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Paciente masculino de 35 anos com insuficiência cardíaca rapidamente progressiva, episódio isquêmico transitório cerebral, insuficiência aórtica e dissecção de aorta

Correlação Anatomoclínica

Correlação Anatomoclínica

Caso 6/2002 - Paciente masculino de 35 anos com insuficiência cardíaca rapidamente progressiva, episódio isquêmico transitório cerebral, insuficiência aórtica e dissecção de aorta (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, São Paulo)

Joaquim Serra, Paulo Sampaio Gutierrez

São Paulo, SP

Homem de 35 anos procurou atendimento médico (15/02/01) por dispnéia desencadeada por pequenos esforços e edema de membros inferiores.

Os sintomas começaram seis meses antes, inicialmente com dispnéia, seguida de edema. A dispnéia, que era aos esforços moderados, rapidamente progrediu até estar presente no repouso. Procurou atendimento médico e foi feito o diagnóstico de insuficiência cardíaca de etiologia a ser esclarecida. Nesse período houve necessidade de quatro internações para controle dos sintomas.

Há 26 dias apresentou hemiparesia esquerda que regrediu. Nessa ocasião foi feito o diagnóstico de insuficiência da valva aórtica, de grau acentuado. Como parte da avaliação, o paciente foi submetido a exame ecocardiográfico que revelou a presença de dissecção na porção ascendente da aorta.

O paciente emagreceu 25kg desde o início dos sintomas; não havia história de dor torácica ou de hipertensão arterial. Há cerca de 18 meses sofreu trauma de tórax em choque durante partida de futebol.

O exame físico revelou freqüência cardíaca de 80 bpm, pressão arterial 90/60mmHg em membro superior direito e 80/50mmHg em membro inferior direito. As veias jugulares estavam túrgidas em decúbito de 45º. O exame dos pulmões foi normal. O choque da ponta do coração foi palpado no 7º espaço intercostal esquerdo, sobre a linha axilar anterior. A 1ª bulha foi normal e a 2ª bulha cardíaca estava hiperfonética em área pulmonar. Havia sopro diastólico de intensidade de +++/4+ em área aórtica e na borda esternal esquerda. O fígado foi palpado a 6cm do rebordo costal direito e era doloroso. Não foi palpada massa pulsátil em abdome; havia edema ++/4+ em membros inferiores. Todos os pulsos estavam presentes e simétricos.

O eletrocardiograma (15/02/01) revelou ritmo sinusal, freqüência de 75 bpm, bloqueio atrioventricular do 1º grau (PR 240ms), eixo de QRS indeterminado no plano frontal, sobrecarga atrial e ventricular esquerdas, e alterações da repolarização ventricular (fig. 1).


Os exames laboratoriais revelaram hemoglobina 15,4g/dL, hematócrito 45%, 10.200 leucócitos/mm³, 138.000 plaquetas/mm³, taxas séricas de sódio de 129 mEq/L, de potássio de 4,4 mEq/L, de uréia de 67mg/dL, e de creatinina de 1,3mg/dL. O tempo de protrombina (INR) foi 1,33; a relação de tempos de tromboplastina parcial ativada de 1,27. A sorologia para sífilis foi negativa. O exame de urina revelou proteinúria de 0,23g/L.

O ecocardiograma transtorácico (23/2/01) revelou disfunção e dilatação acentuadas de ventrículo esquerdo, átrio esquerdo muito dilatado, ventrículo direito dilatado e hipocinético, aumento acentuado do diâmetro da aorta e sinais de dissecção aórtica, estendida desde logo acima ao plano valvar até o arco aórtico, com fluxo pela falsa luz. A valva aórtica era trivalvulada e apresentava acentuada insuficiência. O pericárdio foi considerado normal (tab. I). Durante o exame o paciente apresentou hemoptise e não foi realizado ecocardiograma transesofágico.

Foram prescritos 80mg de furosemida, 0,125mg de digoxina, 10mg de enalapril, 25mg de espironolactona, 50mg de hidroclorotiazida e 300mg de ranitidina diários.

Indicado tratamento cirúrgico da dissecção da aorta e da insuficiência da valva aórtica.

