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Perfil do obeso classe III do ambulatório de obesidade de um hospital universitário de Salvador, Bahia

Profile of class III obese patients from a university hospital of Salvador, Bahia

Resumos

Foram avaliados retrospectivamente 316 obesos classe III (91% mulheres), consecutivamente atendidos num ambulatório de obesidade de um hospital universitário em Salvador, Bahia, durante oito anos. A idade média±DP dos pacientes foi de 37±10 anos e o índice de massa corpórea (IMC) de 47±6kg/m2. Metade deles apresentava obesidade desde a infância ou puberdade e 82% tinha história familiar de obesidade. Hipertensão arterial foi constatada em 66%, diabetes mellitus em 13,9%, intolerância à glicose em 16,8%, aumento dos níveis de colesterol total e triglicérides ( > ou = 200mg/dl) em 33,5% e 8%, respectivamente, HDL-colesterol baixo (<40mg/dl) em 39,9% e LDL-colesterol elevado ( > ou = 100mg/dl) em 66,7%. Após tratamento com dieta hipocalórica e aumento da atividade física, observou-se perda de peso maior ou igual a 5 e10% em relação ao peso inicial, em 60 (26,6%) e 28 (12,4%) dos 225 pacientes que retornaram a consulta, num período médio de 20±17 meses. Concluindo, a obesidade classe III é uma doença de difícil tratamento e de elevada freqüência de fatores de risco cardiovascular mesmo em pacientes jovens.

Obesidade classe III; Obesidade mórbida; Complicações metabólicas; Hipertensão arterial; Risco cardiovascular; Perda de peso


We have studied 316 class III obese patients (91% women), consecutively admitted in an obesity clinic from a University Hospital during 8 years. The mean±SD age was 37±10 years and body mass index (BMI) 47±6kg/m2. Half of them had a history of obesity since childhood or puberty. Arterial hypertension was detected in 66%, type 2 diabetes in 13.9%, impaired glucose tolerance in 16.8%; high cholesterol and triglyceride levels ( > or = 200mg/dl) in 33.5% and 8% respectively, low HDL-cholesterol (<40mg/dl) in 33.9% and high LDL-cholesterol ( > or = 100mg/dl) in 66.7%. Following a hypocaloric diet and increased physical activity, 5 and 10% decrease from initial body weight value was observed in 60 (26.6%) and 28 (12.4%) of 225 patients who returned for evaluation, respectively, in an average period of 20±17 months. In conclusion: morbid obesity is a difficult to treat disease highly associated with several cardiovascular risk factors even in the young patient.

Morbid obesity; Class III obesity; Metabolic complications; Arterial hypertension; Cardiovascular risk factors; Weight loss


ARTIGO ORIGINAL

Perfil do obeso classe III do ambulatório de obesidade de um hospital universitário de Salvador, Bahia

Profile of class III obese patients from a university hospital of Salvador, Bahia.

Marcus C. Vaz Porto; Itana Coutinho Brito; Andréa Dalva F. Calfa; Martha Amoras; Nilze Barreto Villela; Leila Maria B. Araújo

Hospital Professor Edgard Santos, Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Leila M.B. Araújo Av. Sete de Setembro 2417, ap. 601 40080-003 Salvador, BA Fax: (071) 247-8492 e.mail: lmba@ufba.br

