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Tendência temporal de letalidade hospitalar por infarto agudo do miocárdio: 1994-2003

Resumos

OBJETIVO: Analisar a tendência temporal de letalidade atribuída ao infarto agudo do miocárdio (IAM) e se a mudança de conduta interferiu diretamente nesta letalidade. MÉTODOS: Avaliaram-se 1055 pacientes não selecionados internados em unidade coronariana de 1994-2003. Foram analisadas variáveis relacionadas ao perfil clínico e terapêutico. A análise estatística utilizou o amortecimento exponencial de séries temporais e outras técnicas como a regressão linear logística. RESULTADOS: A letalidade média foi de 10,8%, sendo 12% em 1994 e 7% em 2002 (p=0,000), uma redução relativa de 58%. Não houve variação significativa do perfil de risco dos pacientes. Eram 67,4% homens e 32,4% mulheres, com idade média de 60,93 e 64,84 anos, respectivamente e observou-se aumento significativo no percentual de cateterismos cardíacos (de 14% para 51%), na angioplastia realizada após 24 horas do infarto (de 2% para 33%), na cirurgia de revascularização miocárdica (de 4% para 7%) e na angioplastia primária (de 4% para 11%) com p=0,000, p=0,021, p=0,000 e p=0,000, respectivamente, para tendência linear. Nas primeiras 24 horas houve aumento do uso de aspirina e betabloqueadores, de 78% para 100% e, de 33% para 76% (p=0,003 e p=0,004, respectivamente) ao longo dos anos. Após a análise, persistiram como determinantes de letalidade a terapia de reperfusão miocárdica, a utilização de aspirina e de betabloqueador nas primeiras 24 horas do IAM (p=0,010, p=0,024 e p=0,035, respectivamente). CONCLUSÃO: Houve queda da letalidade e a mudança de conduta no tratamento do IAM ao longo dos anos foi responsável pela redução da letalidade nesta série temporal.

tendência temporal; letalidade hospitalar; infarto agudo do miocárdio


OBJECTIVE: To analyze the temporal tendency of lethality due to acute myocardial infarction (AMI) and if the change in behavior directly interfered in such lethality. METHODS: 1055 non-selected patients, who were hospitalized in coronary unit from 1994 to 2003, were assessed. Clinical and therapeutic profile-related variables were analyzed. The statistic analysis used the exponential damping of temporal series and other techniques, such as the logistic linear regression. RESULTS: The average lethality was 10.8%, being 12% in 1994 and 7% in 2002 (p=0.000), a relative reduction of 58%. There was no significant variation in the risk profile of the patients. There were 67.4% of men and 32.4% of women, with an average age of 60.93 and 64.84 years old, respectively. It was observed a significant increase in the percentage of cardiac catheterization (from 14% to 51%), in the angioplasty carried out 24 hours after the infarction (from 2% to 33%), in the surgery for myocardial revascularization (from 4% to 7%) and in the primary angioplasty (from 4% to 11%) with p=0.000, p=0.021, p=0.000 and p=0.000, respectively, for linear tendency. In the first 24 hours there was an increase of the use of aspirin and beta-blockers, from 78% to 100% and, from 33% to 76% (p=0.003 and p=0.004, respectively) along the years. After the analysis, the myocardial reperfusion therapy, the use of aspirin and beta-blocker in the first 24 hours of the AMI (p=0.010, p=0.024 and p=0.035, respectively) kept on being lethality determiners. CONCLUSION: There was a decrease in lethality and the change of behavior in the treatment of AMI along the years was responsible for the reduction of lethality in that temporal series.

temporal tendency; in-hospital lethality; acute myocardial infarction


ARTIGO ORIGINAL

Tendência temporal de letalidade hospitalar por infarto agudo do miocárdio. 1994-2003

Marco Antonio de Mattos; Daniele Gusmão Toledo; Carlos Eduardo de Mattos; Bernardo Rangel Tura; Diego Neri Benevides Gadelha; Aristarco Gonçalves de Siqueira Filho

Rio de Janeiro, RJ

Instituto Nacional de Cardiologia Laranjeiras e Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Marco Antonio de Mattos Rua General Rabelo, 64/202 22451-010 - Rio de Janeiro, RJ E-mail: demattos@cardiol.br

RESUMO

OBJETIVO: Analisar a tendência temporal de letalidade atribuída ao infarto agudo do miocárdio (IAM) e se a mudança de conduta interferiu diretamente nesta letalidade.