No ato operatório, os achados revelaram (24/2/01) dissecção aórtica, com início logo acima do plano valvar, com fluxo preferencial pela falsa luz e valva aórtica bivalvulada. A válvula semilunar esquerda era redundante e prolapsava para o ventrículo esquerdo. Procedeu-se ao implante de prótese mecânica, modelo Saint Jude número 29, à fixação das lâminas de dissecção, cujo aspecto era de dissecção crônica, com tiras de teflon e à interposição de tubo de dácron na porção ascendente da aorta. Houve dificuldade para retirada da circulação extracorpórea, e o paciente evoluiu no pós-operatório imediato com instabilidade hemodinâmica, acidose metabólica intensa e hipercalemia.

O eletrocardiograma (24/2/01) foi considerado compatível com o distúrbio eletrolítico e apresentava alargamento dos complexos QRS e desaparecimento de ondas P (fig. 2). Quatro horas depois da operação apresentou parada cardiorrespiratória irreversível (24/2/01).


Aspectos clínicos

O caso em questão apresenta-nos um paciente do sexo masculino de 35 anos de idade, sem antecedentes clínicos descritos previamente, que procurou assistência médica (15/2/01) com história de dispnéia desencadeada por pequenos esforços e edemas de membros inferiores. O quadro havia iniciado seis meses antes da consulta com dispnéia aos esforços moderados, rapidamente progredindo, até o presente, no repouso. Tinha tido também 26 dias antes da consulta um episódio de hemiparesia à esquerda, que regrediu, sendo feito na oportunidade diagnóstico de insuficiência da valva aórtica de grau acentuado e dissecção da porção ascendente da aorta. Durante a investigação clínica foram levantadas as hipóteses diagnósticas de dissecção de aorta tipo "A", e insuficiência cardíaca congestiva. Tratado, inicialmente, com furosemida 80mg, digoxina 0,125mg, enalapril 10mg, espironolactona 25mg, hidroclorotiazida 50mg e 300mg de ranitidina diários. Foi indicada cirurgia da dissecção de aorta e da insuficiência da valva aórtica (24/2/01), sendo feito implante de prótese mecânica de Saint Jude nº 29 e fixação das lâminas de dissecção (cujo aspecto era de dissecção crônica) com tiras de teflon e interposição de tubo de dácron na porção ascendente da aorta. Houve dificuldade na saída da circulação extracorpórea, vindo a falecer 4h após a cirurgia.

A dissecção aórtica é doença pouco comum, mas potencialmente catastrófica, que ocorre com uma incidência de 2 mil casos por ano em publicações internacionais; em nossa Instituição foram 186 casos entre junho/83 e junho/89 1. A dissecção de aorta é produzida por súbito descolamento da capa íntima da artéria que abre espaço para que o sangue penetre na parede arterial, dividindo a capa média em trajeto variável. Origina-se assim uma falsa luz delimitada de um lado pela capa média unida à adventícia e de outro pela túnica média à unida à íntima.

A dissecção pode se estender em sentido distal e, às vezes, ao final do trajeto pode haver um orifício de reentrada do sangue, desde a luz falsa para a verdadeira. Ocorrem 65% dos orifícios de entrada na aorta ascendente, 20% na descendente, 10% na croça e 5% na aorta abdominal 2. Têm sido utilizadas várias classificações; uma das mais aceita é a classificação de Stanford, que divide a dissecção em duas categorias anatômicas: uma "proximal" tipo "A" que é toda dissecção, afetando a aorta ascendente, independentemente do local de origem, e outra "distal" tipo "B" toda dissecção, envolvendo a aorta ascendente.

A degeneração da capa média da aorta, uma condição fundamental para o desenvolvimento de uma dissecção aórtica, é produzida por deterioração do colágeno e do tecido elástico, com alterações císticas. O processo, conhecido como degeneração ou necrose médio cística, é resultado do estresse crônico da parede aórtica. Pode ser observado na hipertensão arterial de longa evolução e considerado, também, processo normal do envelhecimento da parede da aorta. Esta é a etiologia mais comum com pico de incidência entre a 6ª e a 7ª década de vida. No nosso paciente, não parece ser esta a causa da dissecção, por ser bem mais jovem, e não ter antecedente de hipertensão arterial, fator de risco principal em 72% a 80% dos casos 3.

No entanto a degeneração médio cística é um achado comum nos pacientes com defeito hereditário do tecido conectivo, como a síndrome de Marfan ou Ehlers Danlos. A última constitui um grupo heterogêneo de condições, unidas por comprometimento variável de pele e articulações, com hiperelasticidade e fragilidade. A dilatação da raiz aórtica é um achado pouco comum, sendo mais freqüente o prolapso da valva mitral. Os problemas cardiovasculares mais graves ocorrem no tipo IV ou arterial, tendo como característica a ruptura espontânea de artérias grandes e médias 4. Geralmente esse tipo de ruptura acontece como um evento catastrófico na ausência de dissecção. As artérias mais propensas à ruptura são a aorta abdominal, croça aórtica e artérias dos membros inferiores. A falta de lesões cutâneas e articulares e a evolução crônica do comprometimento vascular tornam este diagnóstico pouco provável neste caso.

