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Caso 2/2013: mulher de 23 anos com ventrículo direito dilatado, sem defeitos residuais, após correção de tetralogia de fallot

CORRELAÇÃO CLÍNICO-RADIOGRÁFICA

Caso 2/2013 - mulher de 23 anos com ventrículo direito dilatado, sem defeitos residuais, após correção de tetralogia de fallot

Edmar Atik

Clínica privada do Dr. Edmar Atik, São Paulo, SP - Brasil

Correspondência Correspondência: Edmar Atik Rua Dona Adma Jafet, 74 cj 73 CEP 01308-050, São Paulo, SP - Brasi E-mail: conatik@incor.usp.br

Palavras-chave: Tetralogia de Fallot, ventrículo direito dilatado.

Dados clínicos: Após correção de tetralogia de Fallot de boa anatomia com ressecção da estenose pulmonar infundibular, com miectomia e ampliação da via de saída do ventrículo direito com remendo de pericárdio, além de valvotomia pulmonar sem abertura do anel pulmonar e fechamento da comunicação interventricular perimembranosa, com 12 meses de idade, verificou-se boa evolução clínica posterior. Atualmente tolera bem os exercícios físicos, mas desde os 15 anos de idade refere palpitações precordiais não relacionadas a esforços e taquicardias esporádicas, com frequência cardíaca variável de 110-170 bpm. Eletrocardiograma dinâmico de 24 horas nesse período demonstrava extrassístoles ventriculares polimórficas de 33-1.623 episódios, refratárias à medicação digitálica e betabloqueadora adrenérgica. Manteve, desde a operação, gradiente de até 17 mmHg na via de saída do ventrículo direito, correlacionado com ausculta de sopro sistólico, discreto e persistente, na borda esternal esquerda alta, sem nenhum outro defeito cardíaco residual.

Exame físico: Bom estado geral, eupneica, acianótica, pulsos normais. Peso: 46,5 kg. Altura: 157 cm. PA: 105/70 mmHg. FC: 54 bpm. A aorta não era palpada na fúrcula.

No precórdio, o ictus cordis não era palpado e não havia impulsões sistólicas. As bulhas cardíacas eram normofonéticas e auscultava-se sopro sistólico discreto, de intensidade +, rude, na área pulmonar. Fígado não palpado e pulmões limpos.

Exames complementares

Eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal e sinais de bloqueio completo do ramo direito, inalterados desde a correção operatória. AP: +10o. AQRS: +160o. AT: +60o. A duração do QRS era de 0,14”, PR = 0,14” e QTc = 0,40”.

Radiografia de tórax mostrou área cardíaca discretamente aumentada à custa das cavidades direitas e trama vascular pulmonar normal. Manteve, desde a correção cirúrgica, aumento similar e persistente da área cardíaca, com índice cardiotorácico de cerca de 0,55, como se demonstra na sequência radiográfica, 2, 4 e 21 anos após a operação (Figura 1).


Ecocardiograma mostrou cavidades cardíacas direitas dilatadas com AD = 44, VD = 50, AE = 35, VE = 41, Ao = 30 mm, fração de ejeção de VD = 63% (método Sympson), fração de ejeção de VE = 66%, gradiente de pressão VD-TP = 15 mmHg e insuficiência tricúspide discreta. Com 15 anos, a relação entre VD = 28 e VE = 40 era de 0,7, similar à encontrada desde a operação, mas há dois anos passou a ser de 1,2.

Ressonância nuclear magnética (Figura 2) salientou também aumento das cavidades direitas com preservação da função ventricular. Volume diastólico final de VD = 98 ml/m2, VE = 89 ml/m2, FEVD = 43% e FEVE = 72%.


Diagnóstico clínico: Tetralogia de Fallot de boa anatomia, mostrando sinais de dilatação do ventrículo direito persistente em evolução tardia após a correção operatória, mesmo sem defeitos residuais significativos.

Raciocínio clínico: Os elementos clínicos evolutivos eram compatíveis com o diagnóstico de estenose pulmonar valvar residual discreta. Ausência de sintomas, boa tolerância física e sem sinais de insuficiência cardíaca são compatíveis ainda com a situação dinâmica favorável. A dilatação do ventrículo direito, observada desde a operação, com acentuação há dois anos, não se associa a aspecto anatômico patogênico residual. Esse elemento tem sido o responsável pelas arritmias.

Diagnóstico diferencial: A dilatação do ventrículo direito persistente, após a correção operatória de tetralogia de Fallot, se relaciona habitualmente à insuficiência valvar pulmonar decorrente da dilatação do anel pulmonar. Pode decorrer também da valvotomia pulmonar, mesmo sem ampliação prévia do anel pulmonar. Nenhuma dessas situações ocorreu nesse caso.

Conduta: Em face da boa evolução e preservação da função ventricular, adotou-se conduta clínica expectante, com orientação para atividade física recreativa e medicação vasodilatadora.

Comentários: Pacientes com tetralogia de Fallot de boa anatomia, nos quais a ampliação do anel pulmonar se torna desnecessária por ocasião da correção operatória, apresentam-se com boa evolução, dada a ausência de defeitos residuais que possam interferir desfavoravelmente. Dessa maneira, a evolução pós-operatória se assemelha à de pessoas normais. No entanto, nota-se por vezes que, mesmo sem ampliação prévia do anel pulmonar, pode ocorrer dilatação posterior do ventrículo direito como um todo, tornando-se obrigatório o questionamento de que a simples dilatação da via de saída do ventrículo direito possa ser a causa do problema evolutivo, consequência provável da deformidade da estrutura de todo o ventrículo direito.

Na literatura, menciona-se que os fatores determinantes de maior dilatação ventricular direita, após a operação corretiva da tetralogia de Fallot, se relacionam a um período mais prolongado desde o reparo operatório, à maior duração do QRS e regurgitação valvar pulmonar. A piora da função ventricular, por seu lado, se relaciona à movimentação anormal da via de saída ventricular, ao período longo após a operação e também à maior duração do QRS. No caso em discussão notamos como causa persistente da dilatação ventricular direita a ampliação prévia da via de saída do ventrículo que pode, ao longo do tempo, ter alterado a estrutura dessa cavidade. Esse elemento, assim, passa a constituir outra preocupação cirúrgica por ocasião da correção da tetralogia de Fallot, mesmo entre aqueles com boa anatomia.

  • Correspondência:
    Edmar Atik
    Rua Dona Adma Jafet, 74 cj 73
    CEP 01308-050, São Paulo, SP - Brasi
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Abr 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013
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