4.0000.5149; 787.231).

Participantes

A amostra foi constituída por 90 pacientes adultos e idosos acometidos por Acidente Vascular Cerebral isquêmico (AVCi). Os critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos, diagnóstico de AVC confirmado por meio de avaliação neurológica e Tomografia Computadorizada de Crânio (TCC), admissão no ambiente hospitalar nas primeiras 24h após o evento vascular, nível de consciência adequado de acordo com a Escala de Coma de Glasgow (1313 Muniz ECS, Thomaz MCA, Kubota MY, Cianci L, Souza RMCS. Utilização da escala de coma de Glasgow e escala de coma de Jouvet para avaliação do nível de consciência. Rev Esc Enferm USP. 1997 Ago;31(2):287-303. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62341997000200010. PMid:9411580.
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), ausência de delirium de acordo com Confusion Assessment Method (1414 Fabbri RMA, Moreira MA, Garrido R, Almeida OP. Validity and reliability of the Portuguese version of the confusion assessment method (CAM) for the detection of delirium in the elderly. Arq Neuropsiquiatr. 2001;59(2-A):175-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2001000200004. PMid:11400020.
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) e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelo paciente ou responsável. Foram excluídos do estudo pacientes com outras doenças neurológicas, alteração cognitiva, neuropsiquiátrica ou motora prévios (conforme avaliação médica descrita no prontuário do paciente) e indivíduos que não responderam a todos os instrumentos de coleta de dados.

Coleta dos dados

Todos os instrumentos para coleta dos dados foram aplicados no mesmo dia pela mesma profissional treinada e experiente na área. Os dados sociodemográficos e clínicos foram obtidos por meio da leitura do prontuário eletrônico e/ou entrevista para descrever o perfil dos pacientes e analisando as seguintes informações: idade, sexo, escolaridade, comorbidades, atividade laboral, TCC e exame clínico.

A classificação do AVC a partir das características clínicas e localização anatômica da lesão indicados por meio da TCC foi realizada por meio da Oxfordshire Community Stroke Project (OCSP). Este instrumento divide os mecanismos fisiológicos em quatro subtipos: lacunar (LACI), circulação anterior total (TACI), circulação anterior parcial (PACI), circulação posterior (POCI)(1515 Pittock SJ, Meldrum D, Hardiman O, Thornton J, Brennan P, Moroney JT. The Oxfordshire Community Stroke Project Classification: correlation with imaging, associated complications, and prediction of outcome in acute ischemic stroke. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2003 Jan;12(1):1-7. http://dx.doi.org/10.1053/jscd.2003.7. PMid:17903897.
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).

A topografia das alterações teciduais cerebrais devido ao AVCi agudo na circulação anterior foi mensurado por meio da Alberta Stroke Programme Early CT Score (ASPECTS). O território da Artéria Cerebral Média (ACM) é subdividido em 10 regiões padronizadas avaliadas em dois cortes da TCC: na altura do tálamo e dos núcleos da base, e o próximo corte logo acima dos núcleos da base. Varia de zero a 10, sendo 10 o escore em que não há evidencia tomográfica de lesão isquêmica aguda no território da ACM e zero o valor que indica isquemia difusa em todo o território da ACM(1616 Barber PA, Demchuk AM, Zhang J, Buchan AM. Validity and reliability of a quantitative computed tomography score in predicting outcome of hyperacute stroke before thrombolytic therapy. Lancet. 2000 Maio;355(9216):1670-4. http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(00)02237-6. PMid:10905241.
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).

O grau de comprometimento neurológico foi avaliado por meio da National Institute of Health Stroke Scale (NIHSS), que consiste em uma escala utilizada para a avaliação do comprometimento neurológico do AVC. Composta por 11 itens, que incluem nível de consciência, movimentos oculares, campo visual, movimentos faciais, função motora, ataxia de membros superiores e inferiores, sensibilidade, linguagem, disartria e negligência espacial. A pontuação é variável por item, com pontuação máxima da escala de 42 pontos, sendo que quanto maior a pontuação, mais severo o comprometimento neurológico(1717 Brott T, Adams HP Jr, Olinger CP, Marler JR, Barsan WG, Biller J, et al. Measurements of acute cerebral infarction: a clinical examination scale. Stroke. 1989 Jul;20(7):864-70. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.20.7.864. PMid:2749846.
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).