RESUMO

Foram avaliados retrospectivamente 316 obesos classe III (91% mulheres), consecutivamente atendidos num ambulatório de obesidade de um hospital universitário em Salvador, Bahia, durante oito anos. A idade média±DP dos pacientes foi de 37±10 anos e o índice de massa corpórea (IMC) de 47±6kg/m2. Metade deles apresentava obesidade desde a infância ou puberdade e 82% tinha história familiar de obesidade. Hipertensão arterial foi constatada em 66%, diabetes mellitus em 13,9%, intolerância à glicose em 16,8%, aumento dos níveis de colesterol total e triglicérides (³ 200mg/dl) em 33,5% e 8%, respectivamente, HDL-colesterol baixo (<40mg/dl) em 39,9% e LDL-colesterol elevado (³ 100mg/dl) em 66,7%. Após tratamento com dieta hipocalórica e aumento da atividade física, observou-se perda de peso maior ou igual a 5 e10% em relação ao peso inicial, em 60 (26,6%) e 28 (12,4%) dos 225 pacientes que retornaram a consulta, num período médio de 20±17 meses. Concluindo, a obesidade classe III é uma doença de difícil tratamento e de elevada freqüência de fatores de risco cardiovascular mesmo em pacientes jovens. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/6:668-673)

Descritores: Obesidade classe III; Obesidade mórbida; Complicações metabólicas; Hipertensão arterial; Risco cardiovascular; Perda de peso

ABSTRACT

We have studied 316 class III obese patients (91% women), consecutively admitted in an obesity clinic from a University Hospital during 8 years. The mean±SD age was 37±10 years and body mass index (BMI) 47±6kg/m2. Half of them had a history of obesity since childhood or puberty. Arterial hypertension was detected in 66%, type 2 diabetes in 13.9%, impaired glucose tolerance in 16.8%; high cholesterol and triglyceride levels (³ 200mg/dl) in 33.5% and 8% respectively, low HDL-cholesterol (<40mg/dl) in 33.9% and high LDL-cholesterol (³ 100mg/dl) in 66.7%. Following a hypocaloric diet and increased physical activity, 5 and 10% decrease from initial body weight value was observed in 60 (26.6%) and 28 (12.4%) of 225 patients who returned for evaluation, respectively, in an average period of 20±17 months. In conclusion: morbid obesity is a difficult to treat disease highly associated with several cardiovascular risk factors even in the young patient. (Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46/6:668-673)

Keywords: Morbid obesity; Class III obesity; Metabolic complications; Arterial hypertension; Cardiovascular risk factors; Weight loss

A OBESIDADE É DEFINIDA como um excesso de tecido gorduroso no organismo. Para estudos epidemiológicos tem sido aceito o conceito de obesidade pelo índice de massa corporal (IMC) ou "índice de Quetelet", que relaciona o peso com a altura ao quadrado, igual ou maior do que 30kg/m2 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), independente do sexo e idade (1-3). A obesidade mórbida ou classe III é definida por IMC ³ 40kg/m2, onde existe um risco maior de morbi-mortalidade por doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 (DM2), síndrome da apnéia do sono, alguns tipos de cânceres e muitas outras condições patológicas (3,4).

A freqüência de obesidade varia conforme sexo, faixa etária, raça e condições sócio-econômicas (1-3,5-7). Dados epidemiológicos apontam um crescimento na prevalência de obesidade nos países da Europa, EUA e na maioria dos outros países. O estudo WHO Monica (6), realizado entre 1983 a 1986, mostra prevalência européia de obesidade estimada em 15-25% nas mulheres e 10-20% nos homens. No Brasil, estima-se que 26,5% das mulheres e 22% dos homens tenham excesso de peso, 11,2% das mulheres e 4,7% dos homens têm obesidade leve e moderada e que 0,5% das mulheres e 0,1% dos homens apresentam obesidade classe III (7).

Estima-se que os EUA tenham gasto em 1990, 45,8 bilhões de dólares no tratamento da obesidade e suas complicações, o que corresponde a 6% do total gasto em saúde nos EUA no ano de 1990 (8). No Reino Unido, cerca de 195 milhões de libras são gastas no tratamento da obesidade (9). Na França, o custo estimado no tratamento da obesidade em 1990 foi de 12 bilhões de francos franceses (10). Assim, a obesidade é um importante problema de saúde pública, principalmente se considerarmos as possíveis complicações médicas e os custos relacionados ao tratamento.

