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Antagonistas do hormônio liberador da corticotrofina: atualização e perspectivas

Corticotropin-releasing hormone antagonists: update and perspectives

Resumos

Modelos genéticos e estudos epidemiológicos têm contribuído para a compreensão da fisiopatologia das doenças relacionadas ao estresse. O hormônio liberador da corticotrofina (CRH) pertence à família dos chamados peptídeos relacionados ao CRH, junto com a urocortina, urocortina II (ou peptídeo relacionado à estressecopina) e urocortina III (ou estressecopina). O CRH é o maior estimulador da secreção hipofisária de ACTH em humanos, e tem um papel importante na resposta fisiológica ao estresse. O CRH e seus receptores (tipos 1 e 2) estão difusamente distribuídos em todo o sistema nervoso central (SNC) e, em menor proporção, em tecidos periféricos. A distribuição dos receptores no SNC mostra ampla variabilidade entre as espécies. Os neurônios do CRH modulam a função autonômica e do sistema límbico. O CRH tem importantes efeitos, também, nos sistemas cardiovascular, metabólico e comportamental. As ações regionais deste peptídeo no SNC e na periferia são vários e apenas parcialmente conhecidos. Ações aberrantes do CRH estão implicadas em algumas condições psiquiátricas, incluindo depressão e ansiedade. Esta teoria tem sido corroborada por dados em ratos transgênicos que não expressam CRH e estudos pré-clínicos envolvendo a administração de antagonistas do CRH em macacos Rhesus. Embora ainda não disponível para uso clínico de rotina, dados preliminares de estudos conceituais envolvendo a administração oral de antagonistas do CRH em humanos são encorajadores. Entretanto, ainda permanece um desafio o desenvolvimento de antagonistas não peptídicos seletivos do receptor de CRH. Além disso, são extremamente necessários testes com estudos clínicos randomizados, que deverão trazer novas luzes sobre esta área.

Fator liberador da corticotrofina; Urocortina; Antagonistas; Receptores; Depressão; Ansiedade


Genetic models and epidemiological studies have contributed to our understanding of the pathophysiology of stress-related disorders. Corticotropin-releasing hormone (CRH) belongs to the family of the so-called CRH related peptides along with Urocortin, Urocortin II (or Stresscopin Related Peptide) and Urocortin III (or Stresscopin). CRH is the major stimulus for pituitary ACTH secretion in humans and plays a major role in the physiologic response to stress. CRH and its receptors (type 1 and 2) are widely distributed throughout the central nervous system and to a lesser extent in peripheral tissues. The receptor distribution in the CNS exhibits a wide inter-species variability. The CRH neurons modulate autonomic and limbic system function. CRH affects a wide array of cardiovascular, metabolic and behavioral effects. The regional actions of this peptide in the CNS and in the periphery are varied and only partially understood. Aberrant CRH action is implicated in psychiatric disorders including depression and anxiety. Data from transgenic mice lacking over expressing CRH and pre-clinical studies involving CRH antagonist administration to Rhesus monkeys have substantiated this theory. Although not yet available for routine clinical use, preliminary proofs of concept studies involving orally administered CRH antagonists to humans are encouraging. The development of selective non-peptide CRH receptor antagonists remains a challenge. Moreover, testing in randomized clinical trials is much needed and will shed new light into the field.

Corticotropin-releasing factor; Urocortin; Antagonist; Receptor; Depression; Anxiety


REVISÃO

Antagonistas do hormônio liberador da corticotrofina: atualização e perspectivas

Corticotropin-releasing hormone antagonists: update and perspectives.

Alejandro R. Ayala

Pediatric and Reproductive Endocrinology Branch, National, Institutes of Health (NIH), Bethesda, Maryland, USA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Alejandro Ayala Pediatric and Reproductive Endocrinology Branch National Institutes of Health Building 10, Room 9D42 10 Center Drive Bethesda, Maryland 20892 FAX: (301) 402-7572 e.mail: ayalaa@nih.gov