Por fim, a Medida de Independência Funcional (MIF) foi aplicada para avaliar de forma quantitativa a carga de cuidados demandada por uma pessoa para a realização de uma série de tarefas motoras e cognitivas de vida diária, sendo agrupadas nas dimensões de: autocuidados, transferências, locomoção, controle esfincteriano, comunicação e cognição social, que inclui memória, interação social e resolução de problemas. Cada tarefa pode receber pontuação de um a sete, correspondendo, respectivamente, à dependência total e à independência completa. O escore total da MIF é dado pela soma dos escores de cada dimensão e pode variar de 18 a 126 pontos(1818 Riberto M, Miyazaki MH, Jorge D Fo, Sakamoto H, Battistella LR. Reprodutibilidade da versão brasileira da Medida de Independência Funcional. Acta Fisiátrica. 2001;8(1):45-52. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2317-0190.v8i1a102274.
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,1919 Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Pinto PPN, Battistella LR. Validação da versão brasileira da medida de independência funcional. Acta FisiatR. 2004;11(2):72-6.). Os níveis de dependência são classificados em 18 pontos: dependência completa; 19 a 60: dependência modificada (assistência de até 50% das tarefas); 61 a 103: dependência modificada (assistência de até 25% das tarefas); e 104 a 126: independência completa correspondente à normalidade na realização de tarefas(2020 Assis CS, Batista LC, Wolosker N, Zerati AE, Silva RCG. Functional independence measure in patients with intermittent claudication. Rev Esc Enferm USP. 2015;49(5):756-8. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-623420150000500007. PMid:26516744.
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).

Análise dos dados

Para a análise estatística dos dados foi utilizado o programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 21.0. Foram realizadas análises descritivas de todas as variáveis por meio de distribuição de frequência absoluta e relativa das variáveis categóricas e de síntese numérica das variáveis contínuas. Foram realizadas análises de associação entre a independência funcional e as variáveis sociodemográficas e clínicas. Para avaliação das associações foram utilizados os testes Qui-quadrado e Exato de Fisher e seus respectivos valores de p. Para a análise comparativa do nível de dependência funcional entre os participantes, a MIF foi definida como categórica de duas variáveis de acordo com as pontuações de referência, sendo de 18 a 103 pontos para definição do grupo de pacientes com níveis de dependência funcional e ≥ 104 pontos para o grupo de pacientes com independência funcional. Previamente à realização das comparações entre a variável dependente e as variáveis independentes contínuas de idade, escolaridade, pontuação do NIHSS e pontuação do ASPECTS, foi realizada análise da distribuição dessas variáveis, por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Para todas as análises foi considerado o nível de significância de 5%. As variáveis com associação estatisticamente significantes ao nível de 20% (p< 0,20) na análise univariada foram consideradas para entrada no modelo de regressão logística múltipla. Foi adotado o método manual backward, considerando em cada passo da análise a variável com maior valor-p para retirada do modelo. No modelo final foram mantidas as variáveis com associação significante ao nível de 5%. A magnitude das associações foi avaliada pelas Odds Ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança a 95%. A adequação do modelo foi avaliada pelo teste de Hosmer e Lemeshow.

RESULTADOS

A média de idade dos participantes foi de 65,01 anos (± 11,6), sendo 52,2% do sexo feminino. Quanto à escolaridade, o tempo médio de estudo foi de 4,23 anos (± 3,4).

A análise descritiva da MIF evidenciou uma pontuação média de 77,39. A maioria dos participantes (93,3%) apresentou algum grau de comprometimento neurológico de acordo com o NIHSS, sendo encontrada pontuação média de 7,88. Metade dos participantes teve acometimento do subtipo LACI. Quanto à extensão da lesão isquêmica aguda no território da ACM, a média da pontuação do ASPECTS foi de 9,13 (Tabela 1).

