Acessibilidade / Reportar erro

Uso de Estatinas e Hipercolesterolemia: Estão sendo Seguidas as Recomendações das Diretrizes Atuais?

Palavras-chave
Doenças Cardiovasculares; Acidente Vascular Cerebral; Infarto do Miocárdio; Mortalidade; Aterosclerose; Fatores de Risco; Inibidores de Hidroximetilglutaril-CoA Redutases; Hospitalização; Hospitais Públicos

Apesar dos avanços no tratamento das doenças cardiovasculares, o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral ainda são as principais causas de morte em todo o mundo.11. Smith SC Jr, Collins A, Ferrari R, Holmes DR Jr, Logstrup S, McGhie DV, Ralston J, Sacco RL, Stam H, Taubert K, Wood DA, Zoghbi WA; World Heart Federation; American Heart Association; American College of Cardiology Foundation; European Heart Network; European Society of Cardiology. Our time: a call to save preventable death from cardiovascular disease (heart disease and stroke). J Am Coll Cardiol. 2012;60(22):2343-8.

A prevenção da doença aterosclerótica coronariana (DAC), representada pelo tratamento do colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL-c), é uma das principais alternativas para aumentar a sobrevida de pacientes com fatores de risco cardiovascular. Estudos de caso-controle, observacionais e genéticos confirmam a importância do nível elevado de colesterol como um dos principais fatores de risco modificáveis para doenças cardiovasculares, especialmente para DAC e acidente vascular cerebral isquêmico. A redução do LDL-c ao longo da vida tem sido associada a um menor risco de desenvolver DAC. Parece haver uma relação causal entre o LDL-c e a DAC, que é contínua e depende da magnitude da redução do LDL-c.22. Management of the long-term intervention with pravastatin in ischaemic disease (LIPID) study after the scandinavian simvastatin survival study (4S) Andrew M. Tonkin AM. Am J Cardiol. 1995; 28;76(9):107C-112C.55. Baigent C, Blackwell L, Emberson J, Holland LE, Reith C, Bhala N, et al; Cholesterol Treatment Trialists' (CTT) Collaboration. Efficacy and safety of more intensive lowering of LDL cholesterol: a meta-analysis of data from 170 000 participants in 26 randomised trials. Lancet. 2010;376(9753):1670-81.

Após a descoberta das estatinas em 1976 pelo bioquímico japonês Akira Endo, estudos de intervenção com essa classe de drogas mudaram a preocupação com a prevenção DAC. Atualmente, as estatinas (inibidores da 3-hidroxi-3-metil-glutaril-CoA redutase) são recomendadas por todas as diretrizes como drogas de primeira linha no tratamento farmacológico da hipercolesterolemia para prevenção primária e secundária da DAC. Esta classe de drogas atua inibindo a síntese do colesterol, aumentando assim a expressão dos receptores, resultando em maior remoção do LDL-c plasmático.66. Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, Chacra APM, Bianco HT, Afiune AN, Bertolami A, Pereira AC, Lottenberg AM, Sposito AC, Chagas ACP, Casella AF, Simao AF, Alencar ACF, Caramelli B, Magalhaes CC, Negrao CE, Ferreira C, Scherr C, Feio CMA, Kovacs C, Araujo DB, Magnoni D, Calderaro D, Gualandro DM, Mello EPJ, Alexandre ERG, Sato EI, Moriguchi EH, Rached FH, Santos FCD, Cesena FHY, Fonseca FAH, Fonseca H, Xavier HT, Mota ICP, Giuliano ICB, Issa JS, Diament J, Pesquero JB, Santos JED, Faria JRN, Melo JXF, Kato JT, Torres KP, Bertolami MC, Assad MHV, Miname MH, Scartezini M, Forti NA, Coelho OR, Maranhao RC, Santos RDDF, Alves RJ, Cassani RL, Betti RTB, Carvalho T, Martinez T, Giraldez VZR and Salgado WF. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arq Bras Cardiol. 2017;109(1):1-76.88. ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: lipid modification to reduce cardiovascular risk. The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and European Atherosclerosis Society (EAS, European Heart Journal (2019) 00, 1-78.