RESUMO

Modelos genéticos e estudos epidemiológicos têm contribuído para a compreensão da fisiopatologia das doenças relacionadas ao estresse. O hormônio liberador da corticotrofina (CRH) pertence à família dos chamados peptídeos relacionados ao CRH, junto com a urocortina, urocortina II (ou peptídeo relacionado à estressecopina) e urocortina III (ou estressecopina). O CRH é o maior estimulador da secreção hipofisária de ACTH em humanos, e tem um papel importante na resposta fisiológica ao estresse. O CRH e seus receptores (tipos 1 e 2) estão difusamente distribuídos em todo o sistema nervoso central (SNC) e, em menor proporção, em tecidos periféricos. A distribuição dos receptores no SNC mostra ampla variabilidade entre as espécies. Os neurônios do CRH modulam a função autonômica e do sistema límbico. O CRH tem importantes efeitos, também, nos sistemas cardiovascular, metabólico e comportamental. As ações regionais deste peptídeo no SNC e na periferia são vários e apenas parcialmente conhecidos. Ações aberrantes do CRH estão implicadas em algumas condições psiquiátricas, incluindo depressão e ansiedade. Esta teoria tem sido corroborada por dados em ratos transgênicos que não expressam CRH e estudos pré-clínicos envolvendo a administração de antagonistas do CRH em macacos Rhesus. Embora ainda não disponível para uso clínico de rotina, dados preliminares de estudos conceituais envolvendo a administração oral de antagonistas do CRH em humanos são encorajadores. Entretanto, ainda permanece um desafio o desenvolvimento de antagonistas não peptídicos seletivos do receptor de CRH. Além disso, são extremamente necessários testes com estudos clínicos randomizados, que deverão trazer novas luzes sobre esta área. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/6:619-625)

Descritores: Fator liberador da corticotrofina; Urocortina; Antagonistas; Receptores; Depressão; Ansiedade

ABSTRACT

Genetic models and epidemiological studies have contributed to our understanding of the pathophysiology of stress-related disorders. Corticotropin-releasing hormone (CRH) belongs to the family of the so-called CRH related peptides along with Urocortin, Urocortin II (or Stresscopin Related Peptide) and Urocortin III (or Stresscopin). CRH is the major stimulus for pituitary ACTH secretion in humans and plays a major role in the physiologic response to stress. CRH and its receptors (type 1 and 2) are widely distributed throughout the central nervous system and to a lesser extent in peripheral tissues. The receptor distribution in the CNS exhibits a wide inter-species variability. The CRH neurons modulate autonomic and limbic system function. CRH affects a wide array of cardiovascular, metabolic and behavioral effects. The regional actions of this peptide in the CNS and in the periphery are varied and only partially understood. Aberrant CRH action is implicated in psychiatric disorders including depression and anxiety. Data from transgenic mice lacking over expressing CRH and pre-clinical studies involving CRH antagonist administration to Rhesus monkeys have substantiated this theory. Although not yet available for routine clinical use, preliminary proofs of concept studies involving orally administered CRH antagonists to humans are encouraging. The development of selective non-peptide CRH receptor antagonists remains a challenge. Moreover, testing in randomized clinical trials is much needed and will shed new light into the field. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/6:619-625)

Keywords: Corticotropin-releasing factor; Urocortin; Antagonist; Receptor; Depression; Anxiety

O ISOLAMENTO E A CARACTERIZAÇÃO bioquímica do hormônio liberador da corticotrofina (CRH) (1), o principal regulador da secreção do ACTH (adrenocorticotrofina), facilitou estudos minuciosos que, nas últimas duas décadas, corroboram a importância deste hormônio na resposta hormonal ao estresse. Entendemos hoje que a função do CRH não está restrita ao eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA). O CRH é um importante neurotransmissor e mediador da resposta neuroendócrina, cardiovascular, autonômica e imunológica, desempenhando assim um papel fundamental na resposta adaptativa e comportamental que ocorre durante períodos de estresse.

Pesquisas em animais e humanos demonstram que o CRH é crítico na fisiopatogenia da depressão e distúrbios da ansiedade (2, 3). O uso de antagonistas seletivos do receptor do CRH permite uma nova abordagem diagnóstica e terapêutica destes distúrbios. O desenvolvimento de compostos altamente seletivos aptos para uso oral (compostos não peptídicos) e com um perfil farmacológico mais vantajoso tem revolucionado o campo de pesquisa nesta área.