Tabela 1
Análise descritiva das variáveis de funcionalidade e neurológica (N=90)

Em relação aos aspectos clínicos e sociodemográficos, houve maior proporção de participantes com histórico de trabalho ativo (p=0,031) e tabagismo (p=0,038) entre os que tiveram independência funcional, e maior proporção de participantes com hipertensão arterial (p=0,030) entre os que apresentaram níveis de dependência funcional (Tabela 2). Houve associação entre a idade (p=0,007) e a funcionalidade, sendo a maior média de idade (67,0 anos) encontrada entre os participantes com níveis de dependência funcional. A análise também evidenciou associação (p<0,001) entre a maior mediana de pontuação (9,0 pontos) do NIHSS e os indivíduos com níveis dependência funcional. Ainda, houve associação (p<0,001) entre a maior mediana de pontuação (10,0 pontos) do ASPECTS e os participantes com independência funcional (Tabela 3).

Tabela 2
Análise da associação entre o grau de independência funcional e variáveis sociodemográficas e clínicas (N=90)
Tabela 3
Análise da associação entre o grau de independência funcional e variáveis contínuas (N=90)

No modelo de regressão logística, apenas o grau de comprometimento neurológico foi associado à funcionalidade. O aumento de um ponto na escala NIHSS aumentou em 1,45 vezes (45%) a chance de o paciente ter dependência funcional segundo a escala MIF (OR=1,45; IC=1,15-1,84). A variável idade foi mantida no modelo final como variável de ajuste, devido à sua relevância para o desfecho em estudo (Tabela 4).

Tabela 4
Análise de regressão logística múltipla entre o resultado da medida de independência funcional e variáveis sociodemográficas e clínicas selecionadas

DISCUSSÃO

O presente estudo demonstrou que a dependência funcional está associada à presença de hipertensão arterial, idade, trabalho inativo, extensão do dano neuronal e grau de comprometimento neurológico nas primeiras 24 horas após o evento vascular. Ademais, a pontuação do NIHSS para graduação do comprometimento neurológico foi associada de forma independente a maior nível de dependência funcional medida pela MIF.

A associação entre a dependência funcional e a maior média de idade dos participantes indica que idosos podem apresentar um pior prognóstico funcional pós-AVC. Ainda, pouco mais da metade dos indivíduos do presente estudo era do gênero feminino. Uma pesquisa verificou que há influência da idade e do gênero na funcionalidade em sujeitos pós-AVCi. Segundo os autores, na infância e no início da idade adulta, os homens têm uma maior incidência de AVCi e resultados funcionais piores do que as mulheres. No entanto, com o avançar da idade, as taxas de isquemia aumentam em mulheres e o AVCi se torna mais comum e mais debilitante(2121 Roy-O’Reilly M, McCullough LD. Age and sex are critical factors in ischemic stroke pathology. Endocrinology. 2018 Ago;159(8):3120-31. http://dx.doi.org/10.1210/en.2018-00465. PMid:30010821.
http://dx.doi.org/10.1210/en.2018-00465...
).

Quanto ao histórico dos participantes, observou-se que o trabalho ativo prévio apresentou associação com a independência funcional, indicando que a participação social e a atividade laboral podem ser indicadores de melhor prognóstico funcional pós-AVC. Não foram encontrados na literatura estudos associando trabalho ativo prévio com funcionalidade pós-AVC. Apesar de o retorno ao trabalho ser um dos principais objetivos dos indivíduos ativos previamente ao evento vascular, menos da metade desses sujeitos conseguem retornar ao trabalho devido às limitações impostas pelas incapacidades adquiridas, dificuldades de acesso à reabilitação ou pelo contexto sócio-cultural(2222 Ghoshchi SG, Angelis S, Morone G, et al. Return to work and quality of life after stroke in Italy: a study on the efficacy of technologically assisted neurorehabilitation. Int J Environ Res Public Health. 2020;17(14):5233. http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17145233. PMid:32698430.
http://dx.doi.org/10.3390/ijerph17145233...
,2323 Radford KA, Craven K, McLellan V, Sach TH, Brindle R, Holloway I, et al. An individually randomised controlled multi-centre pragmatic trial with embedded economic and process evaluations of early vocational rehabilitation compared with usual care for stroke survivors: study protocol for the RETurn to work After stroKE (RETAKE) trial. Trials. 2020;21(1):1010. http://dx.doi.org/10.1186/s13063-020-04883-1. PMid:33298162.
http://dx.doi.org/10.1186/s13063-020-048...
).