O objetivo deste trabalho foi de avaliar as características clínicas e metabólicas dos obesos mórbidos atendidos em um ambulatório multidisciplinar de obesidade.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Este estudo retrospectivo foi realizado no ambulatório de Obesidade do Hospital Universitário Prof. Edgard Santos (HUPES), da Universidade Federal da Bahia. Foram avaliados 316 pacientes (289 mulheres e 27 homens), consecutivamente atendidos no período de setembro de 1993 a setembro de 2000, que apresentavam obesidade classe III na consulta inicial, ou seja, possuíam IMC maior ou igual a 40kg/m2.

Para todos os pacientes atendidos, foi preenchida uma ficha protocolar na qual constam informações acerca da idéia do paciente quanto à causa precipitante da obesidade, época de início e duração, história familiar de obesidade, grau de apetite, número de filhos, presença de fome noturna, hábitos de vida, atividade física, tratamentos anteriores, dentre outras. Os pacientes foram instruídos a manterem dieta com pelo menos 300g de carboidratos e suas medicações, com exceção de diuréticos, até o dia da realização da avaliação bioquímica, quando foram submetidos ao teste de tolerância oral à glicose (75g), exceto os que já sabiam ser diabéticos, e às dosagens bioquímicas, incluindo glicemia, perfil lipídico e ácido úrico.

Os critérios de DM e intolerância à glicose utilizados foram os da OMS (11).

O critério adotado para definir dislipidemia foi o do III National Cholesterol Education Program (12), considerando os níveis acima do desejado de colesterol total ³ 200mg/dl. O limite de nível acima do desejado de LDL-colesterol foi de ³ 100mg/dl, de HDL-colesterol baixo quando menor de 40mg/dl e de triglicérides acima do desejado ³ 200mg/dl.

A glicose plasmática foi medida pelo método da glicose-oxidase, e os demais testes bioquímicos por métodos enzimáticos, com leitura em auto-analisador Dimension AR, Dade Behring, Illinois, Estados Unidos da América.

A presença de hipertensão arterial foi definida por nível pressórico igual ou maior do que 140mmHg na pressão sistólica (PS), ou 90mmHg na diastólica (PD), ou indivíduos com a pressão arterial normal em uso de hipotensores. O manguito de tensiômetro utilizado foi o largo da Welch Allyn (Tycos), com 16cm de largura e 50,8cm de diâmetro.

Os pacientes foram acompanhados por uma equipe multidisciplinar constituída por médicos, enfermeiras, nutricionistas e psicólogos. Após avaliação clínica e bioquímica, os pacientes foram orientados a seguir uma dieta hipocalórica de 1.000 calorias, com 50% de hidratos de carbono e 30% de gorduras e aumentar a atividade física. As revisões eram realizadas a cada 2–3 meses e quando não havia perda de peso >5%, orientava-se o uso de droga anti-obesidade (catecolaminérgica ou serotoninérgica).

Para análise estatística, utilizou-se o programa Epi-info, versão 6.0. Foram calculadas as médias, os desvios padrões (DP) e os percentuais dos dados clínicos e laboratoriais.

RESULTADOS

Idade, Sexo, IMC e Cor da Pele

A idade média±DP do grupo foi de 37±10 anos, variando de 13 a 69 anos. Com relação à faixa etária, 24% tinham até 30 anos, 35% de 30 a 39 anos, 30% de 40 a 50 anos, 8,6% de 50 a 60 anos e 2,2% igual ou maior do que 60 anos. A amostra foi predominantemente feminina (91,5%).

O IMC médio±DP foi de 47±6kg/m2 (variando de 40 a 72kg/m2). A freqüência de IMC de 40 a 49kg/m2 foi de 76%. O peso médio±DP dos pacientes foi 118±21kg (84,6 a 230kg).

Com relação à cor da pele, 33,8% eram brancos, 38,9% pardos e 27,2% pretos.