MÉTODOS: Avaliaram-se 1055 pacientes não selecionados internados em unidade coronariana de 1994-2003. Foram analisadas variáveis relacionadas ao perfil clínico e terapêutico. A análise estatística utilizou o amortecimento exponencial de séries temporais e outras técnicas como a regressão linear logística.

RESULTADOS: A letalidade média foi de 10,8%, sendo 12% em 1994 e 7% em 2002 (p=0,000), uma redução relativa de 58%. Não houve variação significativa do perfil de risco dos pacientes. Eram 67,4% homens e 32,4% mulheres, com idade média de 60,93 e 64,84 anos, respectivamente e observou-se aumento significativo no percentual de cateterismos cardíacos (de 14% para 51%), na angioplastia realizada após 24 horas do infarto (de 2% para 33%), na cirurgia de revascularização miocárdica (de 4% para 7%) e na angioplastia primária (de 4% para 11%) com p=0,000, p=0,021, p=0,000 e p=0,000, respectivamente, para tendência linear. Nas primeiras 24 horas houve aumento do uso de aspirina e betabloqueadores, de 78% para 100% e, de 33% para 76% (p=0,003 e p=0,004, respectivamente) ao longo dos anos. Após a análise, persistiram como determinantes de letalidade a terapia de reperfusão miocárdica, a utilização de aspirina e de betabloqueador nas primeiras 24 horas do IAM (p=0,010, p=0,024 e p=0,035, respectivamente).

CONCLUSÃO: Houve queda da letalidade e a mudança de conduta no tratamento do IAM ao longo dos anos foi responsável pela redução da letalidade nesta série temporal.

Palavras-chave: tendência temporal, letalidade hospitalar, infarto agudo do miocárdio

O infarto agudo do miocárdio (IAM) é o maior problema de saúde pública nos países industrializados. A sua incidência vem aumentando, assustadoramente, nos países em desenvolvimento1,2.

Um declínio progressivo e constante na taxa de mortalidade por IAM tem sido observado ao longo das últimas 4 décadas, de 30% para, aproximadamente, 15%3. Nos primórdios da década de 80, esforços significativos foram desenvolvidos na tentativa de limitar o tamanho do IAM, com a introdução dos fibrinolíticos e os betabloqueadores4-6. O uso disseminado do ácido acetilsalicílico e o desenvolvimento da angioplastia transluminal coronariana (ATC) em sua totalidade, contribuíram para a redução da taxa de mortalidade, a curto prazo, para 6,5%7-10.

Apesar da tendência de maior utilização das terapias, estas ainda são subutilizadas11-13. Alguns estudos demonstraram que o conhecimento de diretrizes nacionais ou internacionais não garantem uma prática médica baseada em evidências científicas14.

Diversas explicações existem para as mudanças verificadas na letalidade do IAM, registradas ao longo dos anos: melhora da monitorização, alteração da taxa de hospitalização por IAM, mudança do perfil de risco dos pacientes e melhora do tratamento farmacológico e intervencionista15-17.

Estudos que analisam a incidência, a evolução e a mortalidade por IAM ainda são escassos no Brasil. No Estado do Rio de Janeiro, existe publicado apenas um estudo sobre a letalidade hospitalar por IAM, em 1995, não havendo nenhum estudo sobre a tendência temporal de letalidade por IAM, em unidade coronariana (UC)18.

Dentro desta perspectiva, o presente estudo tem por objetivos estudar a tendência temporal da letalidade atribuída ao IAM, na UC e avaliar se a mudança de conduta interferiu diretamente nesta letalidade.

Métodos

Foram incluídos no estudo todos os pacientes com diagnóstico de IAM, não selecionados, independente da faixa etária, internados consecutivamente na Unidade Coronariana de 01/03/1994 a 01/03/2003, acompanhados prospectivamente durante a internação e os dados sobre as características do infarto e a evolução foram armazenados em um programa de banco de dados. Os critérios diagnósticos para IAM foram os estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde19. A partir do ano de 2000 utilizou-se a troponina I quantitativa como marcador sérico de infarto.