A associação com significância estatística entre participantes tabagistas e independência funcional pode parecer a princípio uma incongruência do presente estudo. No entanto, neste estudo, não foram abordados aspectos como tempo e quantidade de consumo de tabaco, impossibilitando a afirmação de associação entre estes fatores. Além disso, a literatura demonstra que o tabagismo é um dos fatores de risco para o AVCi, sendo o risco maior conforme a carga tabágica(2424 Pan B, Jin X, Jun L, Qiu S, Zheng Q, Pan M. The relationship between smoking and stroke: a meta-analysis. Medicine. 2019;98(12):e14872. http://dx.doi.org/10.1097/MD.0000000000014872. PMid:30896633.
http://dx.doi.org/10.1097/MD.00000000000...
). Vale destacar que a associação não se manteve na análise multivariada.

Em relação aos aspectos clínicos, a associação entre hipertensão arterial e dependência funcional sugere que, além de ser um dos principais fatores de risco modificáveis para o AVC(2525 Cipolla MJ, Liebeskind DS, Chan SL. The importance of comorbidities in ischemic stroke: impact of hypertension on the cerebral circulation. J Cereb Blood Flow Metab. 2018;38(12):2129-49. http://dx.doi.org/10.1177/0271678X18800589. PMid:30198826.
http://dx.doi.org/10.1177/0271678X188005...
), esta variável pode ser um sinalizador de pior prognóstico funcional. Um estudo identificou que indivíduos com hipertensão pré-existente apresentam menor área de tecido neuronal recuperável (penumbra) e infartos maiores em comparação com sujeitos normotensos(2525 Cipolla MJ, Liebeskind DS, Chan SL. The importance of comorbidities in ischemic stroke: impact of hypertension on the cerebral circulation. J Cereb Blood Flow Metab. 2018;38(12):2129-49. http://dx.doi.org/10.1177/0271678X18800589. PMid:30198826.
http://dx.doi.org/10.1177/0271678X188005...
). Outro estudo verificou que tanto a hipertensão arterial quanto a pressão arterial baixa foram associados a desfechos desfavoráveis após o evento isquêmico, resultando em óbito ou dependência funcional em seis meses(2626 Leonardi-Bee J, Bath PMW, Phillips SJ, Sandercock PAG. Blood pressure and clinical outcomes in the international stroke trial. Stroke. 2002;33(5):1315-20. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000014509.11540.66. PMid:11988609.
http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000014...
).

Outro dado apontado no presente estudo refere-se à associação entre uma menor área de acometimento de ACM, de acordo com o ASPECTS, e a independência funcional, assinalando associação entre menor extensão de dano neuronal e uma melhor funcionalidade pós-AVC. Uma pesquisa verificou que menor extensão das áreas de hipodensidade na TCC está entre as variáveis mais importantes que determinam um bom prognóstico e melhores respostas ao tratamento pós-AVC(2727 Wechsler LR, Roberts R, Furlan AJ, Higashida RT, Dillon W, Roberts H, et al. Factors influencing outcome and treatment effect in PROACT II. Stroke. 2003 Maio 1;34(5):1224-9. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000068782.15297.28. PMid:12677011.
http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000068...
). Outros autores identificaram que uma pontuação maior que sete no ASPECTS está relacionada a melhores resultados seis meses pós-AVCi(2828 Lima FO, Furie KL, Silva GS, Lev MH, Camargo EC, Singhal AB, et al. The pattern of leptomeningeal collaterals on CT angiography is a strong predictor of long-term functional outcome in stroke patients with large vessel intracranial occlusion. Stroke. 2010 Out 1;41(10):2316-22. http://dx.doi.org/10.1161/STROKEAHA.110.592303. PMid:20829514.
http://dx.doi.org/10.1161/STROKEAHA.110....
).