A síndrome de Marfan é desordem autossômico dominante, relativamente freqüente (1:10.000), causada por mutação no gene que codifica a fibrilina-1, importante constituinte da matriz extracelular. Ocorre em todas a raças e grupos étnicos e, freqüentemente, não é diagnosticada durante a vida 5,6. Apesar do aparecimento de novos conhecimentos genéticos e bioquímicos da doença, o diagnóstico da síndrome de Marfan fora de famílias com o fenótipo clássico permanece, ainda, basicamente clínico. Os critérios atuais do diagnóstico dividem-se em critérios maiores: esquelético: (erosões da coluna lombosacra); oftalmológico: (ectopia lentis); cardiovascular: (dissecção de aorta e dilatação da raiz aórtica); sistema nervoso central: (ectasia dural e meningocele pélvico anterior); e, critérios menores: esqueléticos: (hipermotilidade articular, estatura elevada, pectum excavatum, cifose torácica reduzida, escoliose, aracnodactília, pectum carinatum); oftalmológicos: (miopia, desprendimento retinal, globo ocular preminente); cardiovasculares: (prolapso da valva mitral, endocardite, disritmias, dilatação do anel mitral, insuficiência mitral, prolapso da valva tricúspide, insuficiência aórtica); pulmonares: (bolhas apicais, pneumotórax espontâneo); de pele e tegumentos: (hérnia inguinal, hérnia incisional, estrias atróficas); e sistema nervoso central: (déficit de atenção, hiperatividade, discrepância no desempenho verbal). Além da história familiar positiva, para se fazer o diagnóstico são necessários um critério maior, mais a presença de, pelo menos, mais um sistema comprometido. Se a história familiar é negativa, para o diagnóstico, é necessária a presença de um critério maior, mais comprometimento de outros dois sistemas. Neste caso, não temos dados antropométricos, mas, provavelmente, sem relevância. Tampouco temos dados sobre história familiar de Marfan ou outros achados no exame físico. Embora com esses achados negativos, o que não permite fazer o diagnóstico de síndrome de Marfan utilizando estritamente os critérios diagnósticos, a presença de dissecção de aorta com valva aórtica redundante em paciente jovem sem antecedente de hipertensão é sempre altamente sugestivo dessa doença, atingindo de 5% a 9% das dissecções aórticas, em geral 4. Outro dado de importância é a alta associação com prolapso da valva mitral, não detectado pelo ecocardiograma transtorácico. Embora método muito útil por sua alta sensibilidade e especificidade, sua ausência não descarta esse diagnóstico.

Existem outras desordens do tecido conectivo, que afetam a matriz extracelular, tais como o lúpus eritematoso sistêmico e a doença reumatóide, mas não temos neste doente nenhum dos critérios do American College of Rheumatolgy, critérios internacionalmente aceitos para o diagnóstico 7.

Têm sido descritos na literatura casos de dissecção de aorta em homens jovens após uso de cocaína 8,9, mas ainda sem estabelecimento de uma relação direta entre ambas. Neste caso, tampouco temos o antecedente de consumo de drogas proibidas, embora seja sempre difícil a confirmação por parte do paciente do seu consumo.

No grupo das cardiopatias congênitas, a valva aórtica bicúspide, a cardiopatia congênita mais freqüente é encontrada em 7% a 14% de todas as dissecções de aorta 10. É sabido que o risco da dissecção de aorta parece ser independente da intensidade da estenose da valva bicúspide 11. Outra cardiopatia congênita que predispõe para dissecção é a coarctação de aorta.