A meta-análise mais robusta sobre estatinas avaliou dados de 170.000 pacientes em 26 estudos clínicos. Esta publicação destacou a comparação entre estatina e placebo e entre estatinas mais potentes e menos potentes. Foi observado que, com redução do LDL-c de 1 mmol/L ou 40 mg/dL, houve redução média de 22% nos desfechos cardiovasculares principais. A análise também mostrou que quanto maior a redução do LDL-c, maior o benefício obtido com o tratamento. Grandes ensaios clínicos com estatinas demonstraram que quanto maior a redução absoluta do LDL-c, maior a redução do risco relativo de eventos cardiovasculares.55. Baigent C, Blackwell L, Emberson J, Holland LE, Reith C, Bhala N, et al; Cholesterol Treatment Trialists' (CTT) Collaboration. Efficacy and safety of more intensive lowering of LDL cholesterol: a meta-analysis of data from 170 000 participants in 26 randomised trials. Lancet. 2010;376(9753):1670-81. Até o momento, não tem sido identificado um valor de referência abaixo do qual o tratamento para redução de lipídios deixaria de promover o benefício cardiovascular; no entanto, níveis muito baixos de LDL-c foram avaliados por um curto período de tempo.99. Cannon CP, Blazing MA, Giugliano RP, McCagg A, White JA, Theroux P, et al; IMPROVE-IT Investigators. Ezetimibe added to statin therapy after acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2015;372(25):2387-97.1111. Schwartz GG, Bessac L, Berdan LG, Bhatt DL, Bittner V, Diaz R, et al. Effect of alirocumab, a monoclonal antibody to PCSK9, on long-term cardiovascular outcomesfollowing acute coronary syndromes: rationale and design of the ODYSSEY outcomes trial. Am Heart J. 2014 Nov;168(5):682-9.

No artigo “Perfil de Prescrição de Estatinas e de Níveis Lipêmicos em Ambulatórios de Hospital Terciário Público”1212. Schmidt A, Moreira HT, Volpe GJ, Foschini VB, Lascala TF, Romano MMD, et al. Perfil de Prescrição de Estatinas e de Níveis Lipêmicos em Ambulatórios de Hospital Terciário Público. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(4):736-741. a prescrição de estatinas foi frequente, possivelmente devido ao reconhecimento da dislipidemia como fator de risco cardiovascular relevante. No entanto, foi realizado sem uma meta específica para LDL-c, sem ajuste de dose e sem pelo menos um teste de controle anual, demonstrando que as recomendações das diretrizes não são plenamente consideradas. Além disso, mostrou que a prescrição sem avaliação do colesterol sanguíneo ocorreu predominantemente em cirurgia vascular e que a cardiologia foi a especialidade com maior número de prescrições de estatinas. Apesar disso, uma porcentagem considerável de indivíduos apresentou LDL-c acima do recomendado nas diretrizes de prevenção primária. Por outro lado, é interessante notar que, em comparação com a diretriz da AHA / ACC, a diretriz brasileira parece classificar uma proporção maior de pacientes de prevenção primária em categorias de maior risco, aumentando os critérios de elegibilidade das estatinas.1313. Cesena FHY, Valente VA, Santos RD, Bittencourt MS. Cardiovascular Risk and Statin Eligibility in Primary Prevention: A Comparison between the Brazilian and the AHA/ACC Guidelines. Arq Bras Cardiol. 2020 Sep;115(3):440-449. Observou-se também que o uso de estatinas pelo Sistema Público de Saúde é custo-efetivo e que, entre os indivíduos tratados, 2,4% apresentavam LDL-c ≥ 190 mg/dL. Esse nível de LDL-c, superior ao registrado na população em geral, acompanhado por uma média de idade inferior à amostra total (55 ± 15 versus 63 ± 13 anos, p < 0,05), sugere a possibilidade da presença de hipercolesterolemia familiar naquele grupo. Desta maneira, seria recomendado um seguimento mais cauteloso, pois haveria maior risco cardiovascular nessa população.1414. Santos RD, Gagliardi AC, Xavier HT, Casella Filho A, Araújo DB, Cesena FY, Alves RJ et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar (HF). Arq Bras Cardiol. 2012;99(2 Supl. 2):1-28.,1515. Ribeiro RA, Duncan BB, Ziegelmann PK, Stella SF, Vieira JL, Restelatto LM and Polanczyk CA. Cost-effectiveness of high, moderate and low-dose statins in the prevention of vascular events in the Brazilian public health system. Arq bras cardiol. 2015;104:32-44.