Embora exista um número importante de produtos patenteados pela indústria farmacêutica e por grupos de pesquisadores independentes, as publicações se limitam quase por completo aos estudos em animais. Baseado na literatura disponível, os objetivos da presente revisão são os de:

- Revisar a fisiologia do CRH;

- Analisar os estudos pré-clínicos (animais) e em humanos que destacam a importância do CRH como mediador da resposta neuro-hormonal e comportamental do estresse;

- Revisar os estudos pré-clínicos e clínicos realizados com antagonistas do CRH; e

- Atualizar o leitor sobre o estágio do desenvolvimento de novos antagonistas do CRH

As diversas áreas de pesquisa relacionadas à família dos peptídeos do CRH são abrangentes, envolvendo o campo das doenças inflamatórias, cardiovasculares, cutâneas, distúrbios da reprodução e o abuso de drogas. Devido às restrições de espaço, referimos o leitor às excelentes revisões que abordam em detalhe estes assuntos (4-10).

FISIOLOGIA DO CRH

O CRH humano é sintetizado na forma de um precursor de 91 aminoácidos denominado pré-pró-CRH, que posteriormente é processado a um peptídeo de 41 aminoácidos. A atividade biológica do CRH está contida na região amino-terminal. A estrutura do CRH é preservada entre as diferentes espécies, sendo o CRH humano idêntico ao do rato, e diferente do CRH ovino em apenas 7 aminoácidos. Em humanos, o CRH é o principal estímulo da secreção de ACTH na adenohipófise. Está presente na divisão parvocelular do núcleo paraventricular hipotalâmico, onde também se encontram outros estimuladores do ACTH, como: opióides, vasopressina e colecistoquinina. A transcrição do gen do CRH aumenta de forma significativa durante períodos de estresse.

O CRH circula no plasma em quantidades mínimas, exceto no último trimestre da gravidez, quando se observam aumentos consideráveis dos seus níveis séricos. Cerca de 90% do CRH circulante está ligado a uma proteína de alta afinidade, denominada proteína carreadora do CRH (CRH binding protein ou CRH-BP). A CRH-BP encontra-se também presente na placenta, SNC e fígado. Parece ser um dos principais reguladores da atividade biológica do CRH. O CRH exerce sua ação ao se ligar ao seu receptor de membrana celular acoplado à proteína G, aumentando assim os níveis intracelulares de AMP cíclico e o influxo de cálcio. Este processo ativa a fosforilação da proteína kinase A intracelular de complexos protéicos cujo resultado final é o aumento de transcrição do gen da pró-opiomelanocortina (POMC), o precursor imediato do ACTH e da beta endorfina.

A Família do CRH: Peptídeos Relacionados

O CRH pertence a uma família de peptídeos que exibem semelhanças estruturais e biológicas. Os peptídeos pertencentes a esta família têm como denominador comum a afinidade pelos receptores do CRH. A descoberta gradual destes peptídeos tem resultado no uso de uma nomenclatura que resulta confusa ao leitor e à comunidade científica. Um grupo de pesquisadores encontra-se engajado na difícil tarefa de uniformizar os nomes outorgados aos membros da família do CRH com o intuito de facilitar a pesquisa na área. O grupo dos chamados "Peptídeos Relacionados ao CRH" está formado pela Sauvagina (SVG, anfíbios), Urotensina-I (URO, peixe) e a Urocortina (UCN), Urocortina II (também conhecida como Stresscopin Related Peptide ou SRP) e Urocortina III (conhecida como Stresscopin ou SCP). A SVG e a URO pertencem exclusivamente aos anfíbios e peixes. As UCN I, II e III foram isoladas nos mamíferos. O mRNA do SRP /UCN II é detectado, em grandes quantidades, nos núcleos supraópticos, paraventriculares e arqueado do hipotálamo, assim como no locus ceruleus e nos núcleos motores da medula espinhal e do bulbo. Na periferia, SRP/UCN II é encontrado no coração, glândula adrenal e leucócitos. Em contrapartida, o mRNA do SCP/ UCN III é detectado no hipotálamo, na parte posterior do núcleo da stria terminalis, no septo lateral e o núcleo amigdalóide medial, na periferia, no trato gastrointestinal, glândula adrenal, músculo e pele.

