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Síndrome de Austrian

Resumos

Neste relato, é descrito o caso de um paciente masculino, 64 anos, sem história de etilismo, que se apresentou com a Tríade de Osler, que consiste no desenvolvimento de endocardite, pneumonia e meningite, por um mesmo agente. A síndrome é denominada síndrome de Austrian, quando a infecção for por Streptococcus pneumoniae. Serão discutidas as manifestações clínicas, fisiopatológicas e a terapêutica mais adequada para esse quadro. Tendo em vista a raridade do caso e a elevada morbimortalidade, serão enfatizadas a importância do diagnóstico precoce e o tratamento adequado, visando reduzir as complicações inerentes a essa doença.

Síndrome de austrian; endocardite; streptococcus pneumoniae


In this report, we describe the case of a 64-year-old male patient, with no history of alcohol consumption, who presented the Osler's triad, which is the association of endocarditis, pneumonia, and meningitis caused by a single agent. This syndrome is called Austrian syndrome, when the infection is caused by Streptococcus pneumoniae. We discuss the clinical manifestations, the pathophysiology, and the therapeutic approach to this condition. Given the rarity of the condition and its high morbidity and mortality, the importance of an early diagnosis and an appropriate treatment to reduce the complications associated with this disease will be emphasized.


RELATO DE CASO

Síndrome de Austrian

Márcio Estevão Midon; Fernando Goldoni; Sylvian Greicy Rocha Souza; Jan Norimitsu Schiemann Miyasato

Hospital Regional de Mato Grosso do Sul, Campo Grande, MS - Brasil

Correspondência Correspondência: Fernando Goldoni Rua Flávio de Matos, 2462 - Vila Morumbi 79051510 - Campo Grande, MS - Brasil E-mail: fernando_goldoni@hotmail.com

RESUMO

Neste relato, é descrito o caso de um paciente masculino, 64 anos, sem história de etilismo, que se apresentou com a Tríade de Osler, que consiste no desenvolvimento de endocardite, pneumonia e meningite, por um mesmo agente. A síndrome é denominada síndrome de Austrian, quando a infecção for por Streptococcus pneumoniae. Serão discutidas as manifestações clínicas, fisiopatológicas e a terapêutica mais adequada para esse quadro. Tendo em vista a raridade do caso e a elevada morbimortalidade, serão enfatizadas a importância do diagnóstico precoce e o tratamento adequado, visando reduzir as complicações inerentes a essa doença.

Palavras-chave: Síndrome de austrian, endocardite, streptococcus pneumoniae.

Introdução

A endocardite pneumocócica tem se tornado uma doença rara, desde a introdução da penicilina, no início dos anos 40, sendo responsável por 1-3% de todos os casos em valvas nativas. Nos últimos anos, no entanto, um número maior de casos tem sido descrito, devido ao surgimento de cepas de Streptococcus pneumoniae resistentes à penicilina¹. A associação de pneumonia, meningite e endocardite foi descrita em 1862, por Herchl, após autópsia de 5 pacientes. Em 1881, Osler a denominou síndrome de Austrian quando sua etiologia é o Streptococcus pneumoniae²,³.

Em 1882, Netter retornou para mostrar tal relação clínica, indicando uma clara predisposição pela valva aórtica. Robert Austrian, em 1957, comunicou um total de 8 casos, dos quais 6 faleceram revelando que o desfecho fatal destes pacientes era comumente a ruptura da válvula aórtica4.

Relataremos o caso de um homem que se apresentou com síndrome de Austrian, e, mesmo tendo sido diagnosticado e tratado adequadamente, evoluiu com complicações inerentes a esse raro caso.

Relato do Caso

Agricultor, masculino, 64 anos, admitido no Pronto-Atendimento Médico do HRMS com quadro de febre baixa, mialgia, artralgia e hiporexia, há três semanas, evoluindo há três dias com tosse produtiva, dispneia e comprometimento do estado geral. Sem história de etilismo, tabagismo, uso de drogas injetáveis ou doenças prévias. À admissão, apresentava-se taquidispneico, depletado, com vômitos, confusão mental e agitação. Apresentava pupilas isocóricas e fotorreagentes, reflexo cutâneo plantar negativo, ausência de sinais focais e presença de rigidez cervical terminal. Ausculta pulmonar com estertoração crepitante em base de hemitórax direito foi realizada. Também foi realizada ausculta cardíaca com sopro diastólico em foco mitral +2/+6, sem irradiação e sopro sistólico em foco aórtico +3/+6, com irradiação cervical. Apresentou leucograma de 18.700 cels/mm³ e 6% de bastões. A radiografia tórax evidenciou opacidade alveolar em base direita (Figura 1).


O paciente evoluiu com insuficiência respiratória aguda, sendo necessária a realização de intubação orotraqueal e ventilação mecânica. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) de crânio, que não apresentou alterações, e punção lombar com líquor cefalorraquidiano apresentando 78 cels/mm³, sendo 87% polimorfonucleares, hipoglicorraquia, cuja prova de látex e bacterioscopia foram positivas para pneumococo, confirmando a meningite por essa bactéria.

