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Entendimento dos médicos intensivistas sobre o processo de doação de córneas

The knowledge of the intensive care physicians on corneal donation

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o conhecimento e atitudes dos médicos intensivistas sobre o transplante de córnea. MÉTODOS: Questionário a 100 médicos intensivistas. RESULTADOS: Todos os médicos conheciam e incentivavam a doação de córneas, porém somente 57% deles haviam feito alguma solicitação para doação. Quarenta e quatro médicos (44%) não se acharam aptos a responder a dúvidas de possíveis doadores e todos estavam interessados em se atualizar a este respeito. CONCLUSÃO: Parece haver falta de informação e divulgação nas escolas médicas sobre transplante de córneas. Um melhor conhecimento dos profissionais da saúde poderia trazer melhoria na situação atual dos transplantes no Brasil.

Transplante de córnea; Obtenção de órgãos; Conhecimentos, atitudes e prática; Papel do médico


PURPOSE: To evaluate the knowledge and attitudes of intensive care physicians concerning corneal transplantation. METHODS: A questionnaire was answered by 100 intensive care physicians. RESULTS: All physicians knew about the procedure and were in favor of cornea transplantation, but only 57% had ever asked for a donation. Forty-four (44%) of all physicians did not feel able of answering questions by possible donors and all the physicians said to be interested in having more information about corneal transplantation. CONCLUSION: Information and education about transplantation in Medical Schools must be improved, in order to provide better understanding for intensive care physicians, in such a way that they could act more effectively when facing such situations.

Corneal transplantation; Organ procurement; Knowledge, attitudes, practice; Physician's role


Entendimento dos médicos intensivistas sobre o processo de doação de córneas

The knowledge of the intensive care physicians on corneal donation

Adriana Maria RodriguesI, 1 1 Médica Oftalmologista, estagiária da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP 2 Professor Assistente e colaborador do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, Coordenador do Banco de Olhos do Hospital São Paulo ; Elcio SatoII, 2 1 Médica Oftalmologista, estagiária da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP 2 Professor Assistente e colaborador do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, Coordenador do Banco de Olhos do Hospital São Paulo

IMédica Oftalmologista, estagiária da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP

IIProfessor Assistente e colaborador do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, Coordenador do Banco de Olhos do Hospital São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Adriana Maria Rodrigues R. Síria, 290, 10º andar, São Paulo (SP) CEP 03086-040. E-mail: adrianar@oftalmo.epm.br; adrianaramr@ig.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o conhecimento e atitudes dos médicos intensivistas sobre o transplante de córnea.

MÉTODOS: Questionário a 100 médicos intensivistas.

RESULTADOS: Todos os médicos conheciam e incentivavam a doação de córneas, porém somente 57% deles haviam feito alguma solicitação para doação. Quarenta e quatro médicos (44%) não se acharam aptos a responder a dúvidas de possíveis doadores e todos estavam interessados em se atualizar a este respeito.

CONCLUSÃO: Parece haver falta de informação e divulgação nas escolas médicas sobre transplante de córneas. Um melhor conhecimento dos profissionais da saúde poderia trazer melhoria na situação atual dos transplantes no Brasil.

Descritores: Transplante de córnea; Obtenção de órgãos; Conhecimentos, atitudes e prática; Papel do médico

ABSTRACT

PURPOSE: To evaluate the knowledge and attitudes of intensive care physicians concerning corneal transplantation.

METHODS: A questionnaire was answered by 100 intensive care physicians.

RESULTS: All physicians knew about the procedure and were in favor of cornea transplantation, but only 57% had ever asked for a donation. Forty-four (44%) of all physicians did not feel able of answering questions by possible donors and all the physicians said to be interested in having more information about corneal transplantation.

CONCLUSION: Information and education about transplantation in Medical Schools must be improved, in order to provide better understanding for intensive care physicians, in such a way that they could act more effectively when facing such situations.

Keywords: Corneal transplantation; Organ procurement; Knowledge, attitudes, practice; Physician's role

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento de melhores técnicas cirúrgicas e o sucesso cada vez maior no tratamento da rejeição dos transplantes de órgãos levou a um aumento na sobrevida dos transplantes, principalmente dos transplantes de córnea. Entretanto estes dados animadores são limitados pelo volume insuficiente de doações.