Receptores do CRH

Os receptores do CRH (rCRH) estão distribuídos no SNC, incluindo a medula espinhal. Pertencem à família dos receptores dos neuropeptídeos, que incluem a calcitonina, peptídeo intestinal vasoativo, hormônio paratireoidiano, hormônio liberador do hormônio de crescimento, glucagon e secretina. Os rCRH predominam em regiões cerebrais responsáveis pelas funções cognitivas, assim como naquelas que regulam a função autonômica e no sistema límbico (amídala, accumbens e hipocampo).

Duas variantes dos rCRH têm sido descritas nos animais vertebrados, nos peixes e nos anfíbios: O rCRH-1 e o rCRH-2 (11, 12). Ambos pertencem ao grupo dos receptores de membrana, acoplados à proteína G. O rCRH-1 e o rCRH-2 apresentam 70% de homologia estrutural. A distribuição anatômica destes receptores é heterogênea, e varia consideravelmente entre as espécies (11, 13). O rCRH-1 predomina no SNC, enquanto que os rCRH-2, na periferia.

O rCRH-1 predomina na adenohipófise, cerebelo, córtex cerebral, amígdala, hipocampo e bulbo olfatório. Fora do SNC (rCRH periféricos) o rCRH-1 é expresso em menor escala nos testículos, ovários e glândulas adrenais.

O CRH-2 existe em três subtipos ou splice variants (A, B, C ou alfa, beta e gama). Embora existam diferenças estruturais e anatômicas entre estas variantes do rCRH-2, elas exibem características farmacológicas semelhantes. No SNC, predomina a variante A, que se encontra principalmente no núcleo paraventricular hipotalâmico, septo lateral, amígdala, hipocampo e retina, assim como em estruturas não neuronais, como o plexo coróide e arteríolas. É importante mencionar que a adenohipófise e o córtex cerebral do rato contêm predominantemente rCRH-1, enquanto que nos primatas estas mesmas estruturas exibem quantidades importantes de rCRH-1 e rCRH-2. O rCRH-2 é amplamente expresso nos tecidos periféricos, principalmente nos miocitos cardíacos, trato gastrintestinal, pulmão, ovário e músculo esquelético. A variante A do rCRH-2 predomina nos tecidos periféricos do ser humano, enquanto que a variante B predomina nos órgãos periféricos dos ratos. A relevância fisiológica das variações anatômicas e na distribuição dos rCRH entre as diferentes espécies é motivo de intensa pesquisa.

É importante mencionar que um terceiro receptor de CRH (rCRH-3) foi recentemente isolado no peixe, mas não no ser humano.

Os receptores do CRH têm distintas afinidades com membros da família do CRH. A URO, SVG e UCN I têm maior afinidade pelo rCRH-2 do que pelo rCRH-1, quando comparados ao CRH humano, do rato ou o ovino. Em compensação, a SRP/UCN II e a SCP/UCN III ligam-se exclusivamente ao rCRH-2.

Em resumo: Em animais vertebrados, a família dos peptídeos do CRH é composta pelo próprio CRH, a UCN, UCN II/SRP e UCN III/SCP. O CRH e a URO exibem afinidade por ambos os receptores, enquanto que o UCN II/SRP e UCN III/SCP são ligantes exclusivos do rCRH-2. (figura 1).


O CRH NA FISIOPATOGENIA DO ESTRESSE E DA DEPRESSÃO

Modelos Animais

Modelos epigenéticos de ratos e primatas expostos ao estresse corroboram o papel fundamental do CRH na fisiopatogenia dos distúrbios relacionados ao estresse crônico, tais como a depressão e a ansiedade (14,15). Estes animais apresentam alterações comportamentais e neuroendócrinas características do eixo HHA. Estudos pré-clínicos em macacos relacionam o estresse experimentado nos primeiros meses de vida com hiperatividade do eixo HHA, que perdura até a idade adulta (16). Macacos Rhesus criados na ausência das mães respondem ao estresse do isolamento social com uma ativação mais vigorosa do eixo HHA e elevações do CRH no líquor cefaloraquidiano quando comparados àqueles criados em condições normais (controles). De forma semelhante, a privação materna no rato aumenta os níveis de ACTH na adenohipófise e de CRH no hipotálamo. A administração intraventricular de CRH induz mudanças comportamentais que se comparam à ansiedade no ser humano, e provoca aumento das concentrações plasmáticas de adrenalina, noradrenalina, assim como elevação da pressão arterial e freqüência cardíaca, resultando no padrão que caracteriza o estresse (17). Este efeito não é observado após administração sistêmica (parenteral) de CRH, e não é mitigado pela hipofisectomia ou por supressão do eixo HHA com glicocorticóides (18). Estes achados sugerem que o circuito neuronal do SNC que encontra-se fora do eixo HHA desempenha uma função importante na mediação dos efeitos comportamentais mediados pelo CRH (19).

