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Caso 3/2015 Mulher de 32 Anos com Coarctação da Aorta, Valva Aórtica Bivalvulada e Aorta Ascendente Dilatada

Coarctação da Aorta; Estenose Aórtica Bivalvulada; Dilatação da Aorta

Dados clínicos: relata que, na infância, havia sido auscultado sopro cardíaco, mas diagnóstico da coarctação da aorta foi realizado há 1 mês por ecocardiograma e tomografia, em vista de queixas recentes de cansaço nas pernas. Praticava atividade física regularmente e não referia cefaleia. Não recebia medicação específica.

Exame físico: eupneica, acianótica, pulsos amplos nos membros superiores e ausentes nos membros inferiores. Peso: 58 kg; altura: 166 cm; pressão arterial (PA) de membro superior direito igual ao de membro superior esquerdo = 140/80 mmHg, PA MIs: 80 mmHg; frequência cardíaca (FC): 78 bpm; saturação de oxigênio: 96%. Aorta nitidamente palpada na fúrcula. Frêmito e sopro sistólicos discretos na fúrcula, + de intensidade.

No precórdio, ictus cordis não palpado e ausência de impulsões sistólicas na borda esternal esquerda (BE E). Bulhas cardíacas normofonéticas; sopro sistólico, +/4, rude, na área aórtica e em todo o dorso, à direita e esquerda. O fígado não era palpado.

Exames complementares

Eletrocardiograma mostrava ritmo sinusal e sem sinais de sobrecarga cavitária. O índice de Sokolov era de 34 mm e não havia alterações da repolarização ventricular. AP: +60º; AQRS: +70º; AT: +40º.

Radiografia de tórax mostrava área cardíaca normal (índice cardiotorácico de 0,47). A trama vascular pulmonar era normal e o arco médio, escavado. Havia arco superior direito alongado indicativo de aorta ascendente (AoAsc) dilatada. O arco aórtico posterior era algo proeminente e a aorta descendente (AoDesc), dilatada. Notou-se hiperrefringência em algumas costelas (Figura 1).

Figura 1
Radiografia de tórax mostra área cardíaca normal, arco superior direito discretamente abaulado (aorta ascendente dilatada) e aorta descendente também dilatada. Hiperrefringência é notada em alguns bordos inferiores das costelas.

Ecocardiograma mostrou valva aórtica bivalvulada com gradiente de pressão máximo de 31 e médio de 17 mmHg. A AoAsc era dilatada (44 mm), o arco aórtico tinha 37 mm e havia estreitamento na região ístmica, com gradiente de pressão de 47 mmHg. As cavidades cardíacas tinham dimensões normais, sem hipertrofia miocárdica (septo/parede posterior = 10 mm). Função ventricular esquerda era normal (70%).

Angiotomografia da aorta mostrou AoAsc dilatada (42 mm), croça (22 mm) e estreitamento nítido com 8 mm de diâmetro, no início da AoDesc, sendo na altura do diafragma de 20 mm. Havia circulação colateral intensa.

Cateterismo cardíaco (Figura 2). As pressões eram: ventrículo esquerdo (VE) = 160/12 mm Hg; AoAsc = 140/82 mm Hg; e AoDesc = 100/80 mmHg. Angiografia mostrou estreitamento nítido no istmo da aorta e dilatação da AoAsc e AoDesc.

Figura 2
Angiografia mostra aorta ascendente dilatada. Croça diminui de diâmetro até a coarctação ístmica e dilatação da aorta descendente em A e B, e a colocação efetiva de stent 40 x 20 mm na região estenótica em C.

Diagnóstico clínico: coarctação da aorta acentuada na região ístmica e estenose valvar aórtica em valva bivalvulada discreta com dilatação acentuada da aorta ascendente, em evolução natural.

Raciocínio clínico: os elementos clínicos da coarctação da aorta são nítidos e de fácil identificação, sendo principalmente representados pelo contraste de pulsos e da PA entre os membros superiores e inferiores. Torna-se de interesse notar que, mesmo em cardiopatia com sobrecarga de pressão e de longa data, não haja hipertrofia miocárdica, e nem sinais de sobrecarga elétrica e com sintomas recentes e discretos. Esses aspectos se devem ao desenvolvimento de circulação colateral eficiente. A radiografia de tórax com área cardíaca normal expressa função ventricular normal e a dilatação da AoAsc antevê a possibilidade obstrutiva na AoDesc, além da estenose valvar aórtica.

Diagnóstico diferencial: obstruções da aorta em adulto em geral decorrem de aortite prévia, como se sucede em doença de Takayasu e de Kawasaki, em doenças do tecido conjuntivo e em doenças infecciosas, como sífilis.

Conduta: em face da repercussão sistólica de longa data, mesmo sem hipertrofia miocárdica e com pressões aumentadas no circuito da aorta proximal, torna-se imperiosa a indicação operatória, visando ao alívio da obstrução arterial, que suscita maior possibilidade para instalação de fibrose miocárdica, insuficiência cardíaca, arritmias e morte mais precoce. Preferiu-se a dilatação da região ístmica pelo cateterismo intervencionista a partir da artéria femoral direita com stent 40 x 20 mm com inserção logo após a emergência da artéria subclávia esquerda. Houve imediata elevação da PA para 200 mmHg que, em seguida, diminuiu. Houve ampliação adequada da região (Figura 2) com equalização de pressão entre os membros. Acentuada dor torácica com extensão para o dorso persistiu por 12 horas e com elevação da PA para 150/100 mmHg, as quais foram aliviadas com dolantina e betabloqueador adrenérgico. PA se normalizou a níveis de 125/80 mmHg nos membros superiores e inferiores. O sopro sistólico da estenose valvar aórtica permaneceu inalterado.

Comentários: as anomalias congênitas obstrutivas geralmente se manifestam precocemente na vida, por meio de ausculta de sopro cardíaco. Em obstrução súbita no período neonatal, como ocorre na coarctação da aorta, surgem os sinais clássicos da insuficiência cardíaca congestiva, que requer intervenção operatória imediata. A compensação cardíaca com manutenção do fluxo anterógrado é obtida pela hipertrofia miocárdica e pelo desenvolvimento de circulação colateral. No caso presente, evolução favorável até a quarta década da vida, com manifestação sintomática mais recente, decorria da circulação colateral eficiente. Essa anomalia obstrutiva, mesmo com menor repercussão, deve ser tratada mais precocemente, afim de se evitar evolução desfavorável em relação ao surgimento de fibrose miocárdica, arritmias e insuficiência cardíaca. A evolução da valva aórtica bivalvulada traz elementos desfavoráveis evolutivos, como a dilatação da AoAsc, com deficiência do músculo parietal1Grewal N, Gittenberger-de Groot AC, Poelmann RE, Klautz RJ, Lindeman JH, Goumans MJ, et al. Ascending aorta dilation in association with bicuspid aortic valve: a maturation defect of the aortic wall. J Thorac Cardiovasc Surg. 2014;148(4):1583-90., que invariavelmente deve ser oportunamente tratada cirurgicamente.

Reference

  • 1
    Grewal N, Gittenberger-de Groot AC, Poelmann RE, Klautz RJ, Lindeman JH, Goumans MJ, et al. Ascending aorta dilation in association with bicuspid aortic valve: a maturation defect of the aortic wall. J Thorac Cardiovasc Surg. 2014;148(4):1583-90.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2014
  • Revisado
    08 Ago 2014
  • Aceito
    08 Ago 2014
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