A coarctação ocorre com maior freqüência em homens com uma proporção de 3:1. A coarctação é um estreitamento da aorta na região do ligamento arterioso, localizado ou associado com hipoplasia do arco aórtico. A intensidade e o grau de hipoplasia proximal à coarctação são altamente variáveis. A forma mais comum de novo diagnóstico de coartação de aorta no adulto é a forma simples, ou seja, sem associação com outras formas de cardiopatias congênitas. Anomalias associadas incluem valva aórtica bicúspide em 50% a 85% dos casos, aneurisma intracraniano, mais freqüentemente no polígono de Willis, e aneurismas adquiridos das artérias intercostais. Por definição, uma coarctação de aorta hemodinamicamente significante é aquela com um gradiente de 20mmHg de pressão através da coarctação, com ou sem hipertensão sistêmica proximal. A sobrecarga de pressão leva, inicialmente, à hipertrofia ventricular esquerda e, finalmente, à disfunção sistólica ventricular. A sobrevida média dos pacientes com coartação não tratadas é de 35 anos. A morte desses pacientes ocorre geralmente por insuficiência cardíaca, doença arterial coronariana, ruptura ou dissecção de aorta, concomitante doença valvar aórtica, endarterite/endocardite infecciosa ou hemorragia cerebral 12. No caso em discussão, a idade do paciente, a associação com valva aórtica bicúspide, a história de insuficiência cardíaca, os achados no exame físico com a diferença de pressão sistólica entre os membros superiores e inferiores de 10mmHg, os achados eletrocardiográficos com sobrecarga das câmaras esquerdas, poderiam ser explicados por esta doença. As associações cerebrais desta doença poderiam explicar também os sintomas neurológicos do paciente que aconteceram 26 dias antes da internação, embora sintomas esperados fossem por sangramento cerebral. Assim é mais provável que aqueles sintomas tenham sido ocasionados pela própria dissecção de aorta. Poderíamos contra-argumentar, em relação à hipótese de coarctação, a ausência do antecedente de hipertensão arterial, que não é um fato relevante, já que é possível que o paciente tenha tido hipertensão não diagnosticada previamente. Outro fato é a presença de pulsos simétricos nas extremidades, que poderia ser explicado pela insuficiência aórtica acentuada, pois esta encobre o retardo radial femoral. Finalmente, outro ponto contra a coarctação foi a falta de visualização no ato operatório.

Existe na história deste paciente o relato de um traumatismo fechado de tórax, enquanto praticava esporte (futebol) 18 meses antes da consulta. Apesar de não ter tido relato detalhado do ocorrido, a hipótese de dissecção por traumatismo de tórax tem que ser avaliada. Existem relatos de casos de dissecção de aorta com traumatismos não penetrante em eventos recreacionais. O trauma não penetrante tende a causar descolamentos localizados, hematomas, ou transecção franca da aorta, e, raramente, dissecção aórtica clássica 13. O traumatismo cardíaco não penetrante pode ser dividido, clinicamente, em significante ou insignificante, variando a sua apresentação clínica desde um quadro catastrófico com a ruptura cardíaca, ou uma disfunção valvar apresentando-se em geral com clínica de tamponamento cardíaco ou choque hemorrágico, até quadros mais leves de contusão cardíaca sem achados clínicos relevantes 14. No nosso paciente poderia ter acontecido uma dissecção aórtica traumática com insuficiência aórtica associada, que no decorrer do tempo, levou à desadaptação ventricular com dilatação das cavidades, o que poderia explicar o achado de insuficiência cardíaca congestiva. O traumatismo poderia explicar também o transtorno na condução (bloqueio atrioventricular do 1º grau) que é achado comum nesse tipo de paciente. O evento neurológico poderia acontecer como conseqüência de uma nova dissecção.

Para finalizar, as ausências de cateterismo cardíaco ou colocação de balão intra-aórtico ou alguma outra manipulação intra-arterial, afasta a possibilidade de uma dissecção aórtica iatrogênica.

Devido à idade do paciente, e à ausência de fatores de risco para doença ateroesclerótica, a hipótese de isquemia da capa média da aorta por aterosclerose da vasa vasorum, com a conseqüente necrose isquêmica da média deve ser afastada.

Independentemente da causa da dissecção aórtica, motivo central desta discussão e o que levou o paciente à cirurgia, o quadro clínico na última internação é sugestivo de tromboembolismo pulmonar. As manifestações clínicas centrais são de insuficiência cardíaca direita, já que o paciente apresentou dispnéia com pulmões limpos, hepatomegalia, jugulares túrgidas, edemas em membro inferiores, sinais de hipertensão pulmonar (B2 pulmonar aumentado), com história de hemoptise não esclarecida, e com um ecocardiograma demonstrando ventrículo direito dilatado e hipocinético.

(Dr. Joaquim Serra)

Hipótese diagnóstica - Insuficiência cardíaca por dissecção aórtica crônica, com comprometimento da valva aórtica, secundário à coarctação da aorta ou síndrome de Marfan ou, ainda, traumatismo de tórax; evento agravante final: tromboembolismo pulmonar.