As duas estatinas usadas neste estudo, sinvastatina (78%) e atorvastatina (22%), mostraram que as concentrações de colesterol plasmático e LDL-c eram mais baixas em pacientes que recebiam prescrições da cardiologia. Portanto, seria de esperar que o cumprimento das metas preconizadas nas diretrizes, não alcançadas em grande percentual de pacientes, fosse mais alcançado por essa especialidade.

Os resultados encontrados neste estudo ilustram a necessidade não apenas de um diagnóstico laboratorial mais preciso, mas principalmente de um tratamento hipolipemiante mais eficaz. Temos dados suficientes sobre a segurança e eficácia das estatinas, inclusive para síndrome coronariana aguda.1616. Schubert J, Lindahl B, Melhus H, Renlund H, Leosdottir M, Yari A, Ueda P, James S, Reading SR, Dluzniewski PJ, Hamer AW, Jernberg T, Hagström E.. Low-density lipoprotein cholesterol reduction and statin intensity in myocardial infarction patients and major adverse outcomes: a Swedish nationwide cohort study. Eur Heart J. 2021;42(3):243-252.

A terapia hipolipemiante mais agressiva e o diagnóstico precoce devem ser enfatizados. As estatinas continuam sendo o padrão ouro no tratamento farmacológico da hipercolesterolemia. No entanto, além de aperfeiçoar a dosagem, novos medicamentos com evidências científicas comprovadas nesse arsenal terapêutico, como a ezetimiba e os inibidores da pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9 (PCSK9), já demonstraram reduzir o risco cardiovascular com segurança.

  • Minieditorial referente ao artigo: Perfil de Prescrição de Estatinas e de Níveis Lipêmicos em Ambulatórios de Hospital Terciário Público