O tempo médio±DP de acompanhamento dos pacientes foi de 20±17 meses, e variou de 1 mês a 8 anos: 43,5% só completaram 1 ano de acompanhamento, 26,7% foram observados por 2 anos e 29,9% por 3 anos ou mais.

Idéia do Paciente Quanto à Causa da Obesidade

Em relação à idéia do paciente a respeito da causa que o levou a engordar, 269/316 (81,6%) dos pacientes referiram: ansiedade (21,1%), excesso alimentar (12,9%), uso de anticoncepcional (10%) e outras medicações (4%), hereditariedade (9,6%), gestações (11,5%); casamento (8,5%); cirurgia (6%) e motivos diversos (16,4%). Os demais 47/316 (14,8%) pacientes não souberam atribuir o motivo da obesidade.

Início da Obesidade

Dos 316 pacientes com obesidade classe III, 36% tornaram-se obesos na infância, 14% durante a puberdade, 33% nas sucessivas gestações e 17% durante outros períodos da vida.

História Familiar de Obesidade

Observou-se que 256/316 (81%) dos pacientes tinham história familiar de obesidade: 223/316 (70,5% do total dos obesos) ou 87,1% dos que tinham história familiar de obesidade apresentavam parentes em primeiro grau obesos: o irmão e/ou a mãe foram mais freqüentemente referidos: 144/256 (56%) e 141/256 (55%), respectivamente. Apenas 58/256 (22,6%) referiram pai obeso.

Profissão e Atividade Física

Foi observado que a maioria dos pacientes tinha atividades leve a moderada (87,7% dos pacientes): serviços domésticos 42%, atividades comerciais 9%, estudantes 8,2%, cozinheiras 4,4%, atividades administrativas 4,4 %, professores 3,8%, auxiliar de enfermagem 3,2% e outras diversas 21,5%. Onze (3,5%) pacientes não puderam ser classificados quanto à atividade física por omissão da informação no prontuário. Apenas 6 (1,9%) pacientes tinham atividades intensas.

Paridade

Das 289 mulheres estudadas, 64 (22,1%) não tinham filhos e as demais 225 (77,9%) tinham número médio de filhos de 3,6±2,4.

Apetite

Em relação ao grau de apetite, 58% dos pacientes relatou ter apetite aumentado, 40% normal e 2% diminuído. Apenas 33% dos obesos referiu fome noturna.

Co-morbidades: Hipertensão Arterial e Alterações Metabólicas

A freqüência de hipertensão arterial sistólica foi de 52,5% e hipertensão arterial diastólica foi de 58,9%. Vinte e três pacientes (7,3%) tinham níveis pressóricos controlados por medicações. Isto nos permite dizer que 66% dos obesos mórbidos eram hipertensos.

A freqüência de DM foi 13,9%, dos quais 9/41 (78%) desconheciam ser diabéticos, e de intolerância à glicose foi de 16,8%. A figura 1 mostra a distribuição da freqüência de DM e de intolerância à glicose em relação à faixa etária.


O nível médio de colesterol total (n= 294) foi de 190±46mg/dl (89 a 437) e de HDL-colesterol (n= 290) foi 46±12mg/dl (24 a 97). Desses, 33,5% apresentavam o colesterol total com valor igual ou acima de 200mg/dl e 39,9% abaixo de 40mg/dl para HDL-colesterol. LDL-colesterol ³ 100mg/dl foi observado em 66,7%.

O nível de triglicérides foi dosado em 291 pacientes. A média dos valores foi de 127±64mg/dl (30 a 572). Destes, 8,8% tinha nível acima de 200mg/dl.

O ácido úrico foi avaliado em 274 pacientes. A média dos valores foi de 5,0±1,5mg/dl, com variação de 1,6 a 11mg/dl. Destes, 21,5% tinha ácido úrico maior do que 6mg/dl.