A disparidade existente entre o número de doadores em potencial e o número real de doações já foi discutida por muitos autores(1-2). Segundo uma estimativa americana publicada em 1990, dos 20.000 indivíduos que morrem por ano e são doadores em potencial, apenas 3.000 realmente doam(3). No Brasil esta situação não é diferente e estes dados parecem ser um reflexo, entre outras coisas, da desinformação por parte da população e classe médica.

Noventa e cinco por cento dos doadores de órgãos em potencial encontram-se nas unidades de terapia intensiva(3). Baseado nestes dados, pode-se afirmar que os intensivistas desempenham um papel importante na relação de doadores em potencial e a situação final da doação.

O objetivo deste trabalho é determinar o nível de conhecimento dos médicos intensivistas sobre transplante de córnea e como eles tem se conduzido frente a doadores em potencial.

MÉTODOS

Foi aplicado um questionário para obtenção de dados idade, sexo, ano de graduação, local onde exerce sua atividade profissional e mais 13 perguntas a 100 médicos intensivistas de todas as regiões brasileiras em atividade profissional por no mínimo um ano e com título de especialista na área de Medicina Intensiva. Os dados foram coletados durante o IX Congresso Brasileiro de Terapia Intensiva Adulto e Pediátrica que se realizou no período de 8 a 12 de abril de 2000 na cidade de Belo Horizonte. Os resultados foram analisados descritivamente e realizado Qui-quadrado para avaliação estatística.

RESULTADOS

Entre os entrevistados, oitenta e seis eram homens e 14 mulheres. A faixa etária mais encontrada com diferença estatisticamente significante foi entre os 30 a 40 anos (p=0,0016) (Tabela 1 e Gráfico 1).


Quanto aos anos de formados, quarenta (40%) médicos haviam se formado entre os anos de 1980 e 1990, quarenta e três (43%) entre os anos de 1990 e 2000, treze (13%) no intervalo entre os anos de 1970 a 1980 e, apenas 4 (4%) entre os anos de 1960 a 1970.

Na distribuição por regiões de atuação profissional (Gráfico 2), houve predomínio estatisticamente significante da região Sudeste (p<0,0001).


Todos os intensivistas questionados mostraram-se favoráveis a doação de córneas. Dois deles (2%) não eram doadores, segundo eles, por motivos pessoais; treze (13%) dos médicos entrevistados só autorizariam a doação de córneas de familiares se estes tivessem expressado essa vontade em vida.

Todos os médicos disseram ser importante incentivar a doação mas apenas 57 (57%) haviam solicitado a doação de córneas para seus pacientes. Dos 57, dezoito (31,6%) fizeram menos do que 10 solicitações de doação, quinze (26,3%) entre 10 e 20 solicitações e 24 (42,1%) mais de 20 solicitações de doação de córneas. Para os médicos que fizeram solicitação de doação foi questionado se eles haviam recebido alguma negação e, dez (17,5%) responderam que não e 47 (82,4%), sim; destes, cinco (10,6%) tiveram a negação alegando motivos religiosos, onze (23,4%) por medo de mutilação do cadáver e 31 (66%) a negação foi por burocracia e demora no contato na captação das córneas.

Dos médicos entrevistados, quarenta e quatro por cento não se achavam aptos a esclarecer as dúvidas de possíveis doadores de córneas.

Quando se questionou o conhecimento que tinham sobre doação de córneas, quarenta e dois por cento não sabiam como é feita a retirada das córneas, quarenta e sete por cento desconheciam como fica o aspecto estético do doador, cinqüenta e um por cento dos médicos não sabiam dizer qual seria o tempo máximo para a retirada das córneas e, cinqüenta e cinco por cento quais seriam as contra-indicações para a doação de córneas.

Todos os médicos intensivistas entrevistados gostariam de ter atualizações sobre transplante de córnea, sendo que 96 gostariam de ter essas informações por meio de folhetos explicativos e 4 por palestras.

DISCUSSÃO

A influência da equipe médica no número de doadores de órgãos e tecidos foi levantada por muitos autores(1-3). Dois dos obstáculos mais importantes no processo de doação citados porMack et al.foram a não procura de doadores e a falência na abordagem(4). A não procura, segundo este autor, está relacionada à educação escassa dos profissionais das áreas de saúde, inclusive os de terapia intensiva, já que esta é uma das principais fontes de doadores em potencial(3).