Foram investigados os fatores de risco clássicos para a doença arterial coronariana e considerou-se como antecedente de infarto do miocárdio a documentação em prontuário hospitalar ou a presença de onda Q patológica20.

Os critérios de elegibilidade para terapia de reperfusão miocárdica foram os recomendados pelo AHA/ACC21. Para a terapia farmacológica foi utilizada a estreptoquinase e a angioplastia primária (ATC P) foi introduzida na Instituição a partir de 1998. As complicações cardíacas avaliadas na UC foram a insuficiência cardíaca (classificação de Killip-Kimball22) à admissão hospitalar ou durante a internação, o reinfarto, a angina pós-IAM23 e as arritmias comuns no curso do IAM.

O cateterismo cardíaco (cine) era indicado na presença de isquemia persistente ou recorrente, insuficiência cardíaca, complicações mecânicas e arritmias ventriculares graves. A partir de 1998, a rotina da unidade coronariana passou a indicar cine com mais freqüência para os pacientes que evoluíam com insuficiência cardíaca, angina pós-IAM, IAM sem onda Q de alto risco e a angioplastia de resgate mais precocemente na falência da estreptoquinase (ATC seletiva/ATC-S).

As medicações adjuvantes utilizadas na fase aguda do infarto incluíram ácido acetilsalicílico, betabloqueadores intravenoso e oral, inibidores da enzima conversora da angiotensina, estatinas, inibidores da glicoproteína IIb/IIIa (com ATC P), ticlopidina, nitroglicerina e heparinas não fracionada e de baixo peso molecular, utilizadas de acordo com as condutas da rotina da unidade coronariana, já previamente publicadas24. As condutas sofreram atualização em 1998 e 2002 com utilização mais ampla de cine, ATC S, ácido acetilsalicílico, betabloqueadores e estatinas.

Para fins de cálculo da letalidade hospitalar, contabilizaram-se apenas os óbitos ocorridos durante a internação na UC por IAM25,26.

Após revisão dos valores contidos na base de dados, foi calculada a letalidade por IAM geral e de acordo com o tipo de IAM (com Q ou sem Q), a localização (anterior ou inferior), a idade (65 anos e < 65 anos), sexo, uso ou não de reperfusão, infarto prévio, insuficiência cardíaca, diabetes e outras variáveis.

Para averiguar se havia diferença significativa entre os valores destas variáveis com o passar dos anos, foi utilizado o método do qui-quadrado, seguido pelo qui-quadrado para tendência linear a fim de verificar se a mudança era consistente com uma reta ascendente ou descendente. Para avaliar as diferenças entre médias foi utilizado o teste T de Student e a ANOVA. Para avaliar a importância de mudanças no perfil de risco dos pacientes ao longo dos anos que pudessem interferir com a letalidade, foi utilizada a análise multivariada. Foi realizada a análise de regressão logística para as variáveis que apresentaram diferenças significativas em 3 momentos distintos: global (1994-2002), 1º período (1994-1998) e 2º período (1998-2002). Esta análise visou avaliar se a mudança da forma de tratamento determinou ou não uma mudança do comportamento destes preditores. Para analisar quais fatores foram determinantes independentes da mudança da letalidade, foi feito um ajuste múltiplo das características clínicas relacionadas a letalidade, através da regressão linear múltipla. Antes de cada variável ser acrescida ao modelo original, avaliou-se sua correlação com todas as outras para evitar colinearidade. Em seguida, foi realizado o amortecimento exponencial da série temporal, visando avaliar a tendência linear e a importância da letalidade do ano anterior no ano seguinte e estimar os resultados dos 2 anos futuros. A análise temporal é de março/1994 a março/2003.

Foram utilizados os software STATISTICA 6.0 para a realização do qui-quadrado e para as regressões logística e linear, e o R system 1.7.2 para o amortecimento exponencial.