(Dr. Joaquim Serra)

Necropsia

A necropsia demonstrou a existência de dissecção crônica da aorta, identificada por delaminação da parede dessa artéria (fig. 3), estendendo-se da raiz até pouco depois da crossa (tipo II pela classificação de DeBakey), com presença de orifício de reentrada no seu trecho final com cerca de 5mm de extensão. O tronco braquiocefálico estava também comprometido pela dissecção. A doença aórtica havia sido cirurgicamente tratada, com colocação de retalho de dácron e troca de valva aórtica por prótese metálica de duplo disco. Havia hematoma entre a luz da aorta e o retalho, determinando estenose supravalvar aórtica. O estudo histopatológico da aorta mostrou as lesões que costumam estar presentes em casos de dissecção 10,15, a saber: fragmentação de fibras elásticas, diminuição do número de células musculares lisas e acúmulo de material mucóide.


A aorta tinha também prega intimal pós-ductal, característica de coartação (fig. 3). Situada já após o término da dissecção, não causava estreitamento significativo, mas após ela havia certo grau de dilatação semelhante à dilatação pós-estenótica.

O coração mostrava dilatação das quatro câmaras, sendo mais acentuada a do ventrículo esquerdo. Microscopicamente, identificou-se área de infarto do miocárdio, com poucas horas de evolução (necrose em banda de contração), na parede anterior do ventrículo esquerdo.

No pulmão direito, foi visto tromboembolismo, com infarto do lobo inferior. Nos demais órgãos, havia sinais de congestão passiva crônica, sem outras alterações significativas.

Foi considerada como causa da morte a disfunção cardíaca, conseqüente à estenose supravalvar aórtica, agravada pelo tromboembolismo pulmonar.

Este paciente apresentava uma tríade descrita há várias décadas - a associação de dissecção aórtica com valva aórtica bicúspide e coartação da aorta 16,17. Entre os pacientes que apresentam tais lesões, isolada ou concomitantemente, estão incluídos casos de portadores de síndrome de Turner 18,19.

A coartação de aorta, por ser discreta, não determinou sintomas clínicos, nem mesmo hipertensão, nem gradiente pressórico, sendo caracterizada apenas morfologicamente. Alguns autores têm chamado a essa condição de pseudocoarctação 20. É interessante notar que a associação com valva aórtica bicúspide, com síndrome de Turner 21 e, mesmo com dissecção 22, foi também descrita em casos semelhantes. Por outro lado, vale salientar que o mesmo termo (pseudocoarctação) foi também usado para a situação de condições adquiridas determinarem gradiente de pressão 23.

Além das alterações vasculares, há na história clínica outro fator que pode estar ligado à dissecção: o trauma torácico.

O paciente desenvolveu insuficiência cardíaca e teve uma grande perda de peso, cuja causa não ficou elucidada. Apresentou piora clínica, possivelmente causada por tromboembolismo pulmonar, detectado apenas à autópsia. Tendo sido operado, a morte foi conseqüência do próprio tromboembolismo e de hematoma intra-aórtico, que provocou estenose supravalvar aórtica grave e deve, também, ser o responsável (pois não há outra causa explicativa) pelo infarto do miocárdio, que atingiu parte do ventrículo esquerdo, cuja extensão não pôde ser bem delimitada, porque o tempo de evolução foi curto. Havia história de acidente vascular cerebral pregresso, sem seqüelas clínicas; também não foram encontradas alterações morfológicas correspondentes.

(Dr. Paulo Sampaio Gutierrez)

Diagnóstico anatomopatológico - Dissecção crônica de aorta ascendente, coarctação da aorta, estenose supravalvar aórtica decorrente de compressão por hematoma intra-aórtico pós-operatório, e, tromboembolismo pulmonar.

(Dr. Paulo Sampaio Gutierrez)

Editor da Seção: Alfredo José Mansur (ajmansur@incor.usp.br)

Editores Associados: Desidério Favarato (dclfavarato@incor.usp.br), Vera Demarchi Aiello (anpvera@incor.usp.br)

Correspondência: Paulo Sampaio Gutierrez – InCor – Av. Dr. Enéas C. Aguiar, 44 05403-000 – São Paulo, SP – E-mail: anppaulo@incor.usp.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Jan 2003
  • Data do Fascículo
    Dez 2002
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