Todos os médicos abordados mostraram-se favoráveis à doação de córneas, sendo que apenas 2 deles diziam-se não doadores, segundo eles, por motivos religiosos.

Todos foram favoráveis ao incentivo à doação mas apenas 57 % destes haviam feita alguma requisição. Esses dados são semelhantes aos encontrados no trabalho realizado por Alves et al. que mostrou ser uma importante causa da não doação, a não solicitação pelos médicos intensivistas(5).

Segundo os médicos que solicitaram a doação de córnea, a principal causa de negação foi a burocracia e demora na captação das córneas. Estes dados mostram a necessidade da cooperação entre equipes de captação e equipes de médicos intensivistas para que a informação do óbito e de doadores em potencial não tenha atrasos eliminando-a como causa de negação à doação(3).

A maioria dos médicos abordada atuava na região sudeste e pertencentes à faixa etária de 30 a 40 anos, estes dados poderiam favorecer a informação e, para tal, o conhecimento básico dos intensivistas sobre o transplante de córnea foi questionado. Os resultados mostraram que aproximadamente 50% dos médicos não tinham informações básicas sobre o transplante de córnea e 44% dos médicos não se achavam aptos a responder a questionamentos de possíveis doadores. Estes dados mostram que o número de discussões e publicações sobre este tema é reduzido nas escolas médicas(5).

Todos os intensivistas entrevistados gostariam de obter mais informações e atualizações sobre transplante de córnea. Para este fim, como tem sido sugerido em vários estudos(5,7), torna-se necessária a criação de comissões e centrais de doação de órgãos, bem como a realização de campanhas de esclarecimentos nas escolas médicas.

Em estudo realizado na cidade de Curitiba, observou que aproximadamente 36% da negação a doação ocorreu por despreparo da equipe médica(5). Segundo Ishay, os médicos que cuidam do paciente tem receio em abordar os familiares demonstrando a falta de preparo e formação destes profissionais no sentido de se inserirem no espectro do transplante de órgãos, sendo estes(2), peças fundamentais para o aumento no número de doações.

Este estudo reforça a necessidade de uma melhoria no conhecimento divulgado nas escolas médicas sobre os transplantes e de uma maior atenção dos profissionais das unidades de terapia intensiva a este tema por serem estes o principal elo entre doadores em potencial e a realização do transplante.

Recebido para publicação em 13.12.2001

Aceito para publicação em 12.06.2002

  • 1. Loewenstein A, Rahmiel R, Varssano D, Lazar IM. Obtaining consent for eye donation. Isr J Med Sci 1991;27:79-81
  • 2. Ishay R. Eye donation - how to maximize procurement. Isr J Med Sci1991;27:89-91.
  • 3. McGough EA, Chopek MW. The Physician's role as asker in obtaining organ donations. Transplant Proc1990;22:267-72
  • 4. Mack JR, Mason P, Mathers WD. Obstacles to donor eye procurement and their solutions at the University of lowa. Cornea 1995;14:249-52.
  • 5. Alves MR, Crestana FP, Kanatami R, Cresta FB, José NK. Doação de córneas: opinião e conhecimento de médicos intensivistas do Complexo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Rev Med.1997;76:315-9.
  • 6. Farge EJ, Silverman ML, Khan MM, Wilhelmus KR. The impact of sate legislation on eye banking. Arch Ophtalmol 1994;112:180-5.
  • 7. Diamond GA, Campion M, Mussoline JF, D'Amico RA. Obtaining consent for eye donation. Am J Ophthalmol 1987;103:198-203.
  • Endereço para correspondência
    Adriana Maria Rodrigues
    R. Síria, 290, 10º andar, São Paulo (SP)
    CEP 03086-040.
    E-mail:
  • 1
    Médica Oftalmologista, estagiária da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP
    2
    Professor Assistente e colaborador do Setor de Doenças Externas e Córnea do Departamento de Oftalmologia da Universidade Federal de São Paulo, UNIFESP, Coordenador do Banco de Olhos do Hospital São Paulo
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Mar 2003
    • Data do Fascículo
      Jan 2003

    Histórico

    • Aceito
      12 Jun 2002
    • Recebido
      13 Dez 2001
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