Resultados

Foram incluídos consecutivamente, 1.055 pacientes com diagnóstico de IAM. Da amostra 713 (67,4%) eram homens. O IAMQ representou 76,5%. O número médio de pacientes com IAM foi de 105 (fig. 1). A idade média foi de 62,20±12,23 anos, sendo 60,93±12,4 para os homens e 64,84±11,5 para as mulheres.


A parede anterior foi acometida em 287 casos. Infarto prévio em 23,9% dos casos. Os fatores de risco mais freqüentes foram hipertensão arterial sistêmica (60,8%), história familiar (40,5%), tabagismo (38,4%), dislipidemia (31,6%) e diabetes mellitus (22,4%). A angina pós-IAM ocorreu em 268 pacientes, classe Killip-Kimball >2 em 290 pacientes e o reinfarto em 42. A letalidade média foi de 10,8%, sendo de 12% em 1994 e de 7% em 2002 (p=0,000), representando uma redução relativa de 58% (fig. 2).


Dos pacientes com supradesnivelamento do segmento ST, 35% (282) foram submetidos à terapia de reperfusão miocárdica, sendo 26,4% por trombolítico e 8,5% por ATC P. A cine foi realizada em 32,4% dos trombolizados e, destes, 11,7% submetidos à angioplastia de resgate (quase totalidade a partir de 1998). A letalidade foi de 10,8% nos trombolizados e de 10,1% nos submetidos a ATC P.

Foram encaminhados a cine 351 pacientes. A ATC S teve um crescimento significativo (p<0,004), de duas (1,7%) realizadas em 1994, para 31 (19,5%) em 2002. A cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) foi realizada em 55 pacientes.

Houve aumento da incidência de IAM sem onda Q (IAMSQ) e menor acometimento da parede anterior, respectivamente, p=0,000 e p=0,008 (tab. I). As mulheres eram 3,92 anos mais velhas que os homens.

De 1994 a 2003, aumentou a realização de cine (de 14% para 51%), de ATC S (de 2% para 33%) e da CRM (de 4% para 7%) com p=0,000, p=0,021 e p=0,000, respectivamente, para tendência linear.

Houve aumento da terapia de reperfusão miocárdica de 1994 para 2002 (p=0,000, para tendência linear) (fig. 3). Vale lembrar que 2003 é representado apenas pelos 3 primeiros meses do ano.


Conforme figura 4, ocorreu aumento significativo, nas primeiras 24 horas, na utilização de ácido acetilsalicílico e betabloqueadores.


A insuficiência cardíaca e a angina pós-IAM apresentaram redução significativa de suas incidências, de 1994 para 2003, de 31% para 15% e de 21% para 11%, respectivamente.

A tabela II demonstra as variáveis que compõem o perfil de risco dos pacientes. Apenas o acometimento da parede anterior e o IAMSQ apresentaram mudança ao longo dos anos (p=0,008 e p=0,000, respectivamente, para tendência linear). Para avaliar a influência na letalidade do IAM, realizou-se a análise das mesmas ao longo dos anos (tab. III). Fica clara a importante redução da letalidade após o ano de 1998. A importância dessas variáveis na letalidade hospitalar encontra-se na tabela IV. Em momento algum, o IAMSQ foi preditor independente de letalidade.

No caso da parede anterior, houve diminuição de sua frequência ao longo dos anos, acompanhada de queda da letalidade. Ao se analisar este dado em 3 períodos distintos, demonstra-se que a parede anterior foi preditora independente no período global do estudo (1994-2002) e de 1994-1998. Entretanto, no período de 1998-2002 deixa de ser preditora independente de letalidade hospitalar.

Para analisar quais os fatores determinantes independentes na mudança da letalidade hospitalar do IAM empregou-se a regressão linear múltipla.

Observou-se correlação entre o IAM de parede anterior e o IAMQ (R=0,9173 e p=0,000), escolhendo-se o IAM de parede anterior por motivos biológicos e clínicos. Após a análise, os determinantes de letalidade hospitalar foram: a terapia de reperfusão miocárdica, a utilização de ácido acetilsalicílico e de betabloqueador nas primeiras 24 horas do IAM (p=0,010, p=0,024 e p=0,035, respectivamente).