Resposta ao Tratamento

Dos 316 obesos iniciais, apenas 225 (71,2%) retornaram para acompanhamento, com os exames solicitados, ou seja, 28,8% abandonaram o tratamento após o primeiro contato. Os pacientes foram orientados a diminuir a ingestão alimentar, evitar gordura e açúcar e aumentar a atividade física. Observou-se que 42% dos pacientes fizeram uso de medicação anorexígena ou sacietógena em curtos períodos, pois nem sempre foi possível mantê-las. Os pacientes eram reavaliados a cada dois ou três meses pela equipe.

Dos que retornaram, num período médio de observação de 20±17 meses, a maioria 151/225 (67,1%) perdeu ou ganhou menos do que 5% do peso inicial; 14/225 (6,2%) dos pacientes ganhou peso e 60/225 (26,6%) perdeu ³ 5% do peso inicial (5 a 53kg). A perda de peso média foi de -15,5±15,8kg ou -12,7±8,0% do peso inicial. Apenas 28 (12,4%) dos 225 pacientes que retornaram tiveram perda de peso ³ 10% do peso inicial. A figura 2 mostra a estratificação percentual da variação de peso.


DISCUSSÃO

Sabe-se que a obesidade nos indivíduos de qualquer população é resultado de um longo período de balanço energético positivo. Entretanto, pouco se conhece sobre os fatores que levam à obesidade. Estudos têm apontado a interação de fatores genéticos e ambientais, entre eles fatores socioculturais, nutricionais, tabagismo, etilismo e atividade física (5).

Vários estudos têm abordado os aspectos epidemiológicos da obesidade em geral, entretanto existe escassa literatura, especificamente sobre a obesidade classe III. A maioria dos trabalhos é de relatos de cirurgia bariátrica.

O excessivo número de pacientes do sexo feminino no presente estudo pode estar relacionado à maior procura por mulheres com atividades domésticas, as quais têm maior disponibilidade de tempo para o tratamento.

Quando interrogamos os pacientes sobre o motivo da obesidade, observou-se que a ansiedade, as gestações, a hereditariedade e o uso de anticoncepcional foram lembrados pelos pacientes como fatores responsáveis pela obesidade.

Quanto ao início da obesidade, este estudo mostra a importância da obesidade adquirida na infância e puberdade, que ocorreu em metade dos obesos classe III. Observou-se também que 70,5% tinha um familiar de primeiro grau obeso. É de interesse a identificação de obesidade em indivíduos jovens, especialmente naqueles com história familiar de obesidade, para que sejam tomadas medidas preventivas e terapêuticas precoces.

Com relação ao apetite, 58% dos pacientes referiam que comiam em excesso. Quanto à atividade houve grande predominância de atividades domésticas, já que a população estudada era predominantemente feminina.

Com relação às complicações metabólicas, Malerbi e cols. (13), num estudo multicêntrico no Brasil, mostraram que a prevalência de DM estimada foi de 7,4% e a de intolerantes à glicose foi de 7,7%, sendo esta freqüência cerca de duas vezes maior em obesos. Os nossos resultados mostraram freqüência de DM de 13,9% e que aumentava com o grau de obesidade e com a faixa etária mais velha. A freqüência de intolerantes à glicose foi de 16,8% e foi maior nos indivíduos mais jovens.

Num estudo de prevalência de dislipidemia em amostras de soro em laboratórios de demanda de Salvador, Lessa e cols. (14) descreveram prevalência de níveis de colesterol ³ 240mg/dl em 28%, HDL-colesterol <35mg/dl em 107% e triglicérides ³ 200mg/dl em 29,5%. Entretanto, a freqüência de obesidade neste estudo era desconhecida.