Foi iniciado tratamento com ceftriaxone em dose para sistema nervoso central, porém houve persistência da febre. Solicitamos culturas de sangue, urina, aspirado traqueal e ecocardiograma transtorácico (ECOCG), que demonstrou espessamento e calcificação em valva aórtica com estenose e refluxo de grau leve, imagem de lesão filamentar, móvel e aderida em folheto mitral posterior com estenose mitral leve, gradiente aórtico máximo de 17 mmHg, gradiente máximo mitral de 9 mmHg e médio de 4 mmHg, átrio esquerdo: 36 mm, ventrículo direito: 20 mm, VE DD: 55 mm, VE DS: 30 mm e FE: 83%. Hemocultura positiva para Streptococcus pneumoniae em duas amostras e aspirado traqueal positivo para o mesmo agente. Foi iniciada vancomicina e trocado ceftriaxone por meropenem com resposta favorável, levando-se em conta o padrão clínico e laboratorial.

O paciente foi extubado após melhora do padrão respiratório, porém apresentou déficit motor súbito com hemiparesia à esquerda, com força muscular grau II e rebaixamento do sensório. A TC do crânio evidenciou extensa área de hipodensidade em hemisfério direito (Figura 2). Após 21 dias de carbapenêmico e 28 dias vancomicina, apresentou melhoras clínica e laboratorial recebendo alta ao domicílio com intensa fisioterapia de reabilitação.


Em avaliação cardiológica de controle, um mês após a alta hospitalar, manteve seu quadro estável, sem alterações cardíacas anatômicas ou funcionais significativas, persistindo apenas o déficit neurológico.

Discussão

A endocardite infecciosa por pneumococo teve sua incidência reduzida a menos de 3%, após uso da penicilina. No entanto, a taxa de mortalidade permanece elevada e a incidência de resistência pneumocócica aumentou em todo o mundo nos últimos 10 anos5. A apresentação clínica predominante é a aguda, com uma evolução rápida, agressiva e associada a uma alta taxa de morbimortalidade. Os sinais e sintomas periféricos da endocardite não costumam estar presentes na etiologia pneumocócica, retardando o diagnóstico e tratamento. Além disso, complicações cardíacas e não cardíacas são comuns, em particular, instabilidade hemodinâmica, formação de abscessos e embolização sistêmica1. Alcoolismo e idade avançada constituem os principais fatores de risco.

Na endocardite pneumocócica, a valva aórtica nativa é a localização mais frequente das vegetações. Apesar de antibióticos adequados, a evolução é normalmente aguda e muito agressiva, com altas taxa de complicações locais (abscesso perivalvar) e complicações sistêmicas, que exigem tratamento cirúrgico na maioria dos casos. Uma evolução subaguda é menos frequente e muitas vezes envolve a valva mitral6. As infecções das vias aéreas são as principais portas de entrada para o pneumococo. A valva aórtica é preferencialmente acometida.

Habitualmente existem extensas vegetações, o que torna frequente as embolizações sépticas, como o ocorrido com o paciente que motiva o relato7. Em um recente estudo retrospectivo sobre 80 casos de meningite pneumocócica, em uma unidade de terapia intensiva, somente 6 pacientes desenvolveram endocardite, e apenas dois destes evoluíram com choque cardiogênico e morte8. Da mesma forma, no maior estudo de coorte descrito sobre endocardite pneumocócica (325 pacientes), apenas três pacientes apresentaram-se com a tríade9. No entanto, Aronin e cols.2 relataram uma prevalência de 42% de Tríade de Osler, em uma revisão de endocardite pneumocócicas na era da penicilina, com taxa de mortalidade maior do que 50%.

Estudo realizado por Vuilles e cols.10 demonstrou que apenas 17% das vegetações desaparecem após antibioticoterapia e, em 39% dos casos, acabaram necessitando de cirurgia corretiva, a qual não foi observada neste paciente.

Atualmente, a escolha do antibiótico na endocardite pneumocócica tem sofrido mudanças, não só pelo surgimento de resistência à penicilina, mas devido à evolução agressiva e à associação com meningite. A penicilina não se constitui no antibiótico de primeira escolha e, embora não exista nenhuma recomendação formal até o momento, a orientação é a mesma para meningite pneumocócica, ou seja, introduzir uma cefalosporina de terceira geração associada ou não à vancomicina, dependendo do nível de resistência à cefalosporina na região estudada2,3,7. Apesar da baixa incidência de endocardite por pneumococo, esta entidade cursa com uma elevada morbimortalidade, sobretudo quando raramente se associa à pneumonia e à meningite. Por isso, a identificação e terapia precoces são cruciais para modificar a sua evolução desfavorável.

Potencial Conflito de Interesses

Declaro não haver conflito de interesses pertinentes.

Fontes de Financiamento

O presente estudo não teve fontes de financiamento externas.

Vinculação Acadêmica

Não há vinculação deste estudo a programas de pós-graduação.

Artigo recebido em 26/11/09; revisado recebido em 31/03/10; aceito em 25/05/10.

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  • Correspondência:
    Fernando Goldoni
    Rua Flávio de Matos, 2462 - Vila Morumbi
    79051510 - Campo Grande, MS - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Revisado
      31 Mar 2010
    • Recebido
      26 Nov 2009
    • Aceito
      25 Maio 2010
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