Discussão

As principais razões relacionadas às mudanças na letalidade hospitalar por IAM são a alteração da taxa de hospitalização, a mudança do perfil de risco dos pacientes e a melhora do tratamento farmacológico e intervencionista15-17.

Nesta pesquisa, nota-se na figura 1, que a taxa de internação média anual do IAM, ao longo de todo o período, foi de 105 pacientes, com menor número de internação em 1996 e 1999 (90 e 100, respectivamente). Entretanto, quando se avaliou a tendência geral de letalidade por IAM, a taxa de letalidade em 1996 foi a mais alta de todo o período e em 1998 e 1999 ocorreu um platô na curva de tendência. Este declínio na letalidade, com taxa de hospitalização estável ou aumentada é consistente com outros estudos publicados, que sugerem a melhora do tratamento como responsável pela tendência favorável na letalidade do IAM17,21,27.

A letalidade hospitalar por IAM depende do perfil de risco dos pacientes. As variáveis utilizadas nesta amostra (tab. II) também foram utilizadas em diversos trabalhos publicados28-34. Pode-se verificar que apenas o IAMSQ e a localização do infarto na parede anterior apresentaram mudanças de freqüência significativas ao longo dos anos, enquanto as outras variáveis não se alteraram. A regressão logística multivariada demonstrou que o IAMSQ não foi preditor independente de letalidade.

Segundo Burke e cols.35 a mudança no perfil de risco explica-se, em parte, por alterações na política de admissão hospitalar e pela melhora nas técnicas diagnósticas, criando-se condições para a detecção de pequenos infartos. A utlização da troponina pode ter levado a admissão de infartos menos graves, assim como no aumento da incidência de IAMSQ. Corroborando com a regressão logística na análise da tendência temporal de letalidade por tipo de IAM, observamos que esta permaneceu praticamente estável ao longo do tempo para o IAMSQ, enquanto para o IAMQ, houve queda significativa. Tal fato deve-se ao incremento das intervenções farmacológicas e invasivas empregadas no IAMQ, a partir de 1998 (figs. 3 e 4), o que refletiu na letalidade global por IAM. Resultado semelhante foi publicado em 2001, em 22 anos de estudo, em que se verificaram redução da incidência do IAMQ e aumento do IAMSQ. A letalidade hospitalar do IAMQ diminuiu com os anos (de 24% em 1975 para 14% em 1997) a do IAMSQ permaneceu estável, em 12%36.

No atual estudo, a freqüência do IAM anterior variou significativamente (p=0,008, para tendência linear), de 49,1% em 1994 para 30,2% em 2002, fato este que poderia ter influenciado a letalidade hospitalar. Associado à queda da freqüência também se observou declínio significativo da letalidade, de 16,4% para 8,3%, que poderia ser resultado direto do menor número de pacientes internados. Para avaliar o possível confundimento, empregou-se a regressão logística em 3 períodos distintos, demonstrando-se que no período de 1998 a 2002 a parede anterior deixa de ser preditora independente, com odds ratio de 1,39 (0,72 - 2,71, tab. IV). Período que coincide com a utilização mais intensiva de intervenções com efeito benéfico na letalidade, como a terapia de reperfusão (inclusão da ATC primária), a ATC S e a terapia farmacológica (figs. 3 e 4) como em outros estudos21,37, 38.

No presente trabalho não encontramos diferença significativa na freqüência de classe Killip > 2 ao longo dos anos (p=0,07), corroborando com o fato que a redução da letalidade não se acompanha necessariamente da redução da gravidade dos pacientes internados39.

Alexander e cols.40 relataram que a letalidade hospitalar por IAM está diretamente relacionada à idade mais elevada. No presente estudo, a proporção de idosos (em torno de 45%) não variou significativamente (p=0,977) ao longo dos anos

Este trabalho é o primeiro a analisar a tendência temporal de letalidade hospitalar por IAM, em 9 anos, na UC, e a influência das modalidades terapêuticas em uma população não selecionada. A letalidade hospitalar é um indicador tradicional de desempenho de qualidade da assistência, tendo sido recentemente destacada por Dubois41.