Na análise multivariada, apenas o comprometimento neurológico, de acordo com o NIHSS, apresentou associação com a funcionalidade nas primeiras 24h do AVC. Foi observado que quanto maior o comprometimento neurológico, pior o prognóstico funcional do participante. Estudiosos encontraram relação entre a severidade clínica do AVC e o grau de independência funcional em pacientes hemiplégicos avaliados pela MIF motora, apontando que quanto mais grave o nível de severidade clínica do indivíduo, pior sua independência funcional e, portanto, maior a dependência destes indivíduos para realização de AVD(1111 Costa FA, Silva DLA, Rocha VM. Severidade clínica e funcionalidade de pacientes hemiplégicos pós-AVC agudo atendidos nos serviços públicos de fisioterapia de Natal (RN). Cien Saude Colet. 2011;16(Supl Supl. 1):1341-8. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000700068. PMid:21503484.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011...
). Outros estudos também observaram que pontuações elevadas no NIHSS tendem a reduzir um bom prognóstico pós-AVC(2727 Wechsler LR, Roberts R, Furlan AJ, Higashida RT, Dillon W, Roberts H, et al. Factors influencing outcome and treatment effect in PROACT II. Stroke. 2003 Maio 1;34(5):1224-9. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000068782.15297.28. PMid:12677011.
http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000068...
,2828 Lima FO, Furie KL, Silva GS, Lev MH, Camargo EC, Singhal AB, et al. The pattern of leptomeningeal collaterals on CT angiography is a strong predictor of long-term functional outcome in stroke patients with large vessel intracranial occlusion. Stroke. 2010 Out 1;41(10):2316-22. http://dx.doi.org/10.1161/STROKEAHA.110.592303. PMid:20829514.
http://dx.doi.org/10.1161/STROKEAHA.110....
).

Vale destacar que a escala do NIHSS possibilita mensurar os déficits motores e não motores e fornece informações precisas em relação aos comprometimentos apresentados pelos pacientes, além de auxiliar na definição de metas para a terapia e no planejamento da alta hospitalar. No entanto, o NIHSS mede apenas deficiências e não fornece informações sobre limitações no desempenho de AVD, como dificuldades de locomoção, sentar, levantar, andar e função dos membros superiores(2929 Kwah LK, Diong J. National Institutes of Health Stroke Scale (NIHSS). J Physiother. 2014 Mar;60(1):61. http://dx.doi.org/10.1016/j.jphys.2013.12.012. PMid:24856948.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jphys.2013.1...
). Desta forma, a associação entre comprometimento neurológico e independência funcional indicada no presente estudo permite traçar objetivos e estratégias para otimizar o desempenho desses indivíduos ainda na fase aguda, visto que os pacientes que apresentam maiores comprometimentos neurológicos apresentarão níveis mais elevados de dependência funcional e assim, necessitarão de maior assistência nas AVD.

Um estudo prospectivo observou que pacientes com pontuação menor ou igual a cinco no NIHSS recebem alta hospitalar mais rapidamente; aqueles com pontuação entre seis e 13 necessitam de um programa de reabilitação; e aqueles com pontuações maiores que 13 frequentemente necessitam de reabilitação intensa e por períodos prolongados(3030 Schlegel D, Kolb SJ, Luciano JM, Tovar JM, Cucchiara BL, Liebeskind DS, et al. Utility of the NIH stroke scale as a predictor of hospital disposition. Stroke. 2003 Jan 1;34(1):134-7. http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000048217.44714.02. PMid:12511764.
http://dx.doi.org/10.1161/01.STR.0000048...
). Assim, de acordo com a média de pontuação apresentada no NIHSS (7,88), os participantes deste estudo já necessitam de terapias para reabilitação desde a admissão hospitalar que possam favorecer a recuperação dos déficits e a independência funcional.

A literatura evidencia que há correlação positiva entre o grau neurológico e o nível de incapacidade funcional de pacientes na fase crônica do AVC, indicando que maior comprometimento neurológico corresponde à maior incapacidade funcional também neste estágio(88 Campos TF, Dantas AATSG, Melo LP, Oliveira DC. Grau neurológico e funcionalidade de pacientes crônicos com acidente vascular cerebral: implicações para a prática clínica. Arq Cienc Saúde. 2014;21(1):28-33.). Desta forma, a realização um de prognóstico confiável deve ser feito ainda na fase aguda do AVC, visto que neste período ocorre uma recuperação mais rápida dos déficits e que em torno de três a seis meses após o evento, os pacientes apresentam um platô na recuperação funcional(88 Campos TF, Dantas AATSG, Melo LP, Oliveira DC. Grau neurológico e funcionalidade de pacientes crônicos com acidente vascular cerebral: implicações para a prática clínica. Arq Cienc Saúde. 2014;21(1):28-33.,99 Kimura T. The items and level contributing to improve in less than 50 motor functional independence measure upon admission in the stroke recovery rehabilitation ward. J Phys Ther Sci. 2019;31(5):418-23. http://dx.doi.org/10.1589/jpts.31.418. PMid:31164778.
http://dx.doi.org/10.1589/jpts.31.418...
). Assim, deve-se aproveitar os princípios de plasticidade cerebral desde a fase aguda para a máxima recuperação da funcionalidade(22 Bitencourt TC, Santos FMK, Soares AV. Relação entre a funcionalidade e a capacidade motora de pacientes pós-AVC na fase aguda. Rev Neurocienc. 2020;28:1-18. http://dx.doi.org/10.34024/rnc.2020.v28.10241.
http://dx.doi.org/10.34024/rnc.2020.v28....
).