O rCRH-1 parece ser o mais importante mediador da resposta ao estresse, embora o rCRH-2 tenha sido estudado de forma menos sistemática devido à falta de bloqueadores específicos. Os modelos de ratos transgênicos produtores de quantidades anormalmente elevadas de CRH têm sido de utilidade no estudo sistemático dos efeitos da exposição crônica a grandes quantidades deste peptídeo. Estes animais mostram-se ansiosos durante períodos de estresse e desenvolvem síndrome de Cushing (20,21) enquanto que os ratos que carecem do rCRH-1 (knockouts) mostram-se menos ansiosos (22). Em contrapartida, baseado em achados no modelo knockout do rCRH-2 no camundongo, especula-se que a ativação deste receptor resulte em efeitos ansiolíticos, embora tais observações tenham sido refutadas por alguns pesquisadores.

O Eixo HHA na Depressão Humana

Evidências em animais e em achados epidemiológicos clínicos em humanos, podemos inferir que experiências traumáticas acontecidas em etapas inicias da vida em indivíduos com predisposição genética resultam em mudanças persistentes no SNC que se traduzem numa maior vulnerabilidade ao estresse e à depressão na idade adulta. Não é incomum que pacientes com depressão relatem um evento estressante a partir do qual se instala a síndrome depressiva. Especula-se que o eixo HHA e o CRH sejam, pelos menos em parte, responsáveis pela perpetuação da vulnerabilidade ao estresse (23). Um estudo prospectivo importante envolvendo mulheres abusadas durante a infância demonstrou um aumento seis vezes maior de ACTH em resposta ao estresse quando comparadas com controles (não abusadas) (24). Existe uma associação evidente entre a depressão melancólica e os distúrbios do eixo HHA. A hiperatividade do eixo HHA é freqüentemente constatada em pacientes deprimidos. Os exames laboratoriais empregados na análise do eixo HHA se revelam anormais com freqüência em pacientes deprimidos. A hipercortisolemia é um achado comum e o teste de supressão com dexametasona revela uma resistência aos glicocorticóides em alguns casos. A reposta do ACTH à infusão parenteral de CRH está diminuída. Estudos controlados mostram que pacientes com depressão melancólica revelam níveis elevados de CRH no líquor (25). Pesquisas feitas no córtex cerebral de vítimas de suicídio também sugerem hipersecreção de CRH embora estes achados não sejam universais (26). Em contrapartida, a depressão e a ansiedade são sintomas comuns nas síndromes de excesso de glicocorticóides (síndrome de Cushing). É também importante apontar que a síndrome do estresse compartilha vários componentes comportamentais com a depressão. Assim, observa-se em ambos casos uma diminuição do apetite, hipervigília e distúrbios do sono. Estas semelhanças sustentam, em parte, a teoria de que a depressão é um estado de mal-adaptação que nasce como reação ao estresse crônico.

ANTAGONISTAS DO CRH: ESTUDOS PRELIMINARES

Devido à importância do CRH como mediador da resposta neuro-hormonal do estresse, existe um grande interesse em estudar os efeitos dos antagonistas deste peptídeo (9,27,28). Os fármacos que bloqueiam a ação do CRH podem ser divididos naqueles que atuam no receptor e naqueles que atuam na proteína carregadora do CRH. A busca de um fármaco com a capacidade de modular a atividade biológica da CRH-BP é intensa, mas até hoje infrutífera. Em compensação, dispõem-se de fármacos que inibem eficazmente a ligação do CRH a ambos os receptores. Os mais estudados são os inibidores dos rCRH-1. Os compostos de primeira geração não são aptos para a administração oral, sendo o CRH alfa helicoidal um dos primeiros a serem descritos (29). Este composto peptídico bloqueia o comportamento ansiogênico em ratos [30] e macacos tratados com CRH e naqueles submetidos a diversos paradigmas de estresse. Modificações estruturais desta molécula levaram à descoberta da astressina (Astressin) (31), um composto de maior potência e com maior efeito antagonista.