Referências

  • 1
    Smith SC Jr, Collins A, Ferrari R, Holmes DR Jr, Logstrup S, McGhie DV, Ralston J, Sacco RL, Stam H, Taubert K, Wood DA, Zoghbi WA; World Heart Federation; American Heart Association; American College of Cardiology Foundation; European Heart Network; European Society of Cardiology. Our time: a call to save preventable death from cardiovascular disease (heart disease and stroke). J Am Coll Cardiol. 2012;60(22):2343-8.
  • 2
    Management of the long-term intervention with pravastatin in ischaemic disease (LIPID) study after the scandinavian simvastatin survival study (4S) Andrew M. Tonkin AM. Am J Cardiol. 1995; 28;76(9):107C-112C.
  • 3
    Yusuf S, Hawken S, Ounpuu S, Dans T, Avezum A, Lanas F, et al; INTERHEART Study Investigators. Effect of potentially modifiable risk factors associated with myocardial infarction in 52 countries (the INTERHEART study): case-control study. Lancet. 2004;364(9438):937-52.
  • 4
    Ference BA, Yoo W, Alesh I, Mahajan N, Mirowska KK, Mewada A, et al. Effect of long-term exposure to lower low-density lipoprotein cholesterol beginning early in life on the risk of coronary heart disease: a Mendelian randomization analysis. J Am Coll Cardiol. 2012;60(25):2631-9.
  • 5
    Baigent C, Blackwell L, Emberson J, Holland LE, Reith C, Bhala N, et al; Cholesterol Treatment Trialists' (CTT) Collaboration. Efficacy and safety of more intensive lowering of LDL cholesterol: a meta-analysis of data from 170 000 participants in 26 randomised trials. Lancet. 2010;376(9753):1670-81.
  • 6
    Faludi AA, Izar MCO, Saraiva JFK, Chacra APM, Bianco HT, Afiune AN, Bertolami A, Pereira AC, Lottenberg AM, Sposito AC, Chagas ACP, Casella AF, Simao AF, Alencar ACF, Caramelli B, Magalhaes CC, Negrao CE, Ferreira C, Scherr C, Feio CMA, Kovacs C, Araujo DB, Magnoni D, Calderaro D, Gualandro DM, Mello EPJ, Alexandre ERG, Sato EI, Moriguchi EH, Rached FH, Santos FCD, Cesena FHY, Fonseca FAH, Fonseca H, Xavier HT, Mota ICP, Giuliano ICB, Issa JS, Diament J, Pesquero JB, Santos JED, Faria JRN, Melo JXF, Kato JT, Torres KP, Bertolami MC, Assad MHV, Miname MH, Scartezini M, Forti NA, Coelho OR, Maranhao RC, Santos RDDF, Alves RJ, Cassani RL, Betti RTB, Carvalho T, Martinez T, Giraldez VZR and Salgado WF. Atualização da Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose – 2017. Arq Bras Cardiol. 2017;109(1):1-76.
  • 7
    Grundy SM, Stone NJ, Bailey AL, Beam C, Birtcher KK, Blumenthal RS, et al. 2018 AHA/ACC/AACVPR/AAPA/ABC/ACPM/ADA/AGS/ APhA/ASPC/NLA/PCNA Guideline on the Management of Blood Cholesterol: A Report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2018;73(24):e285-e350.
  • 8
    ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: lipid modification to reduce cardiovascular risk. The Task Force for the management of dyslipidaemias of the European Society of Cardiology (ESC) and European Atherosclerosis Society (EAS, European Heart Journal (2019) 00, 1-78.
  • 9
    Cannon CP, Blazing MA, Giugliano RP, McCagg A, White JA, Theroux P, et al; IMPROVE-IT Investigators. Ezetimibe added to statin therapy after acute coronary syndromes. N Engl J Med. 2015;372(25):2387-97.
  • 10
    Sabatine MS, Giugliano RP, Keech AC, Honarpour N, Wiviott SD, Murphy SA, et al. Evolocumab and clinical outcomes in patients with cardiovascular disease. N Engl J Med. 2017;376(18):1713-22.
  • 11
    Schwartz GG, Bessac L, Berdan LG, Bhatt DL, Bittner V, Diaz R, et al. Effect of alirocumab, a monoclonal antibody to PCSK9, on long-term cardiovascular outcomesfollowing acute coronary syndromes: rationale and design of the ODYSSEY outcomes trial. Am Heart J. 2014 Nov;168(5):682-9.
  • 12
    Schmidt A, Moreira HT, Volpe GJ, Foschini VB, Lascala TF, Romano MMD, et al. Perfil de Prescrição de Estatinas e de Níveis Lipêmicos em Ambulatórios de Hospital Terciário Público. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(4):736-741.
  • 13
    Cesena FHY, Valente VA, Santos RD, Bittencourt MS. Cardiovascular Risk and Statin Eligibility in Primary Prevention: A Comparison between the Brazilian and the AHA/ACC Guidelines. Arq Bras Cardiol. 2020 Sep;115(3):440-449.
  • 14
    Santos RD, Gagliardi AC, Xavier HT, Casella Filho A, Araújo DB, Cesena FY, Alves RJ et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. I Diretriz Brasileira de Hipercolesterolemia Familiar (HF). Arq Bras Cardiol. 2012;99(2 Supl. 2):1-28.
  • 15
    Ribeiro RA, Duncan BB, Ziegelmann PK, Stella SF, Vieira JL, Restelatto LM and Polanczyk CA. Cost-effectiveness of high, moderate and low-dose statins in the prevention of vascular events in the Brazilian public health system. Arq bras cardiol. 2015;104:32-44.
  • 16
    Schubert J, Lindahl B, Melhus H, Renlund H, Leosdottir M, Yari A, Ueda P, James S, Reading SR, Dluzniewski PJ, Hamer AW, Jernberg T, Hagström E.. Low-density lipoprotein cholesterol reduction and statin intensity in myocardial infarction patients and major adverse outcomes: a Swedish nationwide cohort study. Eur Heart J. 2021;42(3):243-252.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Abr 2021
Sociedade Brasileira de Cardiologia - SBC Avenida Marechal Câmara, 160, sala: 330, Centro, CEP: 20020-907, (21) 3478-2700 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil, Fax: +55 21 3478-2770 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@cardiol.br