Este estudo possibilitou caracterizar a funcionalidade nas primeiras 24 horas pós-AVC, demonstrando que o nível de comprometimento neurológico apresenta associação com a independência funcional. A perda da independência e da autonomia na realização das AVD traz inúmeros impactos negativos na vida do indivíduo(33 Bettger JP, Thomas L, Liang L, Xian Y, Bushnell CD, Saver JL, et al. Hospital variation in functional recovery after Stroke. Circ Cardiovasc Qual Outcomes. 2017;10(1):e002391. http://dx.doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.115.002391. PMid:28096203.
http://dx.doi.org/10.1161/CIRCOUTCOMES.1...
,66 Rayegani SM, Raeissadat SA, Alikhani E, Bayat M, Bahrami MH, Karimzadeh A. Evaluation of complete functional status of patients with stroke by Functional Independence Measure scale on admission, discharge, and six months poststroke. Iran J Neurol. 2016;15(4):202-8. PMid:28435628.). Assim, a avaliação e a intervenção na fase aguda são fundamentais para prevenir maiores limitações e para evitar a diminuição da capacidade funcional. Além disso, a mensuração das condições física e funcional do indivíduo é essencial para o manejo clínico, para a reabilitação e, em nível de políticas públicas, é fundamental para responder mais precisamente as necessidades das pessoas que experimentam limitações em seu funcionamento(55 Prodinger B, O’Connor RJ, Stucki G, Tennant A. Establishing score equivalence of the Functional Independence Measure motor scale and the Barthel index, utilizing the International Classification of Functioning, Disability and Health and Rasch measurement theory. J Rehabil Med. 2017;49(5):416-22. http://dx.doi.org/10.2340/16501977-2225. PMid:28471470.
http://dx.doi.org/10.2340/16501977-2225...
,66 Rayegani SM, Raeissadat SA, Alikhani E, Bayat M, Bahrami MH, Karimzadeh A. Evaluation of complete functional status of patients with stroke by Functional Independence Measure scale on admission, discharge, and six months poststroke. Iran J Neurol. 2016;15(4):202-8. PMid:28435628.).

Apesar de o objetivo do presente estudo ter sido analisar a independência funcional para a realização de tarefas de vida diária, como limitação pode-se considerar que não foram realizadas análises conforme os domínios motor e cognitivo da escala MIF. Para estudos futuros, sugere-se um acompanhamento longitudinal destes pacientes, para a avaliação da associação entre a independência funcional e o comprometimento neurológico nas fases aguda, subaguda e crônica do AVCi.

CONCLUSÃO

A dependência funcional está associada à hipertensão arterial, idade, trabalho inativo, tabagismo, extensão do dano neuronal e grau de comprometimento neurológico nas primeiras 24 horas após o AVC. Além disso, um nível mais elevado de comprometimento neurológico foi independentemente associado a níveis aumentados de dependência funcional. A avaliação e a intervenção na fase aguda são essenciais para prevenir maiores limitações, evitar a diminuição da capacidade funcional e são essenciais para o manejo clínico e para a reabilitação, auxiliando também na elaboração de políticas públicas.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos aos nossos pacientes e colegas do Hospital Risoleta Tolentino Neves, pela disposição e interesse pela pesquisa científica.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
  • Financiamento: O presente trabalho também foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) - Código de Financiamento APQ-03539-13 - e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Bolsa de Produtividade em Pesquisa - PQ - Chamada 09/2022.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2023
  • Aceito
    07 Dez 2023
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