Nas últimas décadas, vários grupos de pesquisadores sintetizaram compostos não peptídicos aptos para a administração oral. O composto CP-154,526 é um antagonista pertencente ao grupo das pirimidinas (32) com alta seletividade para o rCRH- que induz efeitos ansiolíticos em ratos expostos a diversas formas de estresse, incluindo o choque elétrico (33-35). A antalarmina é um composto semelhante ao CP-154,526 que diminui a secreção de ACTH e cortisol em ratos (34) e em primatas (36). Quando administrado oralmente, a antalarmina diminui índices comportamentais de ansiedade em macacos Rhesus sem causar insuficiência adrenal secundária (Ayala et al, dados não publicados) (37,38). A preservação da resposta do eixo HHA na presença de um bloqueador potente do rCRH-1 provavelmente ocorre devido à redundância biológica do sistema simpato-adrenal, crítico para a sobrevivência dos organismos vertebrados (39). Especula-se que receptores ainda não descobertos e diversos neurotransmissores (vasopressina, peptídeos da família do CRH) seriam responsáveis pela preservação da integridade do CRH na presença do antagonista do receptor de CRH. Estas observações foram confirmadas no único estudo clínico publicado na literatura realizado por Zoebel et al (40). Este estudo foi realizado utilizando doses incrementais do antagonista R121919 (de uso oral) em pacientes deprimidos, divididos em dois grupos de acordo com a dose administrada. Oitenta por cento dos pacientes tratados apresentou melhora dos sintomas depressivos, e nenhum deles apresentou sinais laboratoriais ou clínicos de insuficiência adrenal. Porém, observou-se, em alguns, uma elevação moderada de enzimas hepáticas. Apesar de ser um estudo piloto não controlado que envolveu um número pequeno de pacientes, o trabalho com o antagonista R121919 demonstra, pela primeira vez, que o tratamento com um antagonista de rCRH-1 em humanos pode melhorar sintomas depressivos. Estudos toxicológicos e farmacocinéticos envolvendo uma geração mais avançada de antagonistas de uso oral estão sendo realizados e mostram-se promissoras (http://www.neurocrine.com/html/clin_anxietyDepression.html).

A síntese de bloqueadores do rCRH-2 tem se mostrado mais complexa. O estudo mais aprofundado da função do rCRh-2 tem sido limitado pela carência de antagonistas específicos. A anti-sauvagina-30 é um antagonista com alta seletividade para o rCRH-2 que, em alguns estudos, mostrou ser ansiolítico e, em outros, ansiogênico (41). Os resultados dos estudos feitos com este composto e em camundongos que carecem do rCRH-2 têm sido controversos, evidenciando a necessidade de pesquisar mais a fundo o papel fisiológico dos receptores do CRH.

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS:

Estudos epidemiológicos e modelos genéticos têm permitido um melhor entendimento da contribuição dos CRH e seus receptores na progressão de doenças psiquiátricas. Porém, nosso entendimento das funções destes receptores in vivo é ainda precário. Os estudos clínicos com antagonistas dos receptores do rCRH-1 e a síntese de antagonistas do rCRH-2 serão de suma importância para estabelecer a utilidade clínica e eficaz deste novo grupo de fármacos psicotrópicos. Assim, é possível que num futuro próximo os antagonistas do CRH formem parte do arsenal de medicamentos disponíveis para o tratamento de doenças psiquiátricas que resultam em sofrimento prolongado e elevado custo social.

Recebido em 30/10/02

Aceito em 08/11/02

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  • Endereço para correspondência
    Alejandro Ayala
    Pediatric and Reproductive Endocrinology Branch
    National Institutes of Health
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    Bethesda, Maryland 20892
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      08 Nov 2002
    • Recebido
      30 Out 2002
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