Mudanças terapêuticas ocorreram no tratamento do IAM nas últimas 2 décadas e, diversos estudos controlados, randomizados, investigaram o impacto da farmacoterapia adjunta e da reperfusão na letalidade hospitalar42-45. Heidenreich e cols.46 concluíram que a principal razão para o declínio da letalidade hospitalar precoce estava relacionada a ampliação da terapia adjuvante (ácido acetilsalicílico, IECA, betabloqueadores), as técnicas de reperfusão miocárdica, assim como a angioplastia seletiva (resgate, de urgência) e a CRM.

No registro francês, a proporção de utilização do ácido acetilsalicílico aumentou de 63% para 89% e de betabloqueadores de 41% para 64% no período de 1994 para 1995 com queda da letalidade 12,1% para 7,7%28. No Registro Americano do IAM, de 1990 a 1999, demonstrou-se crescente utilização desses fármacos nas primeiras 24h da admissão hospitalar47.

Nota-se no atual trabalho um aumento significativo na utilização da ácido acetilsalicílico e betabloqueadores (fig. 4), principalmente a partir de 1998, corroborando para o fato que a introdução e a ampliação destas terapias benéficas participaram da redução da letalidade hospitalar.

Uma parcela significativa da redução da letalidade está relacionada às intervenções (ATC P, CRM precoce, angioplastia de resgate, cinecoronariografia nos pacientes de alto risco) realizadas durante a fase aguda37,48.

Nesta amostra observamos aumento da cine e da ATC S (p=0,000 e p=0,021, para tendência linear). Isto se deu a despeito de não ter havido alteração do perfil de risco mas por ter ocorrido uma mudança na condução do tratamento do infarto na fase aguda pela rotina médica que se instalou a partir de 1998, intervindo mais agressivamente e precocemente nos pacientes de alto risco e com complicações. Durante recente simpósio latino-americano de terapia intensiva, nos pacientes da nossa UC submetidos a ATC P, a letalidade foi de 2%49.

No Estado do Rio de Janeiro, dos 23108 pacientes com diagnóstico de IAM, avaliados através das autorizações de internação hospitalar, entre 1995 e 2000 encontrou-se pequena tendência decrescente, porém significativa da letalidade hospitalar, de 18,4% para 16,9%, com média de 18%, sendo que a utilização da terapia trombolítica quase que dobrou, passando de 6,6% para 11,8% (r2=0,69 e p<0,05). Para o Município do Rio de Janeiro, a letalidade hospitalar do mesmo período não sofreu mudança significativa, de 16,5% para 15,8%50.

De acordo com diversos autores existe uma importante variação nos perfis de utilização das tecnologias aplicadas no IAM, com indicações e eficácia já plenamente investigadas, debatidas e estabelecidas51-53. Este fato é devido à existência de graus variáveis de adesão ou de conhecimento dos protocolos baseados em evidência científica14,54. Na UC, a equipe reúne-se periodicamente para atualização das condutas de acordo com as necessidades e a disponibilidade dos recursos terapêuticos disponíveis. Depois de atualizadas, estas passam a ser plenamente empregadas pela equipe médica, mantendo a uniformidade e adesão à rotina.

Uma das limitações deste estudo é o baixo poder de generalização e, portanto, suas conclusões só devem ser aplicadas a populações com um perfil de IAM semelhante a este. A segunda limitação refere-se ao fato que este tipo de estudo analisou os dados gerais e não a informação individual de cada paciente. Por causa disto, a avaliação de casualidade ficou prejudicada, tendo sido minimizada com a análise de série temporal, aplicada no presente estudo.

Em conclusão, neste estudo, observou-se que houve redução da letalidade hospitalar por IAM, em ambos os sexos e que o declínio da letalidade se deveu à implementação, na prática diária, de medidas clínicas farmacológicas e intervencionistas.

Enviado em 19/07/2004 - Aceito em 23/11/2004

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  • Endereço para correspondência

    Marco Antonio de Mattos
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Maio 2005
    • Data do Fascículo
      Maio 2005

    Histórico

    • Aceito
      23 Nov 2004
    • Recebido
      19 Jul 2004
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