Os resultados do presente estudo mostraram elevada prevalência de níveis de colesterol acima do desejado nos obesos classe III (33,5% dos pacientes), que não aumentava nem quando estratificada pelo grau de obesidade, nem com a idade. Surpreendente foi a freqüência não muito elevada de hipertrigliceridemia acima do desejado, pois grande parte destes pacientes tem outras características da síndrome metabólica. Martins e cols. (15) estudaram 237 mulheres portuguesas obesas com idade média de 31±14 anos e IMC médio de 34,2±6,0kg/m2, e observaram freqüências de hipercolesterolemia (³ 200mg/dl) de 36% e de hipertrigliceridemia (³ 200mg/dl) de 10%, similares aos nossos resultados. Entretanto, Cercato e cols. (16), em São Paulo, estudaram 412 mulheres obesas com idade média de 42,9±13,4 anos e IMC médio de 38,9±7,2kg/m2, observando freqüências maiores de hipercolesterolemia (colesterol ³ 240mg/dl em 53%) e de hipertrigliceridemia (triglicérides ³ 200mg/dl em 18,6%). É possível que a diferença de freqüência entre estes estudos deva-se a fatores genéticos, raciais ou mesmo nutricionais dos grupos estudados.

O resultado obtido em relação à perda de peso com o tratamento clínico mostrou que apenas 12,4% dos pacientes perderam 10% ou mais do peso inicial em longo prazo. É possível que se os pacientes fossem submetidos a um tratamento medicamentoso com maior freqüência e duração obtivessemos melhores resultados.

Este resultado é difícil de comparar a outros relatos de tratamento de obesidade, pois a maioria dos estudos randomizados, em que se avaliou o efeito da dieta hipocalórica e aumento da atividade física, foi de até 12 meses (17). Em outros estudos, foram utilizadas medicações antiobesidade de modo contínuo ou intermitente. Outras diferenças metodológicas, quanto ao tipo de dieta e atividade física, ao tempo de seguimento, como também em relação aos pacientes quanto ao grau de obesidade, sexo, idade e nível sócio-econômico limitam as comparações.

Numa meta-análise de 29 estudos (18), comparou-se o resultado do acompanhamento de pacientes por pelo menos 2 anos tratados com dieta de muito baixa caloria (VLCD) ou dieta hipocalórica balanceada (HBD), seguidos por 4 a 5 anos. Observou-se que o grupo tratado com VLCD perdeu e manteve maior perda de peso do que o grupo tratado com HBD e os percentuais de indivíduos que mantiveram a perda de peso foram de 29% no grupo tratado com VLCD e 17% no grupo HBD. Numa avaliação recente (19) de 1.002 participantes do programa de "Vigilantes do Peso" na Filadélfia, no qual é orientada dieta hipocalórica, exercícios durante meia hora por dia e mudanças comportamentais, seguidos por até 5 anos, mostrou que no final do período 42,6% mantiveram a perda de 5% ou mais do peso inicial e 18,8% perderam 10% ou mais do peso inicial. Após 1 ano, 31,5% recuperaram o peso perdido e após 5 anos, 76,5%. Não foram mencionados o peso médio, nem a altura destes pacientes.

Em conclusão: nos obesos mórbidos, fatores hereditários, nutricionais e ambientais contribuem para o desencadeamento da obesidade. Alguns fatores parecem ter maior importância que outros, como a história familiar e o início da obesidade. Sabe-se que a obesidade classe III é uma doença de difícil tratamento clínico pela necessidade de continuidade das mudanças comportamentais e de hábitos de vida a longo prazo. A elevada freqüência de fatores de risco cardiovascular, mesmo em indivíduos jovens, pode contribuir para uma morbi-mortalidade precoce deste grupo.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq pela bolsa de auxílio integrado recebida (Processo no 523837/95-0); à Aldenice Viana de Carvalho, técnica de laboratório, pela coleta dos testes de tolerância à glicose; à Ivanise Maria Santana Silva, secretária, pela dedicada assistência.

Revisado em 27/05/02 e 23/07/02

Aceito em 30/07/02

Recebido em 29/01/02

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    Leila M.B. Araújo
    Av. Sete de Setembro 2417, ap. 601
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Out 2005
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      30 Jul 2002
    • Recebido
      29 Jan 2002
    • Revisado
      23 Jul 2002
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