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Fechamento Percutâneo de CIV Traumática com ASD Occluder

Palavras-chave
Comunicação Interventricular / complicações; Contusões Miocárdicas; Hemólise; Comunicação Interventricular / cirurgia

Introdução

As comunicações interventriculares traumáticas (CIV) são excepcionalmente raras. Podem ser consequência de um trauma contuso ou penetrante. Acredita-se que a maioria dos pacientes morre antes de chegar ao hospital, o que torna esta condição ainda mais desafiadora.

A oclusão percutânea da CIV traumática tem sido apresentada como uma alternativa à cirurgia convencional aberta.11 Rollins MD, Koehler RP, Stevens MH, Walsh KJ, Doty DB, Price RS, et al. Traumatic ventricular septal defect: case report and review of the English literature since 1970. J Trauma. 2005;58(1):175-80. A intervenção percutânea pode ter alguns benefícios. O objetivo deste relato de caso é apresentar uma situação em que a comunicação foi fechada usando um oclusor septal Amplatzer.

Relato de Caso

Um homem de 23 anos foi admitido no departamento de emergência após uma colisão frontal no carro. Sofreu traumatismo contuso grave, que incluía enfisema subcutâneo cervical, contusão pulmonar bilateral, hemotórax esquerdo, pneumomediastino e fraturas complexas de ambos os fêmures. Estava em choque hemorrágico e foi levado imediatamente para o centro cirúrgico. Após a fixação externa de ambos os fêmures e conseguida a estabilidade hemodinâmica, foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva. Na manhã seguinte, observou-se a presença de um sopro holossistólico alto. O eletrocardiograma de 12 derivações mostrou apenas taquicardia sinusal. Foi realizado ecocardiograma transtorácico e posteriormente um transesofágico (ETE) e ambos demonstraram uma grande comunicação interventricular muscular, localizada no segmento anteroseptal médio com sinais de dissecção através do septo basal (Figura 1). Media 19 mm no lado do ventrículo esquerdo (VE) e 7 mm no lado do ventrículo direito (VD). O pico de gradiente shunt de esquerda para direita foi estimado em 84 mmHg e a relação Qp/Qs foi estimada em 1,8/1,0. O cateterismo cardíaco mostrou repercussão hemodinâmica limitada (pressão sistólica da artéria pulmonar de 35 mmHg e relação Qp/Qs de 1,9/1,0) e o paciente permaneceu clinicamente estável, portanto uma estratégia conservadora foi decidida naquele momento para permitir que as bordas se curassem e criar uma comunicação mais delimitada.

Figura 1
Imagens ecocardiográficas da CIV. Painel A: CIV localizada no segmento anteroseptal médio. Painel B: CIV medindo 19 mm no lado do VE e 7 mm no lado do VD. Painel C: onda contínua Doppler estimando gradiente de pico a 84 mmHg.

Foi liberado depois de se recuperar da cirurgia ortopédica. Três meses depois, o paciente foi reavaliado e permaneceu assintomático.

Repetiu o cateterismo cardíaco, que mostrou uma relação Qp/Qs de 2,95/1,0. Como o shunt aumentou significativamente, se decidiu fechar a comunicação percutaneamente.

O procedimento foi feito sob anestesia geral e guiado por ecocardiografia transesofágica. O cateterismo cardíaco foi realizado utilizando a artéria femoral direita (bainha de 6 fr) e a veia (bainha de 7 fr) e foi administrada heparina não fraccionada. O angiograma do VE confirmou uma CIV com uma entrada oblíqua desde o VE para a via de saída do ventrículo direito. A CIV foi cruzada usando uma abordagem arterial retrógrada com um fio-guia flexível, que foi avançado na artéria pulmonar. O fio-guia, então, enrolou e trouxe a bainha venosa femoral. Isso criou um ciclo arteriovenoso para permitir a colocação do dispositivo de oclusão. Um cateter de balão de dimensionamento NuMed foi posteriormente utilizado para medir a comunicação, mas não foi possível mantê-lo estável. Portanto, cálculos ecocardiográficos foram utilizados para escolher o tamanho do dispositivo. Um oclusor septal Amplatzer de 8 mm foi primeiro selecionado e carregado na bainha. O dispositivo foi avançado através da CIV, mas prolapsou de volta ao VD quando estava sendo soltado. Após essa tentativa fracassada, utilizou-se uma abordagem ligeiramente diferente. A CIV foi cruzada mais uma vez usando o fio-guia, desta vez na direção oposta na artéria subclávia direita. Mais uma vez, foi enrolado para fazer um ciclo arteriovenoso, mas, nesta ocasião, puxou-se através da bainha arterial femoral. Para esta segunda tentativa, foi decidido empregar um oclusor septal Amplatzer de 10 mm. O dispositivo foi avançado através da bainha venosa e nesta vez foi colocado com sucesso (Figura 2). O angiograma do VE após o procedimento revelou um shunt residual leve e a relação Qp/Qs reduzida para 1,53/1,0.

Figura 2
Oclusor ASD de 10 mm implantado na CIV. Painel A: posição do dispositivo na CIV. Painel B: angiograma do VE com shunt residual leve. Painel C e D: ETE exibindo o shunt residual através da borda superior do dispositivo.

O ecocardiograma transesofágico foi repetido um mês após o procedimento, o que mostrou o dispositivo bem adaptado à comunicação. No entanto, um shunt residual permaneceu na borda superior do dispositivo com um gradiente de pico estimado em 90 mmHg (Figura 2).

Outra complicação deste procedimento foi o aparecimento de hemólise autolimitada transitória. A análise sanguínea inicial mostrou um valor de LDH > 2000 UI/L e haptoglobina < 6 mg/dL. A condição permaneceu estável e resolvida sem a necessidade de transfusões de sangue.

O paciente continuou sendo assintomático e retornou à sua vida profissional anterior.

Discussão

Existem alguns poucos mecanismos possíveis que explicam o desenvolvimento de CIVs traumáticas. Neste caso, a contusão cardíaca após compressão entre o esterno e a coluna vertebral ou devido a altas pressões intratorácicas no impacto parecem ser as explicações mais prováveis.11 Rollins MD, Koehler RP, Stevens MH, Walsh KJ, Doty DB, Price RS, et al. Traumatic ventricular septal defect: case report and review of the English literature since 1970. J Trauma. 2005;58(1):175-80.

Durante a permanência nosso paciente estava melhorando clinicamente, o que levou a nossa decisão de atrasar a intervenção. Além disso, é sabido que nos DSVTs o tecido fibrótico facilita a colocação do dispositivo em oclusões eletivas.22 Dehghani P, Ibrahim R, Collins N, Latter D, Cheema AN, Chisholm RJ. Post-traumatic ventricular septal defects--review of the literature and a novel technique for percutaneous closure. J Invasive Cardiol. 2009;21(9):483-7. No entanto, o shunt progressivamente crescente, levou à decisão de fechá-la. Foi inicialmente considerado para cirurgia, mas, considerando os riscos associados a este procedimento, a abordagem alternativa foi ponderada. A oclusão percutânea pode ser um substituto bem-sucedido com algumas vantagens. Ela remove o bypass cardiopulmonar, evita a formação de cicatrizes arritmogênicas relacionadas à ventriculotomia e reduz a internação hospitalar e o tempo de recuperação.

Devido a que estes são casos raros com características diversas, pode ser um desafio dimensionar com precisão a comunicação. Neste caso, medições ecocardiográficas imprecisas e a dificuldade em operar o cateter balão de dimensionamento, levaram à escolha inapropriada do primeiro dispositivo.

Uma possível complicação de selecionar este tipo de dispositivos é o aparecimento da hemólise. O mecanismo provável é a passagem do fluxo sanguíneo turbulento de alta velocidade através do dispositivo, o que causa a fragmentação mecânica dos eritrócitos. Embora existam relatos de hemólise crônica, geralmente é de auto-resolução.33 Martinez MW, Mookadam M, Mookadam F. A case of hemolysis after percutaneous ventricular septal defect closure with a device. J Invasive Cardiol. 2007;19(7):E192-4. Como nos casos anteriores,44 Pesenti-Rossi D, Godart F, Dubar A, Rey C. Transcatheter closure of traumatic ventricular septal defect: an alternative to surgery. Chest. 2003;123(6):2144-5.,55 Suh WM, Kern MJ. Transcatheter closure of a traumatic VSD in an adult requiring an ASD occluder device. Catheter Cardiovasc Interv. 2009;74(7):1120-5. encontramos a mesma complicação. Nosso paciente permaneceu assintomático e a hemólise resolvida sem a necessidade de transfusões de sangue.

Conclusão

Os dispositivos percutâneos podem ser selecionados como a primeira escolha para fechar uma CIV traumática. Demonstramos que o ASD Occluder pode ser implantado com sucesso e que a eficácia clínica aceitável pode ser alcançada.

References

  • 1
    Rollins MD, Koehler RP, Stevens MH, Walsh KJ, Doty DB, Price RS, et al. Traumatic ventricular septal defect: case report and review of the English literature since 1970. J Trauma. 2005;58(1):175-80.
  • 2
    Dehghani P, Ibrahim R, Collins N, Latter D, Cheema AN, Chisholm RJ. Post-traumatic ventricular septal defects--review of the literature and a novel technique for percutaneous closure. J Invasive Cardiol. 2009;21(9):483-7.
  • 3
    Martinez MW, Mookadam M, Mookadam F. A case of hemolysis after percutaneous ventricular septal defect closure with a device. J Invasive Cardiol. 2007;19(7):E192-4.
  • 4
    Pesenti-Rossi D, Godart F, Dubar A, Rey C. Transcatheter closure of traumatic ventricular septal defect: an alternative to surgery. Chest. 2003;123(6):2144-5.
  • 5
    Suh WM, Kern MJ. Transcatheter closure of a traumatic VSD in an adult requiring an ASD occluder device. Catheter Cardiovasc Interv. 2009;74(7):1120-5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2018

Histórico

  • Recebido
    19 Dez 2016
  • Revisado
    08 Set 2017
  • Aceito
    09 